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A.A. 2023

 

 

1ª Lição 18 de Setembro: Termos e Conceitos

 

 

REPÚBLICA DE ANGOLA

UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO

Faculdade de Ciências Sociais

 

Curso de Mestrado em Sociologia

 

Ano Académico 2023-24

 

Designação da Unidade Curricular:

Sociologia Económica e de Desenvolvimento

Nome do Docente:

Gabriele Bortolami

Descrição Geral:

 

O Seminário abordará os processos de diferenciação e de mudanças sociais a partir da tradição conhecida como sociologia económica e do desenvolvimento. Abordará o conceito de desenvolvimento, tal como se apresenta na literatura sociológica contemporânea.

Duração:

 

1 semestre

Objectivos/Competências a Desenvolver:

 

Saber abordar as questões do desenvolvimento com base nos instrumentos analíticos da Sociologia Económica e do Desenvolvimento.

Conteúdos Programáticos:

 

1. Sociologia Económica: os principais autores, escolas e obras de referência

2. Teoria dos factores económicos como influenciadores das estruturas e atitudes sociais

3. O desenvolvimento económico

4. O papel do Estado na economia

5. A relação da economia com os valores sociais

6. Mercado e consumo

7. Abordagen sociológica do desenvolvimento

8. Capitalismo, Estado e desenvolvimento

9. Globalização e desenvolvimento

10. Dimensões do desenvolvimento, pobreza, desigualdade

11. Desenvolvimento e desigualdades sociais em África e em Angola

12. Desenvolvimento, democracia e modernização

13. Desenvolvimento rural

14. Temas de desenvolvimento: trabalho e emprego; transição demográfica, envelhecimento populacional

15. Sociologia económica em Angola

 

Bibliografia:

a) Bibliografia Fundamental:

Maurer, Andrea. 2021. Handbook of Economic Sociology for the 21st Century. edited by A. Maurer. Cham: Springer.

Portes, Alejandro. 2010. Economic Sociology: A Systematic Inquiry. Princeton: Princeton University Press.

Frantz, Walter. 2010. Sociologia do Desenvolvimento I. Ijuí: Unijuí.

Guillén, Mauro F. 2003. The New Economic Sociology: Developments in an Emerging Field. New York: Russell Sage Foundation.

Steiner, Philippe. 2006. A Sociologia Econômica. São Paulo: Atlas.

Shionoya, Yuichi, & Tamotsu Nishizawa. 2008. Marshall and Schumpeter on Evolution. Economic Sociology of Capitalist Development. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited.

Parsons, Talcott, and Neil J. Smelser. 2005. Economy and Society. New York: Taylor & Francis.

Sen, Amartya. 2000. Lo Sviluppo è Libertà. Milano: Mondadori.

Smelser, Neil J. 2005. The Handbook of Economic Sociology. Princeton: Russel Sage.

Swedberg, Richard. 2003. Principles of Economic Sociology. Princeton: Princeton University Press.

b) Bibliografia Complementar:

Lévesque, Benoît. 2007. “Contribuição da Nova Sociologia Econômica para repensar a economia no sentido do Desenvolvimento Sustentável.” Revista de Administração de Empresas 47(2): 49–60.

Leme, André Alessandro. 2015. “Desenvolvimento e Sociologia: Uma Aproximação Necessária.” Revista Sociedade e Estado 30 (2): 495–527.

Métodos de Ensino:

 

O módulo será desenvolvido através de exposições do docente, apresentações orais dos mestrandos e discussões baseadas nos textos previamente indicados aos mestrandos.

O módulo termina com uma prova escrita.

Regime de Avaliação (Modalidades, elementos, calendarização, ponderação):

 

A avaliação será baseada na participação dos mestrandos nas actividades lectivas programadas e em paper relacionado aos temas discutidos ao longo do seminário.

Participação: 25%

Paper: 25%

Prova escrita: 50%

Luanda, Setembro de 2023

 

Definição

A sociologia do desenvolvimento é o ramo da sociologia que, interagindo com as dimensões económica, social e política, se ocupa da análise dos efeitos da mecanização generalizada da produção.

O estudo das condições necessárias para o acesso dos países não industrializados à revolução industrial ocupou vários autores, nomeadamente os da "teoria da modernização", como Bert Hoselitz, Nash e Eisenstadt.

Nos anos sessenta do século XX, num contexto histórico em que a maior parte das colónias dos países europeus tinha encontrado a sua independência política, a posição da sociologia do desenvolvimento era otimista e via a industrialização como benéfica e recomendável ao progresso dos países do chamado terceiro mundo. Contudo, a constatação de que as descolonizações não tinham acarretado independência económica para os novos países levou a uma relativização dessa perspetiva, com os sociólogos de inspiração marxista dos anos setenta a denunciarem o cariz interesseiro das ajudas dos países ocidentais à industrialização no terceiro mundo. Actualmente a sociologia do desenvolvimento alerta, precisamente, para a impossibilidade de transposição mecânica de modelos de desenvolvimento entre países em tudo diferentes. Autores que incluem nas suas reflexões as preocupações deste ramo de sociologia são, entre outros, Robert Nisbet (History of the Idea of Progress, 1980), Tom Bottomore (Theories of Modern Capitalism, 1985), David Booth (World Development, 1985) e, em Portugal, Alfredo Bruto da Costa e Celso Furtado.

A sociedade e a economia estão enfrentando enormes desafios nos dias de hoje. Nas últimas décadas, a globalização atingiu uma nova dimensão; a digitalização trouxe novos padrões de ação e formas organizacionais; as crises mudaram a forma como olhamos para a economia; e as desigualdades sociais aumentaram muito. Observamos variações no capitalismo, um declínio das economias planejadas centralmente e uma ascensão dos mercados acompanhada por formas alternativas de coordenação. Só recentemente reconhecemos que a China, bem como partes da Africa, combinaram mercados, estados e laços sociais de uma nova maneira de reorganizar a economia. Nas economias africanas modernas, vemos o desafio de alcançar a sustentabilidade e, ao mesmo tempo, aumentar a produção econômica. Um último desafio vem das crises econômicas e sociais. As crises econômicas de maior alcance abalaram as instituições econômicas modernas, a confiança nos mercados globais e a estrutura social em 2007-2008 e 2020. De modo geral, muita coisa aconteceu desde a virada do século.

A sociologia econômica também está enfrentando uma mudança tremenda. Depois que ele foi desenvolvido na década de 1970, centrado com sucesso em torno da ideia de que os factores sociais são importantes para a estrutura e os resultados econômicos, mais sociólogos entraram no campo de pesquisa vindos de origens diferentes e fazendo perguntas diferentes. Embora o conhecido programa da nova sociologia econômica tenha sido estabelecido como um ramo da sociologia dos Estados Unidos desde a década de 1970, as novas linhas referem-se a abordagens recentes e clássicas do pensamento e da sociologia europeus. Os fundadores da nova sociologia econômica, Ronald Burt , James Coleman , Mark Granovetter , Richard Swedberg e Harrison White , estudaram factores sociais que apóiam o intercâmbio de mercado moderno e o empreendedorismo a fim de superar as deficiências da teoria econômica e sociológica padrão. As abordagens mais recentes que entraram no campo durante as últimas duas décadas assumem novas perspectivas e enfatizam as várias inter-relações entre economia e sociedade. Algumas novas linhas adotam e ampliam o conceito de 'inserção social'. Alguns deles trazem factores culturais e analisam crenças, valores, convenções ou práticas e como eles moldam o pensamento e as ações econômicas, enquanto outros recém-chegados se concentram em aspectos sociais, processos socioeconômicos e até mesmo formas econômicas, como o capitalismo de mercado. Enquanto a corrente principal da nova sociologia econômica estuda as relações sociais nos mercados modernos, a maioria dos recém-chegados assume uma perspectiva mais social e crítica, como a socioeconomia e a economia política, entre outras.

No início do século XXI, os sociólogos econômicos estão reconsiderando suas origens, a sua actual posição e para onde esperam chegar no futuro. Não apenas as tradições sociológicas europeias foram reinventadas, mas uma jovem comunidade internacional de sociólogos econômicos emergiu, dando origem a novos tópicos de pesquisa e questionando as perspectivas iniciais.

1 Análise bibliográfica

Maurer Andre (2021)

Este manual fornece uma visão geral dos principais desenvolvimentos que ocorreram no campo da sociologia económica após o seu renascimento desde a década de 1980 nos EUA. Oferece novas perspectivas sobre a singularidade da sociologia económica europeia em comparação com a sociologia económica dos EUA, que surgiu no final do século XX. O manual apresenta a sociologia económica como um campo em desenvolvimento que começou com certas bases como a nova sociologia económica, alargando a perspectiva ao introduzir factores sociais, concentrando-se assim mais nos sistemas de crenças gerais, nas formas sociais de coordenação e nas relações entre a sociedade e a economia. Oferece um excelente retrato do campo de investigação, ajudando a identificar os principais fundamentos e trajetórias, bem como novas perspectivas de investigação para uma sociologia económica globalizada.

Portes, Alejandro

 

O estudo sociológico da actividade económica testemunhou um ressurgimento significativo. Textos recentes narram as origens da sociologia económica no século XIX, ao mesmo tempo que apontam para a importância do contexto e do poder na vida económica, mas o campo carece de uma compreensão clara do papel que os conceitos em diferentes níveis de abstracção desempenham na sua organização. A Sociologia Económica preenche esta lacuna crítica ao examinar o estado actual do campo, ao mesmo tempo que avança um quadro para um maior desenvolvimento teórico. Alejandro Portes examina os principais pressupostos da sociologia econômica, os principais conceitos explicativos e os locais de pesquisa selecionados. Ele argumenta que a actividade económica está inserida nas relações sociais e culturais, mas também que o poder e as consequências não intencionais da acção racional e intencional devem ser tidos em conta quando se procura explicar ou prever o comportamento económico. Baseando-se numa riqueza de exemplos, Portes identifica três locais estratégicos de investigação – a economia informal, os enclaves étnicos e as comunidades transnacionais – e evita grandes narrativas em favor de teorias de médio alcance que nos ajudam a compreender tipos específicos de acção social. O livro mostra como os meta-pressupostos da sociologia económica podem ser transformados, sob certas condições, em proposições testáveis, e apresenta uma agenda teórica destinada a tirar o campo do seu actual impasse. e comunidades transnacionais - e evita grandes narrativas em favor de teorias de médio alcance que nos ajudam a compreender tipos específicos de acção social. O livro mostra como os meta-pressupostos da sociologia económica podem ser transformados, sob certas condições, em proposições testáveis, e apresenta uma agenda teórica destinada a tirar o campo do seu actual impasse. e comunidades transnacionais - e evita grandes narrativas em favor de teorias de médio alcance que nos ajudam a compreender tipos específicos de acção social. O livro mostra como os meta-pressupostos da sociologia económica podem ser transformados, sob certas condições, em proposições testáveis, e apresenta uma agenda teórica destinada a tirar o campo do seu actual impasse.

 

Frantz, Walter

 O sistema econômico hegemônico, no mundo atual, orienta-se por relações que são, predominantemente, competitivas e concorrenciais, sempre mais, dominado pelas grandes corporações. Trata-se de uma economia que orienta sua produção e distribuição pelo sistema de preços e pelo valor de troca, orientado pela lógica da acumulação capitalista. Essa lógica se afirmou, através do mercado, como motivação para a produção e a distribuição de bens e riquezas, entre nações e seres humanos. Escreve Karl Polanyi (2000, p. 89): «Uma economia desse tipo se origina da expectativa de que os seres humanos se comportem de maneira tal a atingir o máximo de ganhos monetários». Essa compreensão, certamente, implica uma noção economicista da natureza humana. Não se pode negar o lugar central das questões econômicas na vida das pessoas, mas a vida também não pode ser reduzida a uma dimensão econômica apenas.

Hoje, nesse contexto, o cenário é de submissão da economia à lógica do capital financeiro. Essa lógica passou a ser a ordem das coisas, o sentido do poder e da força de regulação das relações sociais. No sistema de produção concorrencial e sempre mais globalizado, embasado na inovação e flexibilidade e a reboque dessa lógica, redefine-se o trabalho e o papel do trabalhador. Muitos perdem seus lugares de trabalho; outros não o alcançam mais. O desemprego como uma das formas predominantes de exclusão social tornou-se um fenômeno estrutural. A economia, tendo o capital financeiro como seu centro nervoso, ao contrário da fase industrial clássica, não opera no sentido de incluir o maior número possível de trabalhadores, no mercado de trabalho e de consumo, mas opera pela exclusão de um número cada vez maior pela automação, pela velocidade da inovação tecnológica. Enfim, na sociedade atual, o núcleo do poder econômico está no mundo das finanças, enquanto se constitui um cenário de fragmentação e dispersão da estrutura produtiva, isto é, desfazem-se as fronteiras e os limites, cada vez mais, das economias nacionais (Sevcenko , 2001).

Afirma Jeremy Rifkin (1995) que a maciça substituição do homem pela máquina forçará cada nação a repensar o papel a ser desempenhado pelos seres humanos no processo social. Redefinir oportunidades e responsabilidades para milhões de pessoas numa sociedade sem o emprego de massa formal deverá ser a questão social mais desafiadora às políticas públicas.

De outro lado, ao mesmo tempo em que existem flagrantes sinais de crise ambiental, grande parte da população mundial passou a viver na periferia desse sistema, ainda que integrada a sua dinâmica. Essa relação de integração traz em si dois aspectos contraditórios: de um lado, a ilusão pela inclusão daqueles que vivem na periferia e, de outro, o discurso sobre o mérito pessoal. Isto é, na ótica desse discurso, a posição social e econômica das pessoas, acima de tudo, é fruto do esforço individual, desconhecendo sua integração e submissão ao contexto das relações de força de uma economia e de sociedade, cada vez mais, globalizadas e orientadas pela lógica capitalista. Nesse sentido, Milton Santos (2001, p. 15) fala de globalização perversa, «fundada na tirania da informação e do dinheiro, na competitividade, na confusão dos espíritos e na violência estrutural». A lógica da vida e do trabalho é submetida à racionalidade econômica do capital.

A economia capitalista é seletiva e excludente, orientando-se pelo princípio da acumulação, que é muito diversa de uma economia, voltada à valorização do trabalho humano. No decorrer histórico da economia de mercado, o desenvolvimento da ciência e da política foi convertido em força produtiva a favor do capital, potencializando a capacidade de acumulação e concentração das riquezas (Sevcenko, 2001). A mundialização dessa racionalidade, na visão de Antonio Faundez (2001, p. 175), «destrói os elos sociais, econômicos e culturais da maior parte das sociedades, impondo e valorizando somente as ligações econômicas entre as pessoas». Jean-Paul Maréchal (2000, p. 11), afirma que «não obstante uma riqueza em crescimento tendencial e cujo nível absoluto nunca foi tão elevado, as sociedades de economia de mercado mostram- se incapazes de impulsionar uma dinâmica de progresso proveitosa para todos». O cenário das desigualdades sociais permite questionar a ideia de progresso como produto das relações econômicas, levando a crer «de que os acontecimentos históricos desenvolvem-se no sentido mais desejável, realizando um aperfeiçoamento crescente» (Abbagnano, 2000, p. 799). Segundo Nicola Abbagnano, diante dos fatos históricos, hoje, a ideia de progresso que nos vem da visão positivista está muito abalada.

Alain Touraine

 

Na visão de Alain Touraine (1998, p. 10), «a afirmação de que o progresso é o caminho para a abundância, liberdade e felicidade e que estes três objetivos estão fortemente ligados entre si, nada mais é que uma ideologia constantemente desmentida pela história». Por sua vez, Ulrich Beck (2010, p. 15-16) escreve: «O acúmulo de poder do ‘progresso’ tecnológico-econômico é cada vez mais ofuscado pela produção de riscos. [...] que se precipitam sob forma de ameaças à vida de plantas, animais e seres humanos».

Hoje, em termos amplos, dados apontam que cerca de vinte por cento da humanidade usufrui oitenta por cento das riquezas produzidas, resultando em imensos desafios à humanidade, em todos os níveis e campos da organização humana.

Bauman

 

Segundo Zygmunt Bauman (2005, p. 25), «para qualquer um que tenha sido excluído e marcado como refugo, não existem trilhas óbvias para retornar ao quadro dos integrantes». Os economistas Hans-Peter Martin e Harald Schumann (1998) apresentam estudos sobre concentração de bens e renda, desemprego e exclusão social. Em seus estudos sobre globalização apontam para a ameaça de que, no futuro, para o funcionamento da economia mundial seriam necessários apenas vinte por cento da população ativa. Hoje, apesar do crescimento do volume global das riquezas, em países da Europa, segundo os autores, os dados indicam para o declínio do poder de compra e do rendimento líquido médio, para a supressão de milhões de empregos. A crise atual, especialmente, a partir de 2008, permite acreditar na confirmação dessas projeções.

Uma sociedade mais justa e acolhedora para todos não parece ser compatível com a ordem hegemônica, isto é, com as relações comerciais e financeiras estabelecidas entre as nações e seus habitantes. Dados econômicos e sociais permitem afirmar que estamos diante de uma crise dos grandes sistemas modernos de organização social. Henri Bartoli (1996, p. 19), em relação às experiências capitalistas e socialistas afirma: «Nem um nem outro se mostrou capaz de encaminhar o universo econômico e social [...] para um tal estado que a opção a favor da vida seja a pedra angular da organização econômica e social […]». Por outro lado, Ulrich Beck (2010, p. 23) chama a atenção sobre os riscos à civilização tecnológica: «a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos».

Dados indicam que o meio ambiente (Jager, 2007), não suporta mais o modelo de desenvolvimento que tem como objetivos e metas a maximização do lucro e da acumulação do capital. Klaus Wiegandt (2007, p. 9) afirma: «Nós nos desviamos do caminho de sucesso inicial com muito progresso e nos encontramos em um caminho equivocado de ameaças com riscos imprevisíveis». Para ele existe um perigo que vem da crença na possibilidade de um ilimitado crescimento econômico, inclusive, da crença nas inovações tecnológicas como respostas para todos os desafios sociais, hoje e no futuro. Observa que uma sociedade que queira, seriamente, orientar-se por um desenvolvimento sustentável, não pode prescindir de atores sociais críticos e criativos, dispostos ao debate e às ações. Portanto, estamos diante de uma complexa tarefa e que vai também exigir contribuições por parte de setores como os da educação e da política.

Os limites do meio-ambiente e dos recursos da natureza, o acirramento da competição, o aprofundamento da concentração de capitais, o excesso de produção, em contradição com a exclusão econômica e social de grande parcela da população, os desafios da sustentabilidade política e da segurança do sistema, fazem nascer críticas e questionamentos, cada vez mais fortes, com relação à lógica de uma economia centrada no lucro em desfavor da vida.

Desse cenário resultam imensos desafios, em todos os níveis e campos da organização humana. Certamente, um dos maiores desafios para o século XXI será o de recolocar as necessidades humanas no lugar da busca do lucro, isto é, de promover a economia do humano (Maréchal, 2000). Isso, certamente, implica em profundas mudanças na concepção do processo de desenvolvimento das sociedades, predominante, até hoje (Jager, 2007). Muitos são os desafios à ciência e à política, no sentido de mudanças nos processos de produção e apropriação das riquezas (Schmidt-Bleek, 2008). Diante dos resultados da crença no mercado sob a lógica da acumulação do capital ou da crença no planejamento estatal como instrumentos e mecanismos de coordenação da produção e distribuição dos bens de vida, acredito estarmos diante de novos desafios, quanto à organização social e econômica dos seres humanos. Atualmente, cresce a consciência de que o desenvolvimento tecnológico e a economia precisam de caminhos sustentáveis, que tenham a vida como eixo central.

Para o sociólogo Luiz de Aguiar Costa Pinto (1999), impõe-se uma necessidade profunda da análise científica sobre a sociedade humana que conduza à criação, ou invenção, de novas formas e padrões de coexistência e cooperação dos seres humanos entre si e das sociedades humanas com seu meio ambiente.

Novos espaços ao movimento cooperativo

 

Certamente, um dos maiores desafios para o século XXI será o de colocar as necessidades humanas no lugar da necessidade do lucro. Isso exige novas relações de trabalho, passando-se da cooperação orgânica à cooperação política. Impõe-se o conhecimento e a cooperação no sentido da criação de novas possibilidades de convivência social e ambiental. Coloca-se o desafio de acolher a liberdade individual e a necessidade do coletivo como dimensões de organização social.

Trata-se de um processo, portanto, que deverá ter como núcleo central a reação à dimensão individualista e consumista, passando pelo resgate da dimensão associativa e cooperativa da vida, em todas as suas formas, desde questões ambientais gerais até questões específicas da economia. A sociedade contemporânea “em rede” parece indicar essa possibilidade pelo caminho da organização cooperativa, a partir de um processo dialógico de ação-reflexão, no sentido da construção de novas relações econômicas e estruturas sociais.

Escreve Jürgen Habermas (1976) que a experiência da desigualdade social fez nascerem movimentos sociais e suas respectivas estratégias de ação. De acordo com Raymond Boudon e François Bourricaud (2000, p. 372), «um movimento social pode constituir-se em torno de “interesses” a serem defendidos ou promovidos». Por sua vez, Alain Touraine (1998, p. 254) afirma que «um movimento social é ao mesmo tempo um conflito social e um projeto cultural. (...) visa sempre a realização de valores culturais, ao mesmo tempo em que a vitória sobre um adversário social». Essas afirmações permitem concluir pela diversidade das origens, sentidos e significados dos movimentos sociais, ao longo da história da dinâmica social da vida humana. São manifestações históricas que expressam necessidades e interesses, ocorram elas no campo da economia, da política, da cultura ou da educação. Nesse sentido, escreve Mario Osorio Marques (2000):

«Os Movimentos sociais revelam o caráter histórico e reconstrutivo das sociedades humanas, a tensão permanente entre o mundo da vida e os sistemas que tentam colonizá-lo ao reduzi-lo a uma racionalidade estreita e fechada, a racionalidade estratégica do manejo das vontades ou a racionalidade instrumental do uso dos meios sem a consideração dos fins» (p. 72).

As necessidades e os interesses do mundo da vida das pessoas representam a força do movimento social pela cooperação. Quanto maior a clareza e a consciência em relação a essas necessidades e interesses tanto maior pode ser a articulação das relações de organização das pessoas, isto é, maior pode ser a força do movimento cooperativo. Pode-se dizer que o somatório das necessidades, dos interesses, da clareza e da consciência das pessoas produz uma força motora que mobiliza a sociedade. Ou melhor, a sociedade se movimenta pela capacidade de organização e dinamismo dessa força, que é desencadeada a partir das relações entre as pessoas. Um desses movimentos é o movimento pela organização cooperativa. Trata-se de um movimento, predominantemente, relacionado à economia, porém, com reflexos na política, na cultura, na educação, na comunicação ou em qualquer outro espaço social.

A cooperação em sua forma moderna pode ser considerada como um produto da organização capitalista da sociedade: constitui uma reação às dificuldades técnicas, sociais, políticas e culturais, frente à lógica da acumulação do capital. As modernas formas de organização cooperativa nasceram no espaço do mercado capitalista. A cooperação moderna propõe mudanças na organização econômica da sociedade, mediante a instauração de um sistema baseado em associações-cooperativas, de caráter econômico, postas a serviço das necessidades e interesses de quem trabalha. Assim, a história do cooperativismo se confunde com a história da economia, isto é, com a história da produção e da distribuição dos bens e das riquezas, entre os seres humanos.

A economia não é apenas uma questão técnica de produção e distribuição. Ela é também uma questão política, que envolve discussão sobre necessidades e interesses, inerentes ao processo produtivo e distributivo. Portanto, expressa cultura, visões de mundo. Assim, o que acontece no campo da economia exerce influência sobre o pensamento e o comportamento das pessoas, isto é, sobre o seu comportamento de cooperação.

Por isso, hoje, é preciso retomar o sentido político da organização cooperativa. É preciso politizar o movimento cooperativo. Historicamente, o conflito social presente em sua base esteve relacionado com a má distribuição das riquezas, as restritas oportunidades sociais, a luta por melhores condições de vida, o reconhecimento da liberdade de organização de quem vive do seu trabalho. É uma história, portanto, diretamente ligada à economia de necessidades e interesses. A economia da cooperação, nesse caso, consiste no esforço técnico e político de produzir e distribuir bens e riquezas, em função de necessidades ou interesses das pessoas, mas que têm o capital como instrumento fundamental.

Escreve Mario Osorio Marques (2000, p. 73):

«No interior mesmo da totalidade capitalista, surgem os movimentos de defesa e promoção de interesses vitais, ambíguos e conflitivos entre a oposição e a acomodação, como os movimentos sindical e cooperativo, que, mesmo à custa de pequenas vitórias e concessões várias, têm-se revelado escolas de aprendizagem no mundo prático e nas articulações políticas».

O cooperativismo moderno não nasceu só de consequências sociais negativas da Revolução Industrial. O cooperativismo moderno é resultado do espírito e da cultura da época e que se instalou também no campo político. Os seus valores, relacionados ao associativismo, à solidariedade e à cooperação, indicam para o reconhecimento de seus protagonistas como sujeitos e atores da história. O cooperativismo moderno nasceu no campo da economia, fundado no espírito dos ideais da liberdade e da igualdade social. Nasceu como um processo a instrumentalizar as promessas da modernidade, em função da defesa e da valorização do trabalho humano. Brotou do campo das lutas sociais por uma economia centrada na valorização do trabalho humano, orientado por ideias democráticas de participação, de organização, de reconhecimento do papel e da função do cidadão, em oposição às relações sociais servis anteriores e à submissão na relação capitalista. O movimento histórico do cooperativismo moderno incorporou ideias iluministas, socialistas e liberais, da época. Como tal, é também expressão do liberalismo social.

O movimento cooperativo moderno busca a afirmação da cultura da cooperação nas relações econômicas de oferta e procura, em favor do trabalho humano. Sair da individualidade para a comunidade pelo estabelecimento de interesses comuns. Este é o aspecto político do cooperativismo moderno, diante da ausência de um projeto global de sociedade para a maioria da população. O desafio da construção de um novo projeto de sociedade, a sociedade em rede cooperativa, recoloca a questão da cooperação para a economia. Em outras palavras, afirma a atualidade do movimento como um lugar de comunicação e debate a respeito de práticas técnicas e econômicas de produção e distribuição de riquezas. Como tal constitui processos sociais, que podem contribuir para a afirmação de alternativas, no espaço das relações econômicas, de laços sociais e de cultura, frente às tendências individualistas e de exclusão social. Pode-se reconhecer no cooperativismo um lugar de reconstrução de identidades, do coletivo, dos laços sociais rompidos, do reconhecimento do ser humano.

Portanto, contém o cooperativismo como fenômeno social, em sua essência, a necessidade da aproximação, da identificação, da solidariedade, da participação, da democracia, da responsabilidade social. Contém a potencialidade da construção de novos laços sociais. Esses são significados que permitem ver na organização cooperativa um instrumento potencial de intervenção na realidade social. Certamente, essa é também uma das diferentes razões pela atual valorização crescente da organização cooperativa.

Entretanto, ainda que o movimento cooperativo moderno possa ser caracterizado como reação de grupos sociais menos favorecidos, no sentido de se oporem ao sistema capitalista, as práticas cooperativas são sempre mais instrumentais, frente às forças do mercado de lógica capitalista. Em função das limitações de seus associados, suas necessidades, seus interesses e aspirações em uma economia de consumo, sempre mais atraente, as estruturas operacionais de cooperação são, facilmente, inseridos no sistema de poder dominante, com algumas vantagens. As organizações cooperativas como estruturas produtivas de grupos isolados são facilmente cooptadas pelo sistema dominante. Isto é, o cooperativismo também corre o risco de ser reduzido a instrumento do capital e não do trabalho, perdendo sua essência de luta política.

Porém, apesar desse risco, para muitas pessoas ou grupos sociais, hoje, a cooperação, torna-se, novamente, elemento fundamental à construção de seus espaços de vida, pois a organização cooperativa, para além da expressão material, desenvolve também expressões culturais, políticas e sociais que se somam aos interesses, objetivos e necessidades de seus associados. A dimensão cultural de um empreendimento cooperativo está nos valores, nas crenças, nas normas e costumes inerentes às práticas sociais cooperativas. São componentes que incidem sobre o funcionamento de uma organização. Reconhecer a importância de outras dimensões na organização cooperativa, certamente, não diminui o fundamento econômico da cooperação. A recuperação dessa dimensão cultural e de seus significados não econômicos, certamente, constitui uma potencialização do capital social, uma possibilidade social agregadora e integradora da organização cooperativa, diante do fenômeno da globalização e do risco da exclusão social.

Yuichi Shionoya, Tamotsu Nishizawa

 

Economia e sociologia do capitalismo

Tradicionalmente, entendia-se que enquanto Marshall era o sintetizador da economia neoclássica, Schumpeter desafiava a concepção dinâmica da economia em lugar da estrutura estática da economia. Embora os historiadores do pensamento económico raramente discutam o trabalho de Alfred Marshall e Joseph Schumpeter em conjunto, os colaboradores deste livro fazem exactamente isto da perspectiva do pensamento evolucionista. Este trabalho único e original afirma que, apesar das diferenças entre o pensamento Marshalliano e Schumpeteriano, ambos apresentam desafios formidáveis a um tipo amplo de ciência social para além da economia, particularmente sob a influência da escola histórica alemã. Afastando-se da visão recebida sobre a natureza das obras de Marshall e Schumpeter, os colaboradores exploram seus temas em termos de uma visão evolutiva e de um método de evolução; ciências sociais e evolução; concepções de evolução; e evolução e capitalismo. Este recurso oportuno proporcionará um estímulo não só aos estudos de Marshall e Schumpeter no âmbito da história do pensamento económico, mas também aos esforços recentes dos economistas para explorar um campo de investigação que vai além da corrente principal da economia de equilíbrio. Será, portanto, uma leitura fascinante para académicos, estudantes e investigadores da economia evolutiva e heterodoxa e historiadores do pensamento económico. Este recurso oportuno proporcionará um estímulo não só aos estudos de Marshall e Schumpeter no âmbito da história do pensamento económico, mas também aos esforços recentes dos economistas para explorar um campo de investigação que vai além da corrente principal da economia de equilíbrio. Será, portanto, uma leitura fascinante para académicos, estudantes e investigadores da economia evolutiva e heterodoxa e historiadores do pensamento económico. Este recurso oportuno proporcionará um estímulo não só aos estudos de Marshall e Schumpeter no âmbito da história do pensamento económico, mas também aos esforços recentes dos economistas para explorar um campo de investigação que vai além da corrente principal da economia de equilíbrio. Será, portanto, uma leitura fascinante para académicos, estudantes e investigadores da economia evolutiva e heterodoxa e historiadores do pensamento económico.

(2005), Economia e moralidade , Edward Elgar

Qual é o propósito da economia? Para responder a esta questão intrigante e fundamental, este livro fornece uma abordagem sistemática à ética económica e constrói uma relação entre a economia e a moralidade; expõe questões teóricas e práticas da filosofia econômica em duas dimensões: valores e instituições. Na dimensão dos valores, Yuichi Shionoya explora as conexões entre a economia e a moralidade, reconstruindo um sistema coerente de ética que coordena o “bem, o certo e a virtude”. Com base neste sistema de ética, o livro passa a discutir a dimensão das instituições e apresenta a filosofia do Estado de bem-estar social, que consiste numa instituição contemporânea tripartida de “capitalismo, democracia e segurança social”. Economia e Moralidade é uma contribuição notável para a ética económica que explora questões filosóficas fundamentais, incluindo eficiência versus justiça e liberdade versus excelência. A sua ênfase única é a economia da virtude, que se preocupa com a utilização virtuosa dos recursos económicos para o desenvolvimento humano e aplicada à reforma do Estado-providência. Economistas, filósofos e estudiosos da política social e do Estado de bem-estar social considerarão este livro de grande interesse - parte do seu apelo reside na sua abordagem interdisciplinar aos sistemas económicos, políticos e sociais contemporâneos, baseada na síntese de valores morais. e aplicado à reforma do estado de bem-estar social. Economistas, filósofos e estudiosos da política social e do Estado de bem-estar social considerarão este livro de grande interesse - parte do seu apelo reside na sua abordagem interdisciplinar aos sistemas económicos, políticos e sociais contemporâneos, baseada na síntese de valores morais. e aplicado à reforma do estado de bem-estar social. Economistas, filósofos e estudiosos da política social e do Estado de bem-estar social considerarão este livro de grande interesse - parte do seu apelo reside na sua abordagem interdisciplinar aos sistemas económicos, políticos e sociais contemporâneos, baseada na síntese de valores morais.

 

(1993), O bem e o económico , Berlin, Springer

A economia torna o incomensurável comensurável pelos preços monetários. Por outro lado, existem variedades de bondade, como a ética, que parecem não se enquadrar na escala de preços da economia, mas não podem ser negligenciadas na economia. Devem, portanto, ser encontradas formas de integrar a ética na economia. O objetivo deste livro é a integração do discurso ético no discurso econômico sobre o que é econômico e eficiente. Ele investiga a estrutura da bondade. A contribuição deste volume para o debate actual em ética económica e ética empresarial reside na sua análise dos diferentes significados do bem e na sua reflexão sobre as possibilidades de implementação de bens éticos na prática do economista e do gestor da empresa. Seus ensaios investigam o papel da ética na escolha social e individual. Eles examinam e comparam os determinantes culturais das economias ocidental e japonesa, os seus fundamentos éticos e culturais. Eles examinam os princípios da boa gestão. Como pode a gestão incorporar os bens humanos e considerar as virtudes da imparcialidade e da devida consideração ao particular na sua prática empresarial? O livro desenvolve a ideia de uma economia ética na economia e de uma gestão ética na administração de empresas. O negócio dos negócios é um negócio ético. Como pode a gestão incorporar os bens humanos e considerar as virtudes da imparcialidade e da devida consideração ao particular na sua prática empresarial? O livro desenvolve a ideia de uma economia ética na economia e de uma gestão ética na administração de empresas. O negócio dos negócios é um negócio ético. Como pode a gestão incorporar os bens humanos e considerar as virtudes da imparcialidade e da devida consideração ao particular na sua prática empresarial? O livro desenvolve a ideia de uma economia ética na economia e de uma gestão ética na administração de empresas. O negócio dos negócios é um negócio ético.

 

(2000), A teoria do capitalismo na tradição económica alemã , Berlin, Springer.

A teoria do capitalismo e da ordem económica é o tema central da tradição económica alemã no século XX. O capitalismo não tem sido apenas o tema da economia marxista e da Escola de Frankfurt, mas também da Escola Histórica e da teoria pós-marxista do capitalismo no Ordo e no Neoliberalismo, bem como no Solidarismo. A questão dos fundamentos da ordem económica da economia de mercado e do capitalismo, bem como o problema de saber se é possível um terceiro caminho entre o capitalismo e o socialismo, ocupou esta tradição desde a Escola Histórica até ao Ordo Liberalismo e à teoria da economia social de mercado. . A teoria do capitalismo e da economia social de mercado, bem como a crítica e a reforma desenvolvidas nesta tradição teórica, são importantes para a teoria dos sistemas económicos, bem como para os problemas actuais da ordem económica. A sua relevância para a economia mundial actual é visível nas discussões sobre se existem diferentes modelos de capitalismo e se estes podem ser descritos como o modelo anglo-americano e como o modelo renano de capitalismo influenciado pelo pensamento da tradição económica alemã. Michel Albert, o autor desta classificação, deu a palavra-chave no seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo. A sua relevância para a economia mundial actual é visível nas discussões sobre se existem diferentes modelos de capitalismo e se estes podem ser descritos como o modelo anglo-americano e como o modelo renano de capitalismo influenciado pelo pensamento da tradição económica alemã. Michel Albert, o autor desta classificação, deu a palavra-chave no seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo. A sua relevância para a economia mundial actual é visível nas discussões sobre se existem diferentes modelos de capitalismo e se estes podem ser descritos como o modelo anglo-americano e como o modelo renano de capitalismo influenciado pelo pensamento da tradição económica alemã. Michel Albert, o autor desta classificação, deu a palavra-chave no seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo. deu a palavra-chave em seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo. deu a palavra-chave em seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo.

 

Sen, Amartya

 

Sobre a disigualdade económica

Neste texto clássico, publicado pela primeira vez em 1973, Amartya Sen relaciona a teoria da economia do bem-estar com o estudo da desigualdade económica. Ele apresenta um tratamento sistemático da estrutura conceitual, bem como dos problemas práticos de medição da desigualdade. Na sua análise magistral, Sen avalia várias abordagens para medir a desigualdade e delineia as causas e efeitos das disparidades económicas. Contendo as quatro palestras da edição original, bem como uma nova introdução, este estudo atemporal é leitura essencial para economistas, filósofos e cientistas sociais.

Numa nova introdução, Amartya Sen, juntamente com James Foster, examina criticamente a literatura que se seguiu à publicação deste livro e também avalia as principais questões analíticas na avaliação da desigualdade económica e da pobreza.

 

From Poverty to Power

O século XXI será definido pela luta contra os flagelos da pobreza, da desigualdade e da ameaça do colapso ambiental – tal como a luta contra a escravatura ou pelo sufrágio universal definiu épocas anteriores. From Poverty to Power argumenta que para quebrar o ciclo de pobreza e desigualdade e para dar às pessoas pobres o poder sobre os seus próprios destinos é necessária uma redistribuição radical de poder, oportunidades e bens. As duas forças motrizes por detrás de tal transformação são os cidadãos activos e os Estados eficazes. Porquê cidadania activa? Porque as pessoas que vivem na pobreza devem ter voz na decisão do seu próprio destino, na luta pelos direitos e na justiça na sua própria sociedade e na responsabilização dos Estados e do sector privado. Porquê Estados eficazes? Porque a história mostra que nenhum país prosperou sem uma estrutura estatal capaz de gerir activamente o processo de desenvolvimento. Existe agora uma urgência adicional para além da questão moral de combater a pobreza e a desigualdade: precisamos de construir um mundo seguro, justo e sustentável antes que as alterações climáticas tornem isso impossível. Este livro argumenta que ainda há tempo, desde que líderes, organizações e indivíduos atuem. Começando hoje

 

O desenvolvimento é liberdade

O desenvolvimento, argumenta Amartya Sen, vencedor do Prémio Nobel da Economia em 1998, deve ser entendido como um processo de expansão das liberdades reais desfrutadas pelos seres humanos, tanto na esfera privada como na esfera social e política. Consequentemente, o desafio do desenvolvimento consiste em eliminar vários tipos de “falta de liberdade”, incluindo a fome e a pobreza, a tirania, a intolerância e a repressão, o analfabetismo, a falta de cuidados de saúde e de protecção ambiental, a liberdade de expressão, que limita ao indivíduo, homem ou mulher, o oportunidade e capacidade de agir segundo a razão e de construir a vida que preferir. Para provar a sua tese, Sen não se baseia apenas na ciência económica, mas também traça um mapa de exemplos retirados da história.

 

Smelser

 

Economia e Sociologia: rumo a uma Integração

Nos últimos anos, a economia tem sido alvo de críticas cada vez mais severas. Não conseguiu prever nem contrariar a crise económica que actualmente afecta quase todo o mundo ocidental. A vida económica está mais perturbada do que nunca: - a taxa de inflação aumentou de forma alarmante - o desemprego não tem sido tão elevado desde a década de 1930 - o crescimento económico está estagnado - há uma oposição crescente à desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza, à escala nacional tal como no mundo em geral - o processo de integração económica (CEE, GATT, UNCTAD) está a ser frustrado - os programas de desenvolvimento económico no terceiro mundo não produziram os efeitos desejados - etc. Obviamente, não seria justo atribuir a culpa da crise à ciência económica. Mas a situação atual exige uma consideração séria da questão! imitações de explicação econômica. Entre as ciências sociais, a economia é inquestionavelmente a disciplina mais avançada. A sua própria sofisticação, no entanto, leva-o a abstrair-se de fenómenos sociais como normas, instituições, poder, conflito e mudança social. Assim, a influência manifesta das variáveis sociológicas no curso dos processos económicos permanece oculta. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida. leva-o a abstrair-se de fenômenos sociais como normas, instituições, poder, conflito e mudança social. Assim, a influência manifesta das variáveis sociológicas no curso dos processos económicos permanece oculta. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida. leva-o a abstrair-se de fenômenos sociais como normas, instituições, poder, conflito e mudança social. Assim, a influência manifesta das variáveis sociológicas no curso dos processos económicos permanece oculta. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida.

 

Manual de Sociologia Económica

O Manual de Sociologia Econômica, Segunda Edição é o tratamento mais abrangente e atualizado de sociologia econômica disponível. A primeira edição, co-publicada em 1994 pela Princeton University Press e pela Russell Sage Foundation como uma síntese do florescente campo da sociologia económica, rapidamente se estabeleceu como a apresentação definitiva do campo e foi amplamente lida, revista e adoptada. Desde então, o campo da sociologia económica continuou a crescer a passos largos e a mover-se para um novo território teórico e empírico. A segunda edição, embora seja tão abrangente na sua cobertura como a primeira edição, representa uma renovação total. Neil Smelser e Richard Swedberg mantiveram intacta a estrutura geral principal, mas quase dois terços dos capítulos são novos ou têm novos autores. Assim como na primeira edição, eles reúnem sociólogos importantes, bem como representantes de outras ciências sociais. Mas os trinta capítulos deste volume incorporam muitas mudanças temáticas substanciais e novas linhas de investigação - por exemplo, maior enfoque nas preocupações internacionais e globais, capítulos sobre análise institucional, a transição de economias, organizações e redes socialistas, e a sociologia económica de o mundo antigo. O Manual de Sociologia Econômica, Segunda Edição é o recurso definitivo sobre o que continua a ser uma das vanguardas da sociologia e uma de suas mais importantes aventuras interdisciplinares. É uma leitura obrigatória para todos os professores, estudantes de pós-graduação e alunos de graduação que trabalham na área.

Gertraude Mikl-Horke e Peter Marsden

 

Gertraude Mikl-Horke e Peter Marsden, especialistas, demonstram como os fundamentos clássicos ainda influenciam a sociologia econômica e por que devem ser usados no futuro.  Gertraude Mikl-Horke discute os diferentes entendimentos da sociologia econômica nos escritos de Max Weber, Joseph A. Schumpeter e Karl Polanyi, enfatizando uma orientação histórico-empírica. Peter Marsden concentra-se no trabalho de James S. Coleman e investiga a noção de capital social como uma ferramenta fundamental para sociólogos econômicos.  Andrea Maurer discute como a nova sociologia econômica poderia melhorar, colaborando com a abordagem do mecanismo para explorar como e por que os fatores sociais moldam a economia. Pierre François investiga a tradição francesa de institucionalismo e como ela contribui para a sociologia econômica, analisando várias instituições.

Tradição classica na sociologia economica

Swedberg

Os últimos quinze anos testemunharam uma explosão na popularidade, criatividade e produtividade da sociologia econômica, uma abordagem que remonta a Max Weber. Este importante novo texto oferece uma visão abrangente e actualizada da sociologia econômica. Também avança o campo teoricamente, destacando, em uma análise, os papéis econômicos cruciais dos interesses e das relações sociais. Richard Swedberg descreve as percepções críticas do campo sobre a vida econômica, dando atenção especial aos efeitos da cultura sobre os fenômenos econômicos e as formas como as ações econômicas estão embutidas nas estruturas sociais. Ele examina toda a gama de instituições econômicas e explica a relação da economia com a política, direito, cultura e gênero. Swedberg observa que os sociólogos muitas vezes deixam de enfatizar adequadamente o papel que o comportamento egoísta desempenha nas decisões econômicas, enquanto os economistas frequentemente subestimam a importância das relações sociais. Assim, ele argumenta que a próxima grande tarefa para a sociologia econômica é desenvolver uma compreensão teórica e empírica de como os interesses e as relações sociais funcionam em combinação para afetar a ação econômica.

Quem, por exemplo, se lembra hoje do trabalho de Erving Goffman em sociologia econômica (por exemplo, Goffman 1972, 1982)? Finalmente, e talvez o mais importante, alguns dos insights mais valiosos de pesquisadores anteriores, que poderiam ser de grande ajuda para os sociólogos econômicos de hoje, foram esquecidos. Esse é o caso de muito do que Weber diz em seu capítulo sobre sociologia econômica em Economia e sociedade. Também é verdade, de maneira mais geral, para sua sociologia interpretativa (Weber, 1978).

STEINER , Philippe. São Paulo: Atlas, 2006.

O livro de Steiner é uma excelente introdução à sociologia contemporânea dos mercados, pois expõe as principais teorias e pesquisas deste campo do conhecimento sociológico, tendo em vista a sua relação com a teoria econômica. Entretanto, como uma introdução à sociologia econômica enquanto tal (como deixa entender o título), o livro deixa a desejar, na medida em que analisa apenas os estudos sobre os mercados e, deste modo, não cobre todos os temas da sociologia econômica. Mas como introdução à sociologia econômica dos mercados, a obra tem como mérito principal a exposição clara, didática e exaustiva deste assunto. Esta característica introdutória e didática fica clara ao longo das páginas nas quais encontramos destacadas e separadas do texto do livro enquanto tal, breves definições e explicações a respeito de questões, conceitos e correntes teóricas da economia e da sociologia, fazendo com que, assim, o livro seja acessível aos leitores sem conhecimento de uma ou de outra dessas duas ciências. Enfim, é um livro interessante tanto para os leitores iniciados quanto para os não iniciados nos estudos sociológicos sobre os mercados

Wright Mills

O que deve ser mantido e o que pode ser esquecido em uma tradição de pesquisa? Esta é obviamente uma questão chave para todas as ciências e não é fácil de responder. Uma resposta interessante, no entanto, pode ser encontrada na ideia de C. Wright Mills do que ele chama de 'a tradição clássica' (ver especialmente Mills 1960, 1-17). Embora seja comum entre os sociólogos referir-se e elogiar os clássicos, a abordagem de Mills é diferente. Em primeiro lugar, pelo termo clássico ele entende as qualidades gerais de uma obra que torna um estudo clássico, independentemente de serem encontradas em estudos contemporâneos ou em estudos que são antigos o suficiente para serem qualificados como clássicos no sentido convencional. Em segundo lugar, ele explica o que torna um estudo clássico; e neste ponto ele tem algumas idéias sugestivas.

Como um exemplo concreto de como Mills imaginou a tradição clássica em sociologia, pode-se levar seu leitor em sociologia, Images of Man: The Classic Tradition in Sociological Thinking (1960). Como era de se esperar, contém trechos de obras de sociólogos como Marx, Weber e Durkheim. No entanto, também contém alguns escritos de não sociólogos, como Walter Lippman, e de sociólogos mais recentes, como Karl Mannheim. Ao explicar o que torna um estudo um clássico, Mills apresenta o seguinte argumento. Em um clássico, você encontrará um modelo de como funciona algo importante para a sociedade, o que pode inspirar várias teorias diferentes. Embora o modelo em si não possa ser testado, de acordo com Mills, as teorias individuais podem. Mesmo que uma teoria individual esteja errada, o modelo original ainda permanecerá; e é essa qualidade que o torna um clássico.

A ideia de Mills do que constitui um clássico sociológico é, até certo ponto, semelhante ao que Robert K. Merton entende por Fenômeno da Fênix (Merton 1984, 1091). Segundo Merton, há um pequeno número de teses sociológicas que, depois de comprovadas como incorretas, ressurgem como uma fênix das cinzas. O exemplo mais conhecido disso é A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber (1930). Ao contrário de Mills, Merton não tenta definir as qualidades que transformam um clássico em clássico. Ele fica satisfeito em apontar que os sociólogos devem evitar o erro de acreditar que cada nova pesquisa representa uma melhoria em relação ao que já é conhecido. Merton se refere a esta última tendência como 'a falácia da palavra mais recente;' e é claramente parte da história Whig ou a tendência de olhar para o passado exclusivamente da perspectiva do que é dominante hoje (Merton 1984, 1092).

Nas páginas seguintes, tentarei ser mais preciso do que Mills e Merton ao explicar por que as obras de Marx, Weber e alguns outros se qualificam como contribuições à tradição clássica da sociologia econômica. Argumentarei que um clássico tem algo novo a dizer sobre vários tópicos diferentes. Pode transmitir uma visão forte em combinação com um programa de pesquisa; apontar para um ou vários novos fenômenos econômicos; usar um novo tipo ou uma nova fonte de dados; introduzir um novo método de coleta ou análise de dados; ou transgredir os limites da sociologia econômica e ciências vizinhas em uma

maneiras. Após uma apresentação de algumas das pessoas e obras que fazem parte da tradição clássica da sociologia econômica, concluirei delineando algumas maneiras pelas quais é possível trabalhar na tradição clássica e complementá-la.

A Tradição Clássica

Alexis de Tocqueville

 

A sociologia tornou-se uma disciplina acadêmica no final do século XIX, mas o tipo de análise sociológica, incluindo a sociologia econômica, é mais antiga. As primeiras partes do século XIX são especialmente interessantes graças ao trabalho de Tocqueville (1805-59) e Karl Marx (1818-83). Ambos viam suas análises como uma forma de economia política e que a economia deveria ser vista como uma parte orgânica da sociedade, com vínculos principalmente com o Estado. Em suma, ainda não existia a cisão, que mais tarde se desenvolveria, entre a maneira como os sociólogos e os economistas veem a economia. Tocqueville escreveu duas obras importantes durante sua vida, uma sobre os Estados Unidos nos anos 1800, Democracy in America (Tocqueville 2004), e uma sobre a Revolução de 1789 na França : O velho regime e a revolução (Tocqueville 1997). Ambos contêm uma série de análises interessantes da economia que, repetindo, era vista como uma parte orgânica da sociedade (por exemplo, Swedberg 2009). Assim como Tocqueville baseou-se em várias fontes diferentes para sua análise, incluindo as primeiras formas de entrevista e pesquisa, ele também viu os fenômenos econômicos como o resultado de muitas forças diferentes, como trabalho, ganância e emoções.

O trabalho de Tocqueville foi, sem dúvida, influenciado por sua visão da sociedade como se movendo de ser controlada por uma elite (aristocracia), para a elite perdendo poder para o povo em geral (democracia). É assim que ele via a economia; houve um movimento no mundo ocidental de uma pequena aristocracia controlando a maior parte das terras, para pessoas comuns possuindo cada vez mais a terra, bem como outras propriedades. Tocqueville também estava profundamente preocupado com o fato de que a ideia de igualdade, incluindo igualdade econômica, se tornaria tão forte na sociedade moderna que ameaçaria a ideia de liberdade.

Em seu estudo sobre a Revolução Francesa, Tocqueville fornece um retrato das tensas relações que existiam na França entre as classes sociais desde a Idade Média. Ele enfatizou o grande impacto que a tributação tem na estrutura social pelas formas como é organizada. Desse modo, ele foi pioneiro no que mais tarde seria chamado de sociologia fiscal. Ele também tinha muitas coisas interessantes a dizer sobre as maneiras como o confisco de propriedades, ocorrido durante a Revolução, afetou a moralidade geral da população, incluindo o senso de honestidade.

No entanto, é em sua análise da economia dos Estados Unidos que Tocqueville deu sua contribuição mais importante para a sociologia econômica. Ele ressaltou que na década de 1830, quando visitou os Estados Unidos, a cultura principal do país (com o que ele se referia aos estados do Norte) já tinha um caráter totalmente comercial. Aqui, como em outras partes da Democracia na América, Tocqueville enfatizou o espírito empreendedor da população americana, que, em outras palavras, existia muito antes de o país se industrializar. Não havia camponeses nos Estados Unidos, como havia na Europa, apenas agricultores. Esses fazendeiros não eram tão apegados à terra como os camponeses eram apegados na Europa. Os americanos aproveitaram todas as oportunidades para vender produtos. O mesmo forte espírito comercial estava em toda parte. Os americanos gostavam de ganhar dinheiro e, na ausência de um sistema de classes totalmente desenvolvido, muitas oportunidades existiam. O tipo de classes rígidas que caracterizavam o feudalismo na Europa não existia nos Estados Unidos; e um novo tipo de aula, com fronteiras mais abertas, estava surgindo.

Tocqueville também enfatizou o quanto os americanos gostam de arriscar com seu dinheiro, na esperança de obter lucro. As falhas não os detiveram. A falência não foi vista como um descrédito, como foi o caso na Europa. Tocqueville também notou que, quando os navios americanos cruzavam o Atlântico, eram muito mais rápidos do que os europeus. A razão para isso não teve nada a ver com a construção dos barcos, nem que os marinheiros dos navios americanos estivessem

mais bem pagos, na verdade não eram. O motivo era outra coisa: os americanos gostavam de correr riscos. Navegavam mesmo quando o tempo estava ruim, sempre se aventurando na frente, na esperança de ganhar mais dinheiro.

Os Estados Unidos, em resumo, já tinham uma cultura voltada para o lucro e empreendedora no século XIX. Por meio de sua ênfase no papel que a cultura e as emoções desempenham na economia, Tocqueville deu uma importante contribuição à sociologia econômica. Sua obsessão em inspecionar as coisas por si mesmo e sempre usar fontes primárias, mesmo quando as fontes secundárias estavam disponíveis, também elevou o padrão para as gerações posteriores de sociólogos econômicos.

 Karl Marx

 

Como Tocqueville, Marx tinha uma visão de como a economia e a sociedade estão ligadas uma à outra; nenhum pode ser compreendido sem o outro. Enquanto Tocqueville apontava para o movimento da elite para a pessoa comum, Marx viu a chave para a mudança histórica no trabalho (cf. Lukács 1980; Marx 1990). Em todas as sociedades, deve-se trabalhar para viver, de acordo com Marx; esta é uma condição existencial para os seres individuais. De acordo com Capital, “trabalho ... é uma condição da existência humana que é independente de todas as formas de sociedade” (Marx 1990,133). O foco no trabalho humano e a necessidade de ganhar a vida estavam relacionados à visão materialista de Marx sobre os seres humanos. Embora os sociólogos modernos tenham tendido a destacar a natureza relacional da sociedade, esse não foi o caso com Marx. As pessoas não apenas interagem umas com as outras, mas também com a natureza. Muito antes de Bruno Latour, Marx também entendia a importância dos objetos materiais para o ser humano.

Desde o início da história, argumentou Marx, as pessoas se organizaram em grupos. Existem aqueles que exploram o trabalho dos outros e aqueles que são explorados. À medida que a história avança, esses dois grupos assumem várias formas diferentes; e a tecnologia desempenha um papel importante aqui. Os senhores e escravos de ontem eventualmente se tornaram os capitalistas e trabalhadores de hoje. O antagonismo entre capitalistas e trabalhadores, que constituem as duas classes básicas da sociedade capitalista, acabará por resultar em uma revolução. Na sociedade comunista, propriedade e trabalho serão compartilhados de maneira igualitária.

O que caracteriza a sociedade capitalista, segundo Marx, é que tudo ou é uma mercadoria ou está se transformando em uma. Isso inclui o indivíduo cujo trabalho agora se torna algo que pode ser comprado e vendido, resultando em alienação e exploração. O trabalho cria mais-valia, que impulsiona a sociedade capitalista. “Acumule, acumule! Esse é Moisés e os profetas ”, lemos em Capital (Marx 1990, 742). Embora a lei básica do capitalismo seja bastante simples, seu impacto na sociedade não é. Muitos factores diferentes, explica Marx, ajudam a explicar o curso desigual e às vezes catastrófico da sociedade capitalista. Existem, por exemplo, tendências dentro de uma economia capitalista que levam os capitalistas a aumentar a exploração. Também existem factores que fazem com que os trabalhadores cresçam em número e acabem se radicalizando.

Ao contrário de Engels, Marx não tinha conhecimento pessoal da vida dentro das fábricas. No entanto, ele localizou uma fonte empírica muito rica sobre o trabalho industrial na Inglaterra, a saber, os relatórios dos inspetores de fábrica. Estes eram cheios de detalhes e números sobre o que acontecia dentro das fábricas e se tornaram uma fonte importante para a Capital. Marx descreveu os maus-tratos e exploração dos trabalhadores com um realismo que ainda é difícil de igualar. A segunda grande fonte de Marx para o Capital foi a literatura dos economistas. Ao contrário de Tocqueville, que havia lido apenas algumas obras de economia política, Marx era um especialista, ou melhor, se tornou um especialista depois de chegar a Londres em 1849, onde se estabeleceu para sempre.

O que Marx escreveu sobre a teoria econômica ainda é de grande interesse para os sociólogos econômicos. Ele deve ser creditado, por exemplo, por ter desenvolvido uma análise pioneira sobre a forma como as categorias da economia surgiram. Ele criticou os economistas por usarem conceitos econômicos sem entender que estes pressupunham a existência de condições sociais muito específicas.

Marx também é único entre os sociólogos econômicos por sua mistura orgânica de uma abordagem histórica e uma perspectiva analítica. Não é fácil combinar uma abordagem diacrônica e uma sincrônica em uma única análise, mas Marx conseguiu. Há também seu apelo à ação em seus escritos. Uma de suas citações mais famosas diz: “os filósofos, até agora, apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; o objetivo é mudá-lo ”(Marx 1978, 144). Pode-se concordar ou não com essa afirmação, mas é difícil encontrar uma maneira mais eficaz de levantar a questão de se o conhecimento da economia deve ou não ter valor prático.

Max Weber

 

Em um sentido formal, foi Max Weber quem fundou a sociologia econômica. Foi ele quem primeiro usou o termo sociologia econômica (Wirtschaftssoziologie) e também deu o primeiro relato detalhado do que estuda e como abordar o tema. A partir dessa época, os sociólogos econômicos também se tornaram acadêmicos. Marx foi um revolucionário e Tocqueville um político; ambos rejeitaram a universidade como um lugar para trabalhar. Weber lançou a base acadêmica para a sociologia econômica no cap. 2 de Economia e Sociedade. O tamanho deste capítulo é o de um pequeno livro; e contém uma apresentação e discussão extremamente valiosas dos conceitos básicos da sociologia econômica (Weber 1978, 63 e seguintes). A abordagem de Weber também difere da análise ampla e baseada na sociedade do tipo que se pode encontrar em Tocqueville e Marx. Ele preferia uma abordagem consideravelmente mais estreita e acadêmica, ou seja, uma sociologia econômica que pudesse complementar a economia.

Weber aplicou essencialmente sua sociologia interpretativa aos fenômenos econômicos, criando assim uma sociologia econômica interpretativa. O que é distinto no tipo de sociologia de Weber é a importância atribuída ao elemento de significado. Quando se estuda economia, é preciso sempre considerar o significado com que os atores investem suas ações. Isso significa indivíduos desde que Weber rejeitou a ideia de que entidades corporativas podem agir.

No segundo capítulo de Economia e sociedade, 'Categorias sociológicas de ação econômica', Weber descreve os conceitos básicos da sociologia econômica. Além dos conceitos sociológicos gerais que são apresentados e discutidos no Cap. 1, alguns novos são adicionados. O conceito de ação econômica deve, por exemplo, ser construído da seguinte maneira. Primeiro, para que o comportamento se torne uma ação, ele deve ser investido de um significado. Em segundo lugar, esse tipo de ação só é social se for orientada para outros atores ou para uma ordem (Ordnung). A ação econômica também deve ser pacífica para ser qualificada como ação econômica; e visa a satisfação de um desejo por serviços públicos. Essas utilidades referem-se não apenas ao consumo de bens, que é o objetivo padrão da ação econômica, mas também ao lucro. Ao adicionar lucro, Weber poderia incluir a obtenção de lucros em seu conceito de ação econômica.

Desse modo, Weber lançou uma base conceitual para sua análise interpretativa da economia, que também aplicou a uma série de fenômenos econômicos no cap. 2 em Economia e Sociedade. Todas as economias, diz ele aqui, são baseadas no princípio da manutenção da casa ou na obtenção de lucro. O primeiro está centrado na satisfação das necessidades básicas, o último em ganhar mais dinheiro. Uma empresa, por exemplo, é lucrativa, enquanto a família é uma casa. O feudo medieval e o estado de bem-estar são dois outros exemplos de famílias. Existem também fenômenos econômicos que mostram uma mistura das duas categorias de Weber. Uma empresa familiar, por exemplo, possui elementos tanto com fins lucrativos quanto domésticos; e o estado neoliberal é uma família que incentiva a obtenção de lucros.

Enquanto o cap. 2 in Economia e Sociedade representa a parte teórica do trabalho de Weber em sociologia econômica, os ensaios em sua obra de 3 volumes Collected Essays in the Sociology of Religion contêm muitos de seus estudos mais importantes neste campo. O mais famoso deles é A ética protestante e o espírito do capitalismo. Deve-se, no entanto, apontar que este estudo foi parte de um projeto gigante sobre a ética econômica das religiões mundiais (Weber 1930). Um

O objetivo importante deste projeto foi estender a análise em A Ética Protestante a religiões em outras partes do mundo, como o hinduísmo, o budismo e o taoísmo na Índia e na China. Semelhante a Marx e Tocqueville, Weber não limitou sua análise à Europa.

Outro objetivo importante do projeto de Weber sobre ética econômica era chamar a atenção para o papel do trabalho. Isso foi feito especialmente em A Etica Protestante . A ênfase de Weber na centralidade do trabalho no capitalismo não era muito diferente da de Marx. Marx, no entanto, via o trabalho como o motor de todas as economias e enfatizava como ele se tornara uma mercadoria no capitalismo; A ênfase de Weber em A Etica Protestante foi bem diferente. Ele se concentrou no significado do trabalho para o indivíduo, mais precisamente no trabalho em forma de vocação. Na sociedade capitalista, é preciso trabalhar o tempo todo; e o trabalho nunca termina. Weber e Marx concordaram, entretanto, que o capitalismo moderno restringe severamente o indivíduo e, nesse sentido, empobrece sua vida.

Joseph Schumpeter

 

A ideia de Weber de uma sociologia econômica não foi seguida por muitos sociólogos na Europa nem nos Estados Unidos. Mas, como sempre, há excepções; um deles é Joseph Schumpeter (1883-1950). Schumpeter rapidamente se estabeleceu como um jovem economista brilhante da escola austríaca. A essa altura, pode-se acrescentar, era regra na academia que os economistas deveriam trabalhar na economia e os sociólogos na sociedade.

Schumpeter, no entanto, não sentiu que deveria limitar suas visões à economia nesse sentido, e desde cedo mostrou interesse pela sociologia econômica e pela história econômica. Para entender a vida econômica, argumentou, é preciso ir além da economia do tipo que existia na academia. Perto do fim de sua vida, Schumpeter resumiu sua visão do estudo da economia como um estudo da economia social (Sozialokonomik). Este tipo de economia baseia-se em quatro disciplinas: teoria econômica, história econômica, sociologia econômica e estatística (Schumpeter 1954, 12 e seguintes). A principal tarefa da sociologia econômica é estudar as instituições econômicas, e a da teoria econômica, para analisar os mecanismos econômicos (ver também Schumpeter 1951). Os historiadores econômicos adicionam a dimensão histórica à análise, e os estatísticos contribuem com uma preocupação com os dados.

Durante o estágio inicial de sua carreira, Schumpeter escreveu três artigos que ele chamou de seu trabalho em sociologia. Tratava-se de tributação, classe social e imperialismo (Schumpeter 1991a, b, c). Embora valha a pena ler e estudar todos esses estudos hoje, o artigo sobre tributação, com seu programa completo para uma sociologia fiscal, é de especial importância.

Mas a contribuição mais interessante de Schumpeter para a sociologia econômica não pode ser encontrada em nenhum desses três ensaios. Para isso, o leitor deve recorrer à sua contribuição mais importante para a teoria econômica, a saber, sua teoria do empreendedorismo. No final da década de 20, Schumpeter elaborou as idéias básicas para sua famosa teoria do empreendedor, que pode ser encontrada em The Economic Theory of Development (1934). Antes da publicação do livro de Schumpeter sobre empreendedorismo, os economistas eram incapazes de explicar grande parte da dinâmica da vida econômica, uma vez que dependiam fortemente de alguma forma de análise de equilíbrio. Schumpeter quebrou essa tendência, embora nunca tenha conseguido apresentar uma teoria formal do empreendedorismo. Sua teoria verbal, no entanto, é bastante impressionante e ainda muito sugestiva. A ideia básica de Schumpeter é que o empreendedor cria uma nova combinação de elementos já existentes. Isso resulta em vários tipos diferentes de inovações, como novos produtos, novos métodos de produção e / ou novos mercados. Porém, não basta produzir um bem que represente uma inovação, o empresário também deve vencer a resistência de fazer algo novo. Essa resistência é muito forte e está presente nos trabalhadores, na população em geral e na própria cabeça do empresário.

Embora se possa argumentar, como faz Schumpeter, que a ideia de combinar recursos econômicos de diferentes tipos pertence à economia, é claro que a parte de sua análise que trata com a resistência é totalmente sociológica. O que Schumpeter criou pode ser visto como uma mistura de elementos de duas disciplinas acadêmicas ou como uma combinação muito bem-sucedida que ilustra que uma análise completa dos fenômenos econômicos deve se basear em elementos tanto da economia quanto da sociologia. A mesma tendência de cruzar fronteiras pode ser encontrada no que sempre foi a obra mais popular de Schumpeter, Capitalism, Socialism, and Democracy (1942). Este livro consiste em uma série de ensaios nos quais Schumpeter trata de tópicos como a natureza da democracia, como dar sentido a Marx e como é o socialismo moderno. O foco principal do trabalho, no entanto, é o capitalismo contemporâneo. Na visão de Schumpeter, o capitalismo moderno estava em sérios problemas em meados de 1900, uma vez que os capitalistas haviam se tornado muito fracos para se levantar e defendê-lo. Enquanto os primeiros capitalistas haviam abraçado de coração o lucro e a propriedade, os administradores e proprietários modernos não o fizeram. Como resultado, o futuro do capitalismo parecia muito sombrio para Schumpeter na época de sua morte. Isso aconteceu em 1950, muito antes do renascimento do entusiasmo pelo capitalismo que Schumpeter ansiava e que veio com o neoliberalismo.

Karl Polanyi

 

Grande parte da sensibilidade de Schumpeter foi formada pelo que aconteceu na Europa durante a Primeira Guerra Mundial e suas consequências, em oposição a Tocqueville, Marx e Weber, que eram todos parte do Velho Mundo. O mesmo pode ser dito sobre Karl Polanyi (1886-1964), que, como Schumpeter, cresceu no Império Austro-Húngaro, apenas para vê-lo se desintegrar após a Primeira Guerra Mundial. Polanyi tinha formação acadêmica, mas não em economia. Ele aprendeu economia por conta própria, mas nunca se tornou um especialista como Marx ou Schumpeter. No entanto, ele tinha um profundo interesse por assuntos econômicos; e isso tornou mais fácil para ele trabalhar como jornalista econômico. Ele trabalhou como jornalista na Áustria nos anos 1920 e início dos anos 1930; e seus artigos desses dias representam uma parte importante de seu trabalho.

Polanyi fugiu para a Inglaterra em 1933, à medida que a situação política na Áustria se tornava cada vez mais tensa. Foi aqui que ele se transformou em um estudioso sério. Isso é semelhante ao que aconteceu na Inglaterra com o jovem Marx, quando ele se tornou o Marx do Capital. O que Polanyi estudou na Inglaterra, que o transformou de jornalista em acadêmico, foi história econômica. O que o fascinou especialmente foi a história do capitalismo inicial na Inglaterra. Ele leu sobre livros sobre o surgimento histórico dos operários e do capital industrial.

O principal resultado da pesquisa de Polanyi na Inglaterra foi a obra que se tornaria sua mais famosa, The Great Transformation (1944). Seu tema central é que o nascimento do capitalismo desencadeou a ganância de um tipo que nunca existiu antes na história humana. Era um nível de ganância que, na mente de Polanyi, acabaria por dilacerar a sociedade humana e destruir completamente a natureza. O capitalismo era uma ameaça aos seres humanos como espécie; era absolutamente necessário interrompê-lo.

No entanto, também houve forças que se opuseram ao ataque do capitalismo, e essas foram principalmente os trabalhadores. Cada vez que os capitalistas faziam uma nova tentativa de arrancar mais lucro dos trabalhadores, estes respondiam com resistência na forma de greves. De acordo com Polanyi, há uma tendência geral na sociedade de responder às atividades dos capitalistas com um contra-movimento, algo que ele chamou de “duplo movimento” (1944, parte II). Os resultados do duplo movimento, porém, nem sempre foram positivos. Muitas pessoas que tiveram seus meios de subsistência destruídos pelo capitalismo não eram progressistas. O surgimento do fascismo e do nazismo foi um exemplo disso (1944, parte III). Na opinião de Polanyi, o impulso original para esses movimentos de extrema direita pode ser rastreado até a Inglaterra na década de 1840, quando o capitalismo foi desencadeado pela primeira vez.

Polanyi se definiu como jornalista econômico na Áustria e como historiador econômico na Inglaterra, mas se tornou um antropólogo econômico nos Estados Unidos na década de 1940. Baseando-se principalmente no trabalho de antropólogos, Polanyi começou a escrever sobre a vida econômica nas sociedades pré-industriais (1966,1968). Isso representou uma inovação da perspectiva da sociologia econômica, que geralmente se concentrava no período do início de 1800 em diante. Outra inovação dessa época foram os escritos de Polanyi sobre a África, um continente sobre o qual nenhum sociólogo econômico anterior havia escrito (Polanyi 1966). O estudante de sociologia econômica de hoje também vai querer ler o estudo de Polanyi sobre os primórdios do pensamento econômico na Grécia clássica, 'Aristóteles Descobre a Economia' (Polanyi 1957). Enquanto os economistas modernos vêem Adam Smith como o pai da economia, de acordo com Polanyi, foi Aristóteles. Outro resultado do trabalho de Polanyi em seu período antropológico foi sua tipologia de ação econômica. Embora Weber tenha argumentado que todas as economias eram entidades com fins lucrativos ou famílias, Polanyi introduziu um conjunto diferente de categorias básicas que descreviam como as principais ações econômicas em uma sociedade devem ser incorporadas ou ancoradas nas instituições da sociedade. Isso só pode ser feito de três maneiras: por meio de reciprocidade, redistribuição ou troca.

Polanyi carecia do conhecimento enciclopédico de Weber e da capacidade de Marx para fundir perspectivas históricas e analíticas. Ao contrário de Weber e Marx, no entanto, Polanyi deixou um conjunto de categorias para trás, que são extremamente flexíveis e fáceis para o sociólogo econômico de hoje trabalhar. Esses são o enraizamento e os três modos de ação econômica reciprocidade-redistribuição-troca. A troca está vinculada à instituição do mercado; redistribuição para a instituição do estado; e reciprocidade à instituição familiar. Houve também muitos outros tópicos, além dessas três instituições, que podem ser analisados ​​com essas categorias. Existe uma flexibilidade semelhante ao conceito de integração.

Também deve ser observado que o que todos os estudos de Polanyi têm em comum é uma atitude crítica em relação à forma como os mercados modernos operam. Em sua opinião, os mercados capitalistas foram desvinculados do resto da sociedade e se tornaram uma ameaça para a humanidade. Como consequência, esse tipo de mercado deve ser reinserido nas instituições sociais e políticas da sociedade. É imperativo não pensar que o mercado capitalista é o único tipo de mercado que pode funcionar. Essa ideia é central para o pensamento de Polanyi, que se referiu à famosa “nossa mentalidade de mercado obsoleta” no título de um de seus artigos (Polanyi 1968).

Mark Granovetter

 

Tanto Schumpeter quanto Polanyi eram vozes solitárias em um campo que mais ou menos estagnou como empreendimento acadêmico após a morte de Weber. É verdade que uma tentativa foi feita na década de 1950 e no início da década de 1960 por Talcott Parsons e seu aluno Neil Smelser para reviver a sociologia econômica, mas faltou força intelectual e não reuniu muito apoio acadêmico (por exemplo, Parsons e Smelser 1956; Smelser 1963) . Foi só em meados da década de 1980 que a sociologia econômica começou a ganhar vida novamente. Desta vez, veio em uma forma diferente que lhe valeu o nome de nova sociologia econômica. Os pontos fortes e fracos da sociologia econômica que agora surgiu têm muito a ver com sua relação com o passado. Os insights da sociologia econômica de Marx, Weber e Tocqueville eram pouco conhecidos dos sociólogos que agora ocupavam o centro do palco e inauguravam o novo tipo de sociologia econômica. Em vez disso, esses sociólogos confiaram muito no tipo de sociologia que se desenvolveu nos Estados Unidos durante o século XX.

Mark Granovetter (1943-) é o mais novo sociólogo econômico e autor de uma dissertação brilhante usando redes para explicar por que algumas pessoas conseguem um emprego e outras não (Granovetter 1974). Granovetter havia se proposto originalmente a explicar por que amigos e familiares podem ajudar mais neste empreendimento do que contatos e conhecidos passageiros. Ele, no entanto, descobriu que o oposto é verdadeiro. O resultado foi expresso no título de um de seus artigos mais citados, “The Strength of Weak Ties” (Granovetter 1973).

Lendo Getting A Job (1974), o livro baseado na dissertação de Granovetter, o leitor também fica impressionado com o conhecimento do autor sobre economia. Tem-se a mesma impressão ao ler o artigo que Granovetter publicado em 1985 e que se tornaria o manifesto da nova sociologia econômica, “Economic Action and Social Structure: The Problem of Embeddedness” (Granovetter 1985). É claro que Granovetter via seu próprio trabalho como um diálogo com a economia, como evidenciado por suas muitas referências a Arrow, Williamson e outros economistas. Em seu manifesto pela nova sociologia econômica, o termo sociologia econômica, entretanto, não é encontrado. Em vez disso, Granovetter viu seu artigo como uma contribuição à sociologia estrutural, com o que se referia ao tipo de análise de rede que seu orientador de tese, Harrison White, ajudara a desenvolver. Na verdade, o que Granovetter parece ter tomado como seu objetivo principal não era tanto continuar e adicionar à tradição da sociologia econômica, mas reformar a análise econômica em geral, com o auxílio da sociologia. Em uma entrevista desse período, ele afirmou, por exemplo, que o que esperava realizar com seu trabalho era o avanço da análise econômica em si, e fazer isso resolvendo problemas que os economistas não conseguiram compreender (Granovetter 1987).

Isso, entretanto, não era para acontecer. Os economistas não estavam interessados ​​em encontrar sociólogos pela metade, como Granovetter esperava, algo que o forçou, em vez disso, a dedicar sua energia ao desenvolvimento da sociologia econômica. Ele eventualmente também redirecionou o resto de seu trabalho em sociologia para a sociologia econômica. O leitor atento de seu trabalho em sociologia econômica encontrará uma série de idéias criativas, bem como análises empíricas sólidas. Duas de suas ideias mais produtivas nesses anos são sua teoria dos grupos de negócios e sua análise das instituições econômicas como construções sociais (Granovetter 1994; Granovetter e McGuire 1998). Em um volume recente, intitulado Sociedade e Economia, Granovetter tem resumido sua abordagem teórica (Granovetter 2017).

Uma menção especial também deve ser feita à popularização de Granovetter do termo imersão, que ele pegou emprestado de Polanyi e que pode ser encontrado em seu artigo de 1985. O conceito de integração foi reformulado principalmente com a ajuda de redes. Todas as ações econômicas, Granovetter argumentou, estão embutidas em estruturas sociais constituídas por redes. Embora seus alunos às vezes tenham defendido uma abordagem quantitativa para a ideia de imersão, o próprio Grano Vetter continuou a vê-la como um termo guarda-chuva, isto é, como um tipo de conceito sensibilizante que precisa ser complementado por outros conceitos (Granovetter in Krippner et al. 2004, 133).

 

Pierre Bourdieu

 

A nova sociologia econômica não tentou, como mencionado, se ancorar na tradição da sociologia econômica de Tocqueville, Marx e Weber. Em vez disso, criou uma série de contribuições próprias, baseando-se principalmente em várias vertentes da sociologia que foram proeminentes na década de 1980 nos Estados Unidos, como a sociologia estrutural, a sociologia industrial, a sociologia do consumo, apenas para citar alguns. Os sociólogos econômicos europeus fizeram algo semelhante na década de 1990, embora tenha sido fortemente influenciado pela sociologia dos Estados Unidos na época.

A obra de Pierre Bourdieu é uma exceção a essa tendência. Formado em filosofia e próximo da etnografia, Bourdieu iniciou seu trabalho nas ciências sociais na Argélia e rapidamente demonstrou seu grande potencial como sociólogo. Bourdieu, entretanto, estava mais interessado na sociologia geral do que em qualquer uma de suas subáreas, incluindo a sociologia econômica; e isso foi especialmente verdadeiro durante seu período inicial. É, no entanto, possível extrair uma análise distinta da economia já do trabalho de Bourdieu na Argélia e vê-la como uma contribuição para a sociologia econômica. Procedendo desta forma, encontraremos uma análise muito interessante da maneira como os camponeses e trabalhadores argelinos viam a vida econômica, incluindo o seu trabalho. Dois bons exemplos disso são Travail et travaüleurs en Algerie (Bourdieu 1963) e Argélia 1960 (Bourdieu 1979).

Depois que Bourdieu se identificou como um sociólogo, ele começou a estudar toda a sociedade e suas principais instituições, incluindo a economia. Junto com dois colegas, ele, por exemplo, iniciou um estudo pioneiro sobre um banco, no qual se concentrou na aparência das pessoas comuns

na economia oficial, incluindo tópicos como empréstimos de bancos e a taxa de juros (Bourdieu et al. 1963). Nos termos de hoje, o Banco e seus clientes (que nunca foi concluído e publicado) pode ser visto como um estudo de alfabetização econômica.

Bourdieu também foi o autor de um estudo de consumo extremamente bem-sucedido, chamado Distinction (Bourdieu 1986). Menos espetacular, mas igualmente penetrante, é seu estudo sobre imóveis de cerca de 20 anos depois, no qual Bourdieu mapeou como as pessoas pensam e como abordam o projeto de compra de uma casa (Bourdieu 2005b). A mesma imaginação poderosa que o leitor encontrou pela primeira vez nos estudos da Argélia é aqui direcionada para as formas de pensar e sonhar que as pessoas comuns têm uma casa própria. Bourdieu também analisou o papel do Estado no mercado imobiliário e mostrou como ele deixou de apoiar a moradia pública e passou a incentivar as pessoas a terem sua própria casa.

O compromisso de Bourdieu com certos valores políticos foi claramente espelhado em sua crítica ao governo francês. Ele também é autor de uma série de textos curtos, nos quais discute várias questões econômicas da época, como as políticas do FMI, do Banco Central Europeu, entre outros (Bourdieu 1998, 2003). Tomados em conjunto, esses escritos contêm uma crítica inicial e perspicaz do neoliberalismo.

Segundo Bourdieu, elementos desse neoliberalismo também podiam ser encontrados na nova sociologia econômica surgida nos Estados Unidos. Sociólogos de rede dos EUA foram, por exemplo, criticados por não entenderem o papel do poder na economia. Eles traçaram as interações dos atores com a ajuda de redes, mas não conseguiram entender a maneira como o poder estrutural opera em um campo. Durante esse período, Bourdieu também escreveu um importante ensaio sobre sociologia econômica geral, no qual atacou vigorosamente a tendência dos economistas de analisar a vida econômica como se as relações sociais não existissem. A visão dos economistas sobre os seres humanos, acusou ele, é distorcida e não pode ser usada para fins científicos. “Homo economicus ... é uma espécie de monstro antropológico” (Bourdieu 2005a, 82).

 

Economia e Sociologia na Europa no início do século XX

 

Em textos que tratam da história da sociologia econômica, geralmente encontramos nomes como Karl Marx, Emile Durkheim, Georg Simmel, Max Weber, Joseph Schumpeter e Karl Polanyi figurando como clássicos da área (ver também o Capítulo 1). Eles incluem uma preponderância de acadêmicos cuja origem reside no que hoje é a Alemanha e a Áustria (ver Biggart 2002; Swedberg 1991a, 1996, 2003; Trigilia 2002). Existem várias razões para isso, que não podem ser tratadas aqui, mas a turbulenta história política da primeira metade do século XX e a condição econômica de atraso relativo da região central da Europa tiveram um papel importante (Gerschenkron, 1962). Na primeira metade do século XX, as questões de organização econômica estiveram na vanguarda do público, assim como as discussões acadêmicas, e políticos e intelectuais preocuparam-se com o futuro desenvolvimento da economia e da sociedade em meio à turbulenta conjuntura política e social. As discussões entre os economistas levaram em consideração não apenas os aspectos econômicos, mas também os aspectos políticos e ideológicos de várias formas e organizações econômicas. Econômico liberal

a teoria declinou e a economia histórica transformou-se em análises diagnósticas da sociedade e da cultura, enquanto a sociologia ainda não era amplamente reconhecida como uma disciplina acadêmica naquela época.

O pensamento econômico inicial, como na economia clássica de Adam Smith, John Stuart Mill ou Jean Baptiste Say ou na economia histórica, que era dominante no século XIX nas universidades alemãs, dava atenção aos aspectos sociais, embora de formas diferentes. Foi quando os economistas se esforçaram para desenvolver uma teoria econômica pura sem os empecilhos sociais, políticos ou históricos que se mencionou um campo da sociologia econômica. O economista britânico, William Stanley Jevons, afirmou a necessidade de desenvolver tal disciplina como um novo ramo da Sociologia do Sr. Spencer, que deve servir como uma ciência auxiliar para a economia dentro de um campo agregado das ciências econômicas (Jevons 1879, xv). Essa afirmação, com a qual ele inventou o conceito de sociologia econômica como um subcampo de uma ciência independente da sociologia, marcou o início da separação entre economia e sociologia. Na França, a sociologia de Durkheim adquiriu certo reconhecimento como um campo especial das ciências sociais, e tanto Spencer quanto Durkheim prestaram atenção às questões econômicas dentro de seus sistemas sociológicos. Assim, teria parecido mais apropriado que Spencer ou Durkheim fossem mencionados como os pais fundadores da sociologia econômica. Para a França, de qualquer forma, atualmente existe uma grande tradição de sociologia econômica, ou melhor, economia sociológica (Lebaron 2001).

No contexto político, social e intelectual da Alemanha e da Áustria, o significado da sociologia ainda era vago. Era mais uma figura de linguagem ou uma perspectiva do que um campo definido de pesquisa científica. O pensamento social na Alemanha e na Áustria ocorreu no quadro da Volkswirtschaftslehre de base histórica ou no de uma compreensão marxista ou socialista da evolução da relação de produção. As perspectivas históricas e sociais também desempenharam um grande papel no pensamento econômico liberal de Carl Menger e seus sucessores, apesar de sua insistência na teoria baseada em uma metodologia individualista. Menger e seus sucessores assumiram a racionalidade subjetiva, permitindo assim uma gama indefinida de motivos, mas não reduzindo a ação a motivos econômicos específicos ou a interesses próprios.

Os economistas alemães e austríacos, aderindo à abordagem histórica ou teórica, não eliminaram os aspectos sociais da economia. Essa situação atrasou o desenvolvimento da sociologia como uma disciplina consistente e independente com um objeto de pesquisa próprio. Consequentemente, ainda por algum tempo ainda não existia uma disciplina de sociologia econômica, baseada em métodos explicitamente sociológicos e definições de objetos.

Quando a sociologia foi mencionada, ela estava conectada a significados amplamente divergentes. Assim, os economistas da escola Menger, membros do Instituí de Sociologie de René Worms, referiram-se à sociologia e a entenderam como uma ciência da sociedade com a teoria econômica individualista como o núcleo. Friedrich Wieser via a teoria econômica como uma forma de se preparar para o desenvolvimento da sociologia e deu grande atenção ao poder. Ludwig Mises identificou a teoria econômica marginal com a sociologia, que ele entendeu como uma metaciência baseada na lógica da ação (Wieser 1927; Mises 1949; Mikl-Horke 2008). Outro grupo, que utilizou o conceito de sociologia, foram os pensadores que se empenharam pela

estabelecimento de um campo da sociologia como ciência socialista alternativa. Especialmente aqueles que escreveram reforma social em seus estandartes, frequentemente viam a sociologia como uma ciência para promover a reforma social (ver Neef 2012). Em ambos os casos, a economia foi fundamental para a compreensão da sociedade como objeto da sociologia. Para os economistas austríacos, era a lógica teórica da economia, para os autores socialistas, era a verdadeira condição econômica e organização que era fundamental para o significado da sociedade. Eles entendiam a economia e a sociedade como indissociáveis ​​uma da outra, a sociedade como base da economia e a economia como constituída pelas ações sociais. Isso vale também para Max Weber, Joseph A. Schumpeter e Karl Polanyi, que figuram de forma mais proeminente na sociologia econômica de hoje. Em escala internacional, eles são considerados os pensadores que forneceram uma base conceitual para a disciplina. Georg Simmel, que chega mais perto de ser um sociólogo genuíno com sua sociologia formal, é freqüentemente mencionado como tendo feito uma contribuição para a sociologia econômica. No entanto, em seu caso, a atenção se restringe principalmente ao seu trabalho sobre a filosofia do dinheiro (Simmel 1900).

Houve muitos outros na Alemanha e na Áustria que contribuíram para uma visão social da economia. Entre eles estavam alguns que se preocuparam em promover uma visão sociológica da economia, mas que são quase desconhecidos nos círculos da sociologia internacional ou na sociologia econômica em particular (ver Kõster 2011). Para buscar as razões pelas quais Weber, Schumpeter e Polanyi se tornaram clássicos da sociologia econômica, examinaremos brevemente seus trabalhos, suas ideias sobre a economia e sua relação com a sociedade, apontando o que é de especial importância do ponto de vista de sociologia econômica. Em seguida, vou me referir às mudanças que ocorreram na compreensão da sociologia econômica no curso de seu desenvolvimento. Por fim, discutirei a relevância dos clássicos para uma sociologia econômica que atenda aos desafios de nosso tempo.

 

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2ª Lição 19 de Setembro: História dos Estudos

 

1. História dos estudos

Em textos que tratam da história da sociologia econômica, geralmente encontramos nomes como Karl Marx, Emile Durkheim, Georg Simmel, Max Weber, Joseph Schumpeter e Karl Polanyi figurando como clássicos da área. Eles incluem uma preponderância de acadêmicos cuja origem reside no que hoje é a Alemanha e a Áustria (ver Biggart 2002; Swedberg 1991a, 1996, 2003; Trigilia 2002). Existem várias razões para isso, que não podem ser tratadas aqui, mas a turbulenta história política da primeira metade do século XX e a condição econômica de atraso relativo da região central da Europa tiveram um papel importante (Gerschenkron , 1962). Na primeira metade do século XX, as questões de organização econômica estiveram na vanguarda do público, assim como as discussões acadêmicas, políticas e intelectuais preocuparam-se com o futuro desenvolvimento da economia e da sociedade em meio à turbulenta conjuntura política e social. As discussões entre os economistas levaram em consideração não apenas os aspectos econômicos, mas também os aspectos políticos e culturais de várias formas e organizações econômicas. Como um campo designado de investigação, a sociologia econômica não tem muito mais de um século, mesmo embora suas raízes intelectuais sejam identificáveis ​​em tradições do pensamento filosófico e social.

Ultimamente, experimentou um crescimento explosivo, e agora se destaca como um dos subcampos mais conspícuos e vitais da disciplina. Nesta introdução, primeiro definimos o campo e distingui-lo da economia dominante.

A seguir traçamos a tradição clássica da sociologia economica e do desenvolvimento, conforme encontrada nas obras de Marx, Weber, Durkheim, Schumpeter, Polanyi e Parsons. Por fim, citamos alguns desenvolvimentos mais recentes e tópicos de interesse na sociologia económica.

Ao longo desta lição, apontamos à importância dos interesses económicos em ordem às relações sociais.

A DEFINIÇÃO DE SOCIOLOGIA ECONÔMICA

Sociologia económica e do desenvolvimento – para usar um termo que Weber e Durkheim introduziu - pode ser definido simplesmente como a perspectiva sociológica aplicada à economia e aos fenômenos do desenvolvimento. Uma versão semelhante, mas mais elaborada, é a aplicação às actividades que de produção, distribuição, troca e consumo de recursos escassos e bens e serviços. Uma maneira de fazer esta definição mais específico é indicar as variáveis, modelos, e assim por diante, que o sociólogo económista emprega. Quando Smelser apresentou pela primeira vez essa definição (1963, 27–28; 1976, 37-38), ele mencionou a questão sociológica das perspectivas de interação pessoal, grupos, estruturas sociais (instituições) e controles sociais (entre os quais sanções, normas e valores são centrais). Dados os desenvolvimentos recentes, gostaríamos acrescentam que perspectivas de redes sociais, gênero, e os contextos culturais também se tornaram centrais em sociologia econômica. Além disso, a dimensão internacional da vida económica assumiu maior relevância entre os sociólogos econômistas, ao mesmo tempo que essa dimensão chegou penetrar nas economias reais do mundo contemporâneo mundo (Makler, Martinelli e Smelser 1982; Evans 1995).

ECONOMIA E SOCIOLOGIA ECONÓMICA COMPARADA

Comparamos agora a sociologia económica e a economia como forma de elucidar melhor a perspectiva sociológica da economia. Esse é um exercício útil apesar do facto que os órgãos de investigação são muito mais complexos do que qualquer breve comparação sugeriria. Qualquer declaração geral produz quase imediatamente uma exceção ou qualificação. Para explicar temos que ter em conta que

1. Tradição Clássica

Na economia as tradições clássica e a neoclássica  gozaram de um certo domínio - daí o seu monopólio  - mas as suposições básicas dessas tradições foram modificadas e desenvolvidas em muitas direções. Em uma clássica declaração, Knight ([1921] 1985, 76-79) enfatizou que a economia neoclássica se baseava nas premissas que os actores possuíam informações completas e que as informações fossem apropriadas. Desde então, a economia desenvolveu tradições de análise baseadas em suposições de risco e incerteza (por exemplo, Sandmo 1971; Weber 2001). Além disso, apareceram numerosas versões de políticas económicas racionais - por exemplo, a ênfase de Simon (1982) sobre “a satisafação” e “a racionalidade limitada”. Ainda outras variações de comportamento racional foram desenvolvidas em base  ao comportamento económico, que incorpora muitos aspectos psicológicos. Olhando na direção da sociologia, algumas economias agora incorporam “normas” e “instituições”, embora com significados diferentes daqueles encontrados na tradição sociológica.

Economia e sociologia

O pensamento econômico inicial, como na economia clássica de Adam Smith, John Stuart Mill ou Jean Baptiste Say ou na economia histórica, que era dominante no século XIX nas universidades alemãs, dava atenção aos aspectos sociais, embora de formas diferentes. Foi quando os economistas se esforçaram para desenvolver uma teoria econômica pura sem os empecilhos sociais, políticos ou históricos que se mencionam no campo da sociologia econômica. O economista britânico, William Stanley Jevons, afirmou a necessidade de desenvolver tal disciplina como um novo ramo da Sociologia que Spencer tinha delineado, e que deve servir como uma ciência auxiliar para a economia dentro de um campo agregado das ciências econômicas (Jevons 1879, xv). Essa afirmação, com a qual ele inventou o conceito de sociologia econômica como um subcampo de uma ciência independente da sociologia, marcou o início da separação entre economia e sociologia. Na França, a sociologia de Durkheim adquiriu certo reconhecimento como um campo especial das ciências sociais, e tanto Spencer quanto Durkheim prestaram atenção às questões econômicas dentro de seus sistemas sociológicos. Assim, teria parecido mais apropriado que Spencer ou Durkheim fossem mencionados como os pais fundadores da sociologia econômica. Para a França, de qualquer forma, atualmente existe uma grande tradição de sociologia econômica, ou melhor, economia sociológica (Lebaron 2001).

Economia alemã e sustriaca

No contexto político, social e intelectual da Alemanha e da Áustria, o significado da sociologia ainda era vago. Era mais uma figura de linguagem ou uma perspectiva do que um campo definido de pesquisa científica. O pensamento social na Alemanha e na Áustria ocorreu dentro da estrutura da economia com base histórica ou de uma compreensão marxista ou socialista da evolução da relação de produção. Em 1883 Carl Menger publicou “Sobre o Método das Ciências Sociais”. Gustav von Schmoller, economista da “Escola Histórica” alemã e líder dos chamados “Socialistas da Cátedra”, reage com uma crítica à qual Menger responde com “Os erros do historicismo”. Essa disputa se chama Methodenstreit e representa um dos debates mais importantes da história das ciências sociais. Seu eco pode ser encontrado nas controvérsias sobre o historicismo e em muitas obras subsequentes, incluindo as muito famosas de Max Weber, Ludwig von Mises, Friedrich A. von Hayek e Karl R. Popper. Além das questões que dizem respeito à própria fundação das ciências sociais, o Methodenstreit examina a possibilidade de uma filosofia da história e, inevitavelmente, as suas consequências políticas, também no que diz respeito ao papel do Estado. Juntamente com 'Os erros do historicismo', são retomadas aqui partes do volume 'Sobre o método das ciências sociais' e incluídos outros textos de Menger. No ensaio introdutório, os editores situam o debate no ambiente liberal vienense da época. As perspectivas históricas e sociais também desempenharam um grande papel no pensamento econômico liberal de Carl Menger e seus sucessores, apesar de sua insistência na teoria baseada em uma metodologia individualista. Menger e seus sucessores assumiram a racionalidade subjetiva, permitindo assim uma gama indefinida de motivos, mas não reduzindo a ação a motivos econômicos específicos ou interesse próprio.

Os economistas alemães e austríacos, aderindo à abordagem histórica ou teórica, não eliminaram os aspectos sociais da economia. Essa situação atrasou o desenvolvimento da sociologia como uma disciplina consistente e independente com um objeto de pesquisa próprio. Consequentemente, ainda por algum tempo ainda não existia uma disciplina de sociologia econômica, baseada em métodos explicitamente sociológicos e definições de objetos.

Karl Marx Karl

Marx (1818-1883) estava obcecado com o papel da economia na sociedade e desenvolveu uma teoria segundo a qual a economia determinava a evolução geral da sociedade. O que impulsiona as pessoas na sua vida quotidiana, argumentou também Marx, são os interesses materiais, e estes também determinam as estruturas e processos na sociedade. Embora Marx quisesse desenvolver uma abordagem estritamente científica da sociedade, suas ideias foram igualmente infundidas por seu desejo político de mudar o mundo (por exemplo, [1843] 1978, 145). O resultado final foi o que conhecemos como “marxismo” – uma mistura de ciências sociais e declarações políticas, fundidas numa única doutrina. Por diversas razões, grande parte do marxismo é errónea ou não é relevante para a sociologia económica. É demasiado tendencioso e dogmático para ser adoptado como um todo. A tarefa que a sociologia económica enfrenta hoje é extrair aqueles aspectos do marxismo que são úteis. Ao fazê-lo, é útil seguir a sugestão de Schumpeter e distinguir entre Marx como sociólogo, Marx como economista e Marx como revolucionário (Schumpeter [1942] 1977, 1-58). Passamos agora a um esforço preliminar para extrair os ingredientes relevantes para a sociologia económica. O ponto de partida de Marx é o trabalho e a produção. As pessoas têm de trabalhar para viver, e este facto é universal (Marx [1867] 1906, 50). Os interesses materiais são correspondentemente universais. O trabalho é de natureza social e não individual, uma vez que as pessoas têm de cooperar para produzir. Marx criticou severamente os economistas pelo uso que fazem do indivíduo isolado; e ele próprio às vezes falava de “indivíduos sociais” (por exemplo, [1857–58] 1973, 84–85). Os interesses mais importantes são também de natureza colectiva – o que Marx chama de “interesses de classe”. Estes interesses, no entanto, só serão eficazes se as pessoas tomarem consciência de que pertencem a uma determinada classe (“classe por si”, em oposição à “classe em si”; Marx [1852] 1950, 109). Marx criticou severamente a ideia de Adam Smith de que os interesses individuais se fundem e promovem o interesse geral da sociedade (“a mão invisível”). Em vez disso, de acordo com Marx, as classes normalmente oprimem e lutam entre si com tal ferocidade que a história é como se fosse escrita com “letras de sangue e fogo” ([1867] 1906, 786). A sociedade burguesa não é exceção neste aspecto, uma vez que encoraja “as paixões mais violentas, mesquinhas e malignas do coração humano, as Fúrias do interesse privado” ([1867] 1906, 15). Em várias obras, Marx traçou a história da luta de classes, desde os primeiros tempos até o futuro. Numa famosa formulação da década de 1850, Marx afirma que, a certa altura, as “relações de produção” entram em conflito com “as forças de produção”, tendo como resultado a revolução e a passagem para um novo “modo de produção” ([1859 ] 1970, 21). No Capital, Marx escreve que expôs “a lei económica do movimento da sociedade moderna” e que esta lei funciona “com uma necessidade férrea em direcção a resultados inevitáveis” da mudança revolucionária ([1867] 1906, 13-14). Uma característica positiva da abordagem de Marx é a sua percepção sobre até que ponto as pessoas estiveram dispostas a lutar pelos seus interesses materiais ao longo da história. Contribuiu também para a compreensão de como grandes grupos de pessoas, com interesses económicos semelhantes, em determinadas circunstâncias podem unir-se e concretizar os seus interesses. Do lado negativo, Marx subestimou grosseiramente o papel na vida económica de outros interesses que não os económicos. A sua noção de que os interesses económicos em última mão determinam sempre o resto da sociedade também é impossível de defender; «estruturas, tipos e atitudes sociais são moedas que não derretem facilmente», para citar uma famosa citação de Schumpeter ([1942] 1994, 12).

Quando a sociologia foi mencionada, ela estava conectada a significados amplamente divergentes. Assim, os economistas da escola Menger, que eram membros do Institut de Sociologie de René Worms, referiram-se à sociologia e a entenderam como uma ciência da sociedade com a teoria econômica individualista como o núcleo. Friedrich Wieser via a teoria econômica como uma forma de se preparar para o desenvolvimento da sociologia e deu grande atenção ao poder. Ludwig Mises identificou a teoria econômica marginal com a sociologia, que ele entendeu como uma metaciência baseada na lógica da ação (Wieser 1927; Mises 1949; Mikl-Horke 2008). Outro grupo, que utilizou o conceito de sociologia, foram os pensadores que se empenharam pelo estabelecimento de um campo da sociologia como ciência social alternativa. Especialmente aqueles que escreveram reforma social em seus estandartes, frequentemente viam a sociologia como uma ciência para promover a reforma social (ver Neef 2012). Em ambos os casos, a economia foi fundamental para a compreensão da sociedade enquanto objecto da sociologia. Para os economistas austríacos, era a lógica teórica da economia, para os sociólogos, era a verdadeira condição econômica e organização que era fundamental para o significado da sociedade.

Eles entendiam a economia e a sociedade como indissociáveis ​​uma da outra, a sociedade como base da economia e a economia como constituída pelas ações sociais. Isso vale também para Max Weber, Joseph A. Schumpeter e Karl Polanyi , que figuram de forma mais proeminente na sociologia econômica de hoje. Em escala internacional, eles são considerados os pensadores que forneceram uma base conceitual para a disciplina. Georg Simme l, que chega mais perto de ser um sociólogo genuíno com sua sociologia formal, é frequentemente mencionado como tendo feito uma contribuição para a sociologia econômica. No entanto, em seu caso, a atenção se restringe principalmente ao seu trabalho sobre a Filosofia do dinheiro (Simmel 1900).

Houve muitos outros na Alemanha e na Áustria que contribuíram para uma visão social da economia. Entre eles estavam alguns que se preocuparam em promover uma visão sociológica da economia, mas que são quase desconhecidos nos círculos da sociologia internacional ou na sociologia econômica em particular (ver Kõster 2011). Para buscar as razões pelas quais Weber, Schumpeter e Polanyi se tornaram clássicos da sociologia econômica, examinaremos brevemente seus trabalhos, suas ideias sobre a economia e sua relação com a sociedade, apontando o que é de especial importância do ponto de vista de sociologia econômica. Em seguida, vou me referir às mudanças que ocorreram na compreensão da sociologia econômica no curso de seu desenvolvimento. Por fim, discutirei a relevância dos clássicos para uma sociologia econômica que atenda aos desafios de nosso tempo.

Weber, Schumpeter, e Polanyi em Economia e Sociedade

Max Weber, Joseph A. Schumpeter e Karl Polanyi, todos eles da Europa Central, foram economistas, pelo menos no que diz respeito à sua formação e  às suas posições institucionais, embora seus interesses fossem muito além do econômico. Todos eles compartilhavam uma formação de economia histórica, estavam bem cientes de Marx e de outros pensamentos socialistas e foram educados na teoria econômica austríaca. Essas influências moldaram seu pensamento sobre a economia e sua relação com a sociedade, sem a necessidade de trabalhar a partir de uma disciplina independente de sociologia.

Max Weber

Max Weber surge com destaque como um clássico da sociologia econômica, a quem é atribuída uma tradição (Swedberg 1998; Maurer 2010). Isso parece justificado com o fundamento de que ele próprio, em seus últimos anos, muitas vezes usou o conceito de sociologia e a expressão de categorias sociológicas da economia (Weber 1976, 31 e seguintes). No entanto, veremos que a sociologia tinha um significado especial para ele.

Embora enraizado na escola histórica de Volkswirtschaftslehre e influenciado pelo interesse que teve pela obra de Marx, Weber compartilhou com os economistas, do que era conhecido como a escola de Viena ou austríaca, uma abordagem individualista da economia e uma ênfase na ação subjetivamente significativa . Ele se envolveu nas disputas metodológicas de seu tempo e buscou superar a separação entre metodologias históricas e teóricas. Ele viu a explicação (Erklãren) e a compreensão (Verstehen) como ambas necessárias para a pesquisa e deu ênfase especial ao instrumento conceitual dos tipos ideais. A influência de seu amigo Heinrich Rickert e de sua ciência cultural (Kulturwisenschaft) foi de grande importância para Weber no que se refere ao seu ponto de vista metodológico, mas também para a perspectiva que aplicou ao estudo de objectos sociais e econômicos. Ao longo de sua vida, ele manteve uma base sólida de visão histórica, bem como uma consciência da necessidade da análise empírica para a explicação causal, enquanto submetia a análise ao objetivo geral de compreender o significado cultural das ações e instituições que ele denominou compreensão da sociologia.

A visão de Weber sobre a economia era próxima da abordagem da escola austríaca, que coincidia com sua orientação individualista em relação à concepção de ação social e econômica, como sendo subjetivamente significativa. Weber não pretendia contribuir para o desenvolvimento da teoria econômica. Em vez disso, ele viu o significado cultural das ações, instituições e da teoria econômica em estreita relação com o processo de racionalização da cultura ocidental. Isso o levou a colocar a racionalidade de ação meio-fim como a forma de agir idealmente moderna. A ação econômica também era uma ação social na visão de Weber, que ele entendia como subjetivamente significativa, reagindo tanto aos outros quanto às normas e instituições da sociedade.

Tomando o conceito de capitalismo de Karl Marx, Weber analisou o desenvolvimento histórico das práticas e organizações econômicas de negócios, desde as formas anteriores até o surgimento do capitalismo industrial moderno. As características do capitalismo industrial moderno eram, em sua opinião, a organização racional do trabalho e os métodos formais de contabilidade do capital.  De forma histórica e realista, ele mostrou como surgiram as estruturas e instituições sociais. A perspectiva básica de Weber era uma interpretação idealista da história, que o levou a se concentrar no impacto da religião no desenvolvimento do capitalismo. Embora não rejeitando totalmente a visão materialista de Marx, ele mostrou os impactos seculares da Ética Protestante no desenvolvimento do espírito do capitalismo. Ele empreendeu estudos comparativos das religiões mundiais e suas implicações para o pensamento e ação econômica, a fim de ser capaz de explicar e compreender por que o capitalismo moderno se desenvolveu na Europa e na América.Weber também estava ciente das mudanças pelas quais o capitalismo e a cultura estavam passando em seu tempo. O surgimento e os efeitos de grandes organizações e tendências burocráticas levaram-no a questionar o futuro desenvolvimento do capitalismo e da cultura moderna em geral. Sua orientação histórica e sua ênfase nas ideias o levaram a compreender que as mudanças no mundo real implicam mudanças de percepção e cognição, com consequências para a conceituação também nas ciências sociais. As ciências sociais devem mudar junto com as mudanças do mundo real, o que significa, acima de tudo, que seus conceitos devem ser constantemente reformulados. Em sua opinião, a teoria econômica era uma construção cognitiva baseada em pressupostos ideais, possibilitada pelo processo histórico de racionalização do pensamento, que ele entendia como a força subjacente da história europeia moderna. No entanto, como tal, a teoria também é um produto da história e deve mudar junto com as mudanças na constelação real das condições econômicas e sociais, bem como com as mudanças na percepção, cognição e avaliação. No entanto, na época de Weber, o processo de racionalização do pensamento e da cultura ainda estava progredindo, e ele estava ciente de que poderia produzir efeitos ambivalentes; pode até resultar na destruição da liberdade individual e levar ao aumento da desigualdade social.

Em Economia e Sociedade , que foi obra postuma e publicada pela esposa de Weber, Marianne Weber, e mais tarde por Winckelmann, a palavra sociologia aparece nos primeiros dois capítulos fundamentais. O primeiro capítulo sobre as categorias sociológicas constitui, para muitos estudiosos, a sociologia de Weber. É, no entanto, uma compreensão muito especial da sociologia, que não se refere às discussões que ocorreram durante sua vida sobre o significado da sociologia. Não toma conhecimento das concepções de sociologia de Durkheim, mas pressupõe um significado próprio. Em seu trabalho posterior, Weber deu grande ênfase à conceituação, de modo que se tornou uma formulação mais estrita de conceitos. No entanto, o desenvolvimento histórico e o significado cultural do capitalismo moderno são centrais para suas definições de objectos e problemas das ciências sociais. Nesse sentido, Weber se referiu à economia social e seu objectivo. Neste ensaio, ele também enfatizou uma abordagem histórica e realista que representava sua orientação fundamental das ciências sociais e que deveria constituir a base para uma ciência da realidade. A orientação para uma ciência cultural que subjaz ao seu trabalho inspirou muitos a empreender estudos sobre o significado cultural do capitalismo, destacando certos valores e ideias que caracterizam a cultura moderna.

Talcott Parsons chamou a atenção dos cientistas sociais americanos para o trabalho de Weber desde os anos 1930. Em seu livro sobre a concepção de Weber de organização social e econômica, ele a apresentou como sociologia econômica (Parsons 1937a, 1947, 30 ff.). No contexto dos Estados Unidos, a interpretação do trabalho de Weber enfatizou sua abordagem de ação individual e a concepção do capitalismo industrial moderno como uma forma social e racional de organização.

A atenção dispensada a Weber no mundo anglófono ajudou a torná-lo conhecido na comunidade acadêmica internacional, na qual as ciências sociais americanas se tornaram dominantes.

Joseph A. Schumpeter

Joseph A. Schumpeter começou sua carreira como estudante de teoria econômica austríaca na Universidade de Viena. Desde cedo ele se interessou por questões sociais e históricas e buscou isso em muitos estudos também ao longo de sua vida. A influência de Marx, Weber e de Friedrich Wieser,  teve grande impacto no pensamento de Schumpeter. Ele também foi influenciado pelo equilíbrio da teoria de Leon Walras, e em Harvard ele se concentrou fortemente na teoria neoclássica e métodos formais. Isso constituiu um contraste com seus interesses sociais e históricos, mas também resultou no distanciamento dos representantes da economia austríaca nos Estados Unidos, especialmente de Ludwig Mises. Seu trabalho reteve, no entanto, muitos traços que também são importantes para a economia austríaca, especialmente uma ênfase na ação e um interesse na dinâmica do processo econômico.

Na segunda edição de seu trabalho inicial, The Theory of Economic Development (Schumpeter 1926), Schumpeter argumentou que a principal tarefa da economia era explicar a dinâmica interna do processo econômico. Ele entendeu o conceito de desenvolvimento não no sentido de um processo evolutivo gradual, influenciado por fatores externos. O capitalismo se desenvolve, como ele explicou, de dentro, pela ocorrência espontânea e descontínua de novas combinações dos meios de produção, por exemplo, por inovações técnicas, novos bens, novos mercados, novas formas de organização e novas formas de financiamento. Apesar desse foco nas forças internas que impulsionam a economia capitalista, Schumpeter admitiu que as circunstâncias sociais, políticas, culturais e históricas desempenham um papel, mas elas entram em cena por meio de seu impacto sobre o empresário, o agente do dinamismo econômico.

O empresário

 O empresário é uma figura proeminente no pensamento de Schumpeter. Ele não é representante de uma classe social, como o capitalista era para Marx, mas representa um tipo de comportamento criativo e arriscado, mas também economizador e com capacidade de liderança. Seu comportamento é caracterizado por ações não institucionalizadas, por meio das quais o empresário individual pode até se alienar de seu meio social.

A ênfase na dinâmica da mudança levou Schumpeter a assumir uma postura crítica em relação à concepção fechada de classe de Marx. Ele argumentou que, no curso do desenvolvimento econômico, a estrutura e a composição das classes mudam constantemente pela ascensão de alguns indivíduos ou famílias e pela descida de outros. Como Marx, ele viu as crises como características normais do processo capitalista e dedicou um volumoso estudo para os Ciclos de Negócios (Schumpeter 1939). A transição histórica de uma sociedade comercial para uma sociedade capitalista ocorreu historicamente devido ao estabelecimento de instituições favoráveis ​​à iniciativa individual e à aceitação do risco, possibilitando inovações e o desdobramento da capacidade criativa dos empresários capitalistas. Schumpeter foi, no entanto, ambivalente em sua avaliação do desenvolvimento econômico; ele apontou que a ascensão e queda de grupos, famílias e indivíduos, bem como mudanças nas formas de viver, trabalhar e pensar, muitas vezes levam a efeitos perturbadores na economia e na sociedade, mas ele viu essas consequências como inevitáveis ​​para o para o desenvolvimento dinâmico do capitalismo.

Em seu ensaio diagnóstico posterior, Capitalismo, Socialismo e Democracia (Schumpeter 1942), Schumpeter viu as instituições que haviam sido a base para o desenvolvimento do capitalismo, passando por mudanças devido à mecanização do progresso, o que tornou o papel inovador e criativo dos empresário obsoleto. Ele previu que a racionalização e funcionalização de empresas modernas de grande escala devem inevitavelmente resultar na transição para algum tipo de socialismo. Nesse sentido, embora seu argumento seja baseado em uma perspectiva avaliativa diferente, é uma reminiscência da previsão de Marx da autodestruição do capitalismo devido ao seu próprio sucesso.

Quanto à sua concepção da relação entre economia e sociologia, ele seguiu a visão neoclássica de traçar uma linha clara entre os dois campos. Ele estava ciente, no entanto, de que a teoria econômica não é um fim em si mesma, mas constitui uma base para a análise econômica, que é orientada para fins práticos. Isso requer levar em consideração as descobertas da história econômica, estatísticas e sociologia econômica, o que significa que ele, como Jevons, via a sociologia econômica como uma das ciências econômicas. Schumpeter estava ciente, assim como Weber, das condições subjacentes à produção e aos efeitos do conhecimento econômico e da influência da ideologia. Ele dedicou um capítulo inacabado intitulado Sociologia da Economia a esse problema na sua História da Análise Econômica publicada postumamente (1954, 33 e seguintes).

Karl Polanyi

Na década de 1920, o futuro do capitalismo e o caminho para o socialismo foram amplamente discutidos. Um dos jovens intelectuais interessados ​​no socialismo e sua transição do capitalismo foi Karl Polanyi, que, em uma discussão sobre contabilidade socialista com o economista liberal Ludwig Mises, defendeu a possibilidade do socialismo (Polanyi 1924). Ele sugeriu um conceito de socialismo funcional que era de alguma forma próximo às idéias socialistas de Guilda, mas também continha uma abordagem sobre a diferenciação funcional da sociedade moderna, que mais tarde se tornou uma concepção fundamental da sociologia. Na opinião de Polanyi, o conflito de interesses na economia não leva ao desenvolvimento de classes antagônicas, contrapostas entre si, como descreveu Marx. Em vez de um conflito entre diferentes classes ou grupos, ele percebeu um conflito entre diferentes posições ou interesses, que todas as pessoas têm em comum, a saber, dos produtores por um lado e dos consumidores por outro, ambos compartilhando objetivos comuns. Em sua visão de uma sociedade funcional, o objetivo da economia é alcançar a produtividade máxima dos bens, bem como buscar a produtividade social medida em termos do bem comum e dos direitos sociais. Portanto, ele argumentou que os custos sociais, causados pela institucionalização dos direitos sociais, devem entrar na contabilidade social.

O trabalho mais conhecido de Polanyi é A Grande Transformação (Polanyi 1944), no qual ele investigou as causas do desenvolvimento de uma economia de mercado na Inglaterra do século XIX. Isso, argumentou ele, aconteceu por meio da desvinculação da terra, do trabalho e do capital de seus contextos sociais e culturais por meios legais e por decisões políticas, transformando assim gradualmente a sociedade em uma sociedade de mercado. Ele rejeitou o reivindicação de economistas que viam o mercado como uma espécie de lei natural ou princípio lógico que opera em todas as sociedades. Em vez disso, ele entendeu a economia de mercado como um sistema histórico que permanece em existência apenas enquanto o liberalismo dominar o sistema político. A existência do mercado, portanto, depende de decisões políticas e não se dá por si mesma. Nesta obra em que analisou a estrutura do capitalismo no século XIX a partir de uma tese inovadora, de cariz marcadamente institucional e político: a Inglaterra não fora transformada apenas pela máquina a vapor, nem sequer pelas anteriores expansão do comércio mundial e revolução agrícola; não fora a industrialização per se que desencadeara os processos de conflito e de desorganização social que marcaram o longo século XIX.

A miríade de motins, revoltas, movimentos genéricos de protesto, revoluções sociais e ciclos intensos e recorrentes de violência a estes associados e que caracterizaram as eras da revolução, do capital e do império, resultaram também da emergência de um conjunto de propostas intelectuais - de Ricardo a James Mill, passando por Marx -, progressivamente desenvolvidas no interior de instituições sociais várias, que postularam a prevalência do mercado enquanto forma histórica primordial de organização da sociedade. A Grande Transformação consistiu sim, essencialmente, na extensão do sistema de mercados a todas as esferas da vida humana, cuja lei da oferta e da procura passou a determinar autonomamente a afetação e a remuneração de fatores de produção como a terra (a natureza) - e o trabalho (ou seja, a própria utilização da vida humana). Assim, a principal preocupação de Polanyi foi a de demonstrar como se formaram historicamente, primeiro, os mercados nacionais e internacionais e, nesta sequência, como se passou de uma configuração caracterizada por trocas livres para uma outra, marcada por um intenso controlo político e social, em reação à grande crise de 1929 (...). Da mesma forma que o capitalismo, com os seus mercados autorregulados e a lógica de uma economia orientada para a satisfação em bens materiais, levara à desagregação da vida em comunidade, criando a denominada "grande transformação", sentiu-se mais tarde, devido às consequências nocivas da sua operação autónoma sobre a vida de grandes massas humanas, a necessidade de regular e controlar esses mesmos mercados

Polanyi atribuiu grande influência às condições históricas, eventos e ações políticas na formação da organização econômica. Ele buscou isso em estudos históricos e antropológicos, que se tornaram suas principais linhas de pesquisa após sua emigração para a Inglaterra e, posteriormente, para a América. Em estudos do comércio antigo em várias partes do mundo, ele mostrou que a lógica do mercado não se aplica às sociedades pré-modernas. Ele explicou que a economia durante a maior parte da história humana estava embutida na sociedade e que o comportamento econômico era inseparável das visões de mundo, valores e práticas sociais, religiosas e políticas. Terra, trabalho e dinheiro, então, não seguiram uma racionalidade econômica especial, nem a economia foi representada por instituições ou estruturas distintas. As ações econômicas nas sociedades pré-modernas foram incorporadas às formas de vida, centradas no lar como uma organização econômica, social e emocional, ou ocorreram no contexto de relações recíprocas ou hierarquias redistributivas. Os mercados, onde existiam em sociedades pré-modernas, eram assuntos locais, e rituais não econômicos, mias e emoções impregnavam as negociações.

A transição para a sociedade de mercado prejudicou esse estado de coisas e levou a uma reversão da relação entre a sociedade e a economia ao incorporar a sociedade à economia. Para que o mercado se torne sistêmico, como concluiu Polanyi, a racionalidade econômica deve ser distinta de outros motivos e formas de pensar. Transformar terra, trabalho e capital em mercadorias e fazer do mercado um mecanismo que abrangia toda a sociedade exigia uma mudança na forma de pensar a economia. Isso aconteceu quando a teoria econômica liberal, com seu modelo lógico-formal do mercado, substituiu a percepção substantivista da economia como o meio de vida do homem (Polanyi, a ênfase nos efeitos do pensamento demonstra que Polanyi atribuiu um forte efeito performativo à teoria para fazer a economia.

Polanyi argumentou que na vida real das pessoas nas sociedades modernas as dimensões não lógicas ainda estão presentes. Isso obriga os indivíduos a viver e agir em dois mundos, um das condições e da lógica do mercado, e o outro, dedicado às preocupações da vida cotidiana. Polanyi defendeu o retorno a uma compreensão substantivista da economia e o reconhecimento da inserção das ações econômicas nas condições sociais, políticas e cotidianas. Ele enfatizou a relevância historicamente limitada da lógica de mercado e viu outra Grande Transformação em andamento, pela qual o trabalho, assim como o capital, teriam voz nas decisões econômicas, introduzindo assim a democracia nas relações econômicas (Polanyi 2014, 214 ss.).

Polanyi apontou para a diferença entre as sociedades pré-modernas e modernas e desafiou a reivindicação da aplicabilidade geral da lógica de mercado, que ele atribuiu apenas à economia moderna (Polanyi 1968). Nessa análise, ele não difere fundamentalmente de Weber e Schumpeter. Todos os três estavam cientes da relatividade histórica do pensamento e da organização econômica, bem como do importante papel das idéias, incluindo a lógica científica. Polanyi colocou a economia em um contexto mais amplo de tempo e diferenças de cultura e ideologia

condições prévias, como Weber tinha, e ele enfatizou especialmente as decisões e ações políticas. Na década de 1960, portanto, seu trabalho passou a ser objeto de discussão entre as ciências políticas. Na sociologia econômica, a relevância de Polanyi foi reconhecida quando as críticas ao neoliberalismo se instalaram e o capitalismo moderno se espalhou pelo mundo.

O caráter mutável da sociologia econômica

Weber utilizou o conceito de sociologia econômica, mas se referiu também à economia social, conectando a primeira com uma abordagem conceitualmente mais rígida, a última com uma visão mais ampla do significado cultural dos fenômenos econômicos. Schumpeter referiu-se explicitamente à sociologia econômica em sua História da Análise Econômica como uma das disciplinas contextuais dentro do grupo das ciências econômicas. Polanyi voltou-se para os estudos históricos e antropológicos da economia, mas não objetivou expressamente uma sociologia econômica. Todos os três, e muitos mais no mesmo período, combinavam elementos econômicos e sociais com base em uma compreensão da economia que incluía elementos sociais, culturais e históricos.

Adolph Lowe

Na primeira metade do século XX, ocorreram discussões sobre a relação entre economia e sociologia, principalmente sob o título de socioeconomia ou economia social como campo combinatório (Akerman 1938; Sombart 1930). Adolph Lowe chamou sua concepção de uma ciência sintética baseada em princípios intermediários, ou seja, construções relacionadas ao tempo-espaço de ambas as disciplinas, de sociologia econômica (Lowe 1935). Deve preencher a lacuna cada vez maior entre a economia e a sociologia, à medida que esta última gradualmente adquiriu reconhecimento acadêmico. Para perseguir esse objetivo, ele fundou o American Journal of Economics and Sociology, junto com Franz Oppenheimer, em 1941. Ele era conhecido entre os historiadores da economia como um dos economistas reformistas, que buscava combinar a teoria do mercado com uma orientação socialista. Lowe é, no entanto, dificilmente lembrado hoje como um dos fundadores da sociologia econômica. Sua concepção de sociologia econômica era a de uma ciência social política e prática que combina análises estruturais e instrumentais. Nos Estados Unidos, a sociologia estava se desenvolvendo de maneira diferente da pretendida por Lowe. Isso ficou claro na revisão de Talcott Parsons da Economia e Sociologia de Lowe (Parsons 1937b). Embora Parsons também pretendesse vincular as teorias econômica e social, era com outro objetivo em mente, isto é, desenvolver um metacampo das ciências da ação (Parsons 1937b; Parsons e Smelser 1956). Lowe, doravante, falou de economia política e não mais de sociologia econômica (Lowe 1965). No entanto, por muito tempo na Europa, a sociologia econômica ainda era vista como um campo simbiótico da economia e da sociologia com o objetivo de fornecer informações para as decisões de política econômica (Furstenberg 1956, 406).

O campo da sociologia económica

A sociologia, à medida que ganhou reconhecimento e status acadêmico, e introduziu a concepção americana de ciência social empírica, afastou-se da relação tradicionalmente estreita com a ciência econômica, bem como de uma orientação prática e política. Com o objetivo de provar sua objetividade científica, a sociologia se concentrou na construção teórica da sociedade como um objeto próprio, em que a economia desempenhava um papel menor como objeto de pesquisa e da qual a história e a política eram excluídas. Outra razão pela qual os sociólogos deram pouca atenção à economia tinha a ver com a teoria altamente formalizada e as pesquisas em economia que tornavam difícil para os não economistas lidar com os aspectos econômicos. Por várias décadas após a Segunda Guerra Mundial, a sociologia econômica, onde existiu como campo acadêmico, ou lidou com os aspectos não econômicos da economia ou se concentrou em críticas redundantes à sua exclusão na teoria econômica neoclássica. Os temas centrais da economia moderna, tal como figuram na economia neoclássica, ou seja, o mercado, os preços, a competição, para citar alguns, no entanto, não foram tocados.

A mudança no clima político no Reino Unido e nos EUA no final dos anos 1970 e 1980, que promoveu uma visão da escola de Chicago de uma economia de mercado liberal, influenciada pelo neoliberalismo da versão Mises-Hayek da economia austríaca, trouxe uma renovação da interesse em sociologia econômica (Baron e Hannan 1994). À medida que o mercado avançava para o foco das perspectivas públicas e políticas, os sociólogos sentiam que era cada vez mais insatisfatório restringir suas pesquisas aos aspectos contextuais da economia. Em vez disso, eles se aventuraram a empreender uma explicação genuinamente sociológica dos mercados (Burt 1992; Granovetter 1985; White 1981). Isso trouxe uma nova sociologia econômica, espalhando-se internacionalmente a partir de sua origem nos Estados Unidos. O objetivo era mostrar os mercados como constelações de relações sociais usando o método de análise de rede (White 2002), estudos de estrutura social e uma concepção individualista de ação econômica (Dobbin 2004; Guillèn et al. 2002; Grano vetter 1985, 2002). O conceito de imersão que apareceu em alguns desses estudos significa que as ações econômicas são vistas como elementos da estrutura social dos mercados.

Granowetter

(Granovetter 1985). Sociedade e Economia - uma obra de ambição excepcional do fundador da sociologia económica moderna - é o primeiro relato completo das ideias de Mark Granovetter sobre as diversas formas pelas quais a sociedade e a economia estão interligadas.

 

A economia não é uma esfera separada de outras atividades humanas, escreve Granovetter. Está profundamente enraizada nas relações sociais e sujeito às mesmas emoções, ideias e restrições que a religião, a ciência, a política ou o direito. Embora algumas acções possam ser entendidas em termos económicos tradicionais como pessoas que trabalham racionalmente para fins bem definidos, grande parte do comportamento humano é mais difícil de enquadrar neste quadro simples. Os actores por vezes seguem as normas sociais com uma fé apaixonada na sua adequação, e outras vezes conformam-se sem pensamento consciente. Eles também confiam nos outros quando não há razão óbvia para fazê-lo. O poder que os indivíduos exercem uns sobre os outros pode ter um grande impacto nos resultados económicos, mesmo quando esse poder surge de fontes não económicas.

 

Embora as pessoas dependam de normas sociais, cultura, confiança e poder para resolver problemas, a orientação que estas oferecem é muitas vezes obscura e complicada. Granovetter explora como os solucionadores de problemas improvisam para montar soluções pragmáticas a partir dessa multiplicidade de princípios. Ele baseia-se em argumentos da psicologia, estudos de redes sociais e análises históricas e políticas de longo prazo e sugere maneiras de avançar e retroceder entre essas abordagens. Subjacente aos argumentos de Granovetter está uma tentativa de ir além de dualismos tão simples como agência/estrutura para uma apreciação mais complexa e subtil das nuances e dinâmicas que impulsionam a vida social e económica. Isso difere do conceito de Polanyi e surgiu inicialmente sem referência ao seu trabalho. O embutimento referia-se a uma abordagem de rede microssocial e tornou-se, nesse sentido, um dos conceitos centrais da nova sociologia econômica. O surgimento do neoinstitucionalismo também teve um impacto na sociologia econômica ao adicionar perspectivas normativas, culturais e cognitivas à integração dos mercados (DiMaggio e Powell 1991). A perspectiva estendeu-se além do estudo microssocial dos mercados para abarcar elementos institucionais, políticos e comparativos. No entanto, em grande parte da nova sociologia econômica, o entendimento das instituições é o do neoinstitucionalismo e se concentra na tomada de decisões e no desenvolvimento organizacional das empresas. Estudos comparativos de sistemas de negócios ou das Variedades do Capitalismo chamaram a atenção de muitos no campo da sociologia econômica (Whitley 1992; Hall e Soskice 2001). Isso ampliou a orientação microssocial da nova sociologia econômica, no entanto, sem abrir mão do individualismo metodológico, que constitui uma analogia com microeconômico a predominância dentro da teoria econômica (Beckert 1996). A concentração nos mercados, além disso, parece identificar a economia com a economia de mercado e da empresa privada (Beckert 2003). Houve estudos sobre o setor público, a economia familiar, o terceiro setor de organizações não governamentais e / ou sem fins lucrativos, a economia subterrânea e até mesmo em campos não econômicos como cultura, política, religião, emoções, mas isso muitas vezes resultou em vendo esses campos como mercados. As críticas daqueles que não querem olhar para a economia de uma perspectiva de mercado e negócios levaram à introdução da concepção alternativa de imersão de Polanyi, bem como ao reconhecimento da importância de seu trabalho para a sociologia econômica (Krippner 2001; Krippner et al. 2004) . O campo da sociologia econômica foi ampliado por um novo interesse pelas obras dos clássicos, de Weber, Schumpeter e Polanyi, e outros que aplicaram uma visão histórica e transdisciplinar à relação entre economia e sociedade. Mark Granovetter, em particular, também integrou dimensões históricas e antropológicas (Granovetter 2002). Ao retornar ao estudo dos clássicos, sua relevância para a tradição da sociologia econômica foi estabelecida (Beckert e Zafirovski 2006; Granovetter e Swedberg 2001; Smelser e Swedberg 2005; Zafirovski 1999).

O tema principal de Weber, Schumpeter e Polanyi foi o desenvolvimento, as consequências e o futuro do capitalismo ou do sistema de mercado, respectivamente, e essa preocupação persistiu nas discussões na Europa. Na década de 1990, na esteira da desintegração da União Soviética e da transformação dos Estados sucessores, a discussão sobre o futuro do capitalismo e suas diferentes formas foi reavivada e tornou-se um tema até mesmo nos Estados Unidos, onde o termo antes tinha pouco ou seja, sendo utilizado como sinônimo de economia de mercado. Em vez disso, os estudos sobre o capitalismo e suas mudanças foram retomados, principalmente no campo das ciências políticas e economia política, mas também na sociologia econômica (por exemplo, Beckert 2016; Nee e Swedberg 2005; Streeck 2016).

Após a Segunda Guerra Mundial, a sociologia econômica foi um estudo periférico dentro da disciplina de sociologia, preocupado com os elementos não econômicos na economia ou com a aplicação de conceitos sociológicos aos fenômenos econômicos. Ganhou novo reconhecimento ao pretender fornecer uma teoria sociológica dos mercados, dissipando assim a noção do mecanismo de autorregulação do mercado ao mostrar que são as pessoas e as suas ações que fazem os mercados, ao mesmo tempo que também se concentram muito sobre os mercados e sua estrutura microssocial. Nas últimas décadas e sob o impacto dos discursos da globalização, o pêndulo voltou às preocupações que já estavam no centro das atenções no início do século XX, ou seja, o caráter mutante do capitalismo moderno, a transformação da sociedade e o significado cultural de novos desenvolvimentos.

A relevância dos clássicos

Weber, Schumpeter e Polanyi foram influenciados pela situação econômica, social e política de seus tempos, as discussões metodológicas e científicas e sua percepção do social,

situação política e cultural. Se olharmos para o seu trabalho, devemos perguntar, de que forma pode ser relevante para a sociologia econômica hoje além de seu interesse historiográfico. A sociologia econômica hoje deve enfrentar situações que são bastante diferentes, tanto no mundo real quanto nas ciências sociais. O conceito de economia, conforme evoluiu pelos processos de industrialização, racionalização e modernização para se tornar o capitalismo ocidental moderno, está sendo desafiado atualmente, mas não pela transição para uma sociedade burocrática ou socialista, como Weber, Schumpeter e outros tinha pensado. No foco das ciências sociais hoje estão processos como a transformação das economias socialistas em economias de mercado na Europa Central e Oriental em apenas algumas décadas, ou os processos de transição em muitas partes do mundo, mudando formas tradicionais de comportamento econômico para se encaixar em um sistema capitalista global, bem como as contra-tendências do nacionalismo e do protecionismo. As condições subjacentes, formando e mudando a economia então e agora diferem muito, mas em ambos os casos, há processos profundos, múltiplos e freqüentemente contraditórios ou ambivalentes a serem considerados.

A globalização da produção, comércio e comunicação mudou algumas das pré-condições da organização econômica. Ele espalhou as práticas e instituições do capitalismo moderno em uma escala mundial. Freqüentemente, eles têm efeitos perturbadores nas práticas econômicas tradicionais e nas formas de vida, às vezes levando a conflitos nos quais elementos econômicos, sociais, políticos e cultural-ideológicos se misturam. A expansão global das formas ocidentais de economia e sociedade levou a respostas enfatizando diferenças de condições institucionais, sociais, políticas e culturais, mas também levou a críticas e antagonismo ao capitalismo ocidental. A maneira ocidental de trabalhar, de lidar uns com os outros, de organizar tem sido criticada, e também toda a concepção do pensamento científico, incluindo as ciências sociais, está sendo questionada.

Grandes empresas multinacionais e poderosas empresas globais de Internet controlam o campo da competição globalmente. Isso levou à diminuição poder dos estados-nação sobre a economia, para o qual também contribuiu o aumento da rapidez das transações financeiras nos mercados globais de dinheiro e capital. Schumpeter já tinha visto o setor financeiro como o ápice do capitalismo moderno. Hoje, o processo de financeirização atingiu um nível que põe em risco a economia real ao desencadear uma lacuna cada vez mais ampla de desigualdade econômica. O dinamismo do capitalismo, resultante da busca incansável pelo crescimento econômico, põe em risco o meio ambiente e torna nosso planeta menos habitável para muitas pessoas. Por outro lado, a concepção de economia vai mudando progressivamente de restrita, concentrando-se nos mercados, empresas e sistemas de negócios, para uma percepção mais variada, que assume diversas formas de economia, algumas tradicionais, outras criminosas, outras solidárias em consideração.

O que entendemos por conceito de sociedade mudou consideravelmente devido ao desenvolvimento mundial das redes de comunicação mediática (mídia social) e ao impacto do digital nas vidas, relações e percepções das pessoas. A crescente desigualdade, a persistência da pobreza, o desemprego de muitos jovens, bem como os movimentos pós-democráticos, pós-coloniais ou pós-modernos e o desenvolvimento de novos conflitos globais em bases ideológicas, religiosas e culturais, a ascensão do nacionalismo e protecionismo, transformaram a economia e as sociedades em terrenos contestados.

A sociologia não pode lidar com todos esses problemas, mas também não pode contentar-se em focar apenas em seu profissionalismo, em métodos padronizados de pesquisa e publicação, em redes para o sucesso institucional acadêmico. Isso invariavelmente coloca mais em foco os conceitos, teorias e métodos de pesquisa como um fim em si mesmos e leva a perder de vista a realidade.

Émile Durkheim

Em comparação com Weber, Émile Durkheim (1858–1917) sabia menos economia, escreveu menos sobre temas económicos e, em geral, contribuiu menos para a sociologia económica (por exemplo, Steiner 2004). Embora nenhum dos seus principais estudos possa ser considerado um trabalho em sociologia económica, todos eles abordam temas económicos (ver também Durkheim [1950] 1983). Durkheim também apoiou fortemente o projecto de desenvolvimento de uma sociologie économique, incentivando alguns dos seus alunos a especializarem-se nesta área e incluindo rotineiramente uma secção sobre sociologia económica na sua revista L’année sociologique. A certa altura, ele deu a seguinte definição de sociologia económica: Finalmente, existem as instituições económicas: instituições relacionadas com a produção de riqueza (servidão, agricultura arrendatária, organização corporativa, produção em fábricas, em moinhos, em casa, e assim por diante), instituições relacionadas com o câmbio (organização comercial, mercados, bolsas de valores, e assim por diante), instituições relacionadas com a distribuição (aluguel, juros, salários, e assim por diante). Eles constituem o assunto da sociologia econômica. (Durkheim [1909] 1978b, 80) A primeira grande obra de Durkheim, A Divisão do Trabalho na Sociedade (1893), tem relevância mais direta para a sociologia económica. Seu cerne consiste no argumento de que a estrutura social muda à medida que a sociedade se desenvolve de seu estado indiferenciado, nos tempos primordiais, para um estágio caracterizado por uma divisão complexa do trabalho, nos tempos modernos. Os economistas, observa Durkheim, vêem a divisão do trabalho exclusivamente como um fenómeno económico e os seus ganhos em termos de eficiência. O que acrescentou foi uma dimensão sociológica da divisão do trabalho – como esta ajuda a integrar a sociedade através da coordenação de actividades especializadas. Como parte da evolução da sociedade para uma divisão do trabalho mais avançada, o sistema jurídico muda. De natureza predominantemente repressiva e centrado no direito penal, passa a ser restitutivo e centrado no direito contratual. Ao discutir o contrato, Durkheim também descreveu como uma ilusão a crença, defendida por Herbert Spencer, de que uma sociedade pode funcionar se todos os indivíduos simplesmente seguirem os seus interesses privados e contratarem em conformidade (Durkheim [1893] 1984, 152). Spencer também entendeu mal a própria natureza da relação contratual. Um contrato não funciona em situações em que o interesse próprio impera como supremo, mas apenas quando existe um elemento moral ou regulador. “O contrato não é suficiente por si só, mas só é possível devido à regulamentação dos contratos, que é de origem social” (Durkheim [1893] 1984, 162). Uma grande preocupação em A Divisão do Trabalho na Sociedade é que os recentes avanços económicos em França podem destruir a sociedade, libertando a ganância individual para corroer a sua fibra moral. Esta problemática é muitas vezes apresentada em termos do interesse privado versus o interesse geral, como quando Durkheim observa que “a subordinação do particular ao interesse geral é a própria fonte de toda atividade moral” ([1893] 1984, xliii). A menos que o Estado ou alguma outra agência que articula o interesse geral intervenha para regular a vida económica, o resultado será a “anomia económica”, um tópico que Durkheim discute em Suicídio ([1897] 1951, 246ss., 259). As pessoas precisam de regras e normas na sua vida económica e reagem negativamente a situações anárquicas. Em muitas das obras de Durkheim, encontramos uma crítica contundente aos economistas; e era convicção geral de Durkheim que, se a economia quisesse tornar-se científica, teria de se tornar um ramo da sociologia. Ele atacou a ideia do homo economicus alegando que é impossível separar o elemento económico e desconsiderar o resto da vida social ([1888] 1978a, 49-50). A questão não é que os economistas tenham usado uma abordagem analítica ou abstrata, enfatizou Durkheim, mas que eles selecionaram as abstrações erradas (1887, 39). Durkheim também atacou a tendência não empírica da economia e a ideia de que se pode descobrir como a economia funciona através de «uma simples análise lógica» ([1895] 1964, 24). Durkheim referiu-se a isto como «a tendência ideológica da economia» ([1895] 1964, 25). A receita de Durkheim para uma sociedade industrial harmoniosa é a seguinte: cada indústria deve ser organizada em várias corporações, nas quais os indivíduos prosperarão devido à solidariedade e ao calor que advém de ser membro de um grupo ([1893] 1984, lii ). Ele estava bem ciente da regra que o interesse desempenha na vida económica e, em The Elementary Forms of Religious Life , sublinha que «o principal incentivo à actividade económica sempre foi o interesse privado» ([1912] 1965, 390). Isto não significa que a vida económica seja puramente egoísta e desprovida de moralidade: «Permanecemos [nos nossos assuntos económicos] em relação com os outros; os hábitos, ideias e tendências que a educação nos imprimiu e que normalmente presidem às nossas relações nunca podem estar totalmente ausentes» (390). Mas mesmo que seja esse o caso, o elemento social tem outra fonte que não a economia e acabará por se desgastar se não for renovado.

George Simmel

As obras de Simmel normalmente carecem de referências à economia como tal. Simmel (1858-1918), tal como Durkheim, geralmente via os fenómenos económicos dentro de um cenário mais amplo e não económico. No entanto, seu trabalho ainda tem relevância para a sociologia econômica. Grande parte do estudo mais importante de Simmel , Soziologie (1908), concentra-se na análise de interesses. Ele sugeriu como deveria ser uma análise de interesse sociológico e por que ela é indispensável para a sociologia. Duas de suas proposições gerais são que os interesses levam as pessoas a formar relações sociais, e que é somente através dessas relações sociais que os interesses podem ser expressos: A sociação é a forma (realizada de inúmeras maneiras diferentes) pela qual os indivíduos crescem juntos em uma unidade e dentro do qual seus interesses são realizados. E é com base nos seus interesses – sensuais ou ideais, momentâneos ou duradouros, conscientes ou inconscientes, causais ou teleológicos – que os indivíduos formam tais unidades. (Simmel [1908] 1971, 24) Outra proposição fundamental é que os interesses económicos, tal como outros interesses, podem assumir uma série de expressões sociais diferentes (26). Soziologie também contém uma série de análises sugestivas de fenómenos económicos, entre eles a concorrência. Num capítulo sobre o papel do número de actores na vida social, Simmel sugere que a competição pode assumir a forma de tertius gaudens (“o terceiro que beneficia”). Nesta situação, que envolve três atores, o ator A aproveita o fato de que os atores B e C estão competindo pelo favor de A – para comprar algo, vender algo, ou algo parecido. A concorrência não é, portanto, vista como algo que diz respeito apenas aos concorrentes (atores B e C); está também relacionado com o ator A, alvo da competição. Simmel também distingue competição de conflito. Embora um conflito signifique normalmente um confronto entre dois intervenientes, a concorrência implica antes esforços paralelos, uma circunstância em que a sociedade pode beneficiar das ações de ambos os intervenientes. Em vez de destruir o seu oponente, como num conflito, na competição você tenta fazer o que o seu concorrente faz – mas melhor. Filosofia do Dinheiro (1900), o segundo grande trabalho sociológico de Simmel, sempre gozou de uma reputação mista. Durkheim desaprovou-o por sua mistura de gêneros e, de acordo com Weber, os economistas detestavam a maneira de Simmel lidar com tópicos econômicos (por exemplo, Frisby 1978; Durkheim ([1902] 1980; Weber 1972). Simmel mistura reflexões filosóficas com observações sociológicas em um de maneira idiossincrática, mas a Filosofia do Dinheiro tem, no entanto, muito a oferecer se for lida em seu próprio contexto. O ponto principal de Simmel é que o dinheiro e a modernidade estão juntos; na sociedade de hoje não existe um conjunto exclusivo de valores dominantes, mas sim um sentimento de que tudo é relativo (cf. Poggi 1993). O trabalho de Simmel também contém uma miríade de reflexões sociológicas perspicazes sobre as conexões do dinheiro com autoridade, emoções, confiança e outros fenômenos. O valor do dinheiro, observou Simmel, normalmente se estende apenas até onde a autoridade que o garante (“o círculo econômico”; [1907] 1978, 179ss.). O dinheiro também é cercado por vários “sentimentos economicamente importantes”, como “esperança e medo, desejo e ansiedade” ([1907] 1978, 171). E sem confiança, argumenta Simmel, a sociedade poderia simplesmente não existir; e “da mesma forma, as transações monetárias entrariam em colapso sem confiança” (179). Em relação ao dinheiro, a confiança consiste em dois elementos. Primeiro, porque algo aconteceu antes – por exemplo, que as pessoas aceitaram um certo tipo de dinheiro – é provável que se repita. Outra parte da confiança, que não tem base na experiência e que pode ser vista como uma crença não racional, Simmel chama de “fé quase religiosa”, observando que está presente não apenas no dinheiro, mas também no crédito.

Max Weber e os clássicos

Na visão de Weber, conceitos e teorias eram instrumentos ou diretrizes para abordar a realidade; eles não eram fins em si mesmos. Isso também era verdade para Schumpeter, além de seus trabalhos mais formais e teóricos. A solicitação de Polanyi de retornar a uma forma substantivista de pensar e falar sobre a economia reflete essa atitude realista.

Ao ler as obras dos clássicos, fica-se com a impressão de que foram movidos pelo desejo de compreender o que se passava no seu tempo e na sua sociedade. Talvez seja essa qualidade que ainda torna a leitura de suas obras tão interessante. Os autores clássicos não eram ingênuos quanto à possibilidade de cognição da realidade. Eles certamente estavam cientes da relatividade e reflexividade dos conceitos, mas assumiram uma realidade lá fora. Realismo, para eles, significava lutar pela cognição do mundo real por meio das ciências sociais e, possivelmente, aproximar-se, mas nunca alcançá-lo. Uma ciência realista significa encontrar questões correspondentes às mudanças e problemas percebidos, e alterar conceitos e métodos de acordo. Portanto, as ciências sociais devem se basear nos estudos da história, não no sentido de enfocar o passado, mas no sentido de prestar atenção aos processos que configuram o futuro. A sociologia deve recuperar sua orientação histórica, que perdeu desde o tempo dos clássicos, apesar de algum renascimento recente de uma sociologia histórica (ver Mikl-Horke 2011, 13 e seguintes).

Levar em consideração a história significa focar nos processos do tempo, nos eventos e nas mudanças e em suas consequências. O enfoque nas estruturas não pode captar a realidade do presente que é apenas uma entidade imaginada entre o passado e o futuro. Já que mudanças aceleradas e imprevistos parecem caracterizar nosso tempo mais do que o tempo dos clássicos, a atenção atribuída à estrutura social deve ser complementada por processos de reconhecimento e como eles moldam e modificam as condições presentes, bem como as expectativas para o futuro. O mundo social real não apresenta um quadro consistente, pois existem elementos contraditórios e perspectivas divergentes que permeiam a realidade em qualquer ponto do tempo. A realidade, assim como sua percepção, é ambivalente. Os clássicos estavam cientes da ambivalência da realidade. As ciências sociais devem levar isso em consideração novamente e deixar espaço para incertezas.

Uma abordagem histórico-realista da sociedade e da economia leva a uma visão ampla que não se esgota nas fronteiras das disciplinas, das quais os clássicos fornecem bons exemplos. Weber é considerado um clássico em várias disciplinas, desde história jurídica, história econômica, ciência política, a ciência da religião, à sociologia. O trabalho de Schumpeter abrange uma ampla gama de campos, desde história, economia, psicologia social e sociologia. Polanyi estava combinando questões políticas, temas sociais, história econômica e antropologia econômica.

Atualmente, nas ciências sociais, há um reconhecimento crescente de que a separação clara das disciplinas não conduz à solução dos problemas de uma sociedade em mudança, que está se tornando cada vez mais complexa, diversa e dinâmica. Isso resulta em demandas por estudos e discursos interdisciplinares, o que na prática, porém, se mostra difícil devido ao fechamento das linguagens teóricas. Nesse sentido, é de fato necessário Abrir as Ciências Sociais (Wallerstein et al. 1996). A chamada para estudos interdisciplinares levou novamente a discussões sobre a relação entre economia e sociologia, muitas vezes sob o título de socioeconomia. Na situação atual, complexa, global, social e econômica e em suas múltiplas inter-relações com aspectos sociais, políticos, culturais, ideológicos, tecnológicos e relacionados à comunicação, a pesquisa social deve ir mais longe e se envolver em intercâmbios com a economia política, a política ciências, antropologia e ciências históricas e, além disso, com vozes do mundo real.

Quando nos voltamos para os clássicos em busca de orientação, não podemos encontrá-lo nos objetos abordados ou nos problemas levantados, mas sim em sua consciência histórica, suas perspectivas realistas e sua ampla gama de interesses que permitiram uma abordagem implicitamente transdisciplinar, bem como em seu reconhecimento da ambivalência da realidade. Dessa forma, suas abordagens podem nos permitir ver como nosso mundo e a percepção dele mudaram e estão mudando, e como podemos chegar mais perto de apreender algumas instâncias da realidade de nosso próprio mundo.

Abordar a relação entre os aspectos econômicos e sociais da realidade sob o título de sociologia econômica significa não tanto aplicar conceitos, teorias e métodos sociológicos, mas assumir uma posição social em relação à economia. Isso significa lembrar que o objetivo final da ciência é servir ao sustento do homem, ou seja, a sobrevivência e bem-estar da humanidade, ou melhor, de todas as pessoas nesta terra e, se possível, em cooperação com elas. Para tanto, a sociologia econômica, como parte de uma ciência social global em desenvolvimento, deve ser empreendida e deve permitir a descoberta de idéias que possam contribuir para resolver os problemas de nosso tempo, levando em consideração a história e o futuro.

Depois dos Clássicos

Apesar da sua base nos clássicos, a sociologia económica declinou após 1920 e não voltaria a vigorar plenamente antes da década de 1980. Exatamente por que isso aconteceu ainda não está claro. Uma razão é provavelmente que nem Weber nem Simmel tiveram discípulos.

Durkheim o fez, entretanto, e o estudo de Marcel Mauss, The Gift (1925), deve ser destacado. Baseia-se no argumento de que um presente implica normalmente uma obrigação de retribuição e não deve ser confundido com um ato unilateral de generosidade. The Gift também contém uma série de observações interessantes sobre o crédito, o conceito de juros e a emergência do homo economicus. Eventualmente, porém, a sociologia económica durkheimiana declinou. Apesar do abrandamento da sociologia económica durante os anos 1920-80, houve vários desenvolvimentos dignos de nota, especialmente os trabalhos teóricos de Joseph Schumpeter, Karl Polanyi e

Talcott Parsons (para contribuições de outros sociólogos durante este período, ver Swedberg 1987, 42–62). Todos os três produziram as suas obras mais importantes enquanto estavam nos Estados Unidos, mas tinham raízes no pensamento social europeu.

José Schumpeter

Prefaciamos as nossas notas sobre Schumpeter (1883-1950), um economista, salientando algumas contribuições de economistas de um modo mais geral para a sociologia económica. Um exemplo é Alfred Marshall (1842-1924), cujas análises de tópicos como indústrias, mercados e formação de preferências são frequentemente de natureza profundamente sociológica (Marshall [1920] 1961, 1919; cf. Aspers 1999). Vilfredo Pareto (1848–1923) é famoso pelas suas análises sociológicas de rentistas versus especuladores, ciclos económicos e muito mais (Pareto [1916] 1963; cf. Aspers 2001a). O trabalho de Thorstein Veblen (1857-1929) apareceu algumas vezes em revistas sociológicas, e as suas análises incluem tópicos como o comportamento do consumidor (“consumo conspícuo”), por que a industrialização na Inglaterra desacelerou (“a pena de assumir a liderança”) e as deficiências da economia neoclássica (Veblen [1899] 1973, [1915] 1966, [1919] 1990; cf. Tillman 1992). Uma menção final também deve ser feita a Werner Sombart (1863-1941), que escreveu sobre a história do capitalismo, sobre “o temperamento económico do nosso tempo” e sobre a necessidade de uma “economia verstehende” (1902-27, 1930, 1935). As contribuições de Schumpeter são especialmente dignas de nota (ver, por exemplo, Swedberg 1991b). A sua vida abrangeu dois períodos na economia moderna – o período por volta da viragem do século, quando a economia moderna nasceu, e o período de algumas décadas mais tarde, quando foi matematizada e garantiu o seu lugar como “mainstream”. Schumpeter também abrangeu dois períodos distintos na sociologia – de Max Weber, na primeira década do século XX, até Talcott Parsons, nas décadas de 1930 e 1940. Schumpeter também é único entre os economistas por tentar criar um lugar para a sociologia económica ao lado da teoria económica. Neste último esforço, Schumpeter inspirou-se claramente em Weber e, tal como este último, referiu-se a este tipo de economia ampla como Sozialökonomik, ou “economia social”. Schumpeter define a sociologia econômica como o estudo das instituições, dentro das quais ocorre o comportamento econômico (por exemplo, 1954, 21). Schumpeter produziu três estudos em sociologia. O primeiro é um artigo sobre classes sociais que é interessante por causa da distinção entre o uso do conceito de classe por economistas e sociólogos. Enquanto para o primeiro, argumenta ele, a classe é uma categoria formal, para o segundo refere-se a uma realidade viva. O segundo estudo é um artigo sobre a natureza do imperialismo que pode ser comparado às teorias equivalentes de Hobson, Lenin e outros. A ideia básica de Schumpeter é que o imperialismo é pré-capitalista e profundamente irracional e emocional por natureza – essencialmente uma expressão para as nações guerreiras da sua necessidade de conquistar constantemente novas áreas ou recuar e perder o seu poder. O terceiro estudo é talvez o mais interessante do ponto de vista da sociologia económica contemporânea, “A Crise do Estado Fiscal” (1918). Schumpeter caracteriza este artigo como um estudo de “sociologia fiscal” (Finanzsoziologie); a sua tese principal é que as finanças de um Estado representam uma posição privilegiada a partir da qual se pode abordar o comportamento do Estado. Como lema, Schumpeter cita a famosa frase de Rudolf Goldscheid: “O orçamento é o esqueleto do Estado despojado de toda ideologia enganosa (Schumpeter [1918] 1991, 100). Schumpeter não considerou Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942) como um trabalho de sociologia, mas a sua tese principal é, no entanto, de natureza sociológica: o motor do capitalismo está intacto, mas a sua estrutura institucional é fraca e danificada, tornando provável que o socialismo logo substitua-o. Neste ponto Schumpeter estava evidentemente errado. A sua análise das forças que estão a minar o capitalismo pode parecer por vezes idiossincrática. No entanto, deve ser dado crédito a Schumpeter por sugerir que o comportamento dos intelectuais, a estrutura da família moderna, e assim por diante, afectam o capitalismo. De especial importância são as suas percepções sobre a mudança económica ou, como Schumpeter expressou com o seu habitual talento estilístico, “destruição criativa”. O empreendedorismo está no cerne do tratamento dado por Schumpeter às mudanças económicas (1912, cap. 2; 1934, cap. 2; 2003). Ele próprio via a sua teoria do empreendedorismo como uma queda na teoria económica, mais precisamente como uma tentativa de criar um tipo novo e mais dinâmico de teoria económica. No entanto, muitas de suas ideias sobre empreendedorismo são de natureza sociológica. A sua ideia central – de que o empreendedorismo consiste numa tentativa de reunir uma nova combinação de elementos já existentes – pode ser lida sociologicamente, assim como a sua ideia de que o principal inimigo do empreendedor são as pessoas que resistir às inovações.

Karl Polanyi

Formado em direito, Polanyi (1886–1964) mais tarde aprendeu sozinho economia austríaca, bem como história econômica e antropologia econômica. Embora tivesse uma abordagem interdisciplinar, sua principal especialidade era história econômica, com ênfase na Inglaterra do século XIX e nas economias pré-industriais. A obra mais famosa de Polanyi é A Grande Transformação (1944), concebida e escrita durante a Segunda Guerra Mundial (por exemplo, Block 2001, 2003). A sua tese principal é que foi feita uma tentativa revolucionária na Inglaterra do século XIX para introduzir um tipo de sociedade totalmente novo e centrado no mercado. Nenhuma autoridade externa foi necessária; tudo deveria ser automaticamente decidido pelo mercado (“o mercado autorregulado”). Nas décadas de 1840 e 1850, uma série de leis foi introduzida para transformar este projecto em realidade, transformando a terra e o trabalho em mercadorias comuns. Até o valor do dinheiro foi retirado às autoridades políticas e entregue ao mercado. Segundo Polanyi, este tipo de procedimento só poderia levar a uma catástrofe. Quando os efeitos negativos das reformas de mercado se tornaram óbvios na segunda metade do século XIX, continua Polanyi, foram tomadas contramedidas para os corrigir (“o duplo movimento”). Estas medidas, no entanto, apenas desequilibraram ainda mais a sociedade; e desenvolvimentos como o fascismo no século XX foram os resultados finais da tentativa malfadada, na Inglaterra de meados do século XIX, de entregar tudo ao mercado. Polanyi também lançou a sua análise em termos de interesses e argumentou que em todas as sociedades, antes do século XIX, os interesses gerais de grupos e sociedades (“interesses sociais”) tinham sido mais importantes do que o interesse monetário do indivíduo (“interesse económico” ). “Uma concepção muito estreita de juros”, enfatiza Polanyi, “deve, na verdade, levar a uma visão distorcida da história social e política, e nenhuma definição puramente monetária de juros pode deixar espaço para essa necessidade vital de proteção social” ([1944] 1957 , 154). A parte teórica de A Grande Transformação centra-se nos conceitos de Polanyi de “inserção” e “princípios de comportamento” (posteriormente alterados para “formas de integração”). A elaboração mais completa desta linha de trabalho pode ser encontrada em Trade and Market in the Early Empires (Polanyi, Arensberg e Pearson [1957] 1971), e especialmente no ensaio de Polanyi “The Economy as Instituted Process” ([1957] 1971 ). Polanyi criticou a teoria económica por ser essencialmente “formal” – um tipo de lógica centrada na escolha, na relação meio-fim e na alegada escassez de coisas que as pessoas desejam. Há também “a falácia economicista”, ou a tendência na economia de equiparar a economia à sua forma de mercado ([1944] 1957, 270). Ao conceito formal de economia Polanyi contrapõe um conceito “substantivo”, baseado na realidade e não na lógica. “O significado substantivo de econômico deriva da dependência do homem, para viver, da natureza e de seus semelhantes” ([1957] 1971b, 243). Embora a noção de interesse económico esteja directamente ligada ao “meio de subsistência do homem” na economia substantiva, é apenas uma construção artificial na economia formal (Polanyi 1977). O conceito mais famoso associado ao trabalho de Polanyi é o de “encaixe”, que, no entanto, ele utilizou de uma forma diferente do seu uso contemporâneo. De acordo com o uso corrente, uma acção económica está, em princípio, sempre “incorporada” em alguma forma de estrutura social. De acordo com Polanyi, as acções económicas tornam-se destrutivas quando são “desenraizadas” ou não são governadas por autoridades sociais ou não económicas. O verdadeiro problema do capitalismo é que, em vez de a sociedade decidir sobre a economia, é a economia que decide sobre a sociedade: “em vez de o sistema económico estar incorporado nas relações sociais, essas relações estavam agora incorporadas no sistema económico” ([1947] 1982, 70). Outro conjunto de ferramentas conceptuais para a sociologia económica são as “formas de integração” de Polanyi. O seu argumento geral é que o interesse próprio racional é demasiado instável para constituir a base da sociedade; uma economia deve ser capaz de fornecer às pessoas sustento material de forma contínua. Existem três formas de integração, ou formas de estabilizar a economia e proporcionar-lhe unidade. São elas a reciprocidade, que ocorre dentro de grupos simétricos, como famílias, grupos de parentesco e bairros; redistribuição, na qual os bens são alocados a partir de um centro da comunidade, como o estado; e troca, em que os bens são distribuídos através de mercados formadores de preços (Polanyi [1957] 1971b). Em cada economia, especifica Polanyi, há normalmente uma mistura destas três formas. Um deles pode ser dominante, enquanto os outros são subordinados.

Talcott Parsons

Talcott Parsons (1902–79) foi educado como economista na tradição institucionalista e ensinou economia durante vários anos antes de mudar para a sociologia na década de 1930. Nesta altura, ele desenvolveu a noção de que enquanto a economia lida com a relação meio-fim da acção social, a sociologia lida com os seus valores (“a visão do factor analítico”). Na década de 1950, Parsons reformulou as suas ideias sobre a relação entre a economia e a sociologia, num trabalho de coautoria com Neil Smelser, Economia e Sociedade (1956). Este trabalho constitui a principal contribuição de Parsons para a sociologia económica, mas tanto antes como depois da sua publicação, Parsons produziu uma série de estudos relevantes para a sociologia económica (Camic 1987; Swedberg 1991a). Em A Estrutura da Acção Social (1937), Parsons lançou um ataque contundente ao pensamento social utilitário, incluindo a ideia de que os interesses representam um ponto arquimediano a partir do qual se pode analisar a sociedade. Os teóricos do interesse, observa Parsons, não conseguem lidar com o problema hobbesiano da ordem; tentam sair deste dilema assumindo que os interesses de todos se harmonizam (o que Elie Halévy referiu como “a identidade natural dos interesses”; Parsons [1937] 1968, 96-97). O que não é compreendido pelos utilitaristas é que as normas (que incorporam valores) são necessárias para integrar a sociedade e proporcionar ordem. Os interesses sempre fazem parte da sociedade, mas uma ordem social não pode ser construída sobre eles (405). Em Economia e Sociedade (1956), Parsons e Smelser sugeriram que tanto a sociologia como a economia podem ser entendidas como parte da teoria geral dos sistemas sociais. A economia é um subsistema que interage com os outros três subsistemas (o sistema político, o subsistema integrativo e o subsistema motivacional-cultural). O conceito de subsistema lembra a noção de esfera de Weber, mas embora esta última se refira apenas a valores, o subsistema económico também tem uma função adaptativa, bem como uma estrutura institucional distinta. Finalmente, pode ser mencionado que Economia e Sociedade tiveram uma recepção negativa por parte dos economistas e não conseguiram despertar o interesse pela sociologia económica entre os sociólogos. A tentativa de Smelser de consolidar a sociologia económica na década seguinte ajudou a fixar a sociologia económica como um subcampo nas mentes dos académicos e nos currículos das faculdades e universidades, mas não gerou novas linhas distintas de investigação (ver especialmente Smelser 1963, 1965, 1976) .

2. A sociologia carece de uma tradição dominante.

Várias abordagens e escolas sociológicas diferem e competem entre si, e esta circunstância afectou a sociologia económica. Por exemplo, Weber era céptico quanto à noção de “sistema” social, quer fosse aplicado à economia ou à sociedade, enquanto Parsons via a sociedade como um sistema e a economia como um dos seus subsistemas. Além disso, mesmo que todos os sociólogos económicos aceitassem a definição de sociologia económica que oferecemos, eles centram-se em diferentes tipos de comportamento económico. Alguns fazem-no seguindo a sugestão de Arrow (1990, 140) de que sociólogos e economistas colocam questões diferentes – sobre o consumo, por exemplo. Outros, incluindo a chamada nova sociologia económica (ver Granovetter 1990 para uma declaração programática), argumentam que a sociologia deveria concentrar-se directamente nas instituições e problemas económicos centrais. Feitas estas advertências, uma comparação entre as características centrais da economia dominante e da sociologia económica esclarecerá a natureza específica da perspectiva sociológica. As seguintes diferenças são mais salientes.

O Conceito do Ator

Falando de maneira direta, o ponto de partida analítico da economia é o indivíduo; os pontos de partida analíticos da sociologia económica são tipicamente grupos, instituições e sociedade. Na microeconomia, a abordagem individualista tem as suas origens no utilitarismo e na economia política britânicos. Esta orientação foi elucidada sistematicamente pelo economista austríaco Carl Menger e recebeu o rótulo de individualismo metodológico por Schumpeter (1908, 90; para uma história do individualismo metodológico, ver Udehn 2001). Em contraste, ao discutir o indivíduo, o sociólogo centra-se muitas vezes no actor como uma entidade socialmente construída, como “ator-em-interação” ou “ator-em-sociedade”. Além disso, muitas vezes os sociólogos tomam o grupo e os níveis sócio-estruturais como fenómenos sui generis, sem referência ao actor individual. O individualismo metodológico não precisa ser logicamente incompatível com uma abordagem sociológica. No seu capítulo teórico introdutório a Economia e Sociedade, Weber construiu toda a sua sociologia com base nas ações individuais. Mas estas acções interessam ao sociólogo apenas na medida em que são acções sociais ou “têm em conta o comportamento de outros indivíduos e, portanto, são orientadas no seu curso” (Weber [1922] 1978, 4). Esta formulação sublinha uma segunda diferença entre a microeconomia e a sociologia económica: a primeira assume geralmente que os actores não estão ligados uns aos outros; o último pressupõe que os atores estão ligados e influenciam uns aos outros. Argumentamos abaixo que esta diferença tem implicações no modo como as economias funcionam.

O Conceito de Acção Económica

Na micoeconomia, assume-se que o actor tem um conjunto determinado e estável de preferências e escolhe aquela linha de acção alternativa que maximiza a utilidade. Na teoria económica, esta forma de agir constitui uma acção economicamente racional. A sociologia, pelo contrário, abrange vários tipos possíveis de acção económica. Para ilustrar novamente com Weber, a acção económica pode ser racional, tradicional ou afectiva (Weber [1922] 1978, 24-26, 63-68). Exceptuando a menção residual a “hábitos” e “regras práticas”, os economistas não dão lugar à acção económica tradicional (que, sem dúvida, constitui a sua forma mais comum; ver, no entanto, Akerlof 1984; Schlicht 1998).

Outra diferença entre a microeconomia e a sociologia económica neste contexto diz respeito ao âmbito da acção racional. O economista tradicionalmente identifica a ação racional com o uso eficiente de recursos escassos. A visão do sociólogo é, mais uma vez, mais ampla. Weber referiu-se à maximização convencional da utilidade, em condições de escassez, como racionalidade formal. Além disso, porém, ele identificou a racionalidade substantiva, que se refere à alocação dentro das diretrizes de outros princípios, como lealdades comunitárias ou valores sagrados. Uma outra diferença reside no facto de os economistas considerarem a racionalidade como uma suposição, enquanto a maioria dos sociólogos a consideram como uma variável (ver Stinchcombe 1986, 5-6). Por um lado, as ações de alguns indivíduos ou grupos podem ser mais racionais do que outros (cf. Akerlof 1990). Na mesma linha, os sociólogos tendem a considerar a racionalidade como um fenômeno a ser explicado, e não presumido. Weber dedicou grande parte da sua sociologia económica a especificar as condições sociais sob as quais a racionalidade formal é possível, e Parsons ([1940] 1954) argumentou que a racionalidade económica era um sistema de normas – e não um universal psicológico – associado a processos de desenvolvimento específicos no Ocidente.  Outra diferença emerge no estatuto do significado na acção económica. Os economistas tendem a considerar o significado da acção económica como derivável da relação entre determinados gostos, por um lado, e os preços e quantidades de bens e serviços, por outro. A conceituação de Weber tem um sabor diferente: “o a ação [na sociologia] deve trazer à tona o fato de que todos os processos e objetos “econômicos” são caracterizados como tais inteiramente pelo significado que têm para a ação humana” ([1922] 1978, 64). Os significados são construídos historicamente e devem ser investigados empiricamente, e não devem ser simplesmente derivados de suposições e circunstâncias externas. Finalmente, os sociólogos tendem a dar um lugar mais amplo e mais saliente à dimensão do poder na acção económica. Weber ([1922] 1978, 67) insistiu que “[é] essencial incluir o critério do poder de controlo e disposição (Verfügungsgewalt) no conceito sociológico de acção económica”, acrescentando que isto se aplica especialmente na economia capitalista. Em contraste, a microeconomia tendeu a considerar a acção económica como uma troca entre iguais e, portanto, teve dificuldade em incorporar a dimensão do poder (Galbraith 1973, 1984). Na tradição da concorrência perfeita, nenhum comprador ou vendedor tem o poder de influenciar o preço ou a produção. É também verdade que os economistas têm uma tradição de analisar a concorrência imperfeita – na qual o poder de controlar os preços e a produção é o ingrediente principal – e que a ideia de “poder de mercado” é utilizada na economia do trabalho e industrial (por exemplo, Scherer 1990). Ainda assim, a concepção económica de poder é tipicamente mais restrita do que a noção de poder económico do sociólogo, que inclui o seu exercício em contextos sociais (especialmente políticos e de classe), bem como de mercado. Num estudo sobre o poder do sistema bancário dos EUA, por exemplo, Mintz e Schwartz (1985) analisam como os bancos e as indústrias se interligam, como certos bancos se agrupam em grupos e como os bancos por vezes intervêm nas empresas para impor decisões económicas. De forma mais geral, os sociólogos analisaram e debateram a questão das implicações políticas da desigualdade de riqueza e até que ponto os líderes empresariais constituem uma “elite do poder” em toda a sociedade (por exemplo, Mills 1956; Dahl 1958; Domhoff e Dye 1987; Keister 2000).

Limitações à Acção Económica

Na economia dominante, as acções são limitadas pelos gostos e pela escassez de recursos, incluindo a tecnologia. Uma vez conhecidos estes, é em princípio possível prever o comportamento do ator, uma vez que ele ou ela tentará sempre maximizar a utilidade ou o lucro. A influência activa de outras pessoas e grupos, bem como a influência das estruturas institucionais, é colocada de lado. Knight codificou isso da seguinte maneira: “Cada membro da sociedade deve agir apenas como indivíduo, com total independência de todas as outras pessoas” ([1921] 1985, 78). Os sociólogos levam directamente em conta essas influências na análise da acção económica. Outros intervenientes facilitam, desviam e restringem a ação dos indivíduos no mercado. Por exemplo, uma amizade entre um comprador e um vendedor pode impedir que o comprador abandone o vendedor apenas porque um item é vendido a um preço mais baixo noutro local (por exemplo, Dore 1983). Os significados culturais também afectam escolhas que de outra forma poderiam ser consideradas “racionais”. Nos Estados Unidos, por exemplo, é difícil persuadir as pessoas a comprar cães e gatos para alimentação, embora a sua carne seja tão nutritiva e mais barata do que outros tipos (Sahlins 1976, 170-79). Além disso, a posição de uma pessoa na estrutura social condiciona as suas escolhas económicas e a sua actividade. Stinchcombe (1975) evocou o princípio de que as restrições estruturais influenciam as decisões de carreira de maneiras que vão contra as considerações de retorno económico. Por exemplo, para uma pessoa que cresce num bairro de alta criminalidade, a escolha entre fazer uma carreira roubando e conseguir um emprego tem muitas vezes menos a ver com a utilidade comparativa destas duas alternativas do que com a estrutura dos grupos de pares e gangues em que vivem. a vizinhança.

A Economia em Relação com a Sociedade

 Os focos principais do economista convencional são o intercâmbio económico, o mercado e a economia. Em grande medida, o resto da sociedade situa-se para além de onde as variáveis operativas da mudança económica realmente importam (ver Quirk 1976, 2–4; Arrow 1990, 138–39). Os pressupostos económicos normalmente pressupõem parâmetros sociais estáveis. Por exemplo, o pressuposto de longa data de que a análise económica trata de transacções pacíficas e legais, e não de força e fraude, envolve pressupostos importantes sobre a legitimidade e a estabilidade do Estado e do sistema jurídico. Desta forma, os parâmetros sociais – que certamente afectariam o processo económico se o sistema jurídico político se desintegrasse – são congelados por suposição e, portanto, são omitidos da análise. Nos últimos tempos, os economistas têm-se voltado para a análise da razão pela qual as instituições surgem e persistem, especialmente na nova economia institucional e na teoria dos jogos. Eles variaram os efeitos dos arranjos institucionais em vários experimentos lógicos (ver, por exemplo, Eggertsson 1990; Furubotn e Richter 1997). No entanto, o contraste com a sociologia económica permanece.

Abordagens Comparativas e Históricas da Sociologia Econômica

Os estudiosos do comportamento económico há muito que subscrevem a visão do senso comum de que as leis naturais governam a vida económica. Na disciplina da economia, a visão predominante é que o comportamento económico é determinado exogenamente, por uma força externa à sociedade, e não endogenamente, por forças internas. O interesse próprio é essa força e é exógeno à sociedade porque é inato – parte da natureza humana. O interesse próprio orienta o comportamento humano em direção aos meios mais eficientes para fins específicos. Se o comportamento económico é instintivo, prossegue o raciocínio, precisamos de saber pouco sobre a sociedade para prever o comportamento. Os sociólogos sempre acharam esta abordagem atraente, até porque apoia a visão iluminista de que o universo é cognoscível – que pode ser compreendido pela ciência. Há algo inerentemente atraente nas fórmulas matemáticas convincentes que podem explicar a velocidade da luz ou o preço que as pessoas pagam pelo café. No entanto, os sociólogos sempre fizeram comparações entre sociedades e ao longo do tempo, e invariavelmente chegam à conclusão de que a maior parte do comportamento económico só pode ser explicada pela própria sociedade – pelo contexto. Se você administra uma fazenda na Croácia ou na Sicília, é muito importante para o seu comportamento. Não podemos prever muito sobre como irá gerir uma ferrovia em Cleveland sem saber se o ano é 1880 ou 1980. Estudos históricos e comparativos iluminam o papel da sociedade na formação do comportamento económico como nada mais consegue. A disciplina da sociologia foi lançada por homens que buscavam compreender a modernidade. Como é que as sociedades passaram a ser organizadas em torno do progresso, da racionalidade e da ciência, quando durante tanto tempo foram organizadas em torno da tradição, do mito e do ritual? Os sociólogos enfrentaram esta questão fazendo comparações entre sociedades e ao longo do tempo. Estas comparações foram motivadas pela observação de que o contexto social molda o comportamento económico – que o comportamento racional moderno é aprendido e não inato. O método comparativo e histórico é uma das vantagens comparativas da sociologia. Os sociólogos utilizam este método com mais frequência do que os economistas, e o próprio método tende a realçar diferenças contextuais no comportamento económico. Esta diferença entre as disciplinas surgiu apenas gradualmente, pois as duas disciplinas começaram como uma só. À medida que a economia se movia em direcção a modelos de actores racionais altamente estilizados e se afastava dos estudos comparativos e históricos, os primeiros analistas que enfatizavam o papel das instituições sociais na formação do comportamento económico, incluindo Karl Marx e Max Weber, foram rejeitados pelos economistas e abraçados pelos sociólogos. Marx, Weber e Émile Durkheim procuraram compreender a ascensão do comportamento económico moderno comparando as sociedades pré-capitalistas ao capitalismo. Marx explorou a transição do feudalismo para o capitalismo; Weber, o impulso capitalista que surgiu com o protestantismo; e Durkheim, a ascensão da divisão do trabalho no capitalismo. Como o capitalismo estava na sua infância, ninguém tinha a certeza de que o capitalismo industrial moderno tomaria formas muito diferentes, embora Weber tenha descrito uma série de formas diferentes, incluindo saque, política, imperialista, colonial, aventura e capitalismo fiscal (1978, 164-67; ver também Swedberg 1998, 47). Os métodos comparativos e históricos que estes homens desenvolveram foram concebidos para explicar por que o comportamento humano variou ao longo do tempo e entre contextos. Os analistas históricos muitas vezes baseiam-se directamente na problemática que Marx, Durkheim e Weber esboçaram – como surgiram as práticas económicas modernas? Os analistas comparativos muitas vezes tomam outro rumo, tentando compreender as forças sociais que fazem com que os sistemas económicos modernos difiram tão dramaticamente. Se a natureza humana impulsiona a evolução dos sistemas económicos e se a natureza humana é universal, porque é que os sistemas económicos assumem tais diferenças? formulários? Trabalhos históricos e comparativos em sociologia económica apontam para a própria sociedade, sugerindo que as sociedades se desenvolvem ao longo de trajetórias diferentes por razões que têm a ver com a história e o acaso. Neste capítulo reviso trabalhos históricos e comparativos em sociologia económica que procuram explicar a variação substancial encontrada no comportamento económico ao longo do tempo e do espaço. Embora a maioria dos sociólogos partilhe a opinião de que os padrões de comportamento económico são impulsionados por processos sociais e não apenas pelo instinto, eles argumentam que diferentes tipos de processos sociais são primários. Alguns centram-se nas relações de poder, outros nas instituições e convenções sociais e ainda outros nas redes e papéis sociais. Os sociólogos comparativos e históricos já trataram estas perspectivas como alternativas, mas cada vez mais as tratam como complementares. Em seguida, reviso os fundamentos teóricos das abordagens de poder, institucionais e de rede. Em seguida, esboço os métodos analíticos usados ​​pelos sociólogos históricos e comparativos antes de passar para uma revisão de estudos empíricos.

Como o poder, as instituições e as redes moldam o comportamento económico

A maioria dos sociólogos económicos procede de forma indutiva, observando como o comportamento económico varia ao longo do tempo ou entre países e atribuindo essa variação a algo relacionado com o contexto social. Isto é bastante diferente da abordagem da maioria dos economistas neoclássicos, que partem dedutivamente da premissa de que o interesse próprio individual explica o comportamento económico. Os estudos sobre o investimento entre os primeiros protestantes, a gestão de novas empresas no sector orientado para o mercado da China e a estratégia empresarial entre os produtores de vinho argentinos produziram uma miríade de insights sobre as forças que moldam o comportamento económico. Mas um de três processos sociais diferentes está normalmente no cerne da questão, e estes processos foram explicitados nas teorias do poder, institucionais e de redes. Poder As relações de poder moldam o comportamento económico, tanto directamente, como quando uma empresa poderosa dá ordens a um fornecedor fraco, como indirectamente, como quando um grupo industrial poderoso molda a regulamentação em seu próprio benefício. A teoria estrutural do poder é a herdeira direta das ideias de Marx, mesmo que nem todos os seus praticantes se autodenominassem marxistas. Eles incluem Neil Fligstein (1990), William Roy (1997), Beth Mintz e Michael Schwartz (1985), Michael Useem (1996) e Charles Perrow (2002). A sua preocupação é saber como grupos poderosos conseguem promover práticas e políticas públicas que são do seu interesse como sendo do interesse comum. Marx descreveu o Estado capitalista como uma ferramenta da classe capitalista, o que justificou a sua existência sob o pretexto do liberalismo político. A sua ideia era que os estados modernos servissem um grupo enquanto afirmavam incorporar princípios que beneficiam a todos. Os teóricos estruturais do poder exploram o papel que o poder desempenha na determinação das políticas estatais, das estratégias corporativas e dos comportamentos individuais que consideramos transparentemente racionais. Quando um determinado grupo consegue promover a sua política pública ou estratégia empresarial favorita – ao fazer dessa abordagem a nova convenção – esse grupo pode reforçar o seu próprio poder ou riqueza sem ter de exercer coerção constante.

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3ª Lição 20 de Setembro: Novas Instituições

 

 

Novas instituições na sociologia económica

O foco nas instituições como um conceito fundamental nas ciências sociais deu origem a uma variedade de novas abordagens institucionalistas. Desde a revolução comportamental da década de 1950, nunca houve tanto interesse num conceito interdisciplinar, que oferecesse um tema comum para intercâmbio e debate. Os escritos de Ronald Coase, Douglass North e Oliver Williamson sobre a emergência endógena e a evolução das instituições económicas inspiraram um movimento de base ampla na economia. Na sociologia, os neoinstitucionalistas – principalmente John Meyer, Richard Scott, Paul DiMaggio e Walter Powell – redirecionaram o estudo das organizações analisando como o ambiente institucional e as crenças culturais moldam o seu comportamento. Numa mudança paralela de atenção analítica, os sociólogos económicos – Peter Evans, Neil Fligstein, Richard Swedberg e eu próprio – defendem um novo foco para explicar como as instituições interagem com as redes e normas sociais para moldar e dirigir a acção económica. O ponto de partida comum destas abordagens é a afirmação de que as instituições são importantes e que a compreensão das instituições e da mudança institucional é uma agenda central para as ciências sociais. Este capítulo não procura ser abrangente na sua cobertura dos novos institucionalismos nas ciências sociais.  Em vez disso, concentro-me selectivamente nos novos institucionalismos na economia e na sociologia como um meio de expor as características centrais de uma nova sociologia económica institucional, que traz de volta à a agenda de investigação tem um foco crucial na explicação do funcionamento de crenças, normas e instituições partilhadas na vida económica. O meu objectivo é integrar o enfoque nas relações sociais e nas instituições numa abordagem sociológica moderna ao estudo do comportamento económico, destacando os mecanismos que regulam a forma como os elementos formais das estruturas institucionais, em combinação com a organização social informal de redes e normas, facilitam, motivar e governar a acção económica.2 Assim, tanto os mecanismos causais distais como os próximos são abordados e incorporados numa análise institucional comparativa da vida económica. Isto implica revisitar a visão de Weber ([1904-5] 2002; [1922] 1968) de que a racionalidade é motivada e guiada por sistemas de crenças partilhadas (religiosas e culturais), costumes, normas e instituições. Um quadro conceptual que sublinha essa racionalidade contextualizada serve de base para examinar a emergência, a persistência e a transformação das estruturas institucionais.

NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL

Na visão dos novos institucionalistas econômicos, o velho institucionalismo ofereceu descrições penetrantes e perspicazes das instituições econômicas (Veblen 1909 [1899], 1934; Mitchell 1937; Commons 1934, 1957), mas acabou falhando na tentativa de moldar a direção da economia moderna. Em vez disso, continuou a ser um movimento dissidente dentro da economia, que, como brincou Coase (1984, 230), produziu uma “massa de material descritivo à espera de uma teoria, ou de um incêndio”. Tendo em mente as limitações do antigo institucionalismo económico, ele observou que “o que distingue os economistas institucionais modernos não é o facto de falarem sobre instituição, mas o facto de usarem a teoria económica padrão para analisar o funcionamento destas instituições e para descobrir a parte que planeiam na economia”. operações da economia.” Kenneth Arrow (1987, 734) oferece uma avaliação semelhante em sua resposta à sua pergunta retórica: “Por que a antiga escola institucionalista fracassou tão miseravelmente, embora contivesse analistas tão competentes como Thorstein Veblen, J. R. Commons e W. C. Mitchell?” A nova economia institucional tem sido influente, pensa ele, não porque oferece “novas respostas às questões tradicionais da economia – alocação de recursos e o grau de utilização”, mas porque utiliza a teoria económica para responder “novas questões, por que razão surgiram as instituições económicas”. do jeito que eles fizeram e não de outra forma.” Sem dúvida, os novos institucionalistas económicos enexistência genérica da empresa em uma economia de mercado competitiva. Se as transacções de mercado não tivessem custos, argumentou Coase, então não haveria motivação suficiente para os empresários explorarem empresas. Mas, na verdade, todas as soluções para o problema da medição do desempenho dos agentes e da execução dos contratos são dispendiosas. A assimetria e a incerteza da informação são encontradas em todos os ambientes institucionais; portanto, os mesmos problemas de agência encontrados nos mercados também se aplicam à empresa. A característica distintiva da empresa é a suspensão do mecanismo de preços. O empresário tem o poder e a autoridade, dentro dos limites estabelecidos pelo contrato de trabalho, para direcionar trabalhadores de uma parte da empresa para outra. Assim, “as empresas surgirão para organizar o que de outra forma seriam transacções de mercado sempre que os seus custos forem inferiores aos custos de realização das transacções através do mercado” (1988, 7). Por outras palavras, a razão da existência da empresa é que “o funcionamento de um mercado custa alguma coisa” e a empresa poupa neste custo. A nova economia institucional inclui um grupo diversificado de economistas com diferenças importantes e debates contínuos.7 Concentro-me aqui em três abordagens distintas – iniciadas por Williamson, North e Greif – que são de interesse para uma nova sociologia económica institucional. O tema unificador de todos os três é a proposição de que as instituições sociais são importantes para os actores económicos porque moldam a estrutura dos incentivos. Williamson baseia-se na visão de Coase de que a assimetria de informação e a incerteza tornam difícil assegurar um compromisso credível com acordos, integrando esta visão com outras literaturas.8 A sua síntese enfatiza que a governação corporativa está principalmente preocupada em abordar o problema do oportunismo e reduzir o risco de prevaricação nos agentes. 'desempenho. Ao examinar os custos comparativos do planeamento, adaptação e monitorização do desempenho dos agentes, Williamson deriva previsões testáveis sobre estruturas de governação alternativas. A sua previsão baseia-se em três tipos de especificidade de ativos – locais, físicos e humanos – que as empresas encontram. Dado que as empresas competem nos mercados numa selecção semelhante à darwiniana para sobreviverem e permanecerem lucrativas (Hayek 1945), estão sob pressão contínua para se adaptarem, economizando nos custos de transacção. Assim, onde a especificidade dos activos for maior, os principais e os agentes “farão esforços especiais para conceber” uma estrutura de governação com “propriedades de boa continuidade” para reforçar os incentivos para compromissos credíveis nos acordos. Por outro lado, se “os activos são inespecíficos, os mercados desfrutam de vantagens tanto no que diz respeito aos custos de produção como aos custos de governação” Williamson (1981, 558).10 A contribuição de Williamson foi construir um programa de investigação orientado pela teoria, no qual as hipóteses centrais derivadas de Coase foram verificado empiricamente. Um segundo programa de investigação estimulado pelos ensaios seminais de Coase enfatiza a importância dos direitos de propriedade na formação da estrutura de incentivos (Cheung 1970, 1974; North e Thomas 1973; Alchian e Demsetz 1973; North 1981). Cheung mostrou que num mundo neoclássico de custos de transacção zero, os direitos de propriedade privada podem ser abandonados sem negar o teorema de Coase, uma visão que North alargou para desenvolver uma nova abordagem institucionalista dos direitos de propriedade para explicar o desempenho económico. Dado que os custos de transacção constituem uma parte significativa do custo de produção e de troca, North argumentou que arranjos institucionais alternativos podem fazer a diferença entre o crescimento económico, a estagnação ou o declínio. O primeiro dos novos institucionalistas a rejeitar explicitamente a suposição de eficiência da teoria funcionalista das instituições (Schotter 1981), North afirma que, porque os incentivos são estruturados em arranjos institucionais, os incentivos perversos abundam e dão origem a direitos de propriedade que desencorajam a inovação e o empreendedorismo privado. É frequentemente rentável e mais gratificante para os intervenientes políticos criarem instituições que redistribuam a riqueza, o que pode reduzir os incentivos à inovação e à iniciativa privada. A abordagem de North é centrada no Estado, na medida em que centra a atenção analítica no papel do Estado na concepção da estrutura subjacente dos direitos de propriedade na sociedade.11 Na sua opinião, a tarefa central na explicação do crescimento económico é especificar os eventos e as condições que proporcionam incentivos para que os actores políticos estabeleçam acordos institucionais formais que apoiem direitos de propriedade eficientes.12 Na ascensão do Ocidente, isto implicou a diluição do controlo estatal sobre os recursos e a emergência de alguma forma de pluralismo político. Concebidas como “restrições criadas humanamente que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais”, as instituições na visão de North (1991, 97) consistem em regras formais como constituições, leis e direitos de propriedade e também em elementos informais como“sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta.” Embora ele tenha sido um dos primeiros a apontar os elementos informais da instituição North tem enfatizado consistentemente as “regras fundamentais do jogo” ou as regras básicas fornecidas pelas constituições e pela lei. Estes são as regras que regem os actores políticos e moldam a estrutura dos direitos de propriedade que definem e especificam as regras de concorrência e cooperação nos mercados. A importância das regras formais é amplificada nas economias de mercado modernas, onde, argumenta North, o crescimento do comércio de longa distância, da especialização e da divisão do trabalho contribui para problemas de agência e de negociação de contratos e problemas de execução. Embora os laços interpessoais, as normas sociais e as sanções como o ostracismo sejam elementos muito importantes dos acordos institucionais, não são suficientes por si só para impor compromissos credíveis nos acordos, porque “na ausência de uma contratação impessoal eficaz, os ganhos das deserções são suficientemente grandes para impedir o desenvolvimento de trocas complexas” nas economias modernas (North 1991, 100). A teoria da mudança institucional de North aplica a teoria marginalista padrão na sua ênfase na mudança dos preços relativos. A sua história económica da ascensão do Ocidente mostrou que a mudança institucional “provém de uma mudança no poder de negociação relativo dos governantes versus constituintes (ou governantes versus governantes) e, em termos gerais, as mudanças surgem devido a mudanças importantes e persistentes nos preços relativos. ”(1984, 260). As alterações nos preços relativos são, por sua vez, frequentemente impulsionadas por alterações demográficas, alterações no stock de conhecimento e alterações na tecnologia militar. A dinâmica da mudança institucional na teoria de North resulta de uma interação contínua entre instituições e organizações no contexto da competição por recursos escassos. Dado que as instituições se auto-reforçam, os interesses instalados no conjunto existente de instituições reforçam a dependência da trajectória nos esforços para rever as regras. As inovações institucionais virão dos Estados e não dos constituintes, porque os Estados geralmente não enfrentam o problema do parasitismo (exceto às vezes em assuntos internacionais), enquanto os indivíduos e os atores organizacionais são limitados na sua capacidade de implementar mudanças em grande escala devido ao problema da liberdade. montando.14 Os empresários são os agentes da mudança e as organizações são os intervenientes que respondem às mudanças nos preços relativos, que incluem mudanças no rácio dos preços dos factores, mudanças no custo da informação e mudanças na tecnologia. As organizações são agentes de mudança quando fazem lobby junto ao Estado para iniciar inovações institucionais que permitam aos actores económicos sobreviver e lucrar com as mudanças nos preços relativos. Crítico da abordagem de North, Greif (no prelo) argumenta que o seu foco nas regras formais e no poder do Estado não esclarecer por que os actores económicos seguem algumas regras, mas não outras. Embora North reconheça o papel da ideologia, das crenças culturais, das normas e das convenções, Greif afirma que a sua abordagem à análise institucional não fornece um quadro apropriado para estudar como os actores são endogenamente motivados para seguir regras não aplicadas pelo Estado. North relega crenças e normas a uma caixa negra de restrições informais e é incapaz de mostrar como as regras informais e a sua aplicação se combinam com regras formais para permitir, motivar e orientar o comportamento económico. A abordagem do próprio Greif, aplicando a teoria dos jogos para examinar como as crenças culturais moldam a relação principal-agente, dando origem e sustentando instituições económicas distintas, é discutida abaixo, na secção sobre a viragem sociológica na nova economia institucional. Granovetter contribuiu assim com o tema seminal da inserção para a revitalização do estudo sociológico da vida económica. Afirmando que mesmo quando a economia tenta levar em conta os factores sociais, a sua concepção da acção humana permanece profundamente falha, uma vez que tanto a versão subsocializada como a sobresocializada normalmente encontrada na análise económica assumem actores atomizados, o argumento de Granovetter tende a enquadrar esta revitalização da sociologia económica em termos de uma competição disciplinar com a economia. Em contraste com a ênfase da economia dos custos de transação nas hierarquias na resolução do problema da confiança, os sociólogos económicos guiados pela abordagem da integração “prestam atenção cuidadosa e sistemática aos padrões reais de relações pessoais através dos quais as transações económicas são realizadas” (504). O foco nos laços interpessoais concretos provavelmente mostrará “que tanto a ordem como a desordem, a honestidade e a má conduta têm mais a ver com estruturas de tais relações do que com a forma organizacional” (502-3). Os laços interpessoais desempenham um papel crucial tanto nos mercados como nas empresas, garantindo a confiança e servindo como um canal para informações úteis. Devemos notar, no entanto, que os laços interpessoais implicam custos, seja na prevenção e resolução de conflitos, seja na acumulação de obrigações. Na verdade, as relações sociais podem ser muito dispendiosas quando o conflito, a desordem, o oportunismo e a prevaricação irrompem nas redes. A análise dos custos de transacção sugere que os empresários terão esses custos em conta ao considerarem formas alternativas de organização económica, incluindo quase-empresas baseadas em redes. Apesar do contraste de enfoque, as abordagens dos custos de transação e da integração parecem concordar que as empresas geralmente preferem contextos sociais onde a negociação de acordos é menos problemática e dispendiosa. Em essência, a abordagem da integração difere da economia dos custos de transação na sua ênfase em soluções informais para resolver o problema da confiança, em oposição aos acordos institucionais formais. Não é de surpreender, portanto, que a resposta de Williamson (1994, 85) ao ensaio de Granovetter tenha sido: “A economia dos custos de transação e o raciocínio de integração são evidentemente complementares em muitos aspectos”. Embora a abordagem de integração de Granovetter tenha lançado as bases para a revitalização do estudo sociológico da vida económica, a sua única ênfase na natureza dos laços interpessoais e na estrutura das redes contribuiu para um estreitamento do âmbito da sociologia económica a partir do amplo debate institucional iniciado pelo seu fundadores. A imagem causal da abordagem da inserção, que postula a variação na estrutura subjacente das relações sociais concretas para explicar o funcionamento dos mercados e das empresas, baseia-se num quadro conceptual que limita o poder explicativo da sociologia económica às causas próximas. Além disso, a abordagem requer a construção de uma taxonomia de contextos estruturais como um passo necessário para se tornar suficientemente abstracto para gerar um quadro analítico poderoso. Em contraste, as fontes clássicas da sociologia económica nos escritos de Weber, Schumpeter e Polanyi delinearam abordagens analíticas que apontaram para uma ampla estrutura institucional. investigação de forças causais distais e mais profundas. Outra limitação é a ausência de uma especificação clara de mecanismos que expliquem por que razão os actores económicos se separam por vezes das redes existentes para prosseguirem interesses económicos. Se, como afirma Granovetter, uma rede densa de laços pessoais faz mais do que arranjos institucionais para garantir a confiança e informações úteis cruciais para transacções complexas, então porque é que os actores económicos se dissociam rotineiramente dos laços interpessoais para transaccionar em trocas de mercado? Uma característica definidora de uma economia de mercado avançada do século XXI como ordem institucional é a sua capacidade de permitir que os agentes económicos alternem praticamente sem problemas entre transacções dentro de redes estreitas e com estranhos. Em suma, a orientação para as relações sociais, e não para as instituições, desta abordagem de integração introduziu um elemento de indeterminação na nova sociologia económica, especialmente no contexto de uma economia de mercado global, onde o volume de transacções transnacionais aumentou através de inovações na tecnologia da informação que permitem transações complexas entre estranhos (Kuwabara, no prelo).

A VIRADA SOCIOLÓGICA NA NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL

Central entre as preocupações da sociologia desde as suas origens como ciência social tem sido o objetivo de explicar as instituições, como exemplificado nos trabalhos seminais de Max Weber e Émile Durkheim sobre o assunto. Não é surpreendente, portanto, que tenha havido uma espécie de “viragem sociológica” na economia, motivada por dificuldades em explicar as instituições e a mudança institucional no quadro da teoria económica (Furubotn e Richter 1993). Se está em curso uma viragem sociológica, como se manifesta no trabalho recente dos novos economistas institucionais? Até que ponto a sociologia económica influenciou o seu pensamento? Em sua arte

UMA CONTRAPERSPECTIVA DA ECONÔMICA SOCIOLOGIA

No seu influente artigo “Acção Económica e Estrutura Social” (1985) Granovetter salienta que “Os actores não se comportam ou decidem como átomos fora de um contexto social, nem aderem servilmente a um guião escrito para eles pela intersecção particular de categorias sociais”. que eles ocupam. As suas tentativas de acção intencional estão, em vez disso, incorporadas em sistemas concretos e contínuos de relações sociais” (487). Ele oferece a visão de que “as relações sociais, em vez de arranjos institucionais ou moralidade generalizada [por exemplo. crenças e normas partilhadas], são os principais responsáveis ​​pela produção de confiança na vida económica” (491). Ele critica o uso do raciocínio de custos de transação por Williamson ao explicar os limites das empresas para o que ele vê como suposições irrealistas de concepções sub e supersocializadas da ação humana, “ambas tendo em comum uma concepção de ação e decisão realizada por atores atomizados ”(485). A visão dos mercados do “estado de natureza” de Williamson, afirma Granovetter, é desprovida de referência à história de relacionamentos concretos e estruturas de rede, deixando de levar em conta “até que ponto as relações pessoais concretas e as obrigações inerentes a elas desencorajam a má conduta, bastante além dos arranjos institucionais” (489). A concepção hobbesiana de autoridade hierárquica de Williamson também se encontra num terreno instável, dada a medida em que as redes sociais congeladas nas empresas estruturam as relações de poder; portanto, “Williamson superestima enormemente a eficácia do poder hierárquico (“fiat”, em seu termo ics: Fazendo um balanço, olhando para o futuro”, Williamson (2000, 595) confessa que “ainda somos muito ignorantes sobre as instituições”, apesar do progresso alcançado ao longo do último quarto de século. “A principal causa da ignorância é que as instituições são muito complexas. . . . o pluralismo é o que promete superar a nossa ignorância.” O modelo causal multinível da economia de Williamson descreve “quatro níveis de análise social” nos quais o nível superior impõe restrições ao nível inferior. “O nível superior”, escreve ele, “é o nível de inserção social. É aqui que se localizam as normas, costumes, costumes, tradições, etc. . . . North coloca a questão: “O que há nas restrições informais que lhes confere uma influência tão generalizada sobre o carácter de longo prazo das economias?” (1991, 111). North não tem uma resposta para essa pergunta desconcertante, nem eu.” Este nível de integração influencia os três níveis inferiores: nível 2, ambiente institucional; nível 3, governança; nível 4, alocação de recursos e emprego.19 Portanto, é importante identificar e explicar “os mecanismos através dos quais as instituições informais surgem e são mantidas” (596). Assim, a perspectiva da integração está agora em processo de incorporação na nova economia institucional. Mas Williamson reconhece que, embora o nível 1 molde os parâmetros daquilo que os economistas estudam, ele “é considerado dado pela maioria dos economistas institucionais”. Uma viragem sociológica é aparente na influência de Weber, Marx, Polanyi e Parsons na concepção de instituições de North, tal como elaborada em Estrutura e Mudança na História Económica (1981). Mais recentemente, em resposta ao confronto com as dificuldades de implementação de mudanças institucionais como conselheiro económico dos reformadores nas economias em transição da Europa de Leste, North reconhece um maior interesse em compreender os elementos informais das instituições incorporadas nas relações sociais. A elaboração de novas regras formais para instituir economias de mercado na Europa Oriental e na antiga União Soviética teve apenas um sucesso limitado; isto apontou para a natureza intratável dos arranjos sociais incorporados em laços interpessoais, crenças culturais, normas e arranjos institucionais do antigo regime estudados por sociólogos económicos.20 É evidente que “as regras formais são uma parte importante do quadro institucional, mas apenas uma parte. Para funcionarem eficazmente, devem ser complementados por restrições informais (convenções, normas de comportamento) que os complementem e reduzam os custos de aplicação. Se as regras formais e as restrições informais forem inconsistentes entre si, a tensão resultante irá induzir instabilidade política. Mas sabemos muito pouco sobre como as normas informais evoluem” (North 1993, 20). Uma viragem sociológica é ainda mais evidente nas novas teorizações sobre a importância dos mecanismos cognitivos. Como as crenças e normas são inobserváveis, argumenta Greif, a integração de variáveis ​​sociais tem sido dificultada pelo facto de qualquer comportamento poder ser explicado por afirmações ad hoc sobre as crenças e normas que o motivam. A integração das variáveis ​​sociais de uma forma consistente com a metodologia económica requer um quadro analítico que possa conciliar duas visões aparentemente contraditórias das instituições: a visão das instituições comuns na economia como restrições criadas pelos indivíduos e a visão estrutural das instituições como factos sociais externos ao mundo. indivíduos comuns na sociologia. Os novos institucionalistas organizacionais concentram-se na difusão de regras, roteiros e modelos (Meyer e Rowan 1977), enquanto alguns novos economistas institucionais oferecem modelos de teoria dos jogos de motivação endógena decorrentes de sistemas de crenças e normas compartilhadas (Greif [1994] 1998).21 Embora a teoria dos jogos não oferece uma teoria das instituições, Greif argumenta que ela oferece uma estrutura analítica apropriada para incorporar variáveis sociológicas na análise econômica das instituições. Não fornece uma teoria das restrições que definem os parâmetros da interação estratégica, mas oferece insights profundos sobre a dinâmica da escolha dentro das restrições. Fornece uma teoria do comportamento social em que o curso ideal de comportamento dos atores depende do comportamento e do comportamento esperado (crenças culturais e normas sociais) dos outros.22 Também incorpora uma visão realista do mundo social em que a informação é assimétrica e os atores são interdependentes e motivados para agir de uma maneira particular. Oferece um método para examinar como as interações estratégicas dão origem e sustentam instituições auto-aplicáveis. Greif ([1994] 1998) estendeu a sua aplicação à análise institucional comparativa do comportamento económico utilizando estudos de casos extraídos da história económica medieval europeia e mediterrânica. Ele modela as interações sociais estratégicas recorrentes que sustentam as instituições em equilíbrio.23 No geral, os economistas interessados ​​em estudar as instituições sociais descobriram que quanto mais compreendem o funcionamento das instituições como endógeno aos processos sociais na sociedade, mais

Coleman e o capital social

Fundamentos da teoria social (Coleman 1990; doravante FST) foi o principal projeto intelectual da longa e distinta carreira de James S. Coleman nas ciências sociais, apesar de seus impactos extensos e duradouros em outros campos, incluindo educação, sociologia matemática, estudos organizacionais e política social. O arcabouço teórico do FST está enraizado no pressuposto de que os fenômenos sociais são o resultado de interações entre actores com interesses próprios e orientados para metas situados em contextos sociais que moldam e modificam suas ações. A abordagem de escolha racional amplamente concebida de Coleman buscou incorporar e explicar essas configurações, ao invés de assumi-las como fazem alguns outros modelos baseados em postulados de nível individual semelhantes. Essa estrutura serviu como seu ponto de partida para a análise dos fenômenos sociológicos; ele também esperava que isso encorajasse uma melhor compreensão dos problemas em economia, direcionando a atenção para as restrições que as condições estruturais sociais lhes impõem (Coleman, 1994). Coleman tinha um interesse especial em problemas micro a macro nos quais múltiplas ações individuais interdependentes se combinam de alguma maneira para produzir um resultado coletivo, vendo-os como os problemas mais importantes e difíceis para as ciências sociais (Coleman 1986). A conceituação de Coleman de capital social é um elemento-chave do FST, amplamente definido, considera o capital social como qualquer aspecto da estrutura social que pode ser empregado como um recurso para a obtenção de fins valorizados. Um quarto de século após sua morte, o artigo de Coleman (1988a) sobre capital social atraiu mais atenção de outros estudiosos do que qualquer outra de suas muitas obras; no início de 2020, ele havia sido citado mais de 50.000 vezes, de acordo com as estimativas do Google Scholar. Junto com outras conceituações relacionadas de capital social, o trabalho de Coleman gerou um crescimento muito rápido na pesquisa sobre os preditores e as consequências dos aspectos do capital social (Kwon e Adler 2014). Este capítulo analisa as ideias de Coleman sobre capital social no contexto do FST, situa-as em seu trabalho empírico sobre educação e fornece ilustrações selecionadas de seu uso por pesquisadores que estudam sociologia econômica e organizacional. Diferentes formas de capital social podem promover a sorte de empresários ou trabalhadores individuais, bem como de organizações / empresas e colaborações entre eles.

Capital Social Definido

A definição expansiva de capital social oferecida por Coleman (1988a, 98) é que é definida por sua função. Não é uma entidade única, mas uma variedade de entidades diferentes, com dois elementos em comum: todos eles consistem em algum aspecto das estruturas sociais e facilitam certas ações dos atores ... dentro da estrutura. ” A referência às estruturas sociais indica que o capital social reside em algum tipo de relação social entre os atores. Coleman mais tarde (1994: 175) explica que, ao usar o termo capital, ele se refere a “um recurso ou factor de entrada que facilita a produção, mas não é consumido ou de outra forma usado”. Sua observação de que o capital social facilita certas ações reconhece seu domínio limitado de aplicabilidade, e ele concede que - dependendo das circunstâncias dentro de ambientes específicos - as formas estruturais sociais podem ser passivos, bem como ativos: “[uma] forma dada de capital social que é valiosa em facilitar certas ações pode ser inútil ou mesmo prejudicial para outros ”(Coleman 1988a, 98). Ele reconheceu que as relações sociais que sustentam o capital social não são incondicionalmente benéficas, referindo-se às vezes (por exemplo, Coleman 1988b, 14) a uma superabundância de capital social em sociedades anteriores que criaram controles sociais opressores e pressões normativas que poderiam sufocar a inovação. Ele também reconhece a eficácia contingente do capital social quando observa que os laços solidários em comunidades estreitamente unidas podem 'enredar [e] empreendedores em potencial em uma rede de obrigações que os mantém presos ao passado' em cenários onde prevalece uma ética tradicionalista (Coleman 1994a, 176).

Em outro lugar, Coleman (1988c, 392) descreve o capital social como 'mais geralmente, organização social, incluindo tanto a organização informal do tipo descrito no caso de comunidades quanto a organização formal.' Muitos de seus exemplos referem-se a processos de organização informal, 1 mas seu conceito de capital social abrange claramente qualquer elemento da estrutura social que pode promover a capacidade de ação. Na verdade, seus elementos formais e informais podem aumentar um ao outro, como, por exemplo, quando adaptações informais dentro de projetos organizacionais formais ao mesmo tempo fornecem aos indivíduos certas vantagens e melhoram o desempenho organizacional (por exemplo, Blau 1981).

1 Em Coleman (1994a, 170),

ele limita o capital social a “qualquer aspecto da organização social informal que constitua um recurso produtivo”. Outros sociólogos empregam entendimentos de capital social sugerindo, pelo menos implicitamente, que seu escopo é limitado a elementos informais da organização social composta de canais de rede social.

2 Lin e Erickson (2008, 4),

por exemplo, referem-se a “recursos incorporados ao social relações e redes sociais ”, e Cook (2005, 8) defende uma definição semelhante. Esses autores afirmam que suas definições mais específicas facilitam o desenvolvimento teórico e o trabalho empírico, em particular ao tornar possível a falsificação. Na mesma linha, Burt (2005, 4) define capital social como “[a] vantagem criada pela localização de uma pessoa em uma estrutura de relacionamentos”, sugerindo que a pesquisa deve se concentrar em discernir os mecanismos de rede específicos envolvidos; ele identifica corretagem (redes abertas) e fechamento (redes fechadas) como duas de especial importância.

Essas definições estão amplamente alinhadas entre si, além da inclusão de Coleman de organizações formais - que certamente podem ser concebidas como redes - no âmbito do capital social (ver também Burt 2005, 5). Muitas das formas específicas de capital social que Coleman identifica (por exemplo, normas, confiança) dependem em parte da presença de padrões específicos de relacionamentos de rede. O conceito de Coleman insiste que o capital social surge apenas quando as redes assumem uma forma útil para perseguir algum fim. Incluir as organizações no escopo do capital social foi crucial, dado o lugar de destaque que Coleman concedeu às estruturas sociais deliberadamente projetadas no projeto que levou ao FST. Na verdade, ele antecipou sua definição posterior de capital social ao se referir às organizações (actores corporativos) como “veículos por meio dos quais [indivíduos] poderiam expressar e usar seu poder recém-descoberto” (Coleman 1974, 27).

Coleman certamente estava ciente da amplitude e generalidade de seu conceito de capital social. Ele achava que seu amplo escopo ajudava a avançar seu objetivo de construir uma teoria que integra pressupostos de ação racional com configurações estruturais sociais. Ele escreve (Coleman 1990, 304 f.) que sua concepção de capital social agrupa e confunde distinções entre vários processos discutidos em outro lugar no FST (ver abaixo). Ele observa sua aplicabilidade multinível: “[capital social] ajuda tanto na contabilização de diferentes resultados no nível dos atores individuais quanto na realização das transições micro-macro sem elaborar os detalhes socioestruturais”. Ele o considerou uma ferramenta útil para estudos que empregam indicadores e análises qualitativas, expressando incerteza quanto à sua utilidade na pesquisa quantitativa. Embora ele reconheça que a pesquisa pode razoavelmente buscar entender os detalhes de como os recursos que residem na estrutura social se tornam úteis, essa não era sua principal preocupação; ele parece ter visto a ideia principalmente como um artifício interpretativo.

Além do potencial do capital social - muitas vezes em combinação com outros recursos, incluindo capital humano e financeiro - para contribuir para alcançar fins valiosos, seu locus relacional e o reconhecimento de que pode ser eficaz apenas em certos domínios, a discussão de Coleman também faz uma distinção entre e aspectos funcionais do capital social. Estruturais referem-se à presença de relacionamentos (por exemplo, a designação formal de mentores seniores ou pares para funcionários recém-contratados), funcionais à qualidade operacional desses canais (por exemplo, a frequência e profundidade das conversas de mentoria).

Algumas formas de capital social

As declarações expositivas de Coleman sobre capital social (1988a, 1990) fundamentam a ideia por meio da discussão de várias formas específicas que ela assume. Todos estão enraizados em relações sociais subjacentes organizadas de tal forma que actores orientados a objetivos podem empregá-los de forma produtiva. Uma reflexão sobre seu pensamento sobre capital social (Sandefur e Laumann 1998) segue um caminho diferente para ilustrar a heterogeneidade do conceito, distinguindo diferentes tipos de benefícios que ele pode oferecer: acesso à informação, capacidade de influenciar ou controlar os outros e solidariedade social.

Confiança

Em FST (1990, Chaps. 5, 8), Coleman concebe a confiança como uma decisão sob risco, em que uma parte (fiduciário) permite que um segundo (fiduciário) use alguns recursos sem receber compensação imediata, na expectativa de que o eventual o ganho ao fazê-lo excederá a perda incorrida prevista. Ele compara a extensão do trust do trust com a emissão de um comprovante de crédito ou nota promissória, observando que isso cria uma obrigação recíproca por parte do trust.

A confiança surge, então, em situações incertas em que qualquer retorno ao fiduciário se materializa em algum momento depois que ele / ela transfere os recursos para o fiduciário. Podem existir incertezas sobre a magnitude dos ganhos e perdas envolvidos, mas Coleman afirma que o principal desafio do fiduciário está em estimar a probabilidade de que o fiduciário actue de boa fé depois que o fiduciário renuncia a seus recursos. Quanto maior a diferença absoluta entre o ganho estimado e a perda prevista, mais crucial é que o criador faça uma avaliação de alta qualidade da probabilidade de que a confiança será mantida. Aludindo à aversão à perda, Coleman afirma que os confiadores em potencial tendem a superestimar a confiabilidade quando a relação entre os ganhos e as perdas é alta e a subestimá-la quando as perdas são grandes em relação aos ganhos.

Numerosas circunstâncias podem afetar a avaliação do fiduciário de um fiduciário em potencial, incluindo informações divulgadas por este último. Vários recursos de relações sociais e ambientes sociais podem ser suportes essenciais para a confiança. Normalmente, embora não invariavelmente (Smith 2005), a confiança será maior em relacionamentos mais fortes do que em relacionamentos mais fracos; uma história de trocas entre duas partes certamente permite que o depositante faça uma avaliação diferenciada da confiabilidade de um administrador em potencial e, muitas vezes, um relacionamento não terá se tornado forte a menos que as partes ofereçam pelo menos alguns sinais indicativos de sua confiabilidade um para o outro. Relações recíprocas nas quais as partes têm obrigações mútuas entre si também promovem a confiança. Relacionamentos que envolvem trocas repetidas - ao contrário de transações únicas - podem aumentar o incentivo de um administrador para se provar confiável.

Os intermediários terceirizados que facilitam o estabelecimento de confiança podem ser apoios adicionais. Variantes formais destes incluem corretores que criam relações de confiança indiretas, organizando transações enquanto fornecem garantias tanto para o fiador quanto para o fiduciário. Tanto consultores formais quanto informais que fornecem avaliações da qualidade de uma parte, mas não participam diretamente de uma transação, são comuns, sendo as cartas de referência um exemplo generalizado. Os ambientes sociais nos quais os curadores competem entre si podem servir para promover a confiança.

A densidade ou fechamento social é um elemento de vários mecanismos de aumento de confiança. Essas configurações podem permitir que os fiduciários em potencial façam avaliações indiretas de confiabilidade, permitindo que observem ou aprendam sobre o desempenho de um fiduciário em relação a outros fiduciários. Estruturas de comunidade fortemente interconectadas podem impedir ações de má-fé por parte dos administradores por meio da difusão rápida de informações sobre o desempenho e a reputação dos agentes fiduciários para potenciais agentes de confiança.

Buskens e Raub (2002) argumentam que essas bases sociais para a confiança operam por meio de dois mecanismos distintos. Aprender sobre o comportamento anterior de um parceiro em potencial pode ocorrer por meio de experiências derivadas de trocas anteriores ou de informações disseminadas por meio de conexões de terceiros. O controle sobre um parceiro pode ser realizado por meio de ameaças de encerrar um relacionamento diádico fiduciário-fiduciário ou a administração real de sanções dentro de um contexto de rede mais amplo.

Coleman deu muitos exemplos de fenômenos econômicos que atribuem papéis importantes à confiança e à organização social que a sustenta (ver também Capítulos 16 e 17 para exemplos recentes de sociólogos econômicos). A confiança extensiva pode facilitar as trocas econômicas, por exemplo, permitindo

os comerciantes de diamantes devem inspecionar privativamente bens caros antes de comprá-los, sem fornecer títulos ou outras garantias (Coleman 1988a). Isso ocorreu dentro de uma comunidade etno-religiosamente homogênea intimamente unida, na qual relacionamentos densos e interação frequente entre os membros substituíram dispositivos formais de seguro mais incômodos. Entre outros exemplos (Coleman, 1984) estão os arranjos de contratação de longo prazo dentro de redes verticais de produção como alternativas à integração vertical e associações de crédito rotativo dentro de comunidades étnicas que servem como alternativas às instituições financeiras formais. Nessas associações, os laços contínuos entre os membros garantem a qualidade de crédito do mutuário, representando os históricos de crédito e padrões relacionados de confiabilidade que os credores institucionais reconhecem.

Cook (2005, 2015) descreve uma compreensão relacional da confiança que se assemelha à de Coleman em muitos aspectos, contrastando-a com a confiança generalizada, 'uma crença‘ padrão ’na natureza benéfica dos humanos em geral' (2005, 9). Ela também destaca alguns dos limites da confiança relacional, observando que a incorporação excessiva de julgamentos de confiança em redes fechadas e homogêneas pode limitar indevidamente a extensão em que as pessoas consideram entrar em trocas potencialmente vantajosas. Cook questiona se a confiança pode fornecer uma base suficiente para a cooperação e trocas mutuamente benéficas em grande escala, chamando a atenção para outros dispositivos e condições para isso. Entre eles estão a contratação formal, sistemas de incentivo organizacional e legal, controle ou sanções e legitimidade institucional. Cook sugere que os sistemas de reputação oferecem uma alternativa à confiança relacional em ambientes que carecem de fechamento, como o comércio eletrônico, já que os administradores em potencial são fortemente motivados a proteger suas reputações.

Por sua vez, Coleman (1990) apontou várias maneiras pelas quais a confiança pode ser desvantajosa. Como sugere Cook, a forte confiança entre os membros de um subgrupo pode limitar o desempenho geral do grupo a um nível ideal localmente, em vez de a um máximo global. A confiança colusiva entre os oligopolistas pode promover seus fins, mas é socialmente prejudicial. O desempenho do grupo também pode ser comprometido se os líderes priorizam a confiabilidade sobre a capacidade ao envolver os membros, como em arranjos nepotísticos. A extensão indevidamente otimista da confiança seguida por sua retirada repentina e contagiosa pode levar ao pânico do desinvestimento, como em corridas a bancos ou no rompimento de bolhas no mercado de ações (Coleman, 1984).

Um estudo das experiências e preferências de compra do consumidor (DiMaggio e Louch, 1998) sugere um papel substancial para as relações de confiança. Verificou-se que os compradores geralmente preferem transações de mercado que envolvem conhecidos anteriores de alguma forma, por exemplo como vendedores, distribuidores ou agentes intermediários. Isso vale especialmente para a compra de bens - como casas ou carros usados ​​- de condição e qualidade incertas; os compradores acreditam que obterão uma divulgação mais sincera de informações de contatos preexistentes.4 Pesquisas experimentais relacionadas (Buskens e Weesie 2000) indicam que os indivíduos são mais aptos a expressar confiança em um revendedor de carros usados ​​quando estão ligados ao revendedor por meio de compras anteriores , afiliações compartilhadas ou contatos de terceiros.

Entre os estudos das condições subjacentes à confiança em ambientes organizacionais está o exame de Burt e Knez (1995) das características de relacionamentos e redes pessoais associadas a mais e menos confiança em uma amostra de gerentes. Os sujeitos mostraram-se mais propensos a descrever outros gerentes como confiáveis quando os relacionamentos que os ligavam eram mais fortes (mais próximos, mais frequentes, mais antigos); em menor grau, a força da gravata também aumentou a probabilidade de considerar um contato não confiável. O fechamento dentro da rede de um gerente - conexões por meio de vários terceiros - tendeu a amplificar as expressões de confiança e desconfiança.

Os estudos de Gulati (2007) sobre a formação de alianças interfirmas - por exemplo, acordos de licenciamento ou parcerias conjuntas de pesquisa e desenvolvimento - atribuem um papel substancial à confiança. Esses laços interorganizacionais prometem muitos benefícios, mas também expõem os parceiros ao risco de que a outra parte possa fazer uso oportunista do

Curiosamente, os vendedores preferem evitar transações com contatos anteriores nas mesmas condições, compartilhamento de informações e cooperação que eles implicam. Os contatos de rede de uma empresa - incluindo suas alianças anteriores com o parceiro em questão, diretores compartilhados e contatos com bancos ou outros investidores - podem oferecer informações sobre a confiabilidade de novos parceiros em potencial e, reciprocamente, fornecer à empresa informações sobre sua própria conduta. Ele mostra que, quando os parceiros não têm experiência uns com os outros, as empresas costumam empregar dispositivos relativamente fortes, mas complicados, para garantir a cooperação mútua - alianças baseadas em ações envolvendo alguma forma de propriedade compartilhada. No entanto, essa “contratação cautelosa dá lugar a práticas mais flexíveis, à medida que as firmas parceiras constroem confiança umas nas outras” (Gulati 1995, 105).

Fluxos de Informação

Coleman (1988a) escreveu comparativamente pouco sobre as formas de capital social relacionadas à informação, mas indica que a aquisição de novos conhecimentos por meio das relações sociais pode ser rápida. Ele oferece o exemplo de fluxos de comunicação em duas etapas e liderança de opinião (por exemplo, Weimann 1994) em que um ator depende de informações transmitidas por intermediários que seguem (e destilam desenvolvimentos em) um domínio como moda ou política, ao invés de rastreá-lo -/ele mesmo. Obter aconselhamento sobre uma parte especializada de uma vasta literatura médica de colegas especialistas em vez de mantê-la atualizada (Keating et al. 2007) é outro exemplo. Embora a apresentação de Coleman não se detenha na base estrutural social de tais fluxos de informação, muitos deles parecem depender da abertura da rede ao invés do fechamento: o destinatário da informação renuncia a formar um link direto com a fonte de informação, optando em vez disso por contar com uma relação indireta com ele por meio de seu intermediário mais bem informado.

Muitas pesquisas em sociologia econômica e organizacional examinam com alguma profundidade os fluxos de informação mediados por redes sociais. Proeminente dentro dele é o programa de pesquisa sustentada de Burt (1992, 2005) sobre furos estruturais. Isso destaca as vantagens de acesso à informação desfrutadas por atores que trabalham na corretora posições: locais intersticiais que conectam clusters de outras pessoas não vinculadas de outra forma. Esses atores possuem uma 'vantagem de visão' (Burt 2005, 58) em virtude de sua familiaridade com diversos segmentos de um grupo, e são susceptíveis de se tornarem cientes e apreciarem as oportunidades de síntese e criatividade mais cedo do que aqueles cujas redes estão mais firmemente incorporadas um subgrupo específico. Em um estudo intrafirma especialmente atraente que convidou os participantes gerenciais a apresentar ideias para melhorar o desempenho de sua subunidade, Burt (2004) demonstra que os gerentes com redes abertas que abrangem buracos estruturais eram mais aptos do que aqueles cujas redes exibiam maior fechamento para propor ideias que seus superiores classificado como de alto valor potencial para a empresa. Eles também eram mais propensos a propor qualquer ideia e relatar discuti-la com outras pessoas. Da mesma forma, aqueles em posições que facilitam tais ações empreendedoras tendem a receber maiores benefícios individuais, incluindo classificações de desempenho mais altas, maior remuneração e promoção mais rápida.

Outros estudos de informação intrafirma examinam as características de relações diádicas particulares e propriedades de rede mais amplas. Seguindo Granovetter (1973), Hansen (1999) argumenta que relacionamentos fracos podem facilitar uma ampla busca por conhecimento útil, enquanto relacionamentos fortes (envolvendo contato frequente e colaboração próxima) podem facilitar sua transferência. Seu estudo dos projetos de uma empresa de eletrônicos que exigia que os atores obtivessem informações de outras unidades descobriu que a complexidade do conhecimento era um moderador importante. Quando as informações transferidas foram bem codificadas, laços mais fracos entre as unidades foram associados a tempos de conclusão do projeto mais curtos; quando o conhecimento envolvido era tácito, relacionamentos mais fortes eram mais vantajosos. Pesquisas relacionadas sobre a facilidade de transferência de conhecimento entre funcionários de uma empresa de pesquisa e desenvolvimento (Reagans e McEvily 2003) relataram que relacionamentos mais fortes transmitem informações mais prontamente, especialmente quando são menos codificadas. Aqueles rodeados por conjuntos de contatos fechados e interconectados também indicaram que a comunicação com outros eram mais fáceis5; ao mesmo tempo, aqueles em contato com matrizes mais amplas de outras unidades também se comunicavam mais prontamente, talvez por causa de sua maior experiência em se dirigir a públicos diversos.

Reunir e compartilhar informações não são os únicos problemas que os atores enfrentam para gerenciá-las. Quando as informações são proprietárias ou confidenciais, ou quando os atores estão colaborando em alguma atividade clandestina ou contra-institucional, manter o sigilo, limitando sua difusão, pode ser vital. Nessas circunstâncias, as estruturas celulares compostas por grupos fracamente acoplados podem ser vantajosas; tais estruturas apresentam não apenas fechamento, mas também fragmentação ou modularidade muito alta. Coleman se refere a grupos de estudantes envolvidos no movimento pela democracia sul-coreana pré-1987 (ver também Chang 2015 sobre grupos estudantis e religiosos) como um exemplo de tais arranjos. Exemplos adicionais incluem conspirações de fixação de preços dentro dos mercados (por exemplo, Baker e Faulkner 1993) e redes criminosas ou terroristas (Gerdes 2015).

Normas Efectivas

Coleman (1987, 1990) conceituou normas de forma relacional, como entendimentos de que algum conjunto de atores beneficiários detém o direito de controlar certas ações de um conjunto de atores-alvo.6 Tais entendimentos identificam ações que “são consideradas por um conjunto de pessoas como adequadas ou corretas , ou impróprio e incorreto ”(Coleman 1990, 242). As normas prescritivas desencorajam ou proíbem uma ação, enquanto as prescritivas encorajam ou determinam que ela seja realizada. Encontrando explicações de comportamento baseadas na conformidade com normas insatisfatórias, sem uma explicação de como as normas surgem, Coleman procurou desenvolver uma compreensão de como e por que um conjunto de atores individuais podem colaborar para estabelecer uma norma. Ele atribui um grande papel às condições estruturais sociais ao fazer essa transição micro-macro.

Coleman argumentou que os atores intencionais podem ser solicitados a criar uma norma quando duas condições se mantêm: (1) a ação em questão tem efeitos colaterais positivos ou negativos (<externalidades) em outros, e (2) o controle sobre a ação não pode ser alcançado por meio de trocas sociais entre beneficiários e atores-alvo. Além disso, um sistema de sanções que serve para fazer cumprir uma norma recompensando a conformidade ou penalizando violações deve estar presente para que a norma seja eficaz na modelagem de comportamento (ou seja, se os atores beneficiários forem capazes de exercer os direitos de controlo que confere). O desenvolvimento de tal sistema pode ser problemático porque a aplicação de sanções exige muito esforço; para um beneficiário individual, os custos de fazê-lo muitas vezes excedem os benefícios recebidos quando uma meta está em conformidade com a norma. Quando as estruturas sociais permitem que os beneficiários se comuniquem uns com os outros, esta barreira pode ser superada. Estruturas sociais fechadas que os vinculam mais uma vez servem como recurso: podem, por exemplo, facilitar o monitoramento do cumprimento de uma norma; da mesma forma, eles podem apoiar o fornecimento compartilhado de sanções de baixo custo, como evitar ou divulgar a reputação de um alvo por não conformidade. Além disso, podem permitir trocas de segunda ordem que criam incentivos para que um beneficiário individual administre sanções mais caras.

Um exemplo amplamente conhecido de normas dentro das configurações organizacionais surge quando os membros de um grupo de trabalho estabelecem um entendimento sobre a quantidade apropriada de produção a ser produzida e, subsequentemente, impõem-no usando uma série de sanções informais (por exemplo, Roy 1952). Coleman (1994a) cita isso como uma instância em que tanto os critérios convencionais de custo-benefício quanto a estrutura social

Além das trocas bilaterais, uma forma que podem assumir é a de um banco de direitos de ação que permite que os alvos potenciais comprem uma oferta limitada de direitos para tomar ações contra-normativas. As propostas de trocas de créditos de carbono para limitar a poluição dos gases de efeito estufa são um exemplo; ver Coleman (1987, 140).

Se uma norma foi internalizada, os alvos se autoadministram sanções. A socialização - ou instilar um sistema de sanções interno - também é cara; veja Coleman (1987).

precisam ser levados em consideração ao projetar sistemas de incentivos que buscam obter níveis ótimos de produtividade do trabalhador.

Organizações

Usando o termo ator corporativo para sublinhar sua visão de que as organizações são elementos da sociedade com interesses e direitos de ação, Coleman (1974, 1982, 1990, parte III) escreveu extensivamente sobre as organizações como instrumentos que permitem que pessoas comuns combinem recursos em busca de um propósito compartilhado. Os atores corporativos são construídos a partir de relações de autoridade simples, nas quais um ator concede direitos de controlar suas ações dentro de algum domínio a um segundo ator, na expectativa de se beneficiar de alguma maneira. Elaborações destes que permitem ao segundo ator delegar o exercício desses direitos de controle a um terceiro agente permite o desenvolvimento de estruturas organizacionais complexas. Distinguidas por sua especificidade de propósito, tais organizações deliberadamente construídas, argumentou Coleman, assumiram um papel cada vez mais significativo na sociedade contemporânea, às custas de grupos primordiais como famílias e comunidades, bem como pessoas (naturais) individuais. Em sua opinião, as chances de vida individual passaram a depender em grande parte das afiliações que alguém tem com atores corporativos.

Depois que tal sistema de atividades for estabelecido, ele pode servir como um recurso para os indivíduos que o criaram em conjunto, cumprindo seu propósito manifesto. Seus esforços também podem ser desviados para a realização dos objetivos distintos dos agentes subordinados que a operam. Em ambos os sentidos, os atores corporativos podem fornecer capital social para os indivíduos. As análises de Coleman sugerem que, na prática, as organizações muitas vezes não atendem aos interesses das pessoas tão bem quanto deveriam. Ele observou que os atores corporativos desenvolvem interesses autônomos - distintos daqueles de seus fundadores / patrocinadores e agentes - e que estes podem levá-los a tomar ações que prejudicam pessoas naturais. A implacabilidade com que se concentram estreitamente na busca de objetivos específicos torna-os propensos a negligenciar o efeitos colaterais negativos de suas atividades, como poluição ambiental. Ele argumenta que, ao longo do tempo, os atores corporativos adquiriram uma parcela cada vez maior do poder social às custas dos indivíduos, e que isso reduziu o bem-estar individual.

Em FST (1990, 531), Coleman escreve que “[os atores corporativos merecem existência apenas na medida em que promovem os fins das pessoas naturais”. Ele fez muitas propostas para reestruturar as organizações de modo que pudessem promover melhor os interesses das pessoas, incluindo a ampliação do controle sobre suas estruturas de governança (por exemplo, a co-determinação praticada na Alemanha ou a inclusão de representantes dos consumidores em conselhos de administração) ou o fortalecimento do papel e dos recursos de diretores corporativos externos. Ele sugeriu auditorias externas, emendou as leis tributárias e a manutenção da concorrência entre as organizações como abordagens que manipulariam as condições ambientais para aumentar sua capacidade de resposta. Essas e outras abordagens para reafirmar o controle social sobre os atores corporativos serviriam para alinhar melhor suas ações com as das pessoas físicas, aumentando a extensão em que fornecem capital social que beneficia os indivíduos.

Combinação de Capital Social e Outros Recursos

As funções de produção econômica freqüentemente combinam fatores de produção, como capital humano e físico, de forma multiplicativa, em vez de aditiva. Coleman (1994b, 42) sugere que isso também pode se aplicar a resultados que resultam em parte do capital social, observando, por exemplo (Coleman 1988c, 383), que uma ligação pai-filho promoverá o desenvolvimento cognitivo apenas quando o capital humano dos pais também estiver presente. Sua pesquisa educacional (Coleman e Hoffer 1987, 231) baseia-se em estados de expectativa e teorias de rotulagem ao desenvolver um caso teórico para antecipar que aqueles com maior capital humano obterão mais vantagens do capital social; isso sugere que pelo menos algumas formas de capital social podem ter um caráter não igualitário. Notavelmente, no entanto, os resultados da pesquisa de Coleman e Hoffer indicam que o capital social pode, em vez disso, compensar os déficits de capital humano em alguns ambientes educacionais.

Outros também discutem os efeitos interativos do capital social e outros recursos.10 Um exemplo notável é uma descoberta do estudo intrafirma de Burt (1997) com gerentes, que os benefícios associados a redes de amplo alcance - maior remuneração e mobilidade ascendente mais rápida - foram maiores entre aqueles que têm poucos colegas em sua posição e função de negócios. Estes tendem a ser mais gerentes seniores em funções que abrangem fronteiras. Burt afirma que isso é resultado do fato de que os gerentes seniores ocupam posições mais exclusivas, enfrentam menor competição e possuem menos legitimidade, condições que permitem mais espaço para variações em seu capital social para diferenciá-los.

4 Desenvolvimento de capital social

Um postulado básico do FST é que os fenômenos sociais são os resultados da ação intencional por parte de atores individuais, e isso, é claro, se aplica ao desenvolvimento de formas estruturais sociais. Uma vez que formar e manter relações sociais é caro, essa lógica implica que tais estruturas surgirão quando os atores considerarem que os benefícios líquidos de criá-las são do seu interesse. Aqueles que fundaram organizações empresariais, por exemplo, estão em posição de perceber o valor gerado por um empreendimento empresarial (Coleman, 1988c). Na visão de Coleman, no entanto, as estruturas sociais que fornecem capital social muitas vezes produzem bens públicos que beneficiam outros atores que não aqueles responsáveis por produzi-los. Ele cita as associações de pais e professores nas escolas como um exemplo (Coleman 1990, 313); subgrupos de pais contribuem com o tempo, esforço e recursos necessários para criá-los e mantê-los, enquanto seus benefícios se estendem a todas as famílias atendidas por uma escola. As tentativas de criar essas e outras associações voluntárias semelhantes frequentemente falham para superar o problema da ação coletiva destacado por Olson (1965). Para Coleman, isso implica que o nível de investimento direcionado à produção de capital social é tipicamente inferior ao que seria socialmente ideal.

O capital social também pode ser encontrado dentro de estruturas sociais já existentes, no entanto, se estas puderem ser reaproveitadas. Um exemplo disso, bem conhecido nos estudos organizacionais, é a reorientação da March of Dimes - uma associação originalmente estabelecida para combater a poliomielite. Depois que uma vacina antipólio eficaz foi desenvolvida, a organização pode ter se dissolvido; em vez disso, os esforços de seu sistema de atividades foram redirecionados para a melhoria da saúde materno-infantil (Sills, 1957). A chave para esse processo de apropriação são os relacionamentos multifacetados ou multiplex que permitem que os recursos sociais desenvolvidos em um ambiente sejam usados ​​em outros. No entendimento de Coleman, tal reutilização da organização social existente como capital social é generalizada: 'a maioria das formas de capital social são criadas ... como um subproduto de outras atividades' (Coleman 1990, 317). Como resultado, o acesso ao capital social pode ser desigual e um tanto desordenado, dependente dos outros elementos da organização social aos quais o ator está afiliado. Isso contribui para as desigualdades de capital social que são, na visão de Kadushin (2012), amplamente inexploradas.11 A organização social preexistente também pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento de novos relacionamentos. Burt (1992, 13) aponta as referências como um dos principais benefícios de informação de preencher lacunas estruturais nas redes. A discussão de Gulati (2007) sobre a formação de relacionamentos interorganizacionais identifica recursos de redes sociais como fontes de informação sobre parceiros potenciais e de dados experienciais e de reputação mais texturizados sobre sua confiabilidade. Os atores que têm redes anteriores mais elaboradas, portanto, estão mais bem posicionados para avaliar os benefícios e desvantagens de ampliá-los.

Estruturas sociais fechadas - nas quais os contatos diretos de um ator também estão em contato direto um com o outro - podem promover a criação de certas formas

 Conforme discutido acima, o fechamento apóia tanto o monitoramento da adesão às expectativas normativas quanto a sanção de comportamentos que infringem as normas ou deixam de cumprir as obrigações.

Ao discutir o papel do capital social no desenvolvimento local, Trigilia (2001) sugere que os governos podem ser capazes de corrigir a falta de oferta de capital social identificada pela análise de Coleman. Avenidas para alcançar isso incluem o fornecimento de bens coletivos (por exemplo, serviços de negócios e outras infraestruturas) que podem apoiar o aprendizado e a competitividade da empresa, bem como o incentivo ao uso cooperativo em vez de regressivo (conluio, busca de renda) das redes sociais existentes.

Capital Social e Educação

Grande parte da pesquisa empírica que Coleman conduziu durante sua carreira foi sobre realização educacional e equidade, e suas implicações para a política social. Ele via os sistemas educacionais como instâncias de organização social construída que busca desenvolver o capital humano e tinha uma preocupação de longa data em como melhorar o desempenho das organizações educacionais. A maior parte de sua obra empírica que invoca o conceito de capital social foi situada neste contexto.

Parece que Coleman usou pela primeira vez o termo capital social em Coleman e Hoffer (1987), em um esforço para explicar suas descobertas de que os resultados dos alunos variaram entre escolas públicas dos EUA, católicas e privadas independentes. As escolas católicas exibiram taxas de crescimento de aproveitamento mais altas do que as escolas públicas em certas disciplinas e retiveram os alunos durante a graduação em taxas muito mais altas do que as escolas de outros setores; essas diferenças eram maiores entre os alunos em desvantagem socioeconômica. Coleman também destacou essas diferenças na retenção em sua discussão geral sobre capital social (Coleman 1988a). Diferenças bem conhecidas nos resultados educacionais fatores relacionados aos antecedentes familiares podem refletir tanto os recursos financeiros familiares quanto o capital humano dos pais. Coleman e Hoffer apontam para características estruturais (por exemplo, presença dos pais, número de irmãos) e funcionais (por exemplo, tempo gasto com os filhos e aspirações educacionais dos pais) como aspectos do capital social da família. Eles observam que os recursos de capital humano dentro de uma família podem ser irrelevantes quando esse capital social está ausente.

Coleman e Hoffer atribuíram algumas diferenças nos resultados educacionais entre os setores escolares ao maior capital social de nível comunitário encontrado em torno das escolas católicas - e mais geralmente religiosas -, afirmando que 'a comunidade religiosa é uma das poucas bases fortes restantes da comunidade funcional em sociedade moderna que inclui adultos e crianças ”(Coleman e Hoffer 1987, 215). Observando que todas as escolas fornecem custódia para crianças e transmitem algumas habilidades cognitivas e vocacionais, Coleman (1991) argumenta que as escolas religiosas têm uma capacidade de moldar valores por meio da educação moral e de caráter que não é encontrada em outros ambientes; pais e educadores em outros lugares não conseguem chegar a um consenso sobre a direção que deve tomar. Entre outras coisas, isso opera por meio de estruturas sociais que promovem o fechamento intergeracional: relações densas e mútuas entre pais, professores e filhos. Essas estruturas, por sua vez, apóiam o desenvolvimento de um acordo entre pais e professores sobre padrões disciplinares e normas de promoção de desempenho. Coleman e Hoffer também observaram que esse capital social de nível comunitário pode compensar os déficits de capital humano e / ou social dentro das famílias; eles reconheceram que isso constituiria uma exceção às situações comuns em que as vantagens baseadas no capital humano e social tendem a ser cumulativas. Eles sugeriram que isso pode ser atribuído a uma ética igualitária dentro das comunidades religiosas.

Embora muitas escolas públicas atendam a comunidades residenciais que poderiam oferecer uma base para solidariedade semelhante, Coleman (1991) observa que os laços com a vizinhança se enfraqueceram. Escolas privadas independentes não podem se basear em semelhanças religiosas ou residenciais e devem fazer esforços deliberados se quiserem criar capital social entre alunos e pais. A ênfase no envolvimento do aluno em atividades extracurriculares encontrada nessas escolas é interpretada como um passo em direção ao fim da criação de coesão entre os alunos (Coleman 1988b).

Conclusão

O capital social certamente provou ser um conceito fecundo, amplamente empregado no estudo de diversos assuntos das ciências sociais, incluindo engajamento cívico (Putnam 2000), desenvolvimento (Woolcock 1998), saúde (Kawachi et al. 2008), imigração (Portes 1995), desigualdade e estratificação (Lin 1999), e análise organizacional (Leenders e Gabbay 1999; Adler e Kwon 2002), entre outros. A compreensão influente de James Coleman do capital social tem muito em comum com outras conceituações sociológicas que o definem como recursos relacionados à rede social, mas se distingue por sua ênfase na ideia de que as redes sociais devem assumir alguma forma útil para constituir capital social, por sua ênfase nas transições micro-macro que fundamentam grande parte do capital social, e por sua fundamentação explícita do capital social em microfundamentos que pressupõem uma ação intencional.

Acompanhando o surto de pesquisas que invocam o capital social em todos esses campos, estão vários exames críticos dos fundamentos do conceito; entre as críticas mais conhecidas estão Portes (1998), Kadushin (2004, 2012) e Adler e Kwon (2002). Para encerrar, chamamos a atenção para algumas das questões que esses autores levantam sobre o capital social. Alguns críticos questionam a adequação da analogia estabelecida entre as formas econômicas do capital e os elementos da estrutura social. Em particular, eles perguntam se os atores autoconscientemente investem em capital social, construindo relacionamentos na expectativa de que receberão retornos instrumentais no futuro; Kadushin opina que “a maioria das pessoas provavelmente obtém gratificação imediata ao fazer amigos” (2012, 166). A ênfase de Coleman em como o caráter de bens públicos de grande parte do capital social desincentiva o investimento deliberado em sua produção, e em ações sociais já existentes organização como uma fonte comum de capital social, sugere alguma simpatia de sua parte por tais reservas.

Muitas discussões sobre capital social têm um tom um tanto comemorativo, enfatizando os resultados avaliados positivamente associados a ele. Portes (1998), entre outros, preconiza uma avaliação mais equilibrada que considere também as consequências menos desejáveis do capital social. Entre elas estão a exclusão de estranhos quando as redes fechadas acumulam oportunidades, as tensões entre a solidariedade social e a autonomia individual, as pressões descendentes sobre as aspirações que desencorajam a realização individual e o uso eficaz do capital social para fins socialmente indesejáveis. Comentando sobre a variabilidade individual no acesso ao capital social, Kadushin escreve que “as redes sociais são essencialmente injustas” (2012, 168), muitas vezes servindo para manter ou mesmo acentuar vantagens particularísticas. Certamente, alguns processos relacionados ao capital social implicados na alocação de recompensas em arenas competitivas, por exemplo, nepotismo e negociação com informações privilegiadas, são facilmente vistos como tal. As observações de Coleman sobre o escopo limitado do capital social, passivos potenciais e caráter não igualitário indicam que ele reconheceu algumas dessas limitações.

Além dessas, há preocupações sobre a novidade da ideia de capital social. Portes escreve que “o conjunto de processos englobados pelo conceito não são novos e foram estudados sob outros rótulos” (1998, 21). Inúmeros autores apontam estudos anteriores sobre redes sociais como vetores que podem transmitir recursos valiosos, por exemplo. Reconhecer isso, entretanto, não contradiz os avanços importantes feitos por teorias e pesquisas recentes conduzidas sob a rubrica de capital social. Esses trabalhos detalham, esclarecem e especificam mecanismos por meio dos quais as redes sociais transmitem valor (Lin 2001; Burt 2005).

Apesar dessas preocupações, as implicações que a organização social tem para muitos processos sociais e econômicos permanecem subestimadas em muitos trimestres. O conceito de capital social de Coleman é muito mais do que um rótulo ressonante que destaca 'as consequências positivas da sociabilidade' (Portes 1998, 22).

Em particular, ele fornece relatos baseados em ações individuais sobre como e por que essas consequências surgem. Apresentar a ideia de uma maneira que atrai atenção e interesse tão difundidos para ela, no entanto, é uma contribuição considerável por si só. Ao desenvolvê-lo de forma tão convincente, elaborando seus fundamentos e detalhando suas formas, Coleman acentuadamente avançou um propósito central do FST: incorporar mais plenamente uma preocupação séria com a estrutura social em análises transdisciplinares dos fenômenos sociais e econômicos.

Organização Econômica

O termo “organização económica” é frequentemente utilizado mais ou menos como sinónimo de “empresa”, especialmente na teoria organizacional moderna. Mas o termo organização económica também pode ser entendido num sentido diferente e mais geral – como a organização de economias inteiras; e é neste sentido que será utilizado neste capítulo (as empresas serão discutidas no capítulo 4). Este segundo sentido do termo organização económica está relacionado com o conceito de “organização social”, que era popular na sociologia inicial e refere-se à organização geral da sociedade. Os economistas conceberam por vezes a economia em termos de organização social. Em The Economic Organization (1933), Frank Knight escreve, por exemplo, que a economia trata da organização social da atividade económica. Na prática, o seu âmbito é ainda muito mais restrito; há muitas maneiras pelas quais a actividade económica pode ser organizada socialmente, mas o método predominante nas nações modernas é o sistema de preços, ou livre iniciativa ([1933] 1967:5-6; cf. Arrow 1974:33). A sociologia económica, defendo, deveria lidar com a definição mais ampla da organização social a que Knight se refere, e não apenas discutir a economia de mercado ou “o sistema de preços”, como Knight lhe chama. Deveria também tentar conceptualizar a organização social da economia de uma forma diferente da economia padrão, nomeadamente introduzindo de forma consistente e sistemática uma dimensão social na análise. Ao conceber a organização económica nos dois sentidos diferentes que acabei de delinear, torna-se mais fácil integrar a análise das empresas numa análise geral da economia. Outra vantagem de proceder desta forma é que se pode iniciar a análise referindo-se simultaneamente aos actores com os seus interesses e à estrutura social que estes actores devem ter em conta quando tentam concretizar os seus interesses. Deve-se enfatizar que não apenas os indivíduos são atores na economia, mas também as organizações – ou pelo menos são considerados assim pelos atores individuais (ver Weber [1922] 1978:14 para este último ponto). Esta afirmação é ainda mais complexa pelo facto de as empresas serem criadas para concretizar os interesses económicos dos seus membros fundadores, mas rapidamente desenvolverem interesses próprios. Segundo Coleman, “este novo conjunto de interesses consiste principalmente uma série de interesses no sentido de libertar os atores corporativos das algemas impostas pelos soberanos [isto é, pelos seus membros]” (Coleman 1974:44). Refletindo o argumento sobre os dois significados diferentes do termo organização económica, este capítulo é dedicado à organização económica no sentido lato, enquanto o capítulo seguinte é dedicado à organização económica no sentido estrito, isto é, à empresa moderna. Foi feito um esforço em ambos os capítulos para relacionar a discussão da organização económica com o conceito de interesse. No que diz respeito à empresa moderna, já existem algumas tentativas de introduzir este conceito na análise, como visto na teoria da agência, na teoria das organizações económicas de James Coleman e na visão de James March da corporação como uma coligação de diferentes interesses. . Também existem tentativas semelhantes de incluir interesses na análise da organização económica num sentido lato, mas são menos comuns. Uma forma geral de remediar esta situação, sugiro, seria conceptualizar a totalidade da economia como uma enorme rede de interesses económicos e outros, ligados de diferentes maneiras através da interacção social e de estruturas sociais. As instituições constituem nós cruciais nesta rede de interesses e relações sociais – nós que são especialmente difíceis de desfazer. O que está conectado, deve-se acrescentar, pode ser tão importante quanto o que não está conectado. Na verdade, muito do que consideramos organizações sociais distintas são padrões de interações e interesses sociais que estão desconectados em pontos cruciais. Dependendo da estrutura das relações sociais, os interesses podem reforçar-se mutuamente, bloquear-se mutuamente, e assim por diante. Embora esta conceptualização da organização económica seja simplista, no sentido de que começa com uma divisão demasiado nítida entre interesses e relações sociais, ainda pode dar uma ideia de como proceder. Pode-se acrescentar que esta forma de conceptualizar a organização económica num sentido lato também precisa de ser muito mais específica para ser útil. Um primeiro passo nesta direcção seria mapear aquela que é sem dúvida a forma mais importante de organização económica na sociedade actual, nomeadamente o capitalismo. Isto será feito na próxima secção, que abrange também duas outras formas de organização económica em sentido lato, nomeadamente os distritos industriais e a globalização. Sobre a Organização Social da Economia Parece claro que a sociologia económica deveria colocar o capitalismo no centro da sua análise, uma vez que esta é a forma dominante de organizar a economia – legal, política e socialmente – no mundo de hoje. Antes de entrarmos numa discussão sobre o capitalismo, contudo, é necessário dizer mais algumas palavras sobre a organização económica num sentido lato. O âmbito da organização económica neste sentido é claramente enorme e inclui, em princípio, tudo, desde um conjunto de empresas até à organização global da economia. Os mercados também podem ser vistos como uma forma de organização económica – tal como as cidades, as economias regionais, as economias nacionais e os blocos comerciais. Vários destes exemplos mostram que a linha entre os dois significados de organização económica é fluida e pode ser traçada em diferentes pontos, dependendo do objectivo em questão. Alguns dos tópicos que se enquadram na categoria de organização económica, no sentido de uma economia global, têm uma relação estreita com o ambiente – com a realidade física e o espaço. O ramo das ciências sociais que tem prestado mais atenção a este tópico é a geografia económica, e é claro para mim que a sociologia económica pode aprender bastante com este tipo de análise. Não existe apenas uma tradição de trabalhos importantes que remontam aos primórdios da geografia económica, mas a geografia económica também está actualmente a passar por uma espécie de renascimento (para uma introdução útil a este campo, ver Clark, Feldman, e Gertler 2000). Algumas palavras sobre geografia económica precisam ser acrescentadas neste ponto, uma vez que este campo foi totalmente negligenciado na sociologia económica. A sociologia económica, poder-se-ia argumentar, não é muito diferente da economia dominante neste aspecto. Durante os últimos anos, contudo, os economistas começaram a prestar atenção à geografia económica e desenvolveram o que é conhecido como uma “nova geografia económica” (Malecki 2001). Em 1995, por exemplo, Paul Krugman publicou Desenvolvimento, Geografia e Teoria Económica, que representa uma tentativa importante de um economista bem conhecido para definir uma posição geral sobre esta questão. Krugman defende uma integração da geografia económica na teoria económica em termos contundentes, mas também critica a maior parte do que foi produzido na geografia económica. A principal falha da geografia económica, afirma Krugman, é a falta de rigor analítico e de modelos bem elaborados. A forma como Krugman aborda a geografia económica, no entanto, não parece muito frutuosa para a sociologia económica, uma vez que o que é principalmente interessante neste tipo de análise são precisamente as suas tentativas de lidar empiricamente com o facto de as actividades económicas se basearem na realidade material e espacial. Em contraste com a posição de Krugman, pode-se citar o trabalho de Jeffrey Sachs, também economista e defensor da geografia económica. A contribuição do próprio Sachs para a geografia económica foi ter chamado a atenção para as dificuldades económicas extremas dos países situados na zona tropical: tais países operam. sob uma série de condições geográficas que tendem a impedir o seu crescimento económico (Gallup e Sachs 1999; Sachs 2000; Sachs, Mellinger e Gallup 2001). Sachs não argumenta que a geografia determina o destino económico de um país; as instituições sociais e a cultura também são decisivas. Ainda assim, a geografia deve ser incluída na imagem.

Os países situados nos trópicos tendem, segundo Sachs, a ter solos fracos, elevada erosão do solo e muitas doenças infecciosas. Os únicos países situados nesta zona geográfica e que tiveram um bom desempenho económico, salienta, são Singapura e Hong Kong – duas pequenas economias que não têm dependido da agricultura para o seu sucesso. Num ensaio intitulado “Notas sobre uma Nova Sociologia do Desenvolvimento Económico”, Sachs resume a relação entre o sucesso económico e a geografia da seguinte forma:

A adopção de instituições capitalistas é fortemente favorecida por certas condições geográficas:

estados costeiros em vez de estados do interior,

Estados próximos de outras sociedades capitalistas,

estados nas principais rotas comerciais internacionais,

regiões com agricultura fértil, que por sua vez suporta um elevado nível de urbanização (2000:36-37).

Capitalismo

'Capitalismo', para retornar à dimensão social da economia, é um termo que data do século XIX e que ao longo dos anos adquiriu uma série de significados parcialmente sobrepostos e também contraditórios (Braudel [1979] 1985c:231-39 ;cf. Bloco 2000). Os economistas, por exemplo, evitaram o termo até algumas décadas atrás. A definição mais comum de capitalismo incorpora alguma variação do tema de que constitui uma organização de interesses económicos que permite “a busca do lucro e do lucro sempre renovado” (Weber [1904-05] 1958:17). Marx expressa a mesma ideia em O Capital na sua famosa fórmula D-C-D', onde M representa dinheiro, C significa mercadoria e D' significa dinheiro mais um incremento (Marx [1867] 1906:163-96). A isto deve ser acrescentado que a propriedade privada é uma pré-condição para o capitalismo, ou, para expressar esta última condição de uma forma mais sociológica, que o capitalismo só pode existir se o indivíduo tiver o direito legal de impedir que outros utilizem algum objecto ou pessoa (cf. (Weber [1922] 1978:44).

O oposto do capitalismo é uma economia centrada na satisfação das necessidades e não na acumulação de lucros onde o que importa é a “família” e não a “obtenção de lucros” (Weber [1922] 1978:86-100). Exemplos disso seriam a enorme propriedade na antiguidade, a economia comunal e as economias planificadas do tipo socialista. A propriedade pode ser privada ou coletiva neste tipo de economia; e quando se trata deste último, é importante distinguir entre a propriedade formal e o direito real de dispor de uma propriedade.

Esta distinção entre a família e uma organização económica centrada no lucro está intimamente relacionada com a distinção de Marx entre “valor de uso” e “valor de troca” e, em última análise, tem as suas raízes no famoso par de conceitos de Aristóteles “a arte da gestão doméstica” (oekonomia ) e 'a arte da aquisição' (crematística; cf. Marx [1867] 1906:42-43; Aristóteles 1946:18-38). A origem da palavra economia é convencionalmente atribuída à palavra grega para a gestão de uma família ou de uma mansão (Finley [1973] 1985:17). O capitalismo está principalmente relacionado à troca e à crematística, enquanto o valor de uso e a oekonomia são característicos de formas não capitalistas de economia.

Uma estratégia diferente para abordar a natureza geral do capitalismo que defendo seria utilizar a definição tradicional dos economistas da economia como consistindo em produção, distribuição e troca (por exemplo, Samuelson 1970:4). Nesta perspectiva, o processo económico começa com a produção e é depois seguido pela distribuição e pelo consumo. A chave para as diferentes formas de organização da economia, segundo esta perspectiva, encontra-se principalmente na organização da distribuição. Segundo Polanyi, como observado anteriormente, a distribuição pode assumir uma das três formas seguintes: redistribuição, reciprocidade ou troca (cf. cap. 2). A redistribuição é normalmente utilizada numa economia dominada pelo Estado, como o socialismo ou a do antigo Egipto, e o que impulsiona a produção é a necessidade de consumo. A reciprocidade é comum numa economia baseada na família ou numa economia onde o parentesco é de importância primordial; e também aqui o que impulsiona a produção é a necessidade de consumo. A troca, por fim, está diretamente relacionada à existência de um mercado; e só ele pode levar ao capitalismo. A razão é que a produção numa economia capitalista é impulsionada não apenas pela necessidade de consumo, mas também pelo desejo de lucro.

A forma como o lucro está relacionado com a troca, e a razão pela qual os actores querem envolver-se numa troca, podem ser ilustrados por uma referência ao chamado conceito de eficiência de Kaldor-Hicks (Posner 1998:14-15). De acordo com este conceito, uma troca é eficiente quando beneficia ambos os intervenientes com um montante que excede o possível dano a um terceiro. O lucro social, em resumo, tem de exceder a perda social.

Um exemplo disso seria quando o ator A, que possui uma bicicleta que vale US$ 100, vende-o ao ator B por US$ 150, sem nenhum dano aos atores C, D e breve. Este exemplo mostra claramente por que dois atores querem se envolver em uma troca: ambos ganham com isso. O que torna o capitalismo tão único é que ele é impulsionado não apenas pela necessidade de consumo, mas também pelo desejo de lucro. Este lucro tem também deve ser continuamente reinvestido em nova produção para novos lucros tornar-se possível (ver figura 3.1). É precisamente esse ciclo de feedback do lucro à produção que transforma o capitalismo num sistema económico tão dinâmico, revolucionando para sempre a economia, bem como a sociedade. O capitalismo, para citar o Manifesto Comunista, leva à “revolução constante da produção, à perturbação ininterrupta de todas as condições sociais, à incerteza e à agitação eternas” (Marx e Engels [1848] 1978:476). A redistribuição e a reciprocidade, pelo contrário, carecem desta procura de lucro e do ciclo de feedback do investimento e constituem essencialmente formas estáticas de organização económica. O Estado e a família/grupo de parentesco normalmente canalizam parte do excedente para nova produção, a fim de garantir a reprodução, mas isto é muito diferente de um sistema dinâmico orientado para o lucro, onde a mudança é constante.

O que acaba de ser apresentado é um modelo básico de capitalismo que precisa de ser tornado mais complexo para ser útil na sociologia económica. Uma forma de o fazer seria examinar mais de perto os seus quatro componentes principais e analisar cada um deles com a ajuda da sociologia. Isso nos daria uma sociologia da produção, distribuição, consumo e lucro. A produção, por exemplo, pode ser subdividida em terra, trabalho, capital, tecnologia e “organização” (Marshall). Além disso – e de importância crucial – a cultura, bem como as instituições políticas (incluindo o sistema jurídico), devem ser tidas em conta. Cada um destes factores pode facilitar o processo de obtenção de lucro, retardá-lo ou bloqueá-lo. Estudar o capitalismo nestas linhas, defendo, forneceria à sociologia económica uma agenda para um longo período de tempo (ver Swedberg no próximo livro b).

Existem outras teorias do capitalismo que é útil ter em mente. Aquela que é talvez a mais adequada à sociologia económica actual é, na minha opinião, a de Max Weber. Em primeiro lugar, Weber não fala de capitalismo (no singular), mas de capitalismos (no plural), que é também a forma como o termo é cada vez mais utilizado nas ciências sociais contemporâneas. Tem sido recentemente argumentado, por exemplo, que “o capitalismo como uma construção só é analiticamente interessante no plural: os capitalismos devem ser definidos e comparados uns com os outros” (Stark 1996:1017; cf. Swedberg a publicar c). Em segundo lugar, Weber tentou desenvolver um conceito de capitalismo centrado na acção social, em oposição a ver o capitalismo como uma espécie de sistema com as suas próprias leis, nos moldes de Marx. E, finalmente, a tipologia dos capitalismos de Weber é de natureza profundamente histórica, com cada tipo surgindo de intensa pesquisa histórica.

Na obra de Weber como um todo pode-se encontrar uma infinidade de diferentes tipos de capitalismo, semelhante à noção de capital na obra de Bourdieu. Alguns deles são altamente evocativos, como o capitalismo aventureiro, o capitalismo rentista e o capitalismo pária. Na sua sociologia económica teórica, contudo, Weber assume uma posição mais restritiva, e aqui ele apenas fala de três tipos principais de capitalismo: capitalismo racional (ou moderno), capitalismo político e o que pode ser denominado capitalismo comercial tradicional ([1922] 1972:164-66). Em vez de os definir, contudo, Weber utiliza-os simplesmente como rótulos para seis diferentes “modos principais de orientação capitalista para obtenção de lucro”. Weber define a obtenção de lucro como constituindo uma forma de acção económica orientada para “oportunidades de procurar novo poder de controlo sobre bens numa única ocasião, repetida ou continuamente” (90).

O acto de obter lucro com uma orientação capitalista pode assumir uma série de formas qualitativamente diferentes, cada uma das quais constitui “um tipo [sociológico] definido”. Quatro deles existem há milhares de anos, diz Weber, enquanto os dois restantes só podem ser encontrados no Ocidente e nos tempos modernos. Os dois últimos são exemplos de capitalismo racional ou moderno e consistem basicamente em finanças avançadas, produção contínua e compra e venda permanente num mercado livre. Das outras quatro formas de obtenção de lucro, o capitalismo político (“capitalismo politicamente orientado”) inclui os casos em que o lucro é obtido através do Estado, através de contactos com o Estado ou sob a protecção física directa do Estado. O capitalismo comercial tradicional consiste em actos de comércio de bens e dinheiro em pequena escala (ver figura 3.2).

A tendência de Weber para dissolver os diferentes tipos de capitalismo em vários tipos de acção social deve-se provavelmente ao seu desejo de fundamentar a noção de capitalismo nas actividades quotidianas da economia e afastar-se da tendência de ver o capitalismo como um sistema muito além do actor individual. Neste último ponto, aliás, o raciocínio de Weber aproxima-se do de Hayek, que argumenta que retratar o capitalismo como um sistema representa uma forma de “objetivismo” e cria a ilusão de que o capitalismo tem o seu próprio conjunto de leis (Hayek 1943:41; ver Hayek 1942:286).

Seria errado, contudo, deixar ao leitor a impressão de que a concepção de capitalismo de Weber consiste apenas em interacções entre indivíduos e que as instituições não desempenham qualquer papel. Tal como mencionado na exposição da sociologia económica teórica de Weber no capítulo 1, o actor económico orienta o seu comportamento não apenas em relação a outros actores, mas também em relação a “ordens”, que consistem em conjuntos prescritos de acção social que são aplicadas de diferentes maneiras. Estas ordens são por vezes instituições; e a instituição económica central no capitalismo moderno é a empresa racional, liderada por um empresário e com uma força de trabalho separada dos meios de produção. A ordem económica da propriedade privada é igualmente defendida e mantida de forma previsível e fiável pelo Estado e pelas suas agências administrativas. O sistema jurídico faz parte do Estado racional e é

geralmente confiável e confiável. Enormes investimentos na indústria só podem ser rentáveis se as autoridades estatais e as autoridades legais forem previsíveis nas suas decisões. O capitalismo moderno, conclui Weber numa passagem famosa, não é o mesmo que ganância desenfreada: Deveria ser ensinado no jardim de infância da história cultural que esta ideia ingénua do capitalismo [moderno] deve ser abandonada de uma vez por todas. A ganância ilimitada pelo ganho não é idêntica ao capitalismo e é ainda menos o seu espírito. O capitalismo pode até ser idêntico à restrição, ou pelo menos a um temperamento racional, deste impulso irracional. Mas o capitalismo é idêntico à busca do lucro, e do lucro sempre renovado, por meio de uma empresa capitalista contínua e racional ([1904-05] 1958:17).

A visão de Weber sobre o capitalismo é de natureza profundamente histórica e baseia-se em pesquisas comparativas sobre diversas civilizações diferentes, bem como em pesquisas primárias sobre o capitalismo no Ocidente. O aspecto que mais interessou Weber foi a origem do capitalismo moderno, ou racional, e é claro que este tema o ocupou desde as suas primeiras pesquisas como estudante de doutoramento até à sua morte, cerca de trinta anos mais tarde. «Porque é que apenas no Ocidente se desenvolveu um capitalismo racional baseado na rentabilidade? . . . Alguém tem de explorar esta questão”, como escreveu Weber numa carta algumas semanas antes da sua morte (citado em Hennis 1991:29).

Tal como Weber enfatiza que o capitalismo não deve ser visto exclusivamente como um fenómeno económico, ele também tem em conta factores políticos, jurídicos e culturais quando traça a história do capitalismo moderno ([1922] 1978, [1923] 1981). Ao contrário dos historiadores económicos de hoje, que normalmente vêem a revolução industrial como o acontecimento decisivo na história do capitalismo moderno, Weber traça as suas origens muito mais atrás e, em parte, a outros factores. Um evento particularmente importante ocorreu nos anos 1500 e 1600 com a ascensão do protestantismo ascético, que tornou possível quebrar o domínio da religião sobre a vida económica e energizar as pessoas no seu trabalho, incluindo a obtenção de lucros (ver Marshall 1982 para o debate sobre Tese de Weber).

Mas muitos acontecimentos importantes também ocorreram antes da Reforma, segundo Weber, tais como a invenção de certas instituições económicas fundamentais, incluindo o dinheiro e a empresa familiar. O Estado racional tem a sua origem na comunidade política da cidade medieval – e o mesmo acontece com o direito comercial moderno, com as suas regras sobre falências, letras de câmbio e afins. Vários eventos importantes também ocorreram após a ascensão do protestantismo ascético, como o surgimento da demanda em massa pelo consumo e o uso da ciência na indústria. A certa altura, na década de 1700, o capitalismo ocidental quase estagnou definitivamente, antes de algumas descobertas cruciais na metalurgia o fazerem voltar a funcionar. Em suma, pode-se dizer que, de acordo com Weber, o capitalismo moderno ou racional surgiu através de uma evolução que durou vários séculos e que foi em grande parte de natureza acidental. Weber também estava bastante preocupado com o facto de o tipo moderno de capitalismo, que é de natureza extremamente dinâmica, ser em breve substituído por um tipo diferente de capitalismo, caracterizado pela estagnação burocrática e pela opressão (cf. Mommsen 1974).

O “sistema americano de produção” estava em vigor, caracterizado pelas normas do individualismo e do empreendedorismo. A força desta herança cultural, que estava relacionada com o puritanismo americano, também ajuda a explicar por que razão não conseguiu emergir um forte movimento operário nativo.

No final do século XIX, continua Hollingsworth, a produção em massa, com a sua ênfase na hierarquia e nos empregos repetitivos, tinha começado a dominar a indústria («Fordismo»); e esta situação perduraria até as décadas de 1950 e 1960. Nessa altura, porém, outros países com sistemas de produção mais eficientes começaram a desafiar as empresas norte-americanas. Por diversas razões, as empresas americanas estão pouco inseridas nas relações sociais existentes, o que dificultou a produção de mercadorias de alta qualidade. A indústria transformadora actual, por exemplo, tem dificuldade em competir com países como o Japão e a Alemanha, onde as empresas estão mais inseridas na estrutura social e os trabalhadores recebem melhor formação. A tradicional dependência das empresas americanas do mercado de capitais para financiamento também encorajou uma certa “visão de curto prazo”.

Esta própria falta de integração tornou, por outro lado, mais fácil para as empresas americanas responderem rapidamente a novas exigências e criarem novos negócios. Áreas como os computadores e os semicondutores estão, por exemplo, a florescer nos Estados Unidos, em resposta a exigências e condições em rápida mudança. Olhando para o futuro da economia americana, Hollingsworth conclui que a falta de um Estado-providência, em combinação com uma sociedade civil fraca, cria perspectivas difíceis para todos, excepto para uma minoria da população (ver Campbell, Hollingsworth e Lindberg 1991 para uma estudo detalhado da economia dos EUA e, de forma mais geral, ver Lipset 1996 sobre o excepcionalismo dos EUA).

Para concluir esta secção sobre a organização da economia sob a forma do capitalismo, é útil referir-nos mais uma vez ao modelo da figura 3.1. O que, de acordo com este modelo, torna o capitalismo racional tão dinâmico é o ciclo de retroalimentação do lucro ao reinvestimento na produção. A teoria de Weber sobre os três diferentes tipos de capitalismo mostra uma consciência deste mecanismo; e um dos principais pontos de Weber sobre o capitalismo político e o capitalismo comercial tradicional é precisamente que estes dois tipos de capitalismo nunca conseguiram desenvolver um ciclo de feedback deste tipo que funcionasse bem.

Quando se trata da discussão do capitalismo entre os sociólogos contemporâneos, em contraste, a situação é um pouco diferente. Aqui, o desejo de mostrar que as relações e instituições sociais são importantes é muitas vezes tão forte que o mecanismo chave do capitalismo – a geração de lucro e o seu reinvestimento na produção – quase nunca é mencionado e raramente teorizado. Isto leva a uma visão errada do capitalismo e a uma incapacidade de compreender a sua dinâmica, bem como a sua capacidade de mobilizar pessoas e recursos para os seus fins.

Distritos Industriais

Outro tipo de organização social da economia que tem atraído muita atenção durante a última década é a dos distritos industriais. Este fenômeno foi estudado pela primeira vez por Alfred Marshall, que também cunhou o termo. Ao contrário das formas nacionais de capitalismo, os distritos industriais são definidos por fronteiras geográficas e sociais, e não por fronteiras políticas. Nos termos do modelo básico do capitalismo, os distritos industriais representam formas de organizar a produção com base na troca e com concorrentes, bem como com empresas relacionadas em estreita proximidade geográfica.

A pesquisa sobre distritos industriais foi iniciada há algumas décadas por estudiosos italianos através de uma série de estudos nas regiões central e nordeste da Itália. Rapidamente se descobriu que os distritos industriais também podiam ser encontrados em muitos outros países, tanto dentro como fora da Europa, e também durante as fases iniciais da industrialização. Hoje, a discussão dos distritos industriais fundiu-se com um debate mais geral sobre a importância das regiões económicas. Também foi ampliado para incluir grandes corporações, e não apenas pequenas e médias empresas.

Alfred Marshall aborda a questão dos distritos industriais em suas duas principais obras, Princípios de Economia ([1920] 1961, 1:271-73) e Indústria e Comércio (1919:283-88; cf. Bellandi 1989). Ele observa as vantagens de uma indústria estar localizada na vizinhança de outras indústrias: 'O proprietário de uma fábrica isolada, mesmo que tenha acesso a uma oferta abundante de mão-de-obra geral, é frequentemente submetido a grandes mudanças por falta de alguma qualificação especial. trabalho; e um trabalhador qualificado, quando é despedido, não encontra refúgio fácil” ([1920] 1961, 1:271-72). Para além do facto de que num distrito industrial os trabalhadores com competências especializadas encontrarão mais facilmente emprego, e os empregadores que necessitam de trabalhadores com competências especializadas encontrarão mais facilmente esses trabalhadores, Marshall também aponta para as «grandes vantagens [para os distritos industriais], que não podem ser encontrados em outro lugar; e uma atmosfera [que] não pode ser movido facilmente” (1919:284). 'Os mistérios do comércio não se tornam mistérios; mas estão, por assim dizer, no ar, e as crianças aprendem muitas delas inconscientemente” ([1920] 1961, 1:271). Sheffield, na Inglaterra, e Solingen, na Alemanha, são mencionados como exemplos típicos de distritos industriais. Marshall também afirma que se muitas pequenas empresas estiverem situadas próximas umas das outras, poderão utilizar maquinaria mais cara e especializada do que se estivessem isoladas.

Em meados da década de 1970, estudiosos italianos começaram a desenvolver ideias semelhantes às de Marshall, em estudos do centro e nordeste da Itália. Arnaldo Bagnasco, em particular, salientou que na “Terceira Itália” a economia não é organizada pelo Estado (como no sul de Itália) nem dominada por grandes corporações industriais (como no noroeste de Itália). Em vez disso, depende de pequenas e médias empresas (Bagnasco 1977; cf. Trigilia 1995; Barbera 2002). Os tipos de produtos produzidos nesta parte da Itália são bastante tradicionais, como azulejos, têxteis e artigos de couro.

Algum tempo depois, Charles Sabel e seus colaboradores introduziram uma perspectiva histórica no debate (Piore e Sabel 1984; Sabel e Zeitlin 1985). Eles também elevaram a questão a um nível mais geral, sugerindo que as pequenas e médias empresas eram muito melhores na “especialização flexível” (como a chamavam) do que a antiquada indústria “Bordisi”, com a sua necessidade de organização hierárquica e enorme , mercados estáveis. A especialização flexível também foi considerada um ideal para o futuro, uma vez que poderia lidar com mercados que sofrem oscilações acentuadas e imprevisíveis, comuns no capitalismo moderno.

Muitos estudos empíricos interessantes foram feitos sobre distritos industriais na Europa, desde a Terceira Itália até, digamos, Baden-Wurttemberg na Alemanha e Gnosjõ na Suécia (por exemplo, Semlinger 1995, Sjõstrand no prelo). O leitor de língua inglesa pode ter uma ideia de como é um distrito industrial italiano lendo os estudos de Mark Lazerson sobre Modena na Emilia Romagna (1993). Aqui, várias pequenas empresas interligadas cooperam na produção de malhas. Uma empresa faz a tecelagem, outra o corte, uma terceira acrescenta as casas dos botões e os botões, e assim por diante.

Mas hoje também existe um tipo de distrito industrial diferente daqueles que foram inicialmente estudados na Europa, com as suas pequenas e médias empresas. Este novo tipo consiste em empresas na vanguarda da tecnologia moderna; e misturadas com as pequenas e médias empresas também estão grandes empresas. Silicon Valley representa o arquétipo deste tipo de distrito industrial, onde o valor do que é produzido é verdadeiramente enorme e onde o capital de risco é fortemente investido.

Um dos melhores estudos sociológicos da indústria de informática no Vale do Silício, que também se baseia fortemente na literatura sobre distritos industriais, é Regional Advantage: Culture and Competition in Silicon Valley and Route 128 (1994), de AnnaLee Saxenian. A tese chave deste trabalho fica clara no seu título: o que importa não é tanto o empresário individual ou a empresa única, mas sim a estrutura da economia regional ou do distrito industrial. O estudo de Saxenian, deve também ser notado, centra-se em dois desses distritos, uma abordagem que lhe permite distinguir entre os factores que contribuem para um distrito que funciona bem e é eficaz, e aqueles que não o fazem.

Tanto a área da Rota 128 em Boston quanto o Vale do Silício no norte da Califórnia têm sua origem no apoio do governo dos EUA à pesquisa relacionada à guerra durante a Guerra Mundial H. No início existia apenas um vínculo entre o governo e a universidade (ΜΓΓ em Boston e Universidade de Stanford, na Califórnia). Mais tarde, porém, um terceiro parceiro crucial foi acrescentado: os negócios. Inicialmente, a Rota 128 estava se saindo muito melhor do que o Vale do Silício, mas desde o final da década de 1980 ficou bastante para trás. A principal razão para isso, segundo Saxenian, é que desde cedo as duas regiões tiveram estruturas sociais muito diferentes. A Rota 128 era o que ela chama de “sistema [industrial] independente baseado em empresas” e o Vale do Silício de “distrito [industrial] baseado em redes regionais descentralizadas” (1994:8). Ao longo da Rota 128, as empresas normalmente estavam localizadas longe umas das outras. Eles queriam ser independentes uns dos outros e tinham hierarquias tradicionais. O financiamento veio dos bancos; a falência significava fracasso pessoal; e os funcionários que mudaram de empregador corriam o risco de serem processados.

No Vale do Silício, por outro lado, as empresas estavam localizadas próximas umas das outras; a hierarquia foi evitada tanto quanto possível; e os funcionários muitas vezes socializavam depois do trabalho. O capital veio através de um novo tipo de financiador: os capitalistas de risco, que muitas vezes eram eles próprios ex-empreendedores e queriam uma participação no negócio. Os funcionários mudavam de emprego com tanta frequência que não fazia sentido processá-los; e os empreendedores falharam muitas vezes nos seus negócios uma ou duas vezes antes de terem sucesso (“empreendedores recorrentes”). Uma das principais razões para o sucesso de Silicon Valley, conclui Saxenian, reside no papel que as redes informais desempenham na região.

Desde 1999 existe também um grande projecto sociológico sobre Silicon Valley, liderado por Mark Granovetter e intitulado “Redes de Silicon Valley” (Granovetter 1999b). A ideia principal é que apesar do fato A ideia principal é que, apesar de todos falarem sobre o papel crucial das redes no Vale do Silício, ninguém as estudou empiricamente e ao longo do tempo. O objetivo geral de fazer isso, argumentam Granovetter e seus colaboradores em uma publicação inicial deste projeto, é que isso levará a uma noção muito mais precisa e rica da estrutura social do Vale do Silício (Castilla et al. 2000). Sugere-se também que a chave do sucesso no Vale do Silício não está tanto na pesquisa (e na cópia) de empresas isoladas de sucesso, mas na compreensão das distintas constelações de redes que são constituídas por atores de vários setores diferentes, como como empresas, capitalistas de risco, escritórios de advocacia, instituições educacionais, autoridades políticas e assim por diante.

Para ilustrar a fecundidade do uso de uma análise sistemática de redes, Granovetter e seus colaboradores realizaram algumas análises amostrais (Castilla et al. 2000). Uma delas trata da criação de empresas na indústria de semicondutores no Vale do Silício, mais precisamente do processo de spin-off iniciado em 1957 pela saída de vários funcionários da corporação de William Shockley (os 'Oito Traidores'). Se um empate representa uma situação em que uma pessoa esteve activa na fundação de duas empresas, os resultados de uma análise de 1947-86 indicam que um pequeno número de pessoas conhecidas tinha, cada uma, mais de dez destes laços. A análise, contudo, mostra também que vários intervenientes consideravelmente menos conhecidos também têm estado muito activos na criação de empresas. O resultado, por outras palavras, indica a necessidade de ir além dos relatos populares de empreendedorismo para esclarecer a história.

Um estudo realizado por Granovetter e colegas sobre empresas de capital de risco, que estiveram activas na costa oeste entre 1958 e 1983, revela um tipo de rede muito diferente (Castilla et al. 2000). Em vez de uma rede ligada de forma relativamente uniforme, como no processo de spin-off na indústria de semicondutores, existe, em primeiro lugar, um aglomerado de empresas com muitos laços entre si. Isto significa que todas estas empresas foram fundadas por pessoas que também estiveram envolvidas na fundação de outras empresas de capital de risco. Mas, como se constata, há também uma série de empresas que não estão ligadas entre si, levantando a questão de saber se foram fundadas de alguma forma alternativa.

A terceira e última análise de redes fornecida por Granovetter e seus colaboradores representa uma tentativa de estudar a interação entre diferentes setores no Vale do Silício. Os dados sobre um determinado tipo de empresas da Califórnia, envolvidas em ofertas públicas iniciais em 1999, indicam que existe um padrão distinto de interacção entre escritórios de advogados, bancos de investimento e empresas de contabilidade (ver figura 3.3). Um pequeno número de empresas de alto prestígio de cada uma destas categorias está envolvido em muitos negócios. Os escritórios de advocacia, contudo, revelam-se surpreendentemente mais locais do que nacionais. Se os resultados seriam os mesmos com uma amostra melhor é difícil saber, segundo os autores. Ainda assim, o ponto geral é claro: nomeadamente, que intervenientes de vários sectores cooperam na indústria de serviços de recuperação de informação na Califórnia – e que Granovetter e os seus colegas podem muito bem estar correctos na sua suposição de que, em última análise, é este facto que explica o sucesso do região.

Globalização

O tipo de sociologia económica que surgiu desde meados da década de 1980 nos Estados Unidos não tem uma natureza muito internacional. Tem também demonstrou pouco interesse em conectar-se com outras tradições de pesquisa que estudam a economia internacional, como a economia política internacional, a teoria dos sistemas mundiais e a economia do desenvolvimento (para exceções, ver, por exemplo, Gereffi 1994; Evans 1995; Orrù, Biggart e Hamilton 1997; Riain e Evans 2000; Guillen 2001a,b). Esta tendência representa uma fraqueza na sociologia económica contemporânea, tal como a sua ausência no debate sobre a globalização.

Do ponto de vista económico, globalização é o termo usado hoje em dia para denotar a difusão do capitalismo moderno em todo o mundo. Exatamente até que ponto este processo chegou, no entanto, é fortemente contestado. Embora a produção, a distribuição e o consumo ocorressem no mesmo país (menos as importações/exportações), a globalização significa que as fronteiras nacionais são cada vez menos importantes para o funcionamento do capitalismo. Este enfraquecimento das fronteiras entre os países manifesta-se de muitas maneiras. A produção, por exemplo, hoje em dia envolve frequentemente vários países; e o consumo pode ocorrer em outro país. O reinvestimento do lucro na produção também ignora frequentemente as fronteiras nacionais. Em resumo, toda a maquinaria capitalista – produção, distribuição, consumo e reinvestimento dos lucros – já está, em certa medida, a funcionar a nível global, muitas vezes com total apoio das autoridades políticas.

A preocupação com a globalização começou por volta de 1990 e é de natureza interdisciplinar, com a participação de vários sociólogos de destaque de outras especialidades além da sociologia econômica. Uma das principais figuras e defensores da ideia de que o mundo está se tornando global é o sociólogo urbano Manuel Castells, autor de A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (1996-98). Segundo Castells, emergiu uma “nova economia”, impulsionada pelas novas tecnologias (1996:66). Esta economia é de natureza global, não apenas internacional:

Uma economia global é uma realidade historicamente nova, distinta de uma economia mundial. Uma economia mundial, isto é, uma economia em que a acumulação de capital ocorre em todo o mundo, existe no Ocidente pelo menos desde o século XVI, como nos ensinaram Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein. Uma economia global é algo diferente: é uma economia com a capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real à escala planetária (92; grifo no original).

O que caracteriza a economia global, segundo Castells, é, antes de mais nada, o facto de se basear num novo tipo de tecnologia de infra-estruturas – dispositivos de processamento de informação e o próprio processamento de informação. A utilização desta tecnologia e de outros factores levaram ao aumento do comércio, dos investimentos estrangeiros e à criação de mercados financeiros internacionais nos quais o volume de negócios é enorme, especialmente em moeda. Os mercados de capitais em diferentes partes do mundo estão todos interligados e o capital é gerido 24 horas por dia. Os mercados de bens e serviços estão a tornar-se cada vez mais internacionalizados (muito menos, porém, o mercado de trabalho). As empresas dominantes estão todas activas no mercado mundial e estão também em processo de transformação de empresas multinacionais em empresas transnacionais. Estas últimas estão organizadas de forma horizontal e podem ser melhor caracterizadas como redes ('empresa

Bibliografia

Coleman, J. S. (1994). Foundations of Social Theory. Cambridge: Harvard University Press.

Coleman, J. S. (1997). Government and Rural Development in West Africa. The hagle: Springer.

 

4ª Lição 22 de Setembro: do desenvolvimento

 

 INTRODUÇÃO

Diariamente ouvimos falar em instituições - instituições sociais, instituições financeiras, instituições de ensino, instituição familiar e umas tantas outras instituições -, mas do que exatamente está se falando quando se usa o termo "instituição" de modo tão genérico? Poderíamos pensar que certa confusão quanto ao sentido de um termo não é incomum no uso cotidiano, afinal, as pessoas não precisam se ocupar com formalidades científicas em seu trato pessoal. Contudo, o fato curioso é que essa confusão quanto ao sentido do termo "instituição" também está presente no âmbito dos debates acadêmicos em economia institucional. Naturalmente, ao contrário do senso comum, os institucionalistas preocuparam-se em definir o que é uma instituição, de modo que o dissenso explicita diversidade, mas não falta de uma definição, ou de muitas definições, para o termo "instituição".

O objetivo dessa lição é justamente explicitar esse dissenso no âmbito da economia institucional, buscando tornar claros os sentidos nos quais se usa o termo "instituição" na literatura especializada. Nesse sentido, convidamos o leitor a uma breve imersão nos textos de alguns institucionalistas, para que possamos traçar as diferenças e também as semelhanças conceituais referentes à definição do termo "instituição".

Essa lição encontra-se estruturada em três itens, além dessa introdução e de uma conclusão ao final do trabalho. No primeiro item faremos uma breve exposição de alguns autores da velha economia institucional (VEI) - Veblen, Commons e Mitchell - e da nova economia institucional (NEI) - North, Coase e Williamson. No segundo item, veremos que institucionalistas contemporâneos como Hodgson e Chang transitam de modo fluido entre os conceitos de instituição enquanto regras do jogo, modelos mentais e organizações. No terceiro item discutiremos em que medida a perspectiva dos referidos autores aproxima-se de uma ou mais dimensões institucionais, a saber, (i) instituições como regras do jogo; (ii) instituições como modelos mentais; e (iii) instituições como organizações.

2. OS INSTITUCIONALISTAS: VELHOS E NOVOS

A economia institucional conquistou seu lugar, enquanto programa de pesquisa, no pensamento econômico no final do século XIX com os escritos seminais de Thorstein Veblen, porquanto elementos institucionais possam ser identificados nos escritos de autores como Adam Smith, Karl Marx e Alfred Marshall (Hodgson, 1999). Contudo, nosso ponto de partida será a velha economia institucional de Veblen, Commons e Mitchell, que mais tarde seria oposta à nova economia institucional de North, Coase e Williamson.

A velha economia institucional tem início com o artigo seminal de Thorstein Veblen, Why is Economics not an Evolutionary Science, publicado em 1898, no qual o autor defende uma ciência econômica que reconheça o processo evolutivo das instituições, tendo como principais seguidores de seu pensamento Wesley Mitchell e John Commons. Apesar dos primeiros escritos do incipiente programa de pesquisa institucionalista terem surgido no final do século XIX, apenas em 1919 foi sugerido o termo "economia institucional", cunhado por Walton Hamilton e que daria nome a essa nova disciplina no âmbito da Economia. Já a demarcação entre a VEI e a NEI teria que esperar mais algumas décadas, até que Oliver Williamson se autodenominasse novo institucionalista ao lado de Douglass North e Ronald Coase, deixando clara a descontinuidade com o que chamou de velho institucionalismo (Coase, 1998, p. 72).

Veblen (1961 [1898]) tinha como alvo de sua crítica os supostos da ortodoxia econômica de sua época, identificada com o pensamento de John Bates Clark (Rutherford, 2001, p. 18). O velho institucionalismo argumentava a favor de uma ciência empírica, diferente das formulações teóricas ortodoxas, baseadas em hipóteses irrealistas, fundamentadas em suposições psicológico-comportamentais que possuíam pouco contato com o funcionamento real da economia (Rutherford, 2001, p. 177). No lugar dessas formulações teóricas excessivamente abstratas, Veblen sugeriu uma reformulação da teoria econômica que se sustentasse sobre os pilares de uma ciência evolucionária, que seria uma "teoria do processo, de uma seqüência que se desdobra" (Veblen, 1961, p. 58).

A ciência evolucionista sugerida por Veblen opunha-se à teoria ortodoxa, propondo uma explicação envolvendo cadeias de causa e efeito, em lugar de uma teorização ortodoxa, não evolucionista, que explicaria os fenômenos econômicos em termos de algum propósito. Essa teleologia implicada na ciência não evolucionista foi denominada por Veblen como animismo. Esse modo de entender o mundo econômico levaria a outro problema da ciência não evolucionista, a taxonomia, que consistiria numa construção teórica baseada na dedução de fenômenos econômicos a partir de postulados gerais como "homem econômico" e "competição perfeita". Ligado a esses dois problemas está o que Veblen denominou como hedonismo, uma forma peculiar da ciência evolucionária entender o homem, o agente econômico, que o definiria como um sujeito capaz de realizar todos os cálculos necessários à maximização do prazer e/ou à minimização da dor, em termos veblenianos um "calculador instantâneo de dor e prazer" (Veblen, 1961 [1898], p. 73).

Como contraponto à psicologia hedonista, Veblen sugeriu não apenas a ideia de um processo evolutivo, mas também uma teoria dos instintos. Segundo Veblen, os homens seriam movidos por três instintos: (i) instinto de artesanato (workmanship), que seria a tendência à implementação de incrementos tecnológicos; (ii) instinto familiar (parental bent), que inclinaria o sujeito a buscar a melhora do bem-estar da família e da sociedade; (iii) instinto de curiosidade (idle curiosity), que levaria o sujeito a produzir explicações coerentes do mundo (Rutherford, 1984, p. 332). Contudo, mais importante que os instintos seriam as instituições que, segundo Veblen, ganhariam autonomia em relação aos instintos, mostrando-se até capazes de moldar esses instintos.

Em seu livro de 1899, The Theory of the Leisure Class, Veblen aplica sua concepção de instituição à evolução da vida social a partir de um processo contínuo de mudança nos hábitos mentais dos sujeitos. Assim chegamos à compreensão vebleniana de instituições como hábitos mentais, que seriam "métodos habituais de dar continuação ao modo de vida da comunidade em contato com o ambiente material no qual ela vive" (Veblen, 1988 [1899], p. 89). Hábitos mentais são, segundo Veblen (1961 [1898]), formas de ser e de fazer as coisas que se cristalizam em instituições, mantidas ou modificadas ao longo do tempo pela ação reprodutiva ou transformadora dos sujeitos. Destarte, as instituições comporiam o tecido social alimentando-se das ações e decisões dos sujeitos e ao mesmo tempo as modificando ao longo do tempo.

Seguindo a linha vebleniana, Mitchell (1910a) também entendia instituições como hábitos mentais, como "hábitos de pensamento predominantes que ganharam aceitação geral como normas orientadoras da conduta" (Mitchell, 1910b, p. 203). Mitchell descarta a fundamentação da ortodoxia de sua época em supostos acerca de uma natureza humana, sugerindo novas bases psicológicas para a ciência econômica, ratificando a definição de instituições como hábitos mentais, como "entidades psicológicas - hábitos mentais e de ação predominantes dentre as comunidades sob observação" (Mitchell, 1910a, p. 112).

Apesar de ter adotado as ideias veblenianas, como a definição de instituições como hábitos mentais, a distinção entre a fase pecuniária e a fase tecnológica da vida econômica como responsáveis pelos distintos hábitos mentais, a ideia de um processo evolutivo da sociedade, bem como a crítica às teorias abstratas da economia ortodoxa de sua época, Mitchell não concordou com as concepções mais radicais de Veblen, como a rejeição completa da ciência econômica considerada ortodoxa. Deste modo, apesar de discípulo de Veblen, Mitchell aproximou-se da economia ortodoxa, dela aproveitando o que julgou útil à construção de seu corpo teórico complexo.

Assim como Mitchell, Commons é considerado um discípulo de Veblen, tendo também se colocado como um crítico menos radical da economia ortodoxa de sua época. Ademais, ao basear seu argumento nos conceitos de escassez e de transação, Commons acabou por se tornar o mais importante institucionalista americano sob o ponto de vista dos novos institucionalistas (Furubotn e Richter, 2005, p. 41). Segundo Commons (1931), a economia institucional remontaria à ideia de David Hume de que a escassez de recursos levaria ao conflito de interesses. De acordo com Veblen, e com Mitchell, o conflito emergiria de hábitos mentais distintos, não da escassez de recursos, como afirmara Commons. A noção de instituição de Commons surge do argumento de que a escassez de recursos seria resolvida unicamente com base na força física, caso não existissem restrições à ação individual. Essas restrições seriam postas pela ação coletiva no exercício do controle coletivo, que se tornaria operante através dos mecanismos institucionais. O autor, então, define uma instituição:

Se nós queremos encontrar uma circunstância universal, comum a todo comportamento conhecido como institucional, devemos definir uma instituição como a ação coletiva em controle, liberação e expansão da ação individual. (Commons, 1931, s. p.)

As instituições são, para Commons, mecanismos através dos quais o controle coletivo é exercido, devendo desempenhar ainda a função de mecanismo de resolução de conflitos com base em regras e punições ao seu descumprimento. Esse controle coletivo, exercido através das instituições, pode advir de costumes desorganizados (unorganized customs) ou da ação organizada (organized action), que compreende o Estado, a família, a Igreja, as corporações, os sindicatos etc. (Commons, 1931). As instituições componentes da ação organizada possuem um conjunto de regras de funcionamento (working rules), que definem "o que os indivíduos podem, não podem, devem, não devem, poderiam ou não poderiam fazer" (Commons, 1931, s. p.).

No esquema conceitual de Commons, as instituições possuiriam o papel instrumental de resolver conflitos sem recurso à força física, regulando as relações sociais - conflito, dependência e ordem - que, segundo o autor, estariam implícitas nas transações. Uma transação é entendida, pelo autor, como "a alienação e a aquisição, entre indivíduos, dos direitos de propriedade e liberdade criados pela sociedade" (Commons, 1931, s. p.). Nesse sentido, Commons acaba por identificar a transação com a relação de propriedade, entendendo a transação como uma espécie de "acordo", coletivo e inicial entre os indivíduos, que possibilitaria um sistema econômico capaz de produzir, distribuir e trocar mercadorias. Por conta disso Commons considerou a transação como a unidade básica de análise. Desta forma, num sistema no qual a escassez de recursos leva à resolução de conflitos através da força física, esse acordo coletivo inicial entre os indivíduos somente pode ocorrer de forma minimamente pacífica com recurso à ação coletiva, cristalizada em instituições.

O novo institucionalismo pode ser visto como uma reação da economia neoclássica à crítica quanto à falta de empiria e de um conceito de instituição no âmbito da teoria econômica ortodoxa, uma vez que North (19811990), um dos novos institucionalistas mais referidos, deixa claro que seu objetivo é ampliar o conjunto de questões consideradas pelo programa de pesquisa neoclássico, não substituí-lo. O mesmo caminho é seguido por Coase e por Williamson.

Através da proposição do conceito de custos de transação, Coase teria lançado as bases da nova economia institucional, embora North e Williamson tenham utilizado tal conceito de forma diversa (North, 1992, p. 6). Os custos de transação podem ser definidos como "o custo de usar o mecanismo de preços" ou "o custo de se levar uma transação adiante através de uma troca no mercado" (Coase, 1998, p. 6). Nesse sentido, os custos de transação são todos aqueles envolvidos numa transação econômica, como a pesquisa de preços, os contratos, bem como o próprio conhecimento do mercado. A ideia de que toda transação possui um custo surgiu no artigo de 1937 de Coase - The Nature of the Firm -, no qual o autor investiga o porquê da existência de firmas em economias reguladas unicamente pelo mercado, criticando a pouca atenção dispensada à firma pela teoria econômica tradicional. Mesmo a utilização do mercado enquanto mecanismo de alocação de recursos possuiria, segundo Coase (1990), seus custos de operação.

Deste modo, os custos de transação estariam por toda parte, cabendo aos indivíduos sua minimização através da escolha do mecanismo de alocação de recursos - firmas, mercado e Estado - no qual estivesse implicado o menor custo de transação (Coase, 19371960). Coase identifica esses mecanismos de alocação de recursos com as instituições que, segundo o autor, seriam justamente a firma, o mercado e o Estado. Sendo assim, o papel de uma instituição no mundo econômico de Coase (1937, 1995) é o de redutor dos custos de transação existentes.

Assim como Coase, Williamson (1985, p. 15) compreende instituições como firmas, mercados e relações contratuais. Williamson aceita a proposição de Commons da transação como unidade básica de análise, adotando ainda a ideia de custos de transação de Coase no âmbito de uma teoria da firma, bem como os conceitos de racionalidade limitada, desenvolvido por Simon (s. d.; 1979), e de oportunismo, entendido como "uma profunda condição de busca pelo autointeresse que inclui a malícia" (Williamson, 1993b, p. 92).

O suposto comportamental de racionalidade limitada não implica que os indivíduos sejam irracionais, apenas sugere que estes possuem limitações computacionais e informações incompletas para realizar suas escolhas. Racionalidade limitada seria o termo "usado para designar escolha racional que leva em consideração as limitações cognitivas do agente que toma decisões - limitações tanto do conhecimento quanto da capacidade computacional" (Simon, s. d., p. 15). Destarte, num mundo econômico no qual os indivíduos possuem uma capacidade computacional limitada não podem existir resultados ótimos, uma vez que esses indivíduos não estão aptos a realizar todos os cálculos necessários à escolha ótima.

Ao não capturar o sistema econômico em sua completude, suas decisões necessitam de apoios, de regras existentes fora da mente dos indivíduos e ao menos relativamente independente deles, ou seja, o processo de decisão de indivíduos limitados cognitivamente apóia-se em instituições. No mundo econômico de Williamson, os indivíduos são oportunistas e limitados cognitivamente, necessitando de instituições como as firmas, os mercados e as relações contratuais como formas de reprimir o comportamento oportunista e de apoiar as escolhas, servindo de complemento computacional.

North também adota as ideias de custos de transação e de racionalidade limitada, mas no âmbito das modificações na matriz institucional e do Estado, numa abordagem mais voltada à temática do desenvolvimento econômico. Ademais, a definição de instituição mais referida e aceita talvez seja a de North, que entende instituições como as regras do jogo numa sociedade. O autor assim define as instituições:

Instituições são restrições humanamente concebidas que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais. Elas consistem tanto em restrições informais (sanções, tabus, costumes, tradições, e códigos de conduta), quanto em restrições formais (constituições, leis, direitos de propriedade). (North, 1991, p. 97)

Deste modo, North identifica instituições com regras, formais e informais, de comportamento. Essas regras são criadas pelos indivíduos para servir de restrição à sua própria ação, permitindo a interação social. Nessa perspectiva, os indivíduos respeitam as regras porque existem sanções implicadas em seu descumprimento. Essa é uma visão que descreve o agente econômico como um indivíduo oportunista, que somente pode ter seu agir puramente autointeressado freado pelas sanções postas em sua maior parte pelo Estado. Segundo o autor, o Estado pode impor sanções ao descumprimento das regras porque "é uma organização com vantagem comparativa em violência" (North, 1981, p. 21). Importante notar que North não define o Estado como uma instituição, mas como uma organização, definindo instituição como um conjunto de regras.

Contudo, o autor reconhece que os indivíduos podem agir de forma não oportunista, ou seja, podem deixar de tirar proveito numa situação na qual sua punição seria improvável. Isso explicaria o porquê de um indivíduo devolver ao dono uma maleta repleta de dinheiro quando poderia, sem risco de punição, ficar com todo o dinheiro. Esse comportamento que respeita as regras, de propriedade, nesse caso, mesmo na ausência de uma provável punição é explicado pela ideologia, que North assim define:

Por ideologia entendo as percepções subjetivas (modelos, teorias) que todas as pessoas possuem para explicar o mundo à sua volta. Seja no nível micro dos relacionamentos individuais seja no nível macro das ideologias organizadas provedoras de explicações integradas do passado e do presente, como o comunismo ou as religiões, as teorias que os indivíduos constroem são coloridas por visões normativas de como o mundo deve ser organizado. (North, 1990, p. 23)

A ideologia seria, para North, os modelos mentais que construímos acerca da realidade na qual vivemos, ou seja, é a visão que os indivíduos têm do mundo. Nesse sentido, os indivíduos internalizam algumas regras do jogo, as respeitando não porque podem ser punidos, mas simplesmente porque acham adequado respeitá-las. Aqui a adequação refere-se às regras internalizadas pelos indivíduos e que eles acreditam que deveriam seguir por princípio, em outras palavras, as regras internalizadas pelos agentes econômicos são regras impostas e policiadas pelo próprio indivíduo.

North adota ainda a ideia de racionalidade limitada, entendendo as instituições como complementos cognitivos para indivíduos incapazes de processar todas as informações necessárias à escolha ótima. Destarte, as regras postas pelo sistema social e as regras internalizadas servem de apoio para a tomada de decisão do indivíduo, fornecendo a noção do que deve e o que não deve ser feito, do certo e do errado, permitindo ao agente cognitivamente limitado fazer escolhas, tomar decisões e agir no mundo social. Em livro mais recente, North caminha um pouco mais em direção de uma abordagem mais psicológica das instituições:

O foco da nossa atenção, portanto, deve ser o aprendizado humano - no que é aprendido e como este é compartilhado entre os membros da sociedade e no processo incremental através do qual as crenças e preferências mudam, e no modo pelo qual elas moldam a performance das economias ao longo do tempo. (North, 2005, p. viii)

Aqui o autor chama a atenção para o processo de aprendizado e como ele pode contribuir no desempenho e no desenvolvimento das economias ao longo do tempo. A mudança institucional continua sendo importante, mas importa agora saber como, e em qual velocidade, os indivíduos processam essa mudança. North está tratando aqui da maleabilidade dos modelos mentais, ou das regras internalizadas, dos agentes econômicos. Quanto maior a capacidade dos indivíduos de uma economia em absorver modelos mentais positivos ao desenvolvimento, maior o potencial dessa economia para o desenvolvimento.

3. INSTITUCIONALISTAS CONTEMPORÂNEOS

O velho e o novo institucionalismo são novamente debatidos por institucionalistas contemporâneos como Geoffrey Hodgson e Ha-Joon Chang, que terão suas ideias apresentadas nesse item. Uma característica do institucionalismo contemporâneo é a interdisciplinaridade e o aproveitamento de conceitos e ideias tanto do velho quanto do novo institucionalismo, dando pouca ênfase a uma mera oposição entre essas duas vertentes do pensamento institucionalista.

Embora diversos autores possam ser considerados institucionalistas contemporâneos, nesse artigo, elegemos para exposição apenas as contribuições de Hodgson e de Chang. Vamos iniciar com dois artigos de Hodgson, um de 2001, intitulado A evolução das instituições: uma agenda para pesquisa teórica futura, e outro, de 2006, com o interrogativo título What are institutions?. É importante notar que esses dois artigos não esgotam as concepções institucionalistas de Hodgson, mas nos fornecem elementos para posicioná-lo nos debates no âmbito da Economia Institucional.

Hodgson é um autor que busca o diálogo com o institucionalismo de North sem, contudo, deixar de lado sua raiz vebleniana, o que nos permitiria denominá-lo como um pós-vebleniano. Hodgson (2001) assinala uma distinção metodológica entre a VEI e a NEI quanto ao papel dos sujeitos no que concerne às instituições. Enquanto os novos institucionalistas adotariam um "modelo de baixo para cima", no qual as instituições emergiriam de um estado de natureza povoado de indivíduos dotados de preferências exógenas, os velhos institucionalistas estariam comprometidos com um "modelo de causação reconstitutiva de cima para baixo", no qual a emergência de uma instituição sempre pressuporia a preexistência de outra instituição (Hodgson, 2000, p. 12).

Contra a ideia de um estado de natureza livre de instituições, Hodgson sugere um indissolúvel círculo de determinação mútua entre indivíduos e instituições, ainda que sejam ontologicamente distintos. O autor aponta que a amplitude de vida de indivíduos e instituições é diferente, assim como seus mecanismos de reprodução (Hodgson, 2001, p. 104). Assim sendo, Hodgson (2001) define instituições como regras, restrições, práticas e ideias que podem moldar as preferências dos indivíduos. Nesse ponto, o autor busca explicitamente conciliar a visão de instituição como regras do jogo de North com a concepção de instituição como modelos mentais de Veblen. Nas palavras do autor:

Instituições são os tipos de estruturas que mais importam no domínio social: elas compõem o material da vida social. (...) nós devemos definir instituições como sistemas de regras sociais estabelecidas e prevalecentes que estruturam as interações sociais. Linguagem, dinheiro, lei, sistema de pesos e medidas, maneiras à mesa, firmas (e outras organizações) são, portanto, todos instituições. (Hodgson, 2006, p. 2)

No entanto, as instituições não apenas estruturam as interações sociais, elas são, também, reforçadas e mantidas pelo comportamento individual através do hábito. Hodgson toma o conceito de hábito do pensamento de Veblen e da filosofia pragmatista, em que os hábitos seriam formados a partir da repetição da ação ou do pensamento. Ainda segundo o autor, hábito não é sinônimo de comportamento, mas sim propensão a um determinado comportamento condicionado a uma dada situação (Hodgson, 2001, p. 107). Além disso, "hábitos são mais que um meio de economizar no processo de tomada de decisão para os indivíduos; estes são um meio através do qual as convenções sociais e as instituições são formadas e preservadas" (Hodgson e Knudsen, 2004, p. 36).

Uma vez que hábitos se estabelecem, tornam-se uma base potencial para novas intenções e crenças. Como resultado, hábitos compartilhados são material constitutivo de instituições, dotando-as de acentuada durabilidade, de poder e de autoridade normativa. (Hodgson, 2001, p. 108)

Numa clara referência ao pensamento de Veblen, Hodgson sustenta que os hábitos compartilhados seriam capazes de moldar e constituir as instituições, que se converteriam em regras sociais responsáveis pela estruturação das interações entre as pessoas. Essa é a essência do "modelo de causação reconstitutiva de cima para baixo" sugerido por Hodgson, no qual as instituições têm o papel de estruturar as interações individuais, ao mesmo tempo em que permanecem permeáveis às ações dos indivíduos.

Chang segue um caminho semelhante ao de Hodgson ao sugerir essa permeabilidade mútua entre instituições e indivíduos, sem, contudo, entrar em detalhes metodológicos. A proposta de Chang é a de uma economia política institucional, que o autor opõe ao que ele denominou como paradigma neoliberal, resultante da união entre o instrumental teórico neoclássico e a filosofia política e moral da escola austríaca (Chang, 2002, p. 540). Em especial, o autor questiona a definição de North de instituição como regras do jogo que restringem o comportamento humano. Segundo Chang, essa compreensão de instituições como restrições limitaria seu papel na sociedade, uma vez que as instituições possuiriam um papel mais amplo de restringir, constituir e possibilitar a ação humana (Chang e Evans, 2005, p. 5). Dentre as instituições presentes no ambiente econômico, o autor menciona três instituições importantes, a saber: o mercado, as firmas e o Estado.

O sistema capitalista é composto de uma cadeia de instituições, incluindo os mercados como instituições de troca, as firmas como instituições de produção, e o Estado como criador e regulador das instituições que governam suas conexões (enquanto instituição política), assim como outras instituições informais como as convenções sociais. (Chang, 2002, p. 546)

Importante notar, nessa passagem, que Chang menciona justamente as três instituições consideradas por Coase, um novo institucionalista, como centrais ao funcionamento do sistema econômico. Naturalmente, Chang não entende essas instituições como meros mecanismos de alocação de recursos, conforme fizera Coase. Todavia, fica evidente que Chang considera que uma instituição pode ser tanto a regra, que restringe, constitui e possibilita as ações dos indivíduos, quanto um conjunto de regras componente de uma organização - firmas, Estado e mercado.

Deste modo, o autor sustenta que as instituições devem ser entendidas como "mecanismos que possibilitam o alcance de finalidades que requerem coordenação supraindividual e, ainda mais importante, que são constitutivas dos interesses e visões de mundo dos atores econômicos" (Chang e Evans, 2005, p. 2). Ademais, as instituições são persistentes e estáveis, o que não implica sua imutabilidade, uma vez que "são os homens que modificam as instituições, mas não no contexto institucional de sua própria escolha" (Chang, 2005, p. 18).

(...) nossa abordagem difere daquela da NEI [nova economia institucional] ao postular uma causação de mão-dupla entre as motivações individuais e as instituições sociais, em lugar de uma causação de mão-única dos indivíduos para as instituições, embora acreditemos que em última análise as instituições sejam pelo menos 'temporariamente' anteriores aos indivíduos. (Chang e Evans, 2005, p. 5)

Como podemos observar, a principal reação de Chang aos novos institucionalistas remete à colocação de instituições e indivíduos em campos opostos e impermeáveis, afirmando ainda que o sistema capitalista não deveria ser visto como um mero agrupamento de instituições que os indivíduos podem construir e descartar de acordo com seus objetivos de maximização. Contra essa visão, Chang afirma que uma instituição é um complexo de regras formais e informais, mantidas e/ou transformadas por agentes intencionais, em que firmas, Estado e mercado se inter-relacionam, moldando o sistema capitalista.

Por conseguinte, assim como Hodgson, Chang também identifica um "modelo de baixo para cima" no pensamento novo institucionalista. Os autores não discordam que instituições possuem um componente restritivo no que concerne às regras, mas chamam a atenção para o fato de que as instituições moldam ao mesmo tempo em que são moldadas pela ação individual. Dito de outro modo, a ação individual não pode ocorrer num vácuo institucional, da mesma maneira que as instituições não podem existir na ausência da ação individual. Existe, portanto, uma mútua dependência ontológica entre instituições e ação humana, em que uma não pode existir sem a outra.

Deste modo, Hodgson e Chang reagem a uma definição estrita de instituição como regra restritiva ao comportamento individual, trazendo o pensamento vebleniano para o debate na tentativa de construir uma visão de instituição mais conectada à ação humana. Isso fica claro na ideia de Chang de que as instituições seriam mecanismos capazes de restringir, constituir e possibilitar a ação humana, ou seja, as instituições seriam capazes de moldar a visão de mundo dos indivíduos. Essa ideia de instituição é compatível com a proposição de Hodgson de um "modelo reconstitutivo de cima para baixo", em que o hábito cumpre um importante papel de reforçar padrões de comportamento cristalizados em instituições.

4. DIMENSÕES INSTITUCIONAIS

Como foi possível observar nos itens anteriores, principalmente no item referente aos autores da VEI e da NEI, o termo instituição é tratado e definido de formas distintas. Contudo, em vez de buscar demarcar as fronteiras da VEI e da NEI, veremos que é possível identificar três dimensões institucionais, ou três formas de se entender e definir uma instituição: (i) instituições como regras do jogo; (ii) instituições como modelos mentais; e (iii) instituições como organizações.

Quando falamos em instituições como regras do jogo, podemos mencionar as ideias de North, que fornece a definição de instituição mais citada atualmente. Na concepção de North, as instituições seriam as regras do jogo na sociedade, representando para os indivíduos um conjunto de restrições à sua ação. Essas restrições podem ser formais, como as leis e as constituições, ou podem ser informais, postas pelos costumes e tradições de uma sociedade. O autor afirma ainda que pode ser feita uma analogia do conceito de instituições com as regras formais e informais de um esporte coletivo como o futebol, em que existem as regras por todos conhecidas, as regras formais, bem como aquelas que dependem das tradições e do bom senso dos participantes do jogo, as regras informais. As instituições, nessa perspectiva, dizem aos indivíduos o que eles podem ou não podem fazer, ou seja, fornece os limites para a ação humana. Essas restrições são postas pela própria sociedade ou por organizações, como o Estado. North trata o Estado como uma organização, que pode ser entendida como uma entidade capaz de criar, destruir e manter as regras do jogo, em que essa organização mesma possui suas regras constituintes.

A ideia de organizações como um conjunto de regras que definem o que os indivíduos podem ou não podem fazer é compatível com a compreensão de Commons acerca de instituições como organizações. Vimos que o autor entende as instituições como os mecanismos através dos quais o controle coletivo é exercido, servindo ainda como mecanismos de resolução de conflitos. Ou seja, quando deixados à sua própria sorte, sem regras, sem instituições, os indivíduos tenderiam a resolver seus conflitos com base na força física. Esse controle coletivo pode ser exercido de forma não organizada, o que seria análogo às regras informais em North, ou de forma organizada, representada na figura do Estado, da família, da Igreja, dos sindicatos, das corporações, dentre outras organizações. Deste modo, Commons entende instituição como um conjunto de regras advindas de alguma forma de controle coletivo, seja ele proveniente de costumes não organizados, seja ele originado da ação organizada, que se apresenta sob a forma de organizações como o Estado.

Enquanto North coloca as instituições enquanto regras do jogo (formais e informais) de um lado e organizações como um conjunto de regras do outro (Estado), essa demarcação não é tão evidente no pensamento de Commons. Contudo, podemos inferir a partir da definição de instituição fornecida por Commons que o autor entende uma instituição como um conjunto de regras que regula e fornece limites ao comportamento humano. Outro autor que não deixa explícita essa demarcação entre instituição e organização é Coase, que centra sua análise no tratamento dos custos de transação. Segundo o autor, firmas, Estado e mercado seriam mecanismos de alocação de recursos alternativos, em que os indivíduos escolheriam um dos três de acordo com os custos de transação envolvidos em cada um deles. Naturalmente, os indivíduos racionais escolheriam o mecanismo de alocação com menores custos de transação. Destarte, podemos entender esses mecanismos de alocação como regras de alocação, que, enquanto regras, podem ser entendidas como instituições. No pensamento de Coase, as instituições são vistas, assim como em Commons, como as regras que emanam de organizações como o Estado e as firmas, mas também podem ser entendidas como as próprias organizações.

Williamson, assim como Coase, identifica instituições com organizações como firmas, mercados e relações contratuais. Ao adotar o suposto de racionalidade limitada e de oportunismo como constituintes da modalidade de ação dos indivíduos, as instituições corporificadas em organizações tornam-se necessárias como complementos cognitivos para os indivíduos. Essa ideia de instituição como complemento cognitivo à racionalidade limitada dos indivíduos também aparece na argumentação de North, o que permite ao autor se colocar próximo a Veblen no que concerne à definição de instituição como modelos mentais.

A ideia de racionalidade limitada, originalmente desenvolvida por Simon, permite a North fornecer os fundamentos para a ideia de instituição como regras complementares, existentes fora da mente do indivíduo. Se existem regras fora da mente dos indivíduos, existem também as regras internalizadas pelos indivíduos, ou modelos mentais. Uma das formas que essas regras assumem na mente do indivíduo consiste, segundo North, na ideologia, ou na visão que as pessoas possuem da realidade na qual vivem. Outra forma de internalização das regras do jogo remete ao aprendizado, principal motor do desenvolvimento econômico segundo North. De acordo com o autor, o tipo de aprendizado e a velocidade com que os indivíduos o adquirem ou o modificam reflete o grau de desenvolvimento econômico de uma sociedade. Deste modo, North entende instituições como regras fora da mente dos indivíduos, que são as regras formais e informais de uma sociedade, mas também admite que essas instituições possam ser internalizadas pelos indivíduos, constituindo seus modelos mentais ou a forma como entendem a realidade a sua volta.

Veblen define instituição como hábitos mentais, ou seja, como formas de ser e de fazer as coisas, que são mantidas ou modificadas ao longo do tempo pela ação das pessoas. Mitchell também entende instituição como hábitos mentais, ou hábitos de pensamento que adquiriram ao longo do tempo uma aceitação geral como normas que orientam a conduta das pessoas. Nessa perspectiva, as instituições são ao mesmo tempo formas de agir e de entender o mundo e os padrões, ou normas, que emergem de uma compreensão e de uma ação que obtiveram aceitação generalizada. Contudo, a ideia de instituição de Veblen parece permanecer num patamar mais abstrato que as regras do jogo de North, uma vez que os hábitos mentais de Veblen não se restringem à estrutura mental de um indivíduo específico, mas de um conjunto de pessoas pensando e fazendo a mesma coisa. Talvez essa divergência no pensamento dos autores seja originária das diferentes bases psicológicas adotadas pelos autores. Enquanto Veblen parte de uma ideia de sujeitos movidos por instintos, North entende os indivíduos como dotados de uma racionalidade limitada.

Já os institucionalistas contemporâneos transitam de modo mais fluido no âmbito dessas três formas de se entender e definir as instituições, o que reflete a tentativa, ao menos no caso de Hodgson, de conciliar a VEI e a NEI. Ao mesmo tempo em que Hodgson sugere uma definição de instituição como regras, restrições e práticas que podem moldar as preferências dos indivíduos, o autor também sustenta que esse conjunto de regras é reforçado e mantido pelo hábito. O hábito seria formado a partir da repetição da ação ou do pensamento, não sendo, contudo, sinônimo de comportamento, mas sim uma propensão a um determinado comportamento dada uma situação. Em outras palavras, Hodgson entende instituições como regras mantidas por hábitos, que nada mais são do que uma propensão à determinada ação ou comportamento. Assim sendo, podemos perceber no esquema conceitual de Hodgson elementos do pensamento de Veblen e de North.

Chang sugere uma economia política institucional como alternativa ao que ele denominou paradigma neoliberal, em que o principal alvo de sua crítica é o pensamento de North. Segundo Chang, as instituições deveriam ser entendidas como mecanismos que possibilitam, constituem e restringem a ação humana, podendo ainda ser identificadas com entidades como o Estado, as firmas e os mercados. Nesse sentido, Chang define instituições como regras do jogo, mas também as entende como organizações.

CONCLUSÃO

Talvez pelo caráter total da crítica vebleniana à ortodoxia de sua época, as ideias de Veblen tenham sido ignoradas pelos novos institucionalistas, que de certa forma pertenciam à ortodoxia neoclássica, ainda que se apresentem como críticos desta. Além de se distanciar da definição vebleniana de instituição, Commons parte da escassez de recursos como origem dos conflitos sociais, não de hábitos mentais distintos, como queria Veblen. Tanto a ideia de escassez de recursos quanto o conceito de transações e de instituições fizeram de Commons o único velho institucionalista reconhecido pela NEI de Coase, North e Williamson. Contudo, verificamos que, embora os autores referidos pertençam a escolas institucionalistas específicas, isso não garante uma unidade quanto ao conceito de instituição, nem no âmbito da VEI nem no da NEI.

Enquanto Veblen e Mitchell compartilham uma ideia de instituição como hábito mental, adquirido nas atividades cotidianas das pessoas, Commons possui uma compreensão de instituição como regras balizadoras do comportamento humano, que caso seja deixado livre produzirá conflitos solucionados com base na força física. Já Coase e Williamson entendem instituição como regras internas às organizações - como as firmas, por exemplo - responsáveis pela alocação dos recursos escassos. Essa ideia de regra é distinta, e mais restrita, daquela sugerida por Commons e até por North, que vê as instituições como regras do jogo - formais e informais - de uma sociedade. North se aproxima da ideia vebleniana de hábito mental quando fala em ideologia, em seus escritos da década de 1990, aprofundando-se no tema em seus escritos da década de 2000, quando o autor fala explicitamente em hábitos mentais como as regras do jogo internalizadas pelo indivíduo.

Vimos que Hodgson busca uma conciliação entre a VEI e a NEI, principalmente entre o pensamento de Veblen e o pensamento de North. Contudo, distinções metodológicas importantes ainda distanciam uma completa conciliação entre o pensamento de North e Veblen. Já Chang coloca-se como crítica da NEI, em que seu alvo principal é o pensamento de North. Segundo Chang, North teria focado excessivamente a ideia de instituição como regra restritiva, não reconhecendo seu papel de habilitadora e constituinte da ação individual.

Assim sendo, apesar de a VEI e a NEI serem comumente posicionadas em lados opostos, quando se destaca a compreensão de instituição dos autores dessas escolas institucionalistas, o que se observa são algumas interseções entre a VEI e a NEI, bem como algumas divergências internas quanto à perspectiva de análise no âmbito de cada uma dessas escolas. Por fim, essa confusão em torno do conceito de instituição poderia ser desfeita, ou ao menos começar a se apontar uma solução, caso fossem considerados alguns aspectos metodológicos envolvidos na relação entre estruturas sociais e sujeitos. Uma análise metodológica completa da economia institucional não faz parte do objetivo desse artigo, de modo que aqui somente podemos apontar um possível caminho para o encaminhamento da questão relativa à definição de instituição, permanecendo seu tratamento efetivo objeto para um artigo futuro.

 

A dupla face do sucesso

Os estudos sociológicos da economia estabeleceram um campo de pesquisa internacional nas últimas quatro décadas. Foi o programa de pesquisa subjacente da nova sociologia econômica que inspirou o restabelecimento das perspectivas sociológicas sobre a economia moderna da década de 1970 em diante. Podemos chamar a nova sociologia econômica de programa de pesquisa porque ela é definida por certos princípios, objetivos e ferramentas que vêm da noção de sociologia como uma ciência social explicativa. A ideia-chave é explorar os fatores sociais no mundo social ou econômico real, tomando os indivíduos e a estrutura social como elementos-chave. O que fez da nova sociologia econômica um programa de pesquisa bem-sucedido foi o conceito de imersão social que pede modelos causais1 que ofereçam teses sobre como e por que as relações sociais, como padrões de rede ou instituições, são importantes nos mercados.

Nova sociologia economica

Portanto, no cerne da nova sociologia econômica estão os modelos causais que respondem como e por que determinados fatores sociais são usados ​​por indivíduos para lidar com todos os tipos de incerteza. Estudos empíricos foram realizados para dar

Este não é o lugar para entrar no debate de longo alcance sobre a causalidade. Para uma visão geral das linhas de pensamento recentes, ver Little (1991) e para a lógica de explicações causais aqui adotada, ver Weber (1949). A. Maurer (2021) prova da importância das redes e instituições na economia de mercado moderna. Desde a década de 1970, novos sociólogos econômicos têm oferecido alguns modelos importantes e percepções empíricas sobre os padrões de rede que moldam a ação econômica e melhoram o resultado econômico. Ao analisar os fatores sociais desta forma, o conhecimento científico é oferecido para organizar a economia de um ponto de vista sociológico. À luz disso, a nova sociologia econômica faz parte do programa mais amplo das ciências sociais modernas e da sociologia explicativa. A ideia essencial é fornecer conhecimento testado empiricamente, investigando as relações na realidade social na forma de modelos causais, de modo que as condições de vida poderiam ser melhoradas. A partir de considerações sobre o que torna as ciências sociais especiais, a sociologia foi fundada por Max Weber e Emile Durkheim . Ambos definidos

A abordagem moderna das ciências sociais, como foi introduzida pelos proponentes do Iluminismo europeu, como David Hume, Adam Smith ou John Locke, assume padrões estruturais na realidade social que podem ser explicados e reorganizados pelos humanos devido à sua capacidade de pensar logicamente, sentir empiricamente e agir razoavelmente. Mais tarde, Max Weber definiu a sociologia como uma ciência social que oferece explicações causais com base no pressuposto de que os humanos atribuem significado ao mundo e podem agir de forma significativa. Assim, os cientistas sociais podem construir explicações explorando o significado dos indivíduos em um contexto real. Por razões de evidência, começando com a versão simples da racionalidade meio-fim funciona como diretriz (Weber 1949). a sociologia como ciência social explicativa; Weber baseou a sua no pressuposto de uma ação individual significativa e Durkheim baseou a sua nas macro-leis (Smelser , 1994).

A nova sociologia econômica começou como uma variante das explicações sociológicas baseadas na ação, como Weber, usando a suposição de ações individuais intencionais relacionadas a contextos empíricos reais. Os sociólogos econômicos também procuraram explorar quais fatores sociais melhoram o resultado econômico. Surpreendentemente, não se deu muita atenção a esse paralelo metodológico e fundamento após o início bem-sucedido. Em vez disso, a nova sociologia econômica inventou um campo de pesquisa que, desde então, tem atraído muitos novos conceitos, vindos de uma infinidade de origens diferentes. Recentemente, alguns sociólogos econômicos começaram a se perguntar o que essa abertura e os muitos recém-chegados poderiam significar para o programa de pesquisa original e como investigar e desenvolver o programa principal (Fligstein 2015; Maurer 2021, 2020). Diante disso, o capítulo destaca o programa de pesquisa fundamental e avalia as formas e os colaboradores para seguir em frente. Assim, aqueles recém-chegados que compartilham o objetivo essencial de explicar os fatores sociais na economia moderna e, portanto, estão trabalhando em modelos causais usando pressupostos nos níveis micro e macro, certamente devem ser considerados como colaboradores. Outras abordagens que enriquecem o campo de pesquisa trazendo novas perspectivas, mas que não compartilham o pano de fundo, também podem contribuir, mas podem explorar suas próprias linhas de desenvolvimento. Se soubermos mais sobre o pano de fundo e o programa fundamental, poderemos descobrir razões para a vaguidade observada e perda de identidade e como é bem conhecido, a sociologia cobre diferentes premissas metodológicas e é, portanto, multiparadigmática, trabalhando com uma grande variedade de conceitos e dualismos, como micro versus macro, grande teoria versus conceitos de alcance médio, ideal versus materialista, explicativo versus crítico ou compreensivo e em breve. (Giddens e Turner 1987; Smelser 1988). Hoje em dia, encontramos proponentes de quase todos os diferentes programas sociológicos usando uma variedade de conceitos no campo da sociologia econômica. Portanto, reconstruir e delinear os planos de fundo, objetivos e ferramentas é uma tarefa importante para organizar o campo e decifrar como as diferentes abordagens poderiam ser desenvolvidas trabalhando em conjunto ou separadamente.

traçou um curso claro para o futuro (Smelser 1994, 36). Além disso, os recém-chegados de diferentes origens podem se inspirar explorando de onde vieram e para onde querem seguir em frente.

Na próxima seção, os princípios e objetivos da nova sociologia econômica, tal como foi estabelecida nas décadas de 1970 e 1980, são reconstruídos. Ressalta-se que os modelos causais, que combinam os níveis individual e social e, especialmente, exploram as inter-relações mútuas entre os dois níveis, são uma ferramenta essencial para o desenvolvimento deste programa de pesquisa. Isso se baseia no princípio de que os modelos causais são abstrações do mundo real que destacam como e por que as formas de inserção social reduzem a incerteza e, portanto, podem e às vezes devem ser enriquecidas para oferecer explicações mais realistas de por que os fatores sociais melhoram o resultado econômico. Na terceira seção, os princípios, desenvolvimentos recentes e as principais formas de sociologia explicativa são delineados para obter uma melhor compreensão do programa mais amplo de explicações baseadas em ações. É mostrado que os desenvolvimentos mais recentes dentro dessa estrutura, como a abordagem do mecanismo analítico, usam modelos mais realistas ao vincular os níveis de ação e estruturais e, assim, mudar ligeiramente a lógica e a forma das explicações baseadas na teoria da ação. Resumindo, os proponentes de explicações baseadas em ações podem colaborar na reflexão de regras metodológicas e formas de construir suas teorias, bem como melhorar, sistematizar e compartilhar modelos. A conclusão dada na seção quatro defende tomar a nova sociologia econômica como uma variante especial das explicações baseadas na ação e, portanto, permitir que ela colabore com outras abordagens baseadas na ação para lidar com questões metodológicas e construir um conjunto de modelos usando uma diretriz teórica.

O Programa de Pesquisa da Nova Sociologia Econômica

A sociologia econômica fez muito progresso desde a década de 1970, mas precisa reconsiderar seus princípios, objetivos e meios a fim de definir um curso para o futuro. Na seção seguinte, é mostrou o que define a nova sociologia econômica como um programa de pesquisa.

Antecedentes e objetivos

Em seu conhecido The Handbook of Economic Sociology, Neil Smelser e Richard Swedberg definiram a sociologia econômica como a aplicação de ferramentas, modelos e perspectivas sociológicas às questões econômicas. Eles não apenas definiram uma nova sociologia econômica, mas também destacaram que a nova sociologia econômica precisa aguçar um foco sociológico e sintetizar suas descobertas teóricas para avançar (Smelser e Swedberg 1994a, 20). No final da década de 1970 e início da década de 1980, Mark Granovetter introduziu a noção de imersão social para desenvolver uma visão sociológica da economia de mercado. Ele também destacou que a principal deficiência das visões clássicas, como a teoria econômica neoclássica, o novo institucionalismo econômico, o parsonianismo e o funcionalismo estrutural, era a negligência das relações sociais. Em vez disso, Granovetter tem pedido explicações que explorem como e por que as relações e instituições sociais são importantes na economia moderna devido à sua capacidade de reduzir a incerteza. Para esclarecer a importância das relações sociais na economia moderna, ele introduziu a noção de imersão social.

Este conceito cobre três elementos principais:

(1) Por razões metodológicas, modelos relacionados ao contexto que ligam os níveis social e individual são preferidos.

(2) Para melhorar o realismo, pressupõe-se que as intenções, bem como os aspectos cognitivos, são moldados e modificados pelo contexto social. Enquanto os fundadores da nova sociologia econômica, como Mark Granovetter, usaram a teoria da escolha racional como uma “hipótese de trabalho” desde o início (ver para este Burt 1982; Granovetter 1985, 506). Este princípio era dos primeiros proponentes da nova sociologia econômica, bem como aqueles do movimento micro-macro estavam ligados à Universidade de Harvard e tornaram-se mais céticos sobre parsonianismo, estrutural-funcionalismo, sociologia variável e pesquisa de opinião devido aos escritos de Robert K. Merton e Harrison White (ver para uma visão geral, Swedberg 1990). gradualmente posta de lado a fim de aumentar o realismo, levando em conta a constituição social das intenções.

(3) A nova sociologia econômica foi integrada pela perspectiva problemática da incerteza e pela busca de factores sociais que ajudam os indivíduos a lidar com a incerteza quando se trata de troca ou investimento em estruturas de mercado. Em outras palavras, a questão principal tem sido como os padrões de rede reduzem a incerteza em uma grande variedade de constelações. Consequentemente, também as convenções, instituições e processos de avaliação que estabelecem ou estabilizam as expectativas sociais foram destacados e atraíram muitos recém-chegados. Esses recém-chegados introduzem diferentes modelos de ação por diferentes razões, por exemplo, eles se concentram no julgamento humano (Hannah Arendt , Lucien Karpik), em experiências coletivas (Karl Marx, Pierre Bourdieu), ou em atos interpretativos (Berger e Luckmann).

Embora novos sociólogos econômicos tenham oferecido novos insights importantes sobre os mecanismos sociais que surgem das redes, eles não despenderam muito esforço na elaboração da lógica subjacente ou das formas de explicação. O próprio Granovetter explorou e estudou empiricamente dois modelos centrais sobre como os padrões de rede influenciam o resultado econômico: laços fracos e laços fortes. No entanto, ele não perguntou explicitamente sobre os fundamentos ou princípios metodológicos, ou exatamente quais eram as forças causais exploradas. Em seus primeiros escritos sobre mercados de trabalho, ele destacou a força dos laços fracos como uma forma de melhorar o fluxo de informações entre pessoas conectadas aleatoriamente. O efeito de informação observado de laços fracos é explicado como um efeito de números e distância; assim, a distribuição de informações torna-se mais rápida e difundida, quanto mais pessoas diferentes, mais pessoas estão conectadas. Portanto, cada pessoa significa novas ou mais informações, e cada rede com mais pessoas de diferentes origens oferece mais informações com mais rapidez. Granovetter também enfatizou laços fortes como forma de aumentar a confiança; famílias, grupos étnicos ou religiosos e regiões são então vistos como um aspecto importante na vida econômica porque podem estabilizar a confiança quando a ordem formal não funciona. O efeito da construção de confiança pode ser explicado devido ao monitoramento e sanções relacionadas a custos e benefícios ou relacionadas a valores compartilhados e identidade coletiva.

A noção de imersão social tem sido a chave para desenvolver uma visão sociológica da economia e estabelecer o campo de pesquisa. A principal preocupação da nova sociologia econômica é explorar como e por que os fatores sociais moldam e apóiam os mercados e as empresas. Uma das perspectivas mais inspiradoras tem sido as análises de rede de mercados, empreendedores, inovadores e gerentes (Burt 1980, 1992; Uzzi 1997; Podolny 2001; Mizruchi 2004). Embora a escolha racional tenha sido usada com bastante frequência como hipótese de trabalho em um estágio inicial, mais tarde os proponentes da nova sociologia econômica elaboraram modelos de ação estrutural. A ideia de explorar contextos sociais a partir da visão dos indivíduos e de suas intenções foi cada vez mais abandonada. Não obstante, novos sociólogos econômicos inspiraram modelos de mercado sociológicos (Granovetter e Swedberg 1992; Swedberg 1994) 5 e desenvolveram perspectivas sociológicas sobre a economia moderna.

Princípios e ferramentas essenciais: explicações causais

Nos escritos fundamentais de novos sociólogos econômicos (Smelser 1963; Coleman 1985; Granovetter 1990, 1992; Smelser e Swedberg 1994a, b) encontramos explorações de relações causais descritas em modelos simplificados e abstratos como os da abordagem de rede. Os sociólogos econômicos criticaram as falácias da macro teoria pura e da grande teoria. Em vez disso, a nova sociologia econômica objetivou abrir caixas pretas oferecendo explicações causais baseadas em modelos relacionados ao contexto e assumindo a cognição, às vezes, um fator importante nas explicações sociológicas (ver Boudon 1996; Hedstrõm 2005). Nesse sentido, os modelos podem ser encontrados em uma lei de ação geral (modelos baseados na teoria da ação) ou em modelos de ação relacionados ao contexto. Se colocarmos a nova sociologia econômica à luz da história das ciências sociais, podemos ver que para visões gerais de análises de rede, teorias e métodos, consulte Lin (2001). a sociologia econômica oferece uma maneira especial de lidar com os principais tópicos polêmicos (ver Weber 2019) ligados às explicações nas ciências sociais e, portanto, se estabeleceu como uma variante especial da sociologia explicativa trabalhando com modelos de ação, mas com modelos mais realistas.

Como a nova sociologia econômica pressupõe indivíduos socialmente incorporados, seus modelos podem ser ampliados ao se considerar as inter-relações mútuas, principalmente entre as intenções de um indivíduo e o contexto social. O dualismo entre abstração e realismo é respondido usando modelos relacionados ao contexto que assumem inter-relacionamentos mútuos e loops de feedback entre padrões de rede e intenções e, às vezes, também entre aspectos cognitivos - como emoções, empatia, crenças normativas, padrões de avaliação ou conhecimento - e contexto. Assim, as explicações são mais realistas, enquanto a força analítica e as diretrizes teóricas são enfraquecidas.

A reinvenção da nova sociologia econômica foi profundamente inspirada por críticas da teoria econômica e sociológica padrão por usar modelos de ação como Homo oeconomicus ou Homo sociologies, ignorando aspectos cognitivos e a constituição social de intenções, por um lado, ou processos de tomada de decisão, por outro. outro. Desde então, pesquisadores da Europa e dos Estados Unidos voltaram a trabalhar em modelos de ação, formas e lógicas de explicações baseadas em ação. A nova sociologia econômica tem sido um importante impulsionador na reinvenção de explicações baseadas em ações. Especialmente nas décadas de 1970 e 1980, a maioria dos proponentes de explicações baseadas em ações trabalharam mais ou menos explicitamente, com base no pressuposto de ações racionais intencionais. Eles perguntaram como e por que as redes ou instituições sociais moldam as ações ao influenciar os benefícios e custos (Coleman 1994; Hedstrõm et al. 1998; Burt 2005). Isso pode ser chamado de explicações baseadas na teoria da ação ou análises situacionais racionais.6 Aqueles que enfatizam modelos relacionados ao contexto (Swedberg 2005), ou as teorias estruturais da ação social (Burt 1982; White 1992) visam fornecer explicações mais realistas do que as teoricamente de ação, especialmente as abordagens baseadas na escolha racional. Posteriormente, alguns dos fundadores da nova sociologia econômica criticaram a teoria da escolha racional por ignorar ou abstrair da constituição social dos motivos de um indivíduo. No entanto, eles aceitaram o objetivo de abrir caixas pretas detectando como os indivíduos e os fatores sociais estão inter-relacionados. Parece que recentemente os sociólogos econômicos perderam de vista a ideia central de interpretar as constelações sociais de um ponto de vista intencional. Em vez disso, mais abordagens foram atraídas pelo campo, que, à primeira vista, não contribuem diretamente para o programa de pesquisa principal ou seus princípios.

Pontos fortes e fracos

A nova sociologia econômica foi estabelecida com sucesso como um programa de pesquisa que inspirou um amplo campo de pesquisa desde a década de 1970 e reinventou o desafio de construir perspectivas sociológicas sobre a economia. Dentro do programa central da nova sociologia econômica, a perspectiva desde então tem sido descobrir como e por que os fatores sociais reduzem a incerteza e, portanto, apoiam a ação econômica. A noção de imersão social foi introduzida e relacionada à incerteza nas economias de mercado capitalistas. Os fundadores da nova sociologia econômica têm trabalhado principalmente em modelos causais que exploram mecanismos e processos que emergem devido a padrões de rede. Esses modelos causais são baseados em suposições mais realistas no nível individual do que aquelas que a teoria da escolha racional considera. Eles especialmente levam em consideração as inter-relações entre as intenções de um indivíduo e os padrões de rede. Alguns novos sociólogos econômicos, como Mark Granovetter e Harrison White, descobrem como os padrões de rede moldam a orientação da ação, os motivos e até mesmo as habilidades cognitivas ou a identidade dos indivíduos. Isso motivou muitos estudos empíricos. Devido à abertura do campo, os recém-chegados puderam ingressar facilmente.

Enquanto os fundadores da nova sociologia econômica se concentraram em explicações mais realistas e, portanto, destacaram a constituição social dos atores, algumas novas linhas de pensamento se afastaram do princípio inicial de explorar os fatores sociais na economia. Assim, encontramos os chamados modelos relacionados ao contexto que exploram o funcionamento e os efeitos de padrões de rede específicos relacionados a intenções e aspectos cognitivos dos indivíduos. Nesse sentido, os modelos baseados na ação causal são a ferramenta central da nova sociologia econômica e os critérios essenciais ao discutir como desenvolver o programa de pesquisa. Se tomarmos a nova sociologia econômica como um programa de pesquisa que trabalha em modelos causais que exploram por que os fatores sociais influenciam a economia moderna, construir um pool de tais modelos causais é uma forma de avançar. No entanto, isso não é compatível com todos os recém-chegados (Maurer 2016a).

A abertura do programa de pesquisa central enfraqueceu o conceito de imersão social como uma base integradora. Os sociólogos econômicos poderiam tentar recuperar diretrizes metodológicas claras e programas de pesquisa, discutindo maneiras de aprimorar e teorizar velhos e novos modelos.

A ideia de explicação: Explicações sociológicas e baseadas na ação

Outros estudos focaram em como os padrões de rede melhoram o empreendedorismo (Portes 1995), estabilizar regiões socioeconômicas (Saxenian 1994; Crouch et al. 2004) ou superar crises econômicas (Maurer 2016a).

Se explorarmos o pano de fundo metodológico e as formas típicas de explicações baseadas em ações, nossa compreensão do que torna as novas sociologia parte da sociologia explicativa e o que a torna especial irá melhorar.

Antecedentes e ideias metodológicas de explicações baseadas em ações em sociologia

Depois de 1945, as macroteorias, especialmente o marxismo e o funcionalismo-estrutural, que objetivam explicar os fenômenos sociais usando leis gerais no nível social, foram altamente criticadas porque nenhuma macro lei pôde ser comprovada empiricamente e havia deficiências inerentes (Merton 1936; Boudon 1974) . Cientistas sociais começaram a repensar a construção e a lógica das explicações e como explorar as relações causais na realidade social. Robert K. Merton iniciou a reinvenção da sociologia explicativa trabalhando em teorias de médio alcance. Além disso, a noção de lógica situacional, tal como já havia sido delineada nos escritos de Max Weber e Karl Popper, foi reconsiderada como um elemento-chave para explicações sociológicas. A análise situacional, no uso de Weber, enfatiza modelos abstratos que exploram o significado que as situações têm para os indivíduos e quais ações devem ser esperadas. Pensava-se que tais modelos se enriqueciam tanto por informações empíricas, como Weber (1949) tinha em mente, quanto por argumentos teóricos oriundos da teoria da ação subjacente e da adoção da teorização econômica (Lindenberg 1992). Os proponentes da abordagem explicativa costumam usar o pressuposto da ação racional como um ponto de partida para sua força analítica e para vincular intenções e aspectos situacionais de maneira frutífera. Portanto, a abordagem da escolha racional tem alcançado todas as ciências sociais e se espalhado pela Alemanha, Europa e Estados Unidos, inspirando uma nova sociologia econômica até agora. Nesse sentido, a noção comumente compartilhada de explicações das ciências sociais é oferecer teses testáveis sobre por que fenômenos sociais são esperados porque das intenções dos indivíduos que estão enfrentando uma realidade social particular.

Os sociólogos reconsideraram a ideia de Max Weber de que as situações sociais podem ser descritas a partir da visão de indivíduos significativos, de modo que certos padrões de ação façam sentido e possam ser explicados. Por exemplo, de acordo com Weber, os atores seguem ordens se definem regras e governantes como legítimos em um contexto. Como todos sabemos, Weber transformou a tese geral das ordens legítimas que levam a uma obediência significativa e esperada em três modelos abstratos que orientam as análises da história, bem como do mundo moderno até hoje. Em outras palavras, os sociólogos reconsideraram o princípio fundamental, dos cientistas sociais modernos, de trabalhar em modelos causais, que são abstrações do mundo real e oferecem explicações causais tomando os indivíduos, devido à sua capacidade de agir razoável e intencionalmente, como um ponto de referência. Nesse sentido, a realidade social é interpretada do ponto de vista dos indivíduos. Explicações desse tipo significam declarar como os indivíduos agem de certas maneiras devido à inserção social ou ao contexto de uma forma significativa. Essa noção de teorização levou a uma reinvenção da lógica geral das explicações baseadas na ação desde os anos 1980.

Principais formas de explicações baseadas na ação em sociologia

Em resposta aos desafios da fase do pós-guerra, não apenas os sociólogos americanos, mas também europeus, foram orientados para explicações baseadas na ação na década de 1970. Tentativas de ação - modelos baseados na teoria desenvolvidos especialmente na estrutura metodológica do Racionalismo Crítico de Karl Popper (Lindenberg et al. 1986). A ideia de explicações em vários níveis, detectando lógicas situacionais foi bem-sucedida inventou e inspirou outras formas de construir explicações, como a abordagem mecanicista ou as teorias baseadas na escolha racional em sociologia.

As primeiras tentativas, nos Estados Unidos (Burt 1982; Coleman 1986a, b; Swedberg 2001), bem como na Europa (Collins 1975; Boudon 1979, 1987; Lindenberg 1986), construíram modelos baseados na teoria da escolha racional a fim de fornecer forte causalidade teses que poderiam ser testadas empiricamente. Os proeminentes proponentes da sociologia explicativa levaram o Individualismo Metodológico e o princípio dos modelos causais a sério, e usaram amplamente a teoria da escolha racional como um microfundamento no final do século XX (Coleman 1986a; Lindenberg 1992); visualizado com a conhecida banheira ou bota (Coleman 1990, 8, 10).

Inspirados por Max Weber e Robert K. Merton para tornar as explicações mais realistas do que os modelos baseados em escolhas racionais, os pesquisadores começaram a enriquecer os modelos de ação e a se concentrar nas inter-relações entre intenções - ou aspectos cognitivos - de indivíduos e situações (ver Fig. 4.1 na Seção . 2). Essa mudança mudou parcialmente a lógica das explicações baseadas em ações e trouxe novas formas. Pelo menos duas trajetórias dentro das abordagens baseadas na ação vêm disso. Em primeiro lugar, há a tentativa de usar entrelaçamentos descritos empiricamente entre todos os tipos de fatores individuais e sociais. Em segundo lugar, há a tentativa de usar a lógica de explicações baseadas na teoria da ação10 e de ampliar os modelos passo a passo, focando principalmente em suposições mais realistas sobre os fatores sociais. Alguns recém-chegados no campo da sociologia econômica até combinam os dois caminhos. Por exemplo, a abordagem do mecanismo enfatiza as diferentes interações entre fatores individuais e sociais investigados empiricamente (Weber 2019) ou em combinações lógicas de fatores individuais e sociais (Hedstrom 2005).

Se a teoria da escolha racional é usada como um microfundamento, a diretriz interpreta diferentes situações sociais à luz das intenções - e acima de todos os interesses relacionados ao contexto - dos indivíduos. As habilidades cognitivas importam apenas se forem importantes para definir os custos e benefícios esperados das ações.

Enquanto os fundadores da nova sociologia econômica começaram construindo suas explicações com base no pressuposto de ações intencionais, recentemente vemos mais preocupação em construir modelos mais realistas que, em consequência, descartam a ideia de explorar constelações sociais a partir de uma perspectiva individual intencional. Hoje, um dos maiores desafios da sociologia e da sociologia econômica é reconsiderar como lidar com o realismo ao construir modelos causais e como sistematizar modelos para que nosso conhecimento melhore.

Podemos perceber que, a partir da década de 1970, a reinvenção das explicações baseadas na ação foi elaborada em duas formas principais, que vêm com duas lógicas. Uma maneira de construir explicações é construir modelos por abstração de contextos empíricos concretos - modelos relacionados ao conteúdo ou teorias de médio alcance -, que foram reinventados por Robert K. Merton na década de 1940. Diferentes estudiosos, como novos sociólogos econômicos, novos institucionalistas e proponentes de explicações baseadas em mecanismos, entre outros, adotaram essa forma a partir da década de 1980. Especialmente os proponentes da abordagem do mecanismo analítico consideram as explicações baseadas na escolha racional como um caso especial. A outra maneira de construir explicações baseadas em ação é usar uma teoria de ação geral e explorar todos os tipos de contextos sociais à luz da teoria, por exemplo, constelações de interesses. James Coleman fez isso com base na teoria da escolha racional e no conceito de direitos sociais, diferenciando situações em que os indivíduos têm os mesmos interesses ou interesses complementares. Anthony Giddens usou a suposição de indivíduos, minimizando o medo e usando a noção de estruturação.

O que liga a nova sociologia econômica à sociologia explicativa é o objetivo das explicações causais. No entanto, os sociólogos econômicos buscam teorias mais realistas que cobrem a mudança social de motivos e orientação de ação. As explicações baseadas no mecanismo são, até certo ponto, uma reação às críticas internas às abordagens da escolha racional (Hedstrom e Swedberg 1996; Hedstrom 2005) e funcionam em todos os tipos de modelos de ação. A questão importante que temos pela frente é: o que poderia a nova sociologia econômica ganhar com debates sobre a construção de explicações e o trabalho com modelos de ação?

Abordagem do mecanismo analítico

A abordagem do mecanismo, 11 que surgiu recentemente, também é inspirada pelo objetivo de fornecer explicações causais e de superar a falácia das abordagens macro e as deficiências da teoria da escolha racional. Para a maioria dos novos sociólogos econômicos, as teorias de médio alcance são destacadas como uma forma de avançar. Os modelos de mecanismo investigam as inter-relações entre os níveis individual e social a fim de explorar os processos sociais e descrevê-los em modelos de mecanismo, de maneira semelhante ao que a nova sociologia econômica faz. A abordagem do mecanismo analítico é encontrada no conceito DBO e explora todos os tipos de constelações de desejos, crenças e estrutura de oportunidade, bem como os mecanismos e processos sociais que são gerados (ver Fig. 4.3). Os modelos de mecanismo aumentam o realismo por meio do foco nas inter-relações lógicas entre os três fatores e nas formas como eles são moldados e alterados uns pelos outros. Em contraste com a ação, teoricamente o termo mecanismo é frequentemente e amplamente utilizado nas ciências Mayntz (2004) e com foco especial na sociologia Maurer (2016b). Ganhou um entendimento preciso dentro da sociologia analítica que usa mecanismos como uma metáfora para explicações causais abstratas (Hedstrom 2005; Hedstrom e Ylikoski 2010); portanto, o termo abordagem de mecanismo analítico é usado quando nos referimos a essa abordagem.

A teoria da escolha racional pode ser vista como um modelo simples que explora como as ações dos outros mudam a estrutura de oportunidades por meio de uma mudança nos custos e benefícios (ver Seção 3.2), enquanto negligencia possíveis mudanças nas crenças e intenções. No entanto, as explicações baseadas em mecanismo cobrem as explicações baseadas na escolha racional como casos especiais, mas não as tomam como um ponto de partida analítico. Os proponentes da abordagem do mecanismo analítico estão frequentemente ligados ao debate micro-macro e aos modelos de ação. Além disso, a maioria dos proponentes atuais da abordagem do mecanismo analítico começou a trabalhar no pano de fundo metodológico das explicações baseadas na ação e nas abordagens baseadas na teoria da ação devido à sua força analítica como uma micro fundação. Portanto, não surpreendentemente, Robert K. Merton, Thomas Schelling, John Elster, Raymond Boudon e outros têm estudado intensamente formas de explicações baseadas em ação desde os anos 1970 (consulte para uma visão geral recente Maurer 2016b; Hedstrom e Ylikoski 2010).

Enquanto os sociólogos econômicos se concentram principalmente em como e por que o contexto social molda as ações individuais e vice-versa, os modelos de mecanismo se concentram em uma variedade de constelações de desejos, crenças e oportunidades. Explicar significa, então, explorar os mecanismos que emergem devido às constelações sociais, como formação de crenças, profecia autorrealizável ou imitação racional. Peter Hedstrom sistematizou constelações sociais assumindo que alguns inter-relacionamentos ou mecanismos são mais importantes na vida social do que outros, porque eles desencadeiam e conduzem processos sociais por meio de rodas especiais, resultando em uma cadeia de eventos. Como Oliver Williamson (1996), que teorizou os custos de transação, Peter Hedstrom explora mecanismos como constelações lógicas de desejos, crenças e oportunidades. Para investigar os mecanismos, ele enfatiza as simulações baseadas em agentes. A explicação significa apontar por que mecanismos especiais emergem devido a uma constelação particular de DBO e quais processos sociais surgem deles. Assim, diferentes mecanismos de formação de crenças (ver Fig. 4.4) podem ser explorados investigando como as ações dos outros moldam e mudam as crenças e os padrões de ação que surgem. Todos os tipos de mecanismos de formação de crenças aumentam as explicações baseadas na ação, trazendo as crenças dos indivíduos como uma força causal na vida social e descrevendo quando e como as crenças influenciam as ações.

Os proponentes de explicações baseadas em mecanismo tentam explorar todos os tipos de engrenagens e engrenagens para construir explicações baseadas em mecanismo. Assim, para novos sociólogos econômicos, pode valer a pena perguntar quais mecanismos específicos ajudam a aprimorar o programa central da NES. A abordagem do mecanismo analítico oferece uma variedade de mecanismos que podem ser ordenados por razões analíticas pelos fatores envolvidos e as inter-relações que são detectadas. Por exemplo, os mecanismos de formação de crenças podem ser tomados como um tipo especial de mecanismo, do qual outros mecanismos, como uma mudança de desejos por crenças ou uma mudança na estrutura de oportunidade por crenças, podem resultar. A roda relevante em uma primeira etapa inicial é a formação de crenças. Portanto, a sistematização de modelos de mecanismo pelas rodas embutidas ou pela exploração de direções de mudança social poderia ser a base para a colaboração, compartilhando um conjunto de modelos de mecanismo que são mais realistas do que os modelos de escolha racional.

Outros pesquisadores também usam a reconstrução retroativa de processos empírico-históricos para detectar constelações relevantes (Boudon 1998; Weber 2009).

Como a nova abordagem da sociologia econômica e do mecanismo analítico poderia funcionar em conjunto?

A nova sociologia econômica e a abordagem do mecanismo analítico representam modelos causais que explicam os fenômenos sociais, considerando os indivíduos e a estrutura social como elementos-chave para aumentar o realismo. Os novos sociólogos econômicos consideram as relações sociais e, especialmente, os padrões de rede e as instituições como fatores relevantes que moldam as ações dos indivíduos e são moldadas por eles. Novos sociólogos econômicos destacam as inter-relações mútuas entre os níveis social e individual, especialmente trabalhando na constituição social das intenções. Consequentemente, novos sociólogos econômicos abandonaram silenciosamente a ideia de interpretar a estrutura social da perspectiva de atores intencionais. Portanto, o programa está perdendo seu poder de integração e teorização. É por isso que a sistematização de modelos precisa ser reconsiderada nos dias de hoje. A parceria com a abordagem de mecanismo analítico como um colaborador, então, ajuda a lidar com essas questões e nos mostra que o programa de pesquisa inicial poderia ser aprimorado de duas maneiras diferentes através da elaboração de novas lógicas e formas de explicações baseadas em ações. Uma maneira seria começar com um modelo padrão simples que é ampliado considerando a regra da teorização econômica. A outra forma seria integrar um ou mais modelos de mecanismo por meio de evidências empíricas ou por intuição.

Usando uma opção padrão no Framework de DBO

É essencial para os sociólogos econômicos trabalharem na recente imprecisão mencionada e reconsiderar os fundamentos e princípios metodológicos do programa de pesquisa, como os das explicações baseadas na ação. Eles podem ajudar a selecionar colaboradores e discutir em que direção tomar e por quais motivos. Tem-se argumentado que a colaboração com a abordagem do mecanismo analítico faria sentido porque ambas as abordagens compartilham a noção de baseada na ação explicações e o contexto metodológico relacionado das ciências sociais modernas; especialmente trabalhando em modelos causais abstratos. Eles também se relacionam de alguma forma com o conceito subjacente de analisar situações sociais do ponto de vista dos atores. Enquanto os clássicos trabalhavam em análises situacionais racionais usando as diretrizes para adicionar informações empíricas antes dos fatores sociais que se supõe que influenciam as ações dos indivíduos por diferentes razões, a nova sociologia econômica e a abordagem do mecanismo se afastaram dessa ideia de teorização econômica. Aprimorar modelos de forma econômica, então, significa adicionar informações empíricas antes da descrição do contexto social. A abordagem do mecanismo analítico cobre essa ideia, mas a muda por meio de modelos simples que funcionam como mecanismos orientados por oportunidades, por um lado, e mecanismos individuais de formação de crença de desejo, por outro. Os modelos de formação de crenças podem ser ampliados começando com outros mecanismos ou explorando quais processos um mecanismo, como a formação de crenças (Rydgren

2009) poderia ser colocado em movimento. O que a nova sociologia econômica pode tirar da abordagem mecanicista é, portanto, pensar sobre uma opção padrão e decifrar as rodas que conduzem os caminhos da mudança e nomear pontos-gatilho, caminhos e encruzilhadas que podem ser estudados empiricamente. Por exemplo, se uma mudança repentina nas oportunidades reduz os recursos de determinados atores, isso melhora as oportunidades de outros ainda mais. Assim, certas etapas podem ser estudadas e exploradas pela reconstrução retroativa, como fez Norbert Elias (2000), para explicar o surgimento de monopólios. Se as explicações exploram rodas que conduzem de uma constelação a outra, é importante declarar os principais fatores causais e usar informações empíricas sobre por que esses fatores sociais específicos se tornam relevantes. A abordagem do mecanismo analítico elabora como e por que os processos sociais emergem devido a mecanismos provocados por constelações particulares de desejos, crenças e / ou oportunidades. Isso cobre a ideia de que, partindo de um único mecanismo, uma cadeia de eventos é posta em movimento por um ou mais rodas (Maurer 2016b).

A nova sociologia econômica poderia se beneficiar da ideia de usar e conectar modelos que revelam e explicam progressivamente os processos contínuos de estruturação de redes. Por exemplo, ilustrar uma rede particular, com seus laços fortes e padrões profissionais compartilhados, permite ver os atores pedindo bens ideais, uma reputação forte ou uma mudança em uma orientação de ação social, enquanto buscam bens coletivísticos como a manutenção do grupo. Os efeitos bem conhecidos de laços fortes, especialmente em pequenos grupos que compartilham valores comuns, como o povo Amish, seitas protestantes ou grupos mercantis, são explicados como resultado de um processo contínuo de padrões de rede que moldam as intenções dos indivíduos e vice-versa . A ampliação dos modelos deve ajudar a obter uma melhor compreensão de como e por que os padrões de rede às vezes guiam ou direcionam os atores a ideias, ou a alcançar objetivos coletivistas, em vez de maximizar a utilidade egoísta. Parece que em seus primeiros escritos, Granovetter trabalhou dessa maneira e construiu explicações mais realistas do que as teorias sociológicas e econômicas clássicas, trazendo de volta as relações sociais. Se os novos sociólogos econômicos continuarem usando o conceito de imersão social, será útil olhar para a Abordagem do Mecanismo analítico para obter uma compreensão mais profunda do que significa tornar as explicações mais realistas e manter a teorização econômica. Fortalecer uma visão sociológica da economia moderna significa, acima de tudo, teorizar modelos de rede para que a influência das relações sociais seja explorada. Surpreendentemente, até o momento, apenas um pouco de atenção foi dada a tais considerações de base metodológica que pretendem melhorar, sistematizar e selecionar modelos de outras abordagens dentro de novas sociologias.

Modelos de Mecanismo Integrado, como o Mecanismo de Formação de Crenças

É um esforço válido considerar a teorização e a expansão de modelos de rede baseados na ideia de teorização econômica, a fim de escolher e construir elementos em modelos de mecanismo. Os modelos de mecanismo podem explorar fatores adicionais e inter-relacionamentos que são usados em modelos de rede, especialmente aspectos cognitivos e intenções. Esses modelos se conectam muito bem aos modelos de rede porque elaboram e explicam maneiras pelas quais os padrões de rede podem moldar a cognição ou as crenças de um indivíduo. Explorar como e por que os padrões de rede moldam as crenças pode ser uma ferramenta essencial para tornar as explicações mais realistas. Na abordagem do mecanismo analítico, Peter Hedstrom detecta várias maneiras lógicas de como e por que as crenças são influenciadas. O uso de modelos de formação de crenças na sociologia econômica também pode ser combinado com outros modelos bem conhecidos da sociologia que exploram diferentes fatores e formas, que levam a uma mudança nas crenças. Ao usar modelos de rede, pode-se presumir e testar empiricamente que essa mudança nas crenças é o resultado da observação direta em pequenas redes, posições particulares em redes, como líderes de opinião ou corretores, adaptação baseada em grupos com valores compartilhados ou uso comum tácito conhecimento quando se trata de convenções ou pontos de gatilho, conforme descrito por Thomas Schelling (consulte para este Tilly 1998; Rydgren 2009).

Ao contrário das análises de rede, a abordagem do mecanismo analítico oferece modelos baseados no conceito DBO, assumindo todos os tipos de inter-relações lógicas, entre as cognições e oportunidades de um indivíduo, como fatores explicativos. A abordagem do mecanismo analítico fornece modelos que exploram como as crenças são alteradas ou constituídas em processos sociais, como a formação de crenças, por meio da observação de ações de outras pessoas em corridas a bancos. Esses modelos de formação de crenças também podem começar com a simples suposição de que as ações dos outros mudam a estrutura de oportunidade e, assim, colocam processos complexos em movimento cobrindo a mudança dos sistemas de crenças. Um caso simples poderia ser descrito assumindo que a mudança na estrutura de oportunidade pode causar novos padrões de ação que são observados sob uma luz errada, de modo que mecanismos de autorrealização podem ocorrer. Teorizar e expandir a abordagem de rede com a ajuda de modelos de mecanismo também pode começar selecionando um modelo de formação de crenças que assume uma rede particular

padrões podem desencadear a formação de crenças em situações incertas devido a atores poderosos ou imitação racional. Colaborar neste sentido significa que os modelos de rede tomam modelos de formação de crenças que se encaixam em padrões de rede específicos e descobrem quais suposições, relativas aos padrões de rede, aumentariam o realismo e ajudariam os cientistas sociais a aprender mais sobre a forma como as redes causam e conduzem a formação de crenças, e o contrário. O desafio restante é fornecer argumentos teóricos para explicar por que as formas de redes moldam as crenças, de que maneira, e trabalhar em ligações teóricas entre as diferentes etapas explicativas para que as cadeias de formação de crenças possam ser investigadas e exploradas.

Como Avançar por meio da Colaboração

Se tomarmos a nova sociologia econômica como uma variante da sociologia explicativa que visa fornecer explicações mais realistas, podemos sugerir a colaboração com a abordagem do mecanismo analítico. Ambas as linhas poderiam trabalhar juntas reconsiderando princípios metodológicos, discutindo as funções e formas dos modelos de ação e sistematizando modelos para que ambos os campos pudessem usar o mesmo pool. Compartilhar e introduzir modelos de mecanismo na nova sociologia econômica parece ser um marco para aprimorar o programa inicial. Podemos concluir que colaborar com outros proponentes de explicações baseadas em ações poderia ajudar a aprimorar o programa inicial, reconsiderando princípios metodológicos e compartilhando, ampliando e aprimorando modelos. Uma maneira de fazer isso é teorizar o conceito de imersão social começando com modelos simples. Outra forma seria escolher modelos de mecanismo, como formação de crenças, para construir em modelos de rede. Ambas as maneiras aumentariam a ideia central de sociólogos construindo, melhorando e classificando modelos explicativos que poderiam ser usados ​​em diferentes campos. O modelo de formação de crenças pode ser digno de consideração como uma ferramenta importante. Os modelos de formação de crenças oferecem teses sobre por que os padrões de rede, ou outros tipos de inserção social, podem mudar as crenças, o que ocasiona processos e eventos típicos. Por último mas não menos importante, a sociologia econômica pode trabalhar com a abordagem do mecanismo analítico quando se trata de estudos e métodos empíricos. Por exemplo, sociólogos econômicos e proponentes da abordagem do mecanismo podem trabalhar juntos em reconstruções retrospectivas do que aconteceu em situações concretas ou desenvolver e usar simulações baseadas em agentes e big data para explorar pontos de gatilho e caminhos (para uma visão geral recente, consulte Hedstrom e Bearman 2009).

Como Aprimorar uma Perspectiva Sociológica da Economia Moderna

Os fundadores da sociologia, Max Weber e Emile Durkheim, começaram por definir a sociologia como uma ciência social que pede explicações causais no mundo social. O realismo, neste sentido, refere-se ao objetivo de explorar o que está acontecendo na realidade social em vez de construir um mundo idealizado. O desafio de construir explicações relacionadas com o empírico foi delineado no quadro da sociologia explicativa desde o início. O principal princípio metodológico e a forma de explicação baseada na ação, Individualismo Metodológico, já foi delineado por Max Weber (2019) e desenvolvido por Karl Popper (1999) que introduziu a noção de teorização econômica como princípio central. A teorização econômica em explicações baseadas em ações significa, antes de tudo, focar nos fatores sociais e fornecer um melhor conhecimento sobre como eles funcionam na realidade. Outro princípio usado na sociologia explicativa são as análises situacionais racionais que interpretam o contexto da perspectiva de indivíduos significativos e intencionais. Isso inspirou explicações baseadas na teoria da ação nas décadas de 1970 e 1980, usando uma teoria geral da ação como um micro fundamento. A partir das décadas de 1970 e 1980, as críticas à teoria da escolha racional como uma micro-fundação geral aumentaram, e os sociólogos a favor de explicações realistas se afastaram da lógica da ação com explicações baseadas na teoria. Em vez disso, na sociologia, bem como na sociologia econômica, os estudiosos começaram a explorar a vida social a partir de uma variedade de pontos de vista, alguns até desistiram de explorar as relações causais na vida social. Esse processo é um grande desafio para a nova sociologia econômica porque enfraquece a orientação teórica e o programa de pesquisa original e exige a reconsideração de como explorar a função e os efeitos dos fatores sociais na economia.

Este capítulo sugere uma revisão do background das ciências sociais e dos princípios e objetivos metodológicos que antes ajudaram a estabelecer a nova sociologia econômica como um programa de pesquisa. Vê-lo como parte da abordagem das ciências sociais e, especialmente, de explicações baseadas em ações ajuda a descobrir deficiências e avaliar quem pode contribuir para uma reconsideração e posterior desenvolvimento do programa básico. Somente se tivermos uma compreensão clara dos princípios e objetivos subjacentes de um programa de pesquisa, como a nova sociologia econômica, podemos investigar os pontos fracos e buscar ferramentas para lidar com eles. Por muito tempo, as ferramentas mais importantes na nova sociologia econômica têm sido os modelos de rede. Os modelos de rede precisam ser teorizados por outras teorias para fornecer explicações causais de como e por que padrões de rede específicos ajudam os indivíduos a lidar com situações incertas. Uma maneira de encontrar modelos de rede teoricamente é usar a teoria da escolha racional como um microfundamento. Outra maneira seria usar modelos mais complexos de abordagem do mecanismo analítico, diferentes tipos de instituições e teorias de convenção. Todos esses modelos fornecem explicações de por que fatores sociais apóiam a troca de mercado e oferecem teses testáveis ​​sobre as inter-relações mútuas entre fatores sociais e intenções e aspectos cognitivos dos indivíduos. Os modelos de mecanismo aprimoram os modelos de rede porque acrescentam o conceito de delinear precisamente as inter-relações entre o contexto social e os desejos ou crenças de um indivíduo. Acima de tudo, a abordagem do mecanismo destaca a ideia de que as mudanças desencadeiam outras mudanças, de modo que surgem dinâmicas sociais que levam a fenômenos especiais. As explicações consistem em modelos teóricos que estão ligados de uma maneira, de modo que os inter-relacionamentos contínuos são explorados por rodas e caminhos específicos.  À luz disso, melhorar as explicações baseadas em ações tem sido a tarefa mais importante recentemente. Abordagens que fornecem regras metodológicas para trabalhar e aprimorar modelos causais ou oferecem modelos relevantes são colaboradores importantes. Todas as abordagens no quadro de explicações baseadas na ação podem ser consideradas como parceiras confiáveis, especialmente quando visam construir modelos realistas que exploram a função e os efeitos dos fatores sociais na economia de mercado moderna. Vimos que recentemente novas lógicas e formas de modelos causais foram elaboradas para serem mais realistas. Nesse sentido, a abordagem do mecanismo analítico oferece modelos relacionados à ação e conteúdo que exploram como constelações sociais complexas causam fenômenos macro.

A partir da observação de que muitos recém-chegados de diferentes abordagens entraram no campo da sociologia econômica, surgiu o desafio de repensar a identidade e os desenvolvimentos futuros do programa de pesquisa original. Com esse enfoque, outros programas de pesquisa poderiam fazer o mesmo, verificando seus objetivos e ferramentas e escolher sua forma de desenvolvimento. Se virmos a nova sociologia econômica como uma linha particular de pensamento sociológico, comprometida com as explicações causais, podemos investigar os objetivos essenciais e as ferramentas principais na estrutura mais ampla das explicações baseadas na ação. Aprimorar o programa de pesquisa inicial significa delinear como a colaboração pode ajudar a teorizar e sistematizar modelos que exploram fatores sociais na economia. Foi mostrado que particularmente aqueles recém-chegados que trabalham em modelos causais mais realistas estão se movendo em uma direção semelhante. Além disso, foi revelado que reconstruir princípios metodológicos, objetivos essenciais e ferramentas principais ajuda a investigar o núcleo de um programa de pesquisa e suas principais ferramentas e desafios. Assim, desenvolver o programa de pesquisa inicial significa trabalhar em modelos causais que explicam como os fatores sociais moldam a economia e a sociedade modernas.

Bibliografia

Maurer, A. (ed). (2021). Handbook of Economic Sociology for the 21st Century. New Theoretical Approaches, Empirical Studies and Developments. Cham: Springer.

Weber, M. (2004). Economia e Sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Vol 2. São Paulo: UnB.

Durkheim, É. (2002). Éducation et sociologie. Chicoutimi: Université du Quebéc.

Parsons, T., & Smelser, N. J. (2005). Economy and Society. New York: Taylor & Francis.

Smelser, N. J. (2005). The Handbook of Economic Sociology. Princeton: Russel Sage.

Granovetter, M. (2017). Society and Economy. Cambridge: Harvard University Press.

Arendt, H. (2007). A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitaria.

Burt, R. B. (2005). Brokerage and Closure. An Introduction to Social Capital. Oxford: University Press.

Merton, R. K. (2013). Ensaios de sociologia da ciência. São Paulo: Editora 34.

Popper, K. (1992). A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix.

Giddens, A. (1975). Capitalismo e teoria sociale. Marx, Durkheim, Weber. Il Saggiatore: Milano.

5ª Lição dia 26 de Setembro: Conclusões e sebentas

 

REPÚBLICA DE ANGOLA

UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO

Faculdade de Ciências Sociais

 

 

 

 

 

 

Curso de Mestrado em Sociologia

 

 

Ano Académico 2023-24

 

 

 

 

 

 

SEBENTAS DE SOCIOLOGIA ECONÓMICA E DO DESENVOLVIMENTO

 

 

 

 

 

 

Bortolami Gabriele Ph.D

 

                                              Luanda, Setembro de 2023

 


 

Definição

A sociologia do desenvolvimento é o ramo da sociologia que, interagindo com as dimensões económica, social e política, se ocupa da análise dos efeitos da mecanização generalizada da produção.

O estudo das condições necessárias para o acesso dos países não industrializados à revolução industrial ocupou vários autores, nomeadamente os da "teoria da modernização", como Bert Hoselitz, Nash e Eisenstadt.

Nos anos sessenta do século XX, num contexto histórico em que a maior parte das colónias dos países europeus tinha encontrado a sua independência política, a posição da sociologia do desenvolvimento era otimista e via a industrialização como benéfica e recomendável ao progresso dos países do chamado terceiro mundo. Contudo, a constatação de que as descolonizações não tinham acarretado independência económica para os novos países levou a uma relativização dessa perspetiva, com os sociólogos de inspiração marxista dos anos setenta a denunciarem o cariz interesseiro das ajudas dos países ocidentais à industrialização no terceiro mundo. Actualmente a sociologia do desenvolvimento alerta, precisamente, para a impossibilidade de transposição mecânica de modelos de desenvolvimento entre países em tudo diferentes. Autores que incluem nas suas reflexões as preocupações deste ramo de sociologia são, entre outros, Robert Nisbet (History of the Idea of Progress, 1980), Tom Bottomore (Theories of Modern Capitalism, 1985), David Booth (World Development, 1985) e, em Portugal, Alfredo Bruto da Costa e Celso Furtado.

A sociedade e a economia estão enfrentando enormes desafios nos dias de hoje. Nas últimas décadas, a globalização atingiu uma nova dimensão; a digitalização trouxe novos padrões de ação e formas organizacionais; as crises mudaram a forma como olhamos para a economia; e as desigualdades sociais aumentaram muito. Observamos variações no capitalismo, um declínio das economias planejadas centralmente e uma ascensão dos mercados acompanhada por formas alternativas de coordenação. Só recentemente reconhecemos que a China, bem como partes da Africa, combinaram mercados, estados e laços sociais de uma nova maneira de reorganizar a economia. Nas economias africanas modernas, vemos o desafio de alcançar a sustentabilidade e, ao mesmo tempo, aumentar a produção econômica. Um último desafio vem das crises econômicas e sociais. As crises econômicas de maior alcance abalaram as instituições econômicas modernas, a confiança nos mercados globais e a estrutura social em 2007-2008 e 2020. De modo geral, muita coisa aconteceu desde a virada do século.

A sociologia econômica também está enfrentando uma mudança tremenda. Depois que ele foi desenvolvido na década de 1970, centrado com sucesso em torno da ideia de que os factores sociais são importantes para a estrutura e os resultados econômicos, mais sociólogos entraram no campo de pesquisa vindos de origens diferentes e fazendo perguntas diferentes. Embora o conhecido programa da nova sociologia econômica tenha sido estabelecido como um ramo da sociologia dos Estados Unidos desde a década de 1970, as novas linhas referem-se a abordagens recentes e clássicas do pensamento e da sociologia europeus. Os fundadores da nova sociologia econômica, Ronald Burt , James Coleman , Mark Granovetter , Richard Swedberg e Harrison White , estudaram factores sociais que apóiam o intercâmbio de mercado moderno e o empreendedorismo a fim de superar as deficiências da teoria econômica e sociológica padrão. As abordagens mais recentes que entraram no campo durante as últimas duas décadas assumem novas perspectivas e enfatizam as várias inter-relações entre economia e sociedade. Algumas novas linhas adotam e ampliam o conceito de 'inserção social'. Alguns deles trazem factores culturais e analisam crenças, valores, convenções ou práticas e como eles moldam o pensamento e as ações econômicas, enquanto outros recém-chegados se concentram em aspectos sociais, processos socioeconômicos e até mesmo formas econômicas, como o capitalismo de mercado. Enquanto a corrente principal da nova sociologia econômica estuda as relações sociais nos mercados modernos, a maioria dos recém-chegados assume uma perspectiva mais social e crítica, como a socioeconomia e a economia política, entre outras.

No início do século XXI, os sociólogos econômicos estão reconsiderando suas origens, a sua actual posição e para onde esperam chegar no futuro. Não apenas as tradições sociológicas europeias foram reinventadas, mas uma jovem comunidade internacional de sociólogos econômicos emergiu, dando origem a novos tópicos de pesquisa e questionando as perspectivas iniciais.

1 Análise bibliográfica

Maurer Andre (2021)

Este manual fornece uma visão geral dos principais desenvolvimentos que ocorreram no campo da sociologia económica após o seu renascimento desde a década de 1980 nos EUA. Oferece novas perspectivas sobre a singularidade da sociologia económica europeia em comparação com a sociologia económica dos EUA, que surgiu no final do século XX. O manual apresenta a sociologia económica como um campo em desenvolvimento que começou com certas bases como a nova sociologia económica, alargando a perspectiva ao introduzir factores sociais, concentrando-se assim mais nos sistemas de crenças gerais, nas formas sociais de coordenação e nas relações entre a sociedade e a economia. Oferece um excelente retrato do campo de investigação, ajudando a identificar os principais fundamentos e trajetórias, bem como novas perspectivas de investigação para uma sociologia económica globalizada.

Portes, Alejandro

O estudo sociológico da actividade económica testemunhou um ressurgimento significativo. Textos recentes narram as origens da sociologia económica no século XIX, ao mesmo tempo que apontam para a importância do contexto e do poder na vida económica, mas o campo carecede uma compreensão clara do papel que os conceitos em diferentes níveis de abstracção desempenham na sua organização. A Sociologia Económica preenche esta lacuna crítica ao examinar o estado actual do campo, ao mesmo tempo que avança um quadro para um maior desenvolvimento teórico. Alejandro Portes examina os principais pressupostos da sociologia econômica, os principais conceitos explicativos e os locais de pesquisa selecionados. Ele argumenta que a actividade económica está inserida nas relações sociais e culturais, mas também que o poder e as consequências não intencionais da acção racional e intencional devem ser tidos em conta quando se procura explicar ou prever o comportamento económico. Baseando-se numa riqueza de exemplos, Portes identifica três locais estratégicos de investigação – a economia informal, os enclaves étnicos e as comunidades transnacionais – e evita grandes narrativas em favor de teorias de médio alcance que nos ajudam a compreender tipos específicos de acção social. O livro mostra como os meta-pressupostos da sociologia económica podem ser transformados, sob certas condições, em proposições testáveis, e apresenta uma agenda teórica destinada a tirar o campo do seu actual impasse. e comunidades transnacionais - e evita grandes narrativas em favor de teorias de médio alcance que nos ajudam a compreender tipos específicos de acção social. O livro mostra como os meta-pressupostos da sociologia económica podem ser transformados, sob certas condições, em proposições testáveis, e apresenta uma agenda teórica destinada a tirar o campo do seu actual impasse. e comunidades transnacionais - e evita grandes narrativas em favor de teorias de médio alcance que nos ajudam a compreender tipos específicos de acção social. O livro mostra como os meta-pressupostos da sociologia económica podem ser transformados, sob certas condições, em proposições testáveis, e apresenta uma agenda teórica destinada a tirar o campo do seu actual impasse

Frantz, Walter

 O sistema econômico hegemônico, no mundo atual, orienta-se por relações que são, predominantemente, competitivas e concorrenciais, sempre mais, dominado pelas grandes corporações. Trata-se de uma economia que orienta sua produção e distribuição pelo sistema de preços e pelo valor de troca, orientado pela lógica da acumulação capitalista. Essa lógica se afirmou, através do mercado, como motivação para a produção e a distribuição de bens e riquezas, entre nações e seres humanos. Escreve Karl Polanyi (2000, p. 89): «Uma economia desse tipo se origina da expectativa de que os seres humanos se comportem de maneira tal a atingir o máximo de ganhos monetários». Essa compreensão, certamente, implica uma noção economicista da natureza humana. Não se pode negar o lugar central das questões econômicas na vida das pessoas, mas a vida também não pode ser reduzida a uma dimensão econômica apenas.

Hoje, nesse contexto, o cenário é de submissão da economia à lógica do capital financeiro. Essa lógica passou a ser a ordem das coisas, o sentido do poder e da força de regulação das relações sociais. No sistema de produção concorrencial e sempre mais globalizado, embasado na inovação e flexibilidade e a reboque dessa lógica, redefine-se o trabalho e o papel do trabalhador. Muitos perdem seus lugares de trabalho; outros não o alcançam mais. O desemprego como uma das formas predominantes de exclusão social tornou-se um fenômeno estrutural. A economia, tendo o capital financeiro como seu centro nervoso, ao contrário da fase industrial clássica, não opera no sentido de incluir o maior número possível de trabalhadores, no mercado de trabalho e de consumo, mas opera pela exclusão de um número cada vez maior pela automação, pela velocidade da inovação tecnológica. Enfim, na sociedade atual, o núcleo do poder econômico está no mundo das finanças, enquanto se constitui um cenário de fragmentação e dispersão da estrutura produtiva, isto é, desfazem-se as fronteiras e os limites, cada vez mais, das economias nacionais (Sevcenko , 2001).

Afirma Jeremy Rifkin (1995) que a maciça substituição do homem pela máquina forçará cada nação a repensar o papel a ser desempenhado pelos seres humanos no processo social. Redefinir oportunidades e responsabilidades para milhões de pessoas numa sociedade sem o emprego de massa formal deverá ser a questão social mais desafiadora às políticas públicas.

De outro lado, ao mesmo tempo em que existem flagrantes sinais de crise ambiental, grande parte da população mundial passou a viver na periferia desse sistema, ainda que integrada a sua dinâmica. Essa relação de integração traz em si dois aspectos contraditórios: de um lado, a ilusão pela inclusão daqueles que vivem na periferia e, de outro, o discurso sobre o mérito pessoal. Isto é, na ótica desse discurso, a posição social e econômica das pessoas, acima de tudo, é fruto do esforço individual, desconhecendo sua integração e submissão ao contexto das relações de força de uma economia e de sociedade, cada vez mais, globalizadas e orientadas pela lógica capitalista. Nesse sentido, Milton Santos (2001, p. 15) fala de globalização perversa, «fundada na tirania da informação e do dinheiro, na competitividade, na confusão dos espíritos e na violência estrutural». A lógica da vida e do trabalho é submetida à racionalidade econômica do capital.

A economia capitalista é seletiva e excludente, orientando-se pelo princípio da acumulação, que é muito diversa de uma economia, voltada à valorização do trabalho humano. No decorrer histórico da economia de mercado, o desenvolvimento da ciência e da política foi convertido em força produtiva a favor do capital, potencializando a capacidade de acumulação e concentração das riquezas (Sevcenko, 2001). A mundialização dessa racionalidade, na visão de Antonio Faundez (2001, p. 175), «destrói os elos sociais, econômicos e culturais da maior parte das sociedades, impondo e valorizando somente as ligações econômicas entre as pessoas». Jean-Paul Maréchal (2000, p. 11), afirma que «não obstante uma riqueza em crescimento tendencial e cujo nível absoluto nunca foi tão elevado, as sociedades de economia de mercado mostram- se incapazes de impulsionar uma dinâmica de progresso proveitosa para todos». O cenário das desigualdades sociais permite questionar a ideia de progresso como produto das relações econômicas, levando a crer «de que os acontecimentos históricos desenvolvem-se no sentido mais desejável, realizando um aperfeiçoamento crescente» (Abbagnano, 2000, p. 799). Segundo Nicola Abbagnano, diante dos fatos históricos, hoje, a ideia de progresso que nos vem da visão positivista está muito abalada.

Na visão de Alain Touraine (1998, p. 10), «a afirmação de que o progresso é o caminho para a abundância, liberdade e felicidade e que estes três objetivos estão fortemente ligados entre si, nada mais é que uma ideologia constantemente desmentida pela história». Por sua vez, Ulrich Beck (2010, p. 15-16) escreve: «O acúmulo de poder do ‘progresso’ tecnológico-econômico é cada vez mais ofuscado pela produção de riscos. [...] que se precipitam sob forma de ameaças à vida de plantas, animais e seres humanos».

Hoje, em termos amplos, dados apontam que cerca de vinte por cento da humanidade usufrui oitenta por cento das riquezas produzidas, resultando em imensos desafios à humanidade, em todos os níveis e campos da organização humana. Segundo Zygmunt Bauman (2005, p. 25), «para qualquer um que tenha sido excluído e marcado como refugo, não existem trilhas óbvias para retornar ao quadro dos integrantes». Os economistas Hans-Peter Martin e Harald Schumann (1998) apresentam estudos sobre concentração de bens e renda, desemprego e exclusão social. Em seus estudos sobre globalização apontam para a ameaça de que, no futuro, para o funcionamento da economia mundial seriam necessários apenas vinte por cento da população ativa. Hoje, apesar do crescimento do volume global das riquezas, em países da Europa, segundo os autores, os dados indicam para o declínio do poder de compra e do rendimento líquido médio, para a supressão de milhões de empregos. A crise atual, especialmente, a partir de 2008, permite acreditar na confirmação dessas projeções.

Uma sociedade mais justa e acolhedora para todos não parece ser compatível com a ordem hegemônica, isto é, com as relações comerciais e financeiras estabelecidas entre as nações e seus habitantes. Dados econômicos e sociais permitem afirmar que estamos diante de uma crise dos grandes sistemas modernos de organização social. Henri Bartoli (1996, p. 19), em relação às experiências capitalistas e socialistas afirma: «Nem um nem outro se mostrou capaz de encaminhar o universo econômico e social [...] para um tal estado que a opção a favor da vida seja a pedra angular da organização econômica e social […]». Por outro lado, Ulrich Beck (2010, p. 23) chama a atenção sobre os riscos à civilização tecnológica: «a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos».

Dados indicam que o meio ambiente (Jager, 2007), não suporta mais o modelo de desenvolvimento que tem como objetivos e metas a maximização do lucro e da acumulação do capital. Klaus Wiegandt (2007, p. 9) afirma: «Nós nos desviamos do caminho de sucesso inicial com muito progresso e nos encontramos em um caminho equivocado de ameaças com riscos imprevisíveis». Para ele existe um perigo que vem da crença na possibilidade de um ilimitado crescimento econômico, inclusive, da crença nas inovações tecnológicas como respostas para todos os desafios sociais, hoje e no futuro. Observa que uma sociedade que queira, seriamente, orientar-se por um desenvolvimento sustentável, não pode prescindir de atores sociais críticos e criativos, dispostos ao debate e às ações. Portanto, estamos diante de uma complexa tarefa e que vai também exigir contribuições por parte de setores como os da educação e da política.

Os limites do meio-ambiente e dos recursos da natureza, o acirramento da competição, o aprofundamento da concentração de capitais, o excesso de produção, em contradição com a exclusão econômica e social de grande parcela da população, os desafios da sustentabilidade política e da segurança do sistema, fazem nascer críticas e questionamentos, cada vez mais fortes, com relação à lógica de uma economia centrada no lucro em desfavor da vida.

Desse cenário resultam imensos desafios, em todos os níveis e campos da organização humana. Certamente, um dos maiores desafios para o século XXI será o de recolocar as necessidades humanas no lugar da busca do lucro, isto é, de promover a economia do humano (Maréchal, 2000). Isso, certamente, implica em profundas mudanças na concepção do processo de desenvolvimento das sociedades, predominante, até hoje (Jager, 2007). Muitos são os desafios à ciência e à política, no sentido de mudanças nos processos de produção e apropriação das riquezas (Schmidt-Bleek, 2008). Diante dos resultados da crença no mercado sob a lógica da acumulação do capital ou da crença no planejamento estatal como instrumentos e mecanismos de coordenação da produção e distribuição dos bens de vida, acredito estarmos diante de novos desafios, quanto à organização social e econômica dos seres humanos. Atualmente, cresce a consciência de que o desenvolvimento tecnológico e a economia precisam de caminhos sustentáveis, que tenham a vida como eixo central.

Para o sociólogo Luiz de Aguiar Costa Pinto (1999), impõe-se uma necessidade profunda da análise científica sobre a sociedade humana que conduza à criação, ou invenção, de novas formas e padrões de coexistência e cooperação dos seres humanos entre si e das sociedades humanas com seu meio ambiente.

Novos espaços ao movimento cooperativo

Certamente, um dos maiores desafios para o século XXI será o de colocar as necessidades humanas no lugar da necessidade do lucro. Isso exige novas relações de trabalho, passando-se da cooperação orgânica à cooperação política. Impõe-se o conhecimento e a cooperação no sentido da criação de novas possibilidades de convivência social e ambiental. Coloca-se o desafio de acolher a liberdade individual e a necessidade do coletivo como dimensões de organização social.

Trata-se de um processo, portanto, que deverá ter como núcleo central a reação à dimensão individualista e consumista, passando pelo resgate da dimensão associativa e cooperativa da vida, em todas as suas formas, desde questões ambientais gerais até questões específicas da economia. A sociedade contemporânea “em rede” parece indicar essa possibilidade pelo caminho da organização cooperativa, a partir de um processo dialógico de ação-reflexão, no sentido da construção de novas relações econômicas e estruturas sociais.

Escreve Jürgen Habermas (1976) que a experiência da desigualdade social fez nascerem movimentos sociais e suas respectivas estratégias de ação. De acordo com Raymond Boudon e François Bourricaud (2000, p. 372), «um movimento social pode constituir-se em torno de “interesses” a serem defendidos ou promovidos». Por sua vez, Alain Touraine (1998, p. 254) afirma que «um movimento social é ao mesmo tempo um conflito social e um projeto cultural. (...) visa sempre a realização de valores culturais, ao mesmo tempo em que a vitória sobre um adversário social». Essas afirmações permitem concluir pela diversidade das origens, sentidos e significados dos movimentos sociais, ao longo da história da dinâmica social da vida humana. São manifestações históricas que expressam necessidades e interesses, ocorram elas no campo da economia, da política, da cultura ou da educação. Nesse sentido, escreve Mario Osorio Marques (2000):

«Os Movimentos sociais revelam o caráter histórico e reconstrutivo das sociedades humanas, a tensão permanente entre o mundo da vida e os sistemas que tentam colonizá-lo ao reduzi-lo a uma racionalidade estreita e fechada, a racionalidade estratégica do manejo das vontades ou a racionalidade instrumental do uso dos meios sem a consideração dos fins» (p. 72).

As necessidades e os interesses do mundo da vida das pessoas representam a força do movimento social pela cooperação. Quanto maior a clareza e a consciência em relação a essas necessidades e interesses tanto maior pode ser a articulação das relações de organização das pessoas, isto é, maior pode ser a força do movimento cooperativo. Pode-se dizer que o somatório das necessidades, dos interesses, da clareza e da consciência das pessoas produz uma força motora que mobiliza a sociedade. Ou melhor, a sociedade se movimenta pela capacidade de organização e dinamismo dessa força, que é desencadeada a partir das relações entre as pessoas. Um desses movimentos é o movimento pela organização cooperativa. Trata-se de um movimento, predominantemente, relacionado à economia, porém, com reflexos na política, na cultura, na educação, na comunicação ou em qualquer outro espaço social.

A cooperação em sua forma moderna pode ser considerada como um produto da organização capitalista da sociedade: constitui uma reação às dificuldades técnicas, sociais, políticas e culturais, frente à lógica da acumulação do capital. As modernas formas de organização cooperativa nasceram no espaço do mercado capitalista. A cooperação moderna propõe mudanças na organização econômica da sociedade, mediante a instauração de um sistema baseado em associações-cooperativas, de caráter econômico, postas a serviço das necessidades e interesses de quem trabalha. Assim, a história do cooperativismo se confunde com a história da economia, isto é, com a história da produção e da distribuição dos bens e das riquezas, entre os seres humanos.

A economia não é apenas uma questão técnica de produção e distribuição. Ela é também uma questão política, que envolve discussão sobre necessidades e interesses, inerentes ao processo produtivo e distributivo. Portanto, expressa cultura, visões de mundo. Assim, o que acontece no campo da economia exerce influência sobre o pensamento e o comportamento das pessoas, isto é, sobre o seu comportamento de cooperação.

Por isso, hoje, é preciso retomar o sentido político da organização cooperativa. É preciso politizar o movimento cooperativo. Historicamente, o conflito social presente em sua base esteve relacionado com a má distribuição das riquezas, as restritas oportunidades sociais, a luta por melhores condições de vida, o reconhecimento da liberdade de organização de quem vive do seu trabalho. É uma história, portanto, diretamente ligada à economia de necessidades e interesses. A economia da cooperação, nesse caso, consiste no esforço técnico e político de produzir e distribuir bens e riquezas, em função de necessidades ou interesses das pessoas, mas que têm o capital como instrumento fundamental.

Escreve Mario Osorio Marques (2000, p. 73):

«No interior mesmo da totalidade capitalista, surgem os movimentos de defesa e promoção de interesses vitais, ambíguos e conflitivos entre a oposição e a acomodação, como os movimentos sindical e cooperativo, que, mesmo à custa de pequenas vitórias e concessões várias, têm-se revelado escolas de aprendizagem no mundo prático e nas articulações políticas».

O cooperativismo moderno não nasceu só de consequências sociais negativas da Revolução Industrial. O cooperativismo moderno é resultado do espírito e da cultura da época e que se instalou também no campo político. Os seus valores, relacionados ao associativismo, à solidariedade e à cooperação, indicam para o reconhecimento de seus protagonistas como sujeitos e atores da história. O cooperativismo moderno nasceu no campo da economia, fundado no espírito dos ideais da liberdade e da igualdade social. Nasceu como um processo a instrumentalizar as promessas da modernidade, em função da defesa e da valorização do trabalho humano. Brotou do campo das lutas sociais por uma economia centrada na valorização do trabalho humano, orientado por ideias democráticas de participação, de organização, de reconhecimento do papel e da função do cidadão, em oposição às relações sociais servis anteriores e à submissão na relação capitalista. O movimento histórico do cooperativismo moderno incorporou ideias iluministas, socialistas e liberais, da época. Como tal, é também expressão do liberalismo social.

O movimento cooperativo moderno busca a afirmação da cultura da cooperação nas relações econômicas de oferta e procura, em favor do trabalho humano. Sair da individualidade para a comunidade pelo estabelecimento de interesses comuns. Este é o aspecto político do cooperativismo moderno, diante da ausência de um projeto global de sociedade para a maioria da população. O desafio da construção de um novo projeto de sociedade, a sociedade em rede cooperativa, recoloca a questão da cooperação para a economia. Em outras palavras, afirma a atualidade do movimento como um lugar de comunicação e debate a respeito de práticas técnicas e econômicas de produção e distribuição de riquezas. Como tal constitui processos sociais, que podem contribuir para a afirmação de alternativas, no espaço das relações econômicas, de laços sociais e de cultura, frente às tendências individualistas e de exclusão social. Pode-se reconhecer no cooperativismo um lugar de reconstrução de identidades, do coletivo, dos laços sociais rompidos, do reconhecimento do ser humano.

Portanto, contém o cooperativismo como fenômeno social, em sua essência, a necessidade da aproximação, da identificação, da solidariedade, da participação, da democracia, da responsabilidade social. Contém a potencialidade da construção de novos laços sociais. Esses são significados que permitem ver na organização cooperativa um instrumento potencial de intervenção na realidade social. Certamente, essa é também uma das diferentes razões pela atual valorização crescente da organização cooperativa.

Entretanto, ainda que o movimento cooperativo moderno possa ser caracterizado como reação de grupos sociais menos favorecidos, no sentido de se oporem ao sistema capitalista, as práticas cooperativas são sempre mais instrumentais, frente às forças do mercado de lógica capitalista. Em função das limitações de seus associados, suas necessidades, seus interesses e aspirações em uma economia de consumo, sempre mais atraente, as estruturas operacionais de cooperação são, facilmente, inseridos no sistema de poder dominante, com algumas vantagens. As organizações cooperativas como estruturas produtivas de grupos isolados são facilmente cooptadas pelo sistema dominante. Isto é, o cooperativismo também corre o risco de ser reduzido a instrumento do capital e não do trabalho, perdendo sua essência de luta política.

Porém, apesar desse risco, para muitas pessoas ou grupos sociais, hoje, a cooperação, torna-se, novamente, elemento fundamental à construção de seus espaços de vida, pois a organização cooperativa, para além da expressão material, desenvolve também expressões culturais, políticas e sociais que se somam aos interesses, objetivos e necessidades de seus associados. A dimensão cultural de um empreendimento cooperativo está nos valores, nas crenças, nas normas e costumes inerentes às práticas sociais cooperativas. São componentes que incidem sobre o funcionamento de uma organização. Reconhecer a importância de outras dimensões na organização cooperativa, certamente, não diminui o fundamento econômico da cooperação. A recuperação dessa dimensão cultural e de seus significados não econômicos, certamente, constitui uma potencialização do capital social, uma possibilidade social agregadora e integradora da organização cooperativa, diante do fenômeno da globalização e do risco da exclusão social.

Yuichi Shionoya, Tamotsu Nishizawa

 

Economia e sociologia do capitalismo

Tradicionalmente, entendia-se que enquanto Marshall era o sintetizador da economia neoclássica, Schumpeter desafiava a concepção dinâmica da economia em lugar da estrutura estática da economia. Embora os historiadores do pensamento económico raramente discutam o trabalho de Alfred Marshall e Joseph Schumpeter em conjunto, os colaboradores deste livro fazem exactamente isto da perspectiva do pensamento evolucionista. Este trabalho único e original afirma que, apesar das diferenças entre o pensamento Marshalliano e Schumpeteriano, ambos apresentam desafios formidáveis a um tipo amplo de ciência social para além da economia, particularmente sob a influência da escola histórica alemã. Afastando-se da visão recebida sobre a natureza das obras de Marshall e Schumpeter, os colaboradores exploram seus temas em termos de uma visão evolutiva e de um método de evolução; ciências sociais e evolução; concepções de evolução; e evolução e capitalismo. Este recurso oportuno proporcionará um estímulo não só aos estudos de Marshall e Schumpeter no âmbito da história do pensamento económico, mas também aos esforços recentes dos economistas para explorar um campo de investigação que vai além da corrente principal da economia de equilíbrio. Será, portanto, uma leitura fascinante para académicos, estudantes e investigadores da economia evolutiva e heterodoxa e historiadores do pensamento económico. Este recurso oportuno proporcionará um estímulo não só aos estudos de Marshall e Schumpeter no âmbito da história do pensamento económico, mas também aos esforços recentes dos economistas para explorar um campo de investigação que vai além da corrente principal da economia de equilíbrio. Será, portanto, uma leitura fascinante para académicos, estudantes e investigadores da economia evolutiva e heterodoxa e historiadores do pensamento económico. Este recurso oportuno proporcionará um estímulo não só aos estudos de Marshall e Schumpeter no âmbito da história do pensamento económico, mas também aos esforços recentes dos economistas para explorar um campo de investigação que vai além da corrente principal da economia de equilíbrio. Será, portanto, uma leitura fascinante para académicos, estudantes e investigadores da economia evolutiva e heterodoxa e historiadores do pensamento económico.

(2005), Economia e moralidade, Edward Elgar

Qual é o propósito da economia? Para responder a esta questão intrigante e fundamental, este livro fornece uma abordagem sistemática à ética económica e constrói uma relação entre a economia e a moralidade; expõe questões teóricas e práticas da filosofia econômica em duas dimensões: valores e instituições. Na dimensão dos valores, Yuichi Shionoya explora as conexões entre a economia e a moralidade, reconstruindo um sistema coerente de ética que coordena o “bem, o certo e a virtude”. Com base neste sistema de ética, o livro passa a discutir a dimensão das instituições e apresenta a filosofia do Estado de bem-estar social, que consiste numa instituição contemporânea tripartida de “capitalismo, democracia e segurança social”. Economia e Moralidade é uma contribuição notável para a ética económica que explora questões filosóficas fundamentais, incluindo eficiência versus justiça e liberdade versus excelência. A sua ênfase única é a economia da virtude, que se preocupa com a utilização virtuosa dos recursos económicos para o desenvolvimento humano e aplicada à reforma do Estado-providência. Economistas, filósofos e estudiosos da política social e do Estado de bem-estar social considerarão este livro de grande interesse - parte do seu apelo reside na sua abordagem interdisciplinar aos sistemas económicos, políticos e sociais contemporâneos, baseada na síntese de valores morais. e aplicado à reforma do estado de bem-estar social. Economistas, filósofos e estudiosos da política social e do Estado de bem-estar social considerarão este livro de grande interesse - parte do seu apelo reside na sua abordagem interdisciplinar aos sistemas económicos, políticos e sociais contemporâneos, baseada na síntese de valores morais. e aplicado à reforma do estado de bem-estar social. Economistas, filósofos e estudiosos da política social e do Estado de bem-estar social considerarão este livro de grande interesse - parte do seu apelo reside na sua abordagem interdisciplinar aos sistemas económicos, políticos e sociais contemporâneos, baseada na síntese de valores morais.

 

(1993), O bem e o económico - Berlin, Springer

A economia torna o incomensurável comensurável pelos preços monetários. Por outro lado, existem variedades de bondade, como a ética, que parecem não se enquadrar na escala de preços da economia, mas não podem ser negligenciadas na economia. Devem, portanto, ser encontradas formas de integrar a ética na economia. O objetivo deste livro é a integração do discurso ético no discurso econômico sobre o que é econômico e eficiente. Ele investiga a estrutura da bondade. A contribuição deste volume para o debate actual em ética económica e ética empresarial reside na sua análise dos diferentes significados do bem e na sua reflexão sobre as possibilidades de implementação de bens éticos na prática do economista e do gestor da empresa. Seus ensaios investigam o papel da ética na escolha social e individual. Eles examinam e comparam os determinantes culturais das economias ocidental e japonesa, os seus fundamentos éticos e culturais. Eles examinam os princípios da boa gestão. Como pode a gestão incorporar os bens humanos e considerar as virtudes da imparcialidade e da devida consideração ao particular na sua prática empresarial? O livro desenvolve a ideia de uma economia ética na economia e de uma gestão ética na administração de empresas. O negócio dos negócios é um negócio ético. Como pode a gestão incorporar os bens humanos e considerar as virtudes da imparcialidade e da devida consideração ao particular na sua prática empresarial? O livro desenvolve a ideia de uma economia ética na economia e de uma gestão ética na administração de empresas. O negócio dos negócios é um negócio ético. Como pode a gestão incorporar os bens humanos e considerar as virtudes da imparcialidade e da devida consideração ao particular na sua prática empresarial? O livro desenvolve a ideia de uma economia ética na economia e de uma gestão ética na administração de empresas. O negócio dos negócios é um negócio ético.

 

(2000), A teoria do capitalismo na tradição económica alemã , Berlin, Springer.

A teoria do capitalismo e da ordem económica é o tema central da tradição económica alemã no século XX. O capitalismo não tem sido apenas o tema da economia marxista e da Escola de Frankfurt, mas também da Escola Histórica e da teoria pós-marxista do capitalismo no Ordo e no Neoliberalismo, bem como no Solidarismo. A questão dos fundamentos da ordem económica da economia de mercado e do capitalismo, bem como o problema de saber se é possível um terceiro caminho entre o capitalismo e o socialismo, ocupou esta tradição desde a Escola Histórica até ao Ordo Liberalismo e à teoria da economia social de mercado. . A teoria do capitalismo e da economia social de mercado, bem como a crítica e a reforma desenvolvidas nesta tradição teórica, são importantes para a teoria dos sistemas económicos, bem como para os problemas actuais da ordem económica. A sua relevância para a economia mundial actual é visível nas discussões sobre se existem diferentes modelos de capitalismo e se estes podem ser descritos como o modelo anglo-americano e como o modelo renano de capitalismo influenciado pelo pensamento da tradição económica alemã. Michel Albert, o autor desta classificação, deu a palavra-chave no seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo. A sua relevância para a economia mundial actual é visível nas discussões sobre se existem diferentes modelos de capitalismo e se estes podem ser descritos como o modelo anglo-americano e como o modelo renano de capitalismo influenciado pelo pensamento da tradição económica alemã. Michel Albert, o autor desta classificação, deu a palavra-chave no seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo. A sua relevância para a economia mundial actual é visível nas discussões sobre se existem diferentes modelos de capitalismo e se estes podem ser descritos como o modelo anglo-americano e como o modelo renano de capitalismo influenciado pelo pensamento da tradição económica alemã. Michel Albert, o autor desta classificação, deu a palavra-chave no seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo. deu a palavra-chave em seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo. deu a palavra-chave em seu livro Capitalismo contra o Capitalismo. Os artigos deste livro podem ajudar a esclarecer este debate, fornecendo uma introdução em primeira mão a alguns dos principais pensadores económicos do capitalismo.

 

Sen, Amartya Sobre a disigualdade económica

Neste texto clássico, publicado pela primeira vez em 1973, Amartya Sen relaciona a teoria da economia do bem-estar com o estudo da desigualdade económica. Ele apresenta um tratamento sistemático da estrutura conceitual, bem como dos problemas práticos de medição da desigualdade. Na sua análise magistral, Sen avalia várias abordagens para medir a desigualdade e delineia as causas e efeitos das disparidades económicas. Contendo as quatro palestras da edição original, bem como uma nova introdução, este estudo atemporal é leitura essencial para economistas, filósofos e cientistas sociais.

Numa nova introdução, Amartya Sen, juntamente com James Foster, examina criticamente a literatura que se seguiu à publicação deste livro e também avalia as principais questões analíticas na avaliação da desigualdade económica e da pobreza.

 

From Poverty to Power

O século XXI será definido pela luta contra os flagelos da pobreza, da desigualdade e da ameaça do colapso ambiental – tal como a luta contra a escravatura ou pelo sufrágio universal definiu épocas anteriores. From Poverty to Power argumenta que para quebrar o ciclo de pobreza e desigualdade e para dar às pessoas pobres o poder sobre os seus próprios destinos é necessária uma redistribuição radical de poder, oportunidades e bens. As duas forças motrizes por detrás de tal transformação são os cidadãos activos e os Estados eficazes. Porquê cidadania activa? Porque as pessoas que vivem na pobreza devem ter voz na decisão do seu próprio destino, na luta pelos direitos e na justiça na sua própria sociedade e na responsabilização dos Estados e do sector privado. Porquê Estados eficazes? Porque a história mostra que nenhum país prosperou sem uma estrutura estatal capaz de gerir activamente o processo de desenvolvimento. Existe agora uma urgência adicional para além da questão moral de combater a pobreza e a desigualdade: precisamos de construir um mundo seguro, justo e sustentável antes que as alterações climáticas tornem isso impossível. Este livro argumenta que ainda há tempo, desde que líderes, organizações e indivíduos atuem. Começando hoje

 

O desenvolvimento é liberdade

O desenvolvimento, argumenta Amartya Sen, vencedor do Prémio Nobel da Economia em 1998, deve ser entendido como um processo de expansão das liberdades reais desfrutadas pelos seres humanos, tanto na esfera privada como na esfera social e política. Consequentemente, o desafio do desenvolvimento consiste em eliminar vários tipos de “falta de liberdade”, incluindo a fome e a pobreza, a tirania, a intolerância e a repressão, o analfabetismo, a falta de cuidados de saúde e de protecção ambiental, a liberdade de expressão, que limita ao indivíduo, homem ou mulher, o oportunidade e capacidade de agir segundo a razão e de construir a vida que preferir. Para provar a sua tese, Sen não se baseia apenas na ciência económica, mas também traça um mapa de exemplos retirados da história.

 

Smelser

 

Economia e Sociologia: rumo a uma Integração

Nos últimos anos, a economia tem sido alvo de críticas cada vez mais severas. Não conseguiu prever nem contrariar a crise económica que actualmente afecta quase todo o mundo ocidental. A vida económica está mais perturbada do que nunca: - a taxa de inflação aumentou de forma alarmante - o desemprego não tem sido tão elevado desde a década de 1930 - o crescimento económico está estagnado - há uma oposição crescente à desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza, à escala nacional tal como no mundo em geral - o processo de integração económica (CEE, GATT, UNCTAD) está a ser frustrado - os programas de desenvolvimento económico no terceiro mundo não produziram os efeitos desejados - etc. Obviamente, não seria justo atribuir a culpa da crise à ciência económica. Mas a situação atual exige uma consideração séria da questão! imitações de explicação econômica. Entre as ciências sociais, a economia é inquestionavelmente a disciplina mais avançada. A sua própria sofisticação, no entanto, leva-o a abstrair-se de fenómenos sociais como normas, instituições, poder, conflito e mudança social. Assim, a influência manifesta das variáveis sociológicas no curso dos processos económicos permanece oculta. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida. leva-o a abstrair-se de fenômenos sociais como normas, instituições, poder, conflito e mudança social. Assim, a influência manifesta das variáveis sociológicas no curso dos processos económicos permanece oculta. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida. leva-o a abstrair-se de fenômenos sociais como normas, instituições, poder, conflito e mudança social. Assim, a influência manifesta das variáveis sociológicas no curso dos processos económicos permanece oculta. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida. Dominando este livro como uma batida de tambor está a convicção de vários autores de que uma compreensão mais clara dos problemas actuais poderá ser obtida se economistas e sociólogos estiverem preparados para cooperar mais estreitamente. É necessária uma abordagem interdisciplinar; a distinção entre as ciências sociais deveria ser menos nítida.

 

Manual de Sociologia Económica

O Manual de Sociologia Econômica, Segunda Edição é o tratamento mais abrangente e atualizado de sociologia econômica disponível. A primeira edição, co-publicada em 1994 pela Princeton University Press e pela Russell Sage Foundation como uma síntese do florescente campo da sociologia económica, rapidamente se estabeleceu como a apresentação definitiva do campo e foi amplamente lida, revista e adoptada. Desde então, o campo da sociologia económica continuou a crescer a passos largos e a mover-se para um novo território teórico e empírico. A segunda edição, embora seja tão abrangente na sua cobertura como a primeira edição, representa uma renovação total. Neil Smelser e Richard Swedberg mantiveram intacta a estrutura geral principal, mas quase dois terços dos capítulos são novos ou têm novos autores. Assim como na primeira edição, eles reúnem sociólogos importantes, bem como representantes de outras ciências sociais. Mas os trinta capítulos deste volume incorporam muitas mudanças temáticas substanciais e novas linhas de investigação - por exemplo, maior enfoque nas preocupações internacionais e globais, capítulos sobre análise institucional, a transição de economias, organizações e redes socialistas, e a sociologia económica de o mundo antigo. O Manual de Sociologia Econômica, Segunda Edição é o recurso definitivo sobre o que continua a ser uma das vanguardas da sociologia e uma de suas mais importantes aventuras interdisciplinares. É uma leitura obrigatória para todos os professores, estudantes de pós-graduação e alunos de graduação que trabalham na área.

Gertraude Mikl-Horke e Peter Marsden, especialistas, demonstram como os fundamentos clássicos ainda influenciam a sociologia econômica e por que devem ser usados no futuro.  Gertraude Mikl-Horke discute os diferentes entendimentos da sociologia econômica nos escritos de Max Weber, Joseph A. Schumpeter e Karl Polanyi, enfatizando uma orientação histórico-empírica. Peter Marsden concentra-se no trabalho de James S. Coleman e investiga a noção de capital social como uma ferramenta fundamental para sociólogos econômicos.  Andrea Maurer discute como a nova sociologia econômica poderia melhorar, colaborando com a abordagem do mecanismo para explorar como e por que os fatores sociais moldam a economia. Pierre François investiga a tradição francesa de institucionalismo e como ela contribui para a sociologia econômica, analisando várias instituições.

Tradição classica na sociologia economica

Swedberg

 

Os últimos quinze anos testemunharam uma explosão na popularidade, criatividade e produtividade da sociologia econômica, uma abordagem que remonta a Max Weber. Este importante novo texto oferece uma visão abrangente e actualizada da sociologia econômica. Também avança o campo teoricamente, destacando, em uma análise, os papéis econômicos cruciais dos interesses e das relações sociais. Richard Swedberg descreve as percepções críticas do campo sobre a vida econômica, dando atenção especial aos efeitos da cultura sobre os fenômenos econômicos e as formas como as ações econômicas estão embutidas nas estruturas sociais. Ele examina toda a gama de instituições econômicas e explica a relação da economia com a política, direito, cultura e gênero. Swedberg observa que os sociólogos muitas vezes deixam de enfatizar adequadamente o papel que o comportamento egoísta desempenha nas decisões econômicas, enquanto os economistas frequentemente subestimam a importância das relações sociais. Assim, ele argumenta que a próxima grande tarefa para a sociologia econômica é desenvolver uma compreensão teórica e empírica de como os interesses e as relações sociais funcionam em combinação para afetar a ação econômica.

Quem, por exemplo, se lembra hoje do trabalho de Erving Goffman em sociologia econômica (por exemplo, Goffman 1972, 1982)? Finalmente, e talvez o mais importante, alguns dos insights mais valiosos de pesquisadores anteriores, que poderiam ser de grande ajuda para os sociólogos econômicos de hoje, foram esquecidos. Esse é o caso de muito do que Weber diz em seu capítulo sobre sociologia econômica em Economia e sociedade. Também é verdade, de maneira mais geral, para sua sociologia interpretativa (Weber, 1978).

STEINER, Philippe. São Paulo: Atlas, 2006.

O livro de Steiner é uma excelente introdução à sociologia contemporânea dos mercados, pois expõe as principais teorias e pesquisas deste campo do conhecimento sociológico, tendo em vista a sua relação com a teoria econômica. Entretanto, como uma introdução à sociologia econômica enquanto tal (como deixa entender o título), o livro deixa a desejar, na medida em que analisa apenas os estudos sobre os mercados e, deste modo, não cobre todos os temas da sociologia econômica. Mas como introdução à sociologia econômica dos mercados, a obra tem como mérito principal a exposição clara, didática e exaustiva deste assunto. Esta característica introdutória e didática fica clara ao longo das páginas nas quais encontramos destacadas e separadas do texto do livro enquanto tal, breves definições e explicações a respeito de questões, conceitos e correntes teóricas da economia e da sociologia, fazendo com que, assim, o livro seja acessível aos leitores sem conhecimento de uma ou de outra dessas duas ciências. Enfim, é um livro interessante tanto para os leitores iniciados quanto para os não iniciados nos estudos sociológicos sobre os mercados

Wright Mills

O que deve ser mantido e o que pode ser esquecido em uma tradição de pesquisa? Esta é obviamente uma questão chave para todas as ciências e não é fácil de responder. Uma resposta interessante, no entanto, pode ser encontrada na ideia de C. Wright Mills do que ele chama de 'a tradição clássica' (ver especialmente Mills 1960, 1-17). Embora seja comum entre os sociólogos referir-se e elogiar os clássicos, a abordagem de Mills é diferente. Em primeiro lugar, pelo termo clássico ele entende as qualidades gerais de uma obra que torna um estudo clássico, independentemente de serem encontradas em estudos contemporâneos ou em estudos que são antigos o suficiente para serem qualificados como clássicos no sentido convencional. Em segundo lugar, ele explica o que torna um estudo clássico; e neste ponto ele tem algumas idéias sugestivas.

Como um exemplo concreto de como Mills imaginou a tradição clássica em sociologia, pode-se levar seu leitor em sociologia, Images of Man: The Classic Tradition in Sociological Thinking (1960). Como era de se esperar, contém trechos de obras de sociólogos como Marx, Weber e Durkheim. No entanto, também contém alguns escritos de não sociólogos, como Walter Lippman, e de sociólogos mais recentes, como Karl Mannheim. Ao explicar o que torna um estudo um clássico, Mills apresenta o seguinte argumento. Em um clássico, você encontrará um modelo de como funciona algo importante para a sociedade, o que pode inspirar várias teorias diferentes. Embora o modelo em si não possa ser testado, de acordo com Mills, as teorias individuais podem. Mesmo que uma teoria individual esteja errada, o modelo original ainda permanecerá; e é essa qualidade que o torna um clássico.

A ideia de Mills do que constitui um clássico sociológico é, até certo ponto, semelhante ao que Robert K. Merton entende por Fenômeno da Fênix (Merton 1984, 1091). Segundo Merton, há um pequeno número de teses sociológicas que, depois de comprovadas como incorretas, ressurgem como uma fênix das cinzas. O exemplo mais conhecido disso é A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber (1930). Ao contrário de Mills, Merton não tenta definir as qualidades que transformam um clássico em clássico. Ele fica satisfeito em apontar que os sociólogos devem evitar o erro de acreditar que cada nova pesquisa representa uma melhoria em relação ao que já é conhecido. Merton se refere a esta última tendência como 'a falácia da palavra mais recente;' e é claramente parte da história Whig ou a tendência de olhar para o passado exclusivamente da perspectiva do que é dominante hoje (Merton 1984, 1092).

Nas páginas seguintes, tentarei ser mais preciso do que Mills e Merton ao explicar por que as obras de Marx, Weber e alguns outros se qualificam como contribuições à tradição clássica da sociologia econômica. Argumentarei que um clássico tem algo novo a dizer sobre vários tópicos diferentes. Pode transmitir uma visão forte em combinação com um programa de pesquisa; apontar para um ou vários novos fenômenos econômicos; usar um novo tipo ou uma nova fonte de dados; introduzir um novo método de coleta ou análise de dados; ou transgredir os limites da sociologia econômica e ciências vizinhas em uma

maneiras. Após uma apresentação de algumas das pessoas e obras que fazem parte da tradição clássica da sociologia econômica, concluirei delineando algumas maneiras pelas quais é possível trabalhar na tradição clássica e complementá-la.

2 A Tradição Clássica

2.1 Alexis de Tocqueville

 

A sociologia tornou-se uma disciplina acadêmica no final do século XIX, mas o tipo de análise sociológica, incluindo a sociologia econômica, é mais antiga. As primeiras partes do século XIX são especialmente interessantes graças ao trabalho de Tocqueville (1805-59) e Karl Marx (1818-83). Ambos viam suas análises como uma forma de economia política e que a economia deveria ser vista como uma parte orgânica da sociedade, com vínculos principalmente com o Estado. Em suma, ainda não existia a cisão, que mais tarde se desenvolveria, entre a maneira como os sociólogos e os economistas veem a economia. Tocqueville escreveu duas obras importantes durante sua vida, uma sobre os Estados Unidos nos anos 1800, Democracy in America (Tocqueville 2004), e uma sobre a Revolução de 1789 na França : O velho regime e a revolução (Tocqueville 1997). Ambos contêm uma série de análises interessantes da economia que, repetindo, era vista como uma parte orgânica da sociedade (por exemplo, Swedberg 2009). Assim como Tocqueville baseou-se em várias fontes diferentes para sua análise, incluindo as primeiras formas de entrevista e pesquisa, ele também viu os fenômenos econômicos como o resultado de muitas forças diferentes, como trabalho, ganância e emoções.

O trabalho de Tocqueville foi, sem dúvida, influenciado por sua visão da sociedade como se movendo de ser controlada por uma elite (aristocracia), para a elite perdendo poder para o povo em geral (democracia). É assim que ele via a economia; houve um movimento no mundo ocidental de uma pequena aristocracia controlando a maior parte das terras, para pessoas comuns possuindo cada vez mais a terra, bem como outras propriedades. Tocqueville também estava profundamente preocupado com o fato de que a ideia de igualdade, incluindo igualdade econômica, se tornaria tão forte na sociedade moderna que ameaçaria a ideia de liberdade.

Em seu estudo sobre a Revolução Francesa, Tocqueville fornece um retrato das tensas relações que existiam na França entre as classes sociais desde a Idade Média. Ele enfatizou o grande impacto que a tributação tem na estrutura social pelas formas como é organizada. Desse modo, ele foi pioneiro no que mais tarde seria chamado de sociologia fiscal. Ele também tinha muitas coisas interessantes a dizer sobre as maneiras como o confisco de propriedades, ocorrido durante a Revolução, afetou a moralidade geral da população, incluindo o senso de honestidade.

No entanto, é em sua análise da economia dos Estados Unidos que Tocqueville deu sua contribuição mais importante para a sociologia econômica. Ele ressaltou que na década de 1830, quando visitou os Estados Unidos, a cultura principal do país (com o que ele se referia aos estados do Norte) já tinha um caráter totalmente comercial. Aqui, como em outras partes da Democracia na América, Tocqueville enfatizou o espírito empreendedor da população americana, que, em outras palavras, existia muito antes de o país se industrializar. Não havia camponeses nos Estados Unidos, como havia na Europa, apenas agricultores. Esses fazendeiros não eram tão apegados à terra como os camponeses eram apegados na Europa. Os americanos aproveitaram todas as oportunidades para vender produtos. O mesmo forte espírito comercial estava em toda parte. Os americanos gostavam de ganhar dinheiro e, na ausência de um sistema de classes totalmente desenvolvido, muitas oportunidades existiam. O tipo de classes rígidas que caracterizavam o feudalismo na Europa não existia nos Estados Unidos; e um novo tipo de aula, com fronteiras mais abertas, estava surgindo.

Tocqueville também enfatizou o quanto os americanos gostam de arriscar com seu dinheiro, na esperança de obter lucro. As falhas não os detiveram. A falência não foi vista como um descrédito, como foi o caso na Europa. Tocqueville também notou que, quando os navios americanos cruzavam o Atlântico, eram muito mais rápidos do que os europeus. A razão para isso não teve nada a ver com a construção dos barcos, nem que os marinheiros dos navios americanos estivessem

mais bem pagos, na verdade não eram. O motivo era outra coisa: os americanos gostavam de correr riscos. Navegavam mesmo quando o tempo estava ruim, sempre se aventurando na frente, na esperança de ganhar mais dinheiro.

Os Estados Unidos, em resumo, já tinham uma cultura voltada para o lucro e empreendedora no século XIX. Por meio de sua ênfase no papel que a cultura e as emoções desempenham na economia, Tocqueville deu uma importante contribuição à sociologia econômica. Sua obsessão em inspecionar as coisas por si mesmo e sempre usar fontes primárias, mesmo quando as fontes secundárias estavam disponíveis, também elevou o padrão para as gerações posteriores de sociólogos econômicos.

 Karl Marx

 

Como Tocqueville, Marx tinha uma visão de como a economia e a sociedade estão ligadas uma à outra; nenhum pode ser compreendido sem o outro. Enquanto Tocqueville apontava para o movimento da elite para a pessoa comum, Marx viu a chave para a mudança histórica no trabalho (cf. Lukács 1980; Marx 1990). Em todas as sociedades, deve-se trabalhar para viver, de acordo com Marx; esta é uma condição existencial para os seres individuais. De acordo com Capital, “trabalho ... é uma condição da existência humana que é independente de todas as formas de sociedade” (Marx 1990,133). O foco no trabalho humano e a necessidade de ganhar a vida estavam relacionados à visão materialista de Marx sobre os seres humanos. Embora os sociólogos modernos tenham tendido a destacar a natureza relacional da sociedade, esse não foi o caso com Marx. As pessoas não apenas interagem umas com as outras, mas também com a natureza. Muito antes de Bruno Latour, Marx também entendia a importância dos objetos materiais para o ser humano.

Desde o início da história, argumentou Marx, as pessoas se organizaram em grupos. Existem aqueles que exploram o trabalho dos outros e aqueles que são explorados. À medida que a história avança, esses dois grupos assumem várias formas diferentes; e a tecnologia desempenha um papel importante aqui. Os senhores e escravos de ontem eventualmente se tornaram os capitalistas e trabalhadores de hoje. O antagonismo entre capitalistas e trabalhadores, que constituem as duas classes básicas da sociedade capitalista, acabará por resultar em uma revolução. Na sociedade comunista, propriedade e trabalho serão compartilhados de maneira igualitária.

O que caracteriza a sociedade capitalista, segundo Marx, é que tudo ou é uma mercadoria ou está se transformando em uma. Isso inclui o indivíduo cujo trabalho agora se torna algo que pode ser comprado e vendido, resultando em alienação e exploração. O trabalho cria mais-valia, que impulsiona a sociedade capitalista. “Acumule, acumule! Esse é Moisés e os profetas ”, lemos em Capital (Marx 1990, 742). Embora a lei básica do capitalismo seja bastante simples, seu impacto na sociedade não é. Muitos factores diferentes, explica Marx, ajudam a explicar o curso desigual e às vezes catastrófico da sociedade capitalista. Existem, por exemplo, tendências dentro de uma economia capitalista que levam os capitalistas a aumentar a exploração. Também existem factores que fazem com que os trabalhadores cresçam em número e acabem se radicalizando.

Ao contrário de Engels, Marx não tinha conhecimento pessoal da vida dentro das fábricas. No entanto, ele localizou uma fonte empírica muito rica sobre o trabalho industrial na Inglaterra, a saber, os relatórios dos inspetores de fábrica. Estes eram cheios de detalhes e números sobre o que acontecia dentro das fábricas e se tornaram uma fonte importante para a Capital. Marx descreveu os maus-tratos e exploração dos trabalhadores com um realismo que ainda é difícil de igualar. A segunda grande fonte de Marx para o Capital foi a literatura dos economistas. Ao contrário de Tocqueville, que havia lido apenas algumas obras de economia política, Marx era um especialista, ou melhor, se tornou um especialista depois de chegar a Londres em 1849, onde se estabeleceu para sempre.

O que Marx escreveu sobre a teoria econômica ainda é de grande interesse para os sociólogos econômicos. Ele deve ser creditado, por exemplo, por ter desenvolvido uma análise pioneira sobre a forma como as categorias da economia surgiram. Ele criticou os economistas por usarem conceitos econômicos sem entender que estes pressupunham a existência de condições sociais muito específicas.

Marx também é único entre os sociólogos econômicos por sua mistura orgânica de uma abordagem histórica e uma perspectiva analítica. Não é fácil combinar uma abordagem diacrônica e uma sincrônica em uma única análise, mas Marx conseguiu. Há também seu apelo à ação em seus escritos. Uma de suas citações mais famosas diz: “os filósofos, até agora, apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; o objetivo é mudá-lo ”(Marx 1978, 144). Pode-se concordar ou não com essa afirmação, mas é difícil encontrar uma maneira mais eficaz de levantar a questão de se o conhecimento da economia deve ou não ter valor prático.

Max Weber

 

Em um sentido formal, foi Max Weber quem fundou a sociologia econômica. Foi ele quem primeiro usou o termo sociologia econômica (Wirtschaftssoziologie) e também deu o primeiro relato detalhado do que estuda e como abordar o tema. A partir dessa época, os sociólogos econômicos também se tornaram acadêmicos. Marx foi um revolucionário e Tocqueville um político; ambos rejeitaram a universidade como um lugar para trabalhar. Weber lançou a base acadêmica para a sociologia econômica no cap. 2 de Economia e Sociedade. O tamanho deste capítulo é o de um pequeno livro; e contém uma apresentação e discussão extremamente valiosas dos conceitos básicos da sociologia econômica (Weber 1978, 63 e seguintes). A abordagem de Weber também difere da análise ampla e baseada na sociedade do tipo que se pode encontrar em Tocqueville e Marx. Ele preferia uma abordagem consideravelmente mais estreita e acadêmica, ou seja, uma sociologia econômica que pudesse complementar a economia.

Weber aplicou essencialmente sua sociologia interpretativa aos fenômenos econômicos, criando assim uma sociologia econômica interpretativa. O que é distinto no tipo de sociologia de Weber é a importância atribuída ao elemento de significado. Quando se estuda economia, é preciso sempre considerar o significado com que os atores investem suas ações. Isso significa indivíduos desde que Weber rejeitou a ideia de que entidades corporativas podem agir.

No segundo capítulo de Economia e sociedade, 'Categorias sociológicas de ação econômica', Weber descreve os conceitos básicos da sociologia econômica. Além dos conceitos sociológicos gerais que são apresentados e discutidos no Cap. 1, alguns novos são adicionados. O conceito de ação econômica deve, por exemplo, ser construído da seguinte maneira. Primeiro, para que o comportamento se torne uma ação, ele deve ser investido de um significado. Em segundo lugar, esse tipo de ação só é social se for orientada para outros atores ou para uma ordem (Ordnung). A ação econômica também deve ser pacífica para ser qualificada como ação econômica; e visa a satisfação de um desejo por serviços públicos. Essas utilidades referem-se não apenas ao consumo de bens, que é o objetivo padrão da ação econômica, mas também ao lucro. Ao adicionar lucro, Weber poderia incluir a obtenção de lucros em seu conceito de ação econômica.

Desse modo, Weber lançou uma base conceitual para sua análise interpretativa da economia, que também aplicou a uma série de fenômenos econômicos no cap. 2 em Economia e Sociedade. Todas as economias, diz ele aqui, são baseadas no princípio da manutenção da casa ou na obtenção de lucro. O primeiro está centrado na satisfação das necessidades básicas, o último em ganhar mais dinheiro. Uma empresa, por exemplo, é lucrativa, enquanto a família é uma casa. O feudo medieval e o estado de bem-estar são dois outros exemplos de famílias. Existem também fenômenos econômicos que mostram uma mistura das duas categorias de Weber. Uma empresa familiar, por exemplo, possui elementos tanto com fins lucrativos quanto domésticos; e o estado neoliberal é uma família que incentiva a obtenção de lucros.

Enquanto o cap. 2 in Economia e Sociedade representa a parte teórica do trabalho de Weber em sociologia econômica, os ensaios em sua obra de 3 volumes Collected Essays in the Sociology of Religion contêm muitos de seus estudos mais importantes neste campo. O mais famoso deles é A ética protestante e o espírito do capitalismo. Deve-se, no entanto, apontar que este estudo foi parte de um projeto gigante sobre a ética econômica das religiões mundiais (Weber 1930). Um

O objetivo importante deste projeto foi estender a análise em A Ética Protestante a religiões em outras partes do mundo, como o hinduísmo, o budismo e o taoísmo na Índia e na China. Semelhante a Marx e Tocqueville, Weber não limitou sua análise à Europa.

Outro objetivo importante do projeto de Weber sobre ética econômica era chamar a atenção para o papel do trabalho. Isso foi feito especialmente em A Etica Protestante . A ênfase de Weber na centralidade do trabalho no capitalismo não era muito diferente da de Marx. Marx, no entanto, via o trabalho como o motor de todas as economias e enfatizava como ele se tornara uma mercadoria no capitalismo; A ênfase de Weber em A Etica Protestante foi bem diferente. Ele se concentrou no significado do trabalho para o indivíduo, mais precisamente no trabalho em forma de vocação. Na sociedade capitalista, é preciso trabalhar o tempo todo; e o trabalho nunca termina. Weber e Marx concordaram, entretanto, que o capitalismo moderno restringe severamente o indivíduo e, nesse sentido, empobrece sua vida.

Joseph Schumpeter

 

A ideia de Weber de uma sociologia econômica não foi seguida por muitos sociólogos na Europa nem nos Estados Unidos. Mas, como sempre, há excepções; um deles é Joseph Schumpeter (1883-1950). Schumpeter rapidamente se estabeleceu como um jovem economista brilhante da escola austríaca. A essa altura, pode-se acrescentar, era regra na academia que os economistas deveriam trabalhar na economia e os sociólogos na sociedade.

Schumpeter, no entanto, não sentiu que deveria limitar suas visões à economia nesse sentido, e desde cedo mostrou interesse pela sociologia econômica e pela história econômica. Para entender a vida econômica, argumentou, é preciso ir além da economia do tipo que existia na academia. Perto do fim de sua vida, Schumpeter resumiu sua visão do estudo da economia como um estudo da economia social (Sozialokonomik). Este tipo de economia baseia-se em quatro disciplinas: teoria econômica, história econômica, sociologia econômica e estatística (Schumpeter 1954, 12 e seguintes). A principal tarefa da sociologia econômica é estudar as instituições econômicas, e a da teoria econômica, para analisar os mecanismos econômicos (ver também Schumpeter 1951). Os historiadores econômicos adicionam a dimensão histórica à análise, e os estatísticos contribuem com uma preocupação com os dados.

Durante o estágio inicial de sua carreira, Schumpeter escreveu três artigos que ele chamou de seu trabalho em sociologia. Tratava-se de tributação, classe social e imperialismo (Schumpeter 1991a, b, c). Embora valha a pena ler e estudar todos esses estudos hoje, o artigo sobre tributação, com seu programa completo para uma sociologia fiscal, é de especial importância.

Mas a contribuição mais interessante de Schumpeter para a sociologia econômica não pode ser encontrada em nenhum desses três ensaios. Para isso, o leitor deve recorrer à sua contribuição mais importante para a teoria econômica, a saber, sua teoria do empreendedorismo. No final da década de 20, Schumpeter elaborou as idéias básicas para sua famosa teoria do empreendedor, que pode ser encontrada em The Economic Theory of Development (1934). Antes da publicação do livro de Schumpeter sobre empreendedorismo, os economistas eram incapazes de explicar grande parte da dinâmica da vida econômica, uma vez que dependiam fortemente de alguma forma de análise de equilíbrio. Schumpeter quebrou essa tendência, embora nunca tenha conseguido apresentar uma teoria formal do empreendedorismo. Sua teoria verbal, no entanto, é bastante impressionante e ainda muito sugestiva. A ideia básica de Schumpeter é que o empreendedor cria uma nova combinação de elementos já existentes. Isso resulta em vários tipos diferentes de inovações, como novos produtos, novos métodos de produção e / ou novos mercados. Porém, não basta produzir um bem que represente uma inovação, o empresário também deve vencer a resistência de fazer algo novo. Essa resistência é muito forte e está presente nos trabalhadores, na população em geral e na própria cabeça do empresário.

Embora se possa argumentar, como faz Schumpeter, que a ideia de combinar recursos econômicos de diferentes tipos pertence à economia, é claro que a parte de sua análise que trata com a resistência é totalmente sociológica. O que Schumpeter criou pode ser visto como uma mistura de elementos de duas disciplinas acadêmicas ou como uma combinação muito bem-sucedida que ilustra que uma análise completa dos fenômenos econômicos deve se basear em elementos tanto da economia quanto da sociologia. A mesma tendência de cruzar fronteiras pode ser encontrada no que sempre foi a obra mais popular de Schumpeter, Capitalism, Socialism, and Democracy (1942). Este livro consiste em uma série de ensaios nos quais Schumpeter trata de tópicos como a natureza da democracia, como dar sentido a Marx e como é o socialismo moderno. O foco principal do trabalho, no entanto, é o capitalismo contemporâneo. Na visão de Schumpeter, o capitalismo moderno estava em sérios problemas em meados de 1900, uma vez que os capitalistas haviam se tornado muito fracos para se levantar e defendê-lo. Enquanto os primeiros capitalistas haviam abraçado de coração o lucro e a propriedade, os administradores e proprietários modernos não o fizeram. Como resultado, o futuro do capitalismo parecia muito sombrio para Schumpeter na época de sua morte. Isso aconteceu em 1950, muito antes do renascimento do entusiasmo pelo capitalismo que Schumpeter ansiava e que veio com o neoliberalismo.

Karl Polanyi

 

Grande parte da sensibilidade de Schumpeter foi formada pelo que aconteceu na Europa durante a Primeira Guerra Mundial e suas consequências, em oposição a Tocqueville, Marx e Weber, que eram todos parte do Velho Mundo. O mesmo pode ser dito sobre Karl Polanyi (1886-1964), que, como Schumpeter, cresceu no Império Austro-Húngaro, apenas para vê-lo se desintegrar após a Primeira Guerra Mundial. Polanyi tinha formação acadêmica, mas não em economia. Ele aprendeu economia por conta própria, mas nunca se tornou um especialista como Marx ou Schumpeter. No entanto, ele tinha um profundo interesse por assuntos econômicos; e isso tornou mais fácil para ele trabalhar como jornalista econômico. Ele trabalhou como jornalista na Áustria nos anos 1920 e início dos anos 1930; e seus artigos desses dias representam uma parte importante de seu trabalho.

Polanyi fugiu para a Inglaterra em 1933, à medida que a situação política na Áustria se tornava cada vez mais tensa. Foi aqui que ele se transformou em um estudioso sério. Isso é semelhante ao que aconteceu na Inglaterra com o jovem Marx, quando ele se tornou o Marx do Capital. O que Polanyi estudou na Inglaterra, que o transformou de jornalista em acadêmico, foi história econômica. O que o fascinou especialmente foi a história do capitalismo inicial na Inglaterra. Ele leu sobre livros sobre o surgimento histórico dos operários e do capital industrial.

O principal resultado da pesquisa de Polanyi na Inglaterra foi a obra que se tornaria sua mais famosa, The Great Transformation (1944). Seu tema central é que o nascimento do capitalismo desencadeou a ganância de um tipo que nunca existiu antes na história humana. Era um nível de ganância que, na mente de Polanyi, acabaria por dilacerar a sociedade humana e destruir completamente a natureza. O capitalismo era uma ameaça aos seres humanos como espécie; era absolutamente necessário interrompê-lo.

No entanto, também houve forças que se opuseram ao ataque do capitalismo, e essas foram principalmente os trabalhadores. Cada vez que os capitalistas faziam uma nova tentativa de arrancar mais lucro dos trabalhadores, estes respondiam com resistência na forma de greves. De acordo com Polanyi, há uma tendência geral na sociedade de responder às atividades dos capitalistas com um contra-movimento, algo que ele chamou de “duplo movimento” (1944, parte II). Os resultados do duplo movimento, porém, nem sempre foram positivos. Muitas pessoas que tiveram seus meios de subsistência destruídos pelo capitalismo não eram progressistas. O surgimento do fascismo e do nazismo foi um exemplo disso (1944, parte III). Na opinião de Polanyi, o impulso original para esses movimentos de extrema direita pode ser rastreado até a Inglaterra na década de 1840, quando o capitalismo foi desencadeado pela primeira vez.

Polanyi se definiu como jornalista econômico na Áustria e como historiador econômico na Inglaterra, mas se tornou um antropólogo econômico nos Estados Unidos na década de 1940. Baseando-se principalmente no trabalho de antropólogos, Polanyi começou a escrever sobre a vida econômica nas sociedades pré-industriais (1966,1968). Isso representou uma inovação da perspectiva da sociologia econômica, que geralmente se concentrava no período do início de 1800 em diante. Outra inovação dessa época foram os escritos de Polanyi sobre a África, um continente sobre o qual nenhum sociólogo econômico anterior havia escrito (Polanyi 1966). O estudante de sociologia econômica de hoje também vai querer ler o estudo de Polanyi sobre os primórdios do pensamento econômico na Grécia clássica, 'Aristóteles Descobre a Economia' (Polanyi 1957). Enquanto os economistas modernos vêem Adam Smith como o pai da economia, de acordo com Polanyi, foi Aristóteles. Outro resultado do trabalho de Polanyi em seu período antropológico foi sua tipologia de ação econômica. Embora Weber tenha argumentado que todas as economias eram entidades com fins lucrativos ou famílias, Polanyi introduziu um conjunto diferente de categorias básicas que descreviam como as principais ações econômicas em uma sociedade devem ser incorporadas ou ancoradas nas instituições da sociedade. Isso só pode ser feito de três maneiras: por meio de reciprocidade, redistribuição ou troca.

Polanyi carecia do conhecimento enciclopédico de Weber e da capacidade de Marx para fundir perspectivas históricas e analíticas. Ao contrário de Weber e Marx, no entanto, Polanyi deixou um conjunto de categorias para trás, que são extremamente flexíveis e fáceis para o sociólogo econômico de hoje trabalhar. Esses são o enraizamento e os três modos de ação econômica reciprocidade-redistribuição-troca. A troca está vinculada à instituição do mercado; redistribuição para a instituição do estado; e reciprocidade à instituição familiar. Houve também muitos outros tópicos, além dessas três instituições, que podem ser analisados ​​com essas categorias. Existe uma flexibilidade semelhante ao conceito de integração.

Também deve ser observado que o que todos os estudos de Polanyi têm em comum é uma atitude crítica em relação à forma como os mercados modernos operam. Em sua opinião, os mercados capitalistas foram desvinculados do resto da sociedade e se tornaram uma ameaça para a humanidade. Como consequência, esse tipo de mercado deve ser reinserido nas instituições sociais e políticas da sociedade. É imperativo não pensar que o mercado capitalista é o único tipo de mercado que pode funcionar. Essa ideia é central para o pensamento de Polanyi, que se referiu à famosa “nossa mentalidade de mercado obsoleta” no título de um de seus artigos (Polanyi 1968).

Mark Granovetter

 

Tanto Schumpeter quanto Polanyi eram vozes solitárias em um campo que mais ou menos estagnou como empreendimento acadêmico após a morte de Weber. É verdade que uma tentativa foi feita na década de 1950 e no início da década de 1960 por Talcott Parsons e seu aluno Neil Smelser para reviver a sociologia econômica, mas faltou força intelectual e não reuniu muito apoio acadêmico (por exemplo, Parsons e Smelser 1956; Smelser 1963) . Foi só em meados da década de 1980 que a sociologia econômica começou a ganhar vida novamente. Desta vez, veio em uma forma diferente que lhe valeu o nome de nova sociologia econômica. Os pontos fortes e fracos da sociologia econômica que agora surgiu têm muito a ver com sua relação com o passado. Os insights da sociologia econômica de Marx, Weber e Tocqueville eram pouco conhecidos dos sociólogos que agora ocupavam o centro do palco e inauguravam o novo tipo de sociologia econômica. Em vez disso, esses sociólogos confiaram muito no tipo de sociologia que se desenvolveu nos Estados Unidos durante o século XX.

Mark Granovetter (1943-) é o mais novo sociólogo econômico e autor de uma dissertação brilhante usando redes para explicar por que algumas pessoas conseguem um emprego e outras não (Granovetter 1974). Granovetter havia se proposto originalmente a explicar por que amigos e familiares podem ajudar mais neste empreendimento do que contatos e conhecidos passageiros. Ele, no entanto, descobriu que o oposto é verdadeiro. O resultado foi expresso no título de um de seus artigos mais citados, “The Strength of Weak Ties” (Granovetter 1973).

Lendo Getting A Job (1974), o livro baseado na dissertação de Granovetter, o leitor também fica impressionado com o conhecimento do autor sobre economia. Tem-se a mesma impressão ao ler o artigo que Granovetter publicado em 1985 e que se tornaria o manifesto da nova sociologia econômica, “Economic Action and Social Structure: The Problem of Embeddedness” (Granovetter 1985). É claro que Granovetter via seu próprio trabalho como um diálogo com a economia, como evidenciado por suas muitas referências a Arrow, Williamson e outros economistas. Em seu manifesto pela nova sociologia econômica, o termo sociologia econômica, entretanto, não é encontrado. Em vez disso, Granovetter viu seu artigo como uma contribuição à sociologia estrutural, com o que se referia ao tipo de análise de rede que seu orientador de tese, Harrison White, ajudara a desenvolver. Na verdade, o que Granovetter parece ter tomado como seu objetivo principal não era tanto continuar e adicionar à tradição da sociologia econômica, mas reformar a análise econômica em geral, com o auxílio da sociologia. Em uma entrevista desse período, ele afirmou, por exemplo, que o que esperava realizar com seu trabalho era o avanço da análise econômica em si, e fazer isso resolvendo problemas que os economistas não conseguiram compreender (Granovetter 1987).

Isso, entretanto, não era para acontecer. Os economistas não estavam interessados ​​em encontrar sociólogos pela metade, como Granovetter esperava, algo que o forçou, em vez disso, a dedicar sua energia ao desenvolvimento da sociologia econômica. Ele eventualmente também redirecionou o resto de seu trabalho em sociologia para a sociologia econômica. O leitor atento de seu trabalho em sociologia econômica encontrará uma série de idéias criativas, bem como análises empíricas sólidas. Duas de suas ideias mais produtivas nesses anos são sua teoria dos grupos de negócios e sua análise das instituições econômicas como construções sociais (Granovetter 1994; Granovetter e McGuire 1998). Em um volume recente, intitulado Sociedade e Economia, Granovetter tem resumido sua abordagem teórica (Granovetter 2017).

Uma menção especial também deve ser feita à popularização de Granovetter do termo imersão, que ele pegou emprestado de Polanyi e que pode ser encontrado em seu artigo de 1985. O conceito de integração foi reformulado principalmente com a ajuda de redes. Todas as ações econômicas, Granovetter argumentou, estão embutidas em estruturas sociais constituídas por redes. Embora seus alunos às vezes tenham defendido uma abordagem quantitativa para a ideia de imersão, o próprio Grano Vetter continuou a vê-la como um termo guarda-chuva, isto é, como um tipo de conceito sensibilizante que precisa ser complementado por outros conceitos (Granovetter in Krippner et al. 2004, 133).

 

Pierre Bourdieu

 

A nova sociologia econômica não tentou, como mencionado, se ancorar na tradição da sociologia econômica de Tocqueville, Marx e Weber. Em vez disso, criou uma série de contribuições próprias, baseando-se principalmente em várias vertentes da sociologia que foram proeminentes na década de 1980 nos Estados Unidos, como a sociologia estrutural, a sociologia industrial, a sociologia do consumo, apenas para citar alguns. Os sociólogos econômicos europeus fizeram algo semelhante na década de 1990, embora tenha sido fortemente influenciado pela sociologia dos Estados Unidos na época.

A obra de Pierre Bourdieu é uma exceção a essa tendência. Formado em filosofia e próximo da etnografia, Bourdieu iniciou seu trabalho nas ciências sociais na Argélia e rapidamente demonstrou seu grande potencial como sociólogo. Bourdieu, entretanto, estava mais interessado na sociologia geral do que em qualquer uma de suas subáreas, incluindo a sociologia econômica; e isso foi especialmente verdadeiro durante seu período inicial. É, no entanto, possível extrair uma análise distinta da economia já do trabalho de Bourdieu na Argélia e vê-la como uma contribuição para a sociologia econômica. Procedendo desta forma, encontraremos uma análise muito interessante da maneira como os camponeses e trabalhadores argelinos viam a vida econômica, incluindo o seu trabalho. Dois bons exemplos disso são Travail et travaüleurs en Algerie (Bourdieu 1963) e Argélia 1960 (Bourdieu 1979).

Depois que Bourdieu se identificou como um sociólogo, ele começou a estudar toda a sociedade e suas principais instituições, incluindo a economia. Junto com dois colegas, ele, por exemplo, iniciou um estudo pioneiro sobre um banco, no qual se concentrou na aparência das pessoas comuns

na economia oficial, incluindo tópicos como empréstimos de bancos e a taxa de juros (Bourdieu et al. 1963). Nos termos de hoje, o Banco e seus clientes (que nunca foi concluído e publicado) pode ser visto como um estudo de alfabetização econômica.

Bourdieu também foi o autor de um estudo de consumo extremamente bem-sucedido, chamado Distinction (Bourdieu 1986). Menos espetacular, mas igualmente penetrante, é seu estudo sobre imóveis de cerca de 20 anos depois, no qual Bourdieu mapeou como as pessoas pensam e como abordam o projeto de compra de uma casa (Bourdieu 2005b). A mesma imaginação poderosa que o leitor encontrou pela primeira vez nos estudos da Argélia é aqui direcionada para as formas de pensar e sonhar que as pessoas comuns têm uma casa própria. Bourdieu também analisou o papel do Estado no mercado imobiliário e mostrou como ele deixou de apoiar a moradia pública e passou a incentivar as pessoas a terem sua própria casa.

O compromisso de Bourdieu com certos valores políticos foi claramente espelhado em sua crítica ao governo francês. Ele também é autor de uma série de textos curtos, nos quais discute várias questões econômicas da época, como as políticas do FMI, do Banco Central Europeu, entre outros (Bourdieu 1998, 2003). Tomados em conjunto, esses escritos contêm uma crítica inicial e perspicaz do neoliberalismo.

Segundo Bourdieu, elementos desse neoliberalismo também podiam ser encontrados na nova sociologia econômica surgida nos Estados Unidos. Sociólogos de rede dos EUA foram, por exemplo, criticados por não entenderem o papel do poder na economia. Eles traçaram as interações dos atores com a ajuda de redes, mas não conseguiram entender a maneira como o poder estrutural opera em um campo. Durante esse período, Bourdieu também escreveu um importante ensaio sobre sociologia econômica geral, no qual atacou vigorosamente a tendência dos economistas de analisar a vida econômica como se as relações sociais não existissem. A visão dos economistas sobre os seres humanos, acusou ele, é distorcida e não pode ser usada para fins científicos. “Homo economicus ... é uma espécie de monstro antropológico” (Bourdieu 2005a, 82).

 

3 Economia e Sociologia na Europa no início do século XX

 

Em textos que tratam da história da sociologia econômica, geralmente encontramos nomes como Karl Marx, Emile Durkheim, Georg Simmel, Max Weber, Joseph Schumpeter e Karl Polanyi figurando como clássicos da área (ver também o Capítulo 1). Eles incluem uma preponderância de acadêmicos cuja origem reside no que hoje é a Alemanha e a Áustria (ver Biggart 2002; Swedberg 1991a, 1996, 2003; Trigilia 2002). Existem várias razões para isso, que não podem ser tratadas aqui, mas a turbulenta história política da primeira metade do século XX e a condição econômica de atraso relativo da região central da Europa tiveram um papel importante (Gerschenkron, 1962). Na primeira metade do século XX, as questões de organização econômica estiveram na vanguarda do público, assim como as discussões acadêmicas, e políticos e intelectuais preocuparam-se com o futuro desenvolvimento da economia e da sociedade em meio à turbulenta conjuntura política e social. As discussões entre os economistas levaram em consideração não apenas os aspectos econômicos, mas também os aspectos políticos e ideológicos de várias formas e organizações econômicas. Econômico liberal

a teoria declinou e a economia histórica transformou-se em análises diagnósticas da sociedade e da cultura, enquanto a sociologia ainda não era amplamente reconhecida como uma disciplina acadêmica naquela época.

O pensamento econômico inicial, como na economia clássica de Adam Smith, John Stuart Mill ou Jean Baptiste Say ou na economia histórica, que era dominante no século XIX nas universidades alemãs, dava atenção aos aspectos sociais, embora de formas diferentes. Foi quando os economistas se esforçaram para desenvolver uma teoria econômica pura sem os empecilhos sociais, políticos ou históricos que se mencionou um campo da sociologia econômica. O economista britânico, William Stanley Jevons, afirmou a necessidade de desenvolver tal disciplina como um novo ramo da Sociologia do Sr. Spencer, que deve servir como uma ciência auxiliar para a economia dentro de um campo agregado das ciências econômicas (Jevons 1879, xv). Essa afirmação, com a qual ele inventou o conceito de sociologia econômica como um subcampo de uma ciência independente da sociologia, marcou o início da separação entre economia e sociologia. Na França, a sociologia de Durkheim adquiriu certo reconhecimento como um campo especial das ciências sociais, e tanto Spencer quanto Durkheim prestaram atenção às questões econômicas dentro de seus sistemas sociológicos. Assim, teria parecido mais apropriado que Spencer ou Durkheim fossem mencionados como os pais fundadores da sociologia econômica. Para a França, de qualquer forma, atualmente existe uma grande tradição de sociologia econômica, ou melhor, economia sociológica (Lebaron 2001).

No contexto político, social e intelectual da Alemanha e da Áustria, o significado da sociologia ainda era vago. Era mais uma figura de linguagem ou uma perspectiva do que um campo definido de pesquisa científica. O pensamento social na Alemanha e na Áustria ocorreu no quadro da Volkswirtschaftslehre de base histórica ou no de uma compreensão marxista ou socialista da evolução da relação de produção. As perspectivas históricas e sociais também desempenharam um grande papel no pensamento econômico liberal de Carl Menger e seus sucessores, apesar de sua insistência na teoria baseada em uma metodologia individualista. Menger e seus sucessores assumiram a racionalidade subjetiva, permitindo assim uma gama indefinida de motivos, mas não reduzindo a ação a motivos econômicos específicos ou a interesses próprios.

Os economistas alemães e austríacos, aderindo à abordagem histórica ou teórica, não eliminaram os aspectos sociais da economia. Essa situação atrasou o desenvolvimento da sociologia como uma disciplina consistente e independente com um objeto de pesquisa próprio. Consequentemente, ainda por algum tempo ainda não existia uma disciplina de sociologia econômica, baseada em métodos explicitamente sociológicos e definições de objetos.

Quando a sociologia foi mencionada, ela estava conectada a significados amplamente divergentes. Assim, os economistas da escola Menger, membros do Instituí de Sociologie de René Worms, referiram-se à sociologia e a entenderam como uma ciência da sociedade com a teoria econômica individualista como o núcleo. Friedrich Wieser via a teoria econômica como uma forma de se preparar para o desenvolvimento da sociologia e deu grande atenção ao poder. Ludwig Mises identificou a teoria econômica marginal com a sociologia, que ele entendeu como uma metaciência baseada na lógica da ação (Wieser 1927; Mises 1949; Mikl-Horke 2008). Outro grupo, que utilizou o conceito de sociologia, foram os pensadores que se empenharam pelo estabelecimento de um campo da sociologia como ciência socialista alternativa. Especialmente aqueles que escreveram reforma social em seus estandartes, frequentemente viam a sociologia como uma ciência para promover a reforma social (ver Neef 2012). Em ambos os casos, a economia foi fundamental para a compreensão da sociedade como objeto da sociologia. Para os economistas austríacos, era a lógica teórica da economia, para os autores socialistas, era a verdadeira condição econômica e organização que era fundamental para o significado da sociedade. Eles entendiam a economia e a sociedade como indissociáveis ​​uma da outra, a sociedade como base da economia e a economia como constituída pelas ações sociais. Isso vale também para Max Weber, Joseph A. Schumpeter e Karl Polanyi, que figuram de forma mais proeminente na sociologia econômica de hoje. Em escala internacional, eles são considerados os pensadores que forneceram uma base conceitual para a disciplina. Georg Simmel, que chega mais perto de ser um sociólogo genuíno com sua sociologia formal, é freqüentemente mencionado como tendo feito uma contribuição para a sociologia econômica. No entanto, em seu caso, a atenção se restringe principalmente ao seu trabalho sobre a filosofia do dinheiro (Simmel 1900).

Houve muitos outros na Alemanha e na Áustria que contribuíram para uma visão social da economia. Entre eles estavam alguns que se preocuparam em promover uma visão sociológica da economia, mas que são quase desconhecidos nos círculos da sociologia internacional ou na sociologia econômica em particular (ver Kõster 2011). Para buscar as razões pelas quais Weber, Schumpeter e Polanyi se tornaram clássicos da sociologia econômica, examinaremos brevemente seus trabalhos, suas ideias sobre a economia e sua relação com a sociedade, apontando o que é de especial importância do ponto de vista de sociologia econômica. Em seguida, vou me referir às mudanças que ocorreram na compreensão da sociologia econômica no curso de seu desenvolvimento. Por fim, discutirei a relevância dos clássicos para uma sociologia econômica que atenda aos desafios de nosso tempo.

1. História dos estudos

Em textos que tratam da história da sociologia econômica, geralmente encontramos nomes como Karl Marx, Emile Durkheim, Georg Simmel, Max Weber, Joseph Schumpeter e Karl Polanyi figurando como clássicos da área. Eles incluem uma preponderância de acadêmicos cuja origem reside no que hoje é a Alemanha e a Áustria (ver Biggart 2002; Swedberg 1991a, 1996, 2003; Trigilia 2002). Existem várias razões para isso, que não podem ser tratadas aqui, mas a turbulenta história política da primeira metade do século XX e a condição econômica de atraso relativo da região central da Europa tiveram um papel importante (Gerschenkron , 1962). Na primeira metade do século XX, as questões de organização econômica estiveram na vanguarda do público, assim como as discussões acadêmicas, políticas e intelectuais preocuparam-se com o futuro desenvolvimento da economia e da sociedade em meio à turbulenta conjuntura política e social. As discussões entre os economistas levaram em consideração não apenas os aspectos econômicos, mas também os aspectos políticos e culturais de várias formas e organizações econômicas. Como um campo designado de investigação, a sociologia econômica não tem muito mais de um século, mesmo embora suas raízes intelectuais sejam identificáveis em tradições do pensamento filosófico e social. Ultimamente, experimentou um crescimento explosivo, e agora se destaca como um dos subcampos mais conspícuos e vitais da disciplina. Nesta introdução, primeiro definimos o campo e distingui-lo da economia dominante. A seguir traçamos a tradição clássica da sociologia economica e do desenvolvimento, conforme encontrada nas obras de Marx, Weber, Durkheim, Schumpeter, Polanyi e Parsons. Por fim, citamos alguns desenvolvimentos mais recentes e tópicos de interesse na sociologia económica. Ao longo desta lição, apontamos à importância dos interesses económicos em ordem às relações sociais.

A DEFINIÇÃO DE SOCIOLOGIA ECONÔMICA

Sociologia económica e do desenvolvimento – para usar um termo que Weber e Durkheim introduziu - pode ser definido simplesmente como a perspectiva sociológica aplicada à economia e aos fenômenos do desenvolvimento. Uma versão semelhante, mas mais elaborada, é a aplicação às actividades que de produção, distribuição, troca e consumo de recursos escassos e bens e serviços. Uma maneira de fazer esta definição mais específico é indicar as variáveis, modelos, e assim por diante, que o sociólogo económista emprega. Quando Smelser apresentou pela primeira vez essa definição (1963, 27–28; 1976, 37-38), ele mencionou a questão sociológica das perspectivas de interação pessoal, grupos, estruturas sociais (instituições) e controles sociais (entre os quais sanções, normas e valores são centrais). Dados os desenvolvimentos recentes, gostaríamos acrescentam que perspectivas de redes sociais, gênero, e os contextos culturais também se tornaram centrais em sociologia econômica. Além disso, a dimensão internacional da vida económica assumiu maior relevância entre os sociólogos econômistas, ao mesmo tempo que essa dimensão chegou penetrar nas economias reais do mundo contemporâneo mundo (Makler, Martinelli e Smelser 1982; Evans 1995).

ECONOMIA E SOCIOLOGIA ECONÓMICA COMPARADA

Comparamos agora a sociologia económica e a economia como forma de elucidar melhor a perspectiva sociológica da economia. Esse é um exercício útil apesar do facto que os órgãos de investigação são muito mais complexos do que qualquer breve comparação sugeriria. Qualquer declaração geral produz quase imediatamente uma exceção ou qualificação. Para explicar temos que ter em conta que

  • Na economia as tradições clássica e a neoclássica  gozaram de um certo domínio - daí o seu monopólio  - mas as suposições básicas dessas tradições foram modificadas e desenvolvidas em muitas direções. Em uma clássica declaração, Knight ([1921] 1985, 76-79) enfatizou que a economia neoclássica se baseava nas premissas que os actores possuíam informações completas e que as informações fossem apropriadas. Desde então, a economia desenvolveu tradições de análise baseadas em suposições de risco e incerteza (por exemplo, Sandmo 1971; Weber 2001).
  • Além disso, apareceram numerosas versões de políticas económicas racionais - por exemplo, a ênfase de Simon (1982) sobre “a satisafação” e “a racionalidade limitada”. Ainda outras variações de comportamento racional foram desenvolvidas em base  ao comportamento económico, que incorpora muitos aspectos psicológicos.
  • Olhando na direção da sociologia, algumas economias agora incorporam “normas” e “instituições”, embora com significados diferentes daqueles encontrados na tradição sociológica.

Economia e sociologia

O pensamento econômico inicial, como na economia clássica de Adam Smith, John Stuart Mill ou Jean Baptiste Say ou na economia histórica, que era dominante no século XIX nas universidades alemãs, dava atenção aos aspectos sociais, embora de formas diferentes. Foi quando os economistas se esforçaram para desenvolver uma teoria econômica pura sem os empecilhos sociais, políticos ou históricos que se mencionam no campo da sociologia econômica. O economista britânico, William Stanley Jevons, afirmou a necessidade de desenvolver tal disciplina como um novo ramo da Sociologia que Spencer tinha delineado, e que deve servir como uma ciência auxiliar para a economia dentro de um campo agregado das ciências econômicas (Jevons 1879, xv). Essa afirmação, com a qual ele inventou o conceito de sociologia econômica como um subcampo de uma ciência independente da sociologia, marcou o início da separação entre economia e sociologia. Na França, a sociologia de Durkheim adquiriu certo reconhecimento como um campo especial das ciências sociais, e tanto Spencer quanto Durkheim prestaram atenção às questões econômicas dentro de seus sistemas sociológicos. Assim, teria parecido mais apropriado que Spencer ou Durkheim fossem mencionados como os pais fundadores da sociologia econômica. Para a França, de qualquer forma, atualmente existe uma grande tradição de sociologia econômica, ou melhor, economia sociológica (Lebaron 2001).

Economia alemã e sustriaca

No contexto político, social e intelectual da Alemanha e da Áustria, o significado da sociologia ainda era vago. Era mais uma figura de linguagem ou uma perspectiva do que um campo definido de pesquisa científica. O pensamento social na Alemanha e na Áustria ocorreu dentro da estrutura da economia com base histórica ou de uma compreensão marxista ou socialista da evolução da relação de produção. Em 1883 Carl Menger publicou “Sobre o Método das Ciências Sociais”. Gustav von Schmoller, economista da “Escola Histórica” alemã e líder dos chamados “Socialistas da Cátedra”, reage com uma crítica à qual Menger responde com “Os erros do historicismo”. Essa disputa se chama Methodenstreit e representa um dos debates mais importantes da história das ciências sociais. Seu eco pode ser encontrado nas controvérsias sobre o historicismo e em muitas obras subsequentes, incluindo as muito famosas de Max Weber, Ludwig von Mises, Friedrich A. von Hayek e Karl R. Popper. Além das questões que dizem respeito à própria fundação das ciências sociais, o Methodenstreit examina a possibilidade de uma filosofia da história e, inevitavelmente, as suas consequências políticas, também no que diz respeito ao papel do Estado. Juntamente com 'Os erros do historicismo', são retomadas aqui partes do volume 'Sobre o método das ciências sociais' e incluídos outros textos de Menger. No ensaio introdutório, os editores situam o debate no ambiente liberal vienense da época. As perspectivas históricas e sociais também desempenharam um grande papel no pensamento econômico liberal de Carl Menger e seus sucessores, apesar de sua insistência na teoria baseada em uma metodologia individualista. Menger e seus sucessores assumiram a racionalidade subjetiva, permitindo assim uma gama indefinida de motivos, mas não reduzindo a ação a motivos econômicos específicos ou interesse próprio.

Os economistas alemães e austríacos, aderindo à abordagem histórica ou teórica, não eliminaram os aspectos sociais da economia. Essa situação atrasou o desenvolvimento da sociologia como uma disciplina consistente e independente com um objeto de pesquisa próprio. Consequentemente, ainda por algum tempo ainda não existia uma disciplina de sociologia econômica, baseada em métodos explicitamente sociológicos e definições de objetos.

Karl Marx Karl

Marx (1818-1883) estava obcecado com o papel da economia na sociedade e desenvolveu uma teoria segundo a qual a economia determinava a evolução geral da sociedade. O que impulsiona as pessoas na sua vida quotidiana, argumentou também Marx, são os interesses materiais, e estes também determinam as estruturas e processos na sociedade. Embora Marx quisesse desenvolver uma abordagem estritamente científica da sociedade, suas ideias foram igualmente infundidas por seu desejo político de mudar o mundo (por exemplo, [1843] 1978, 145). O resultado final foi o que conhecemos como “marxismo” – uma mistura de ciências sociais e declarações políticas, fundidas numa única doutrina. Por diversas razões, grande parte do marxismo é errónea ou não é relevante para a sociologia económica. É demasiado tendencioso e dogmático para ser adoptado como um todo. A tarefa que a sociologia económica enfrenta hoje é extrair aqueles aspectos do marxismo que são úteis. Ao fazê-lo, é útil seguir a sugestão de Schumpeter e distinguir entre Marx como sociólogo, Marx como economista e Marx como revolucionário (Schumpeter [1942] 1977, 1-58). Passamos agora a um esforço preliminar para extrair os ingredientes relevantes para a sociologia económica. O ponto de partida de Marx é o trabalho e a produção. As pessoas têm de trabalhar para viver, e este facto é universal (Marx [1867] 1906, 50). Os interesses materiais são correspondentemente universais. O trabalho é de natureza social e não individual, uma vez que as pessoas têm de cooperar para produzir. Marx criticou severamente os economistas pelo uso que fazem do indivíduo isolado; e ele próprio às vezes falava de “indivíduos sociais” (por exemplo, [1857–58] 1973, 84–85). Os interesses mais importantes são também de natureza colectiva – o que Marx chama de “interesses de classe”. Estes interesses, no entanto, só serão eficazes se as pessoas tomarem consciência de que pertencem a uma determinada classe (“classe por si”, em oposição à “classe em si”; Marx [1852] 1950, 109). Marx criticou severamente a ideia de Adam Smith de que os interesses individuais se fundem e promovem o interesse geral da sociedade (“a mão invisível”). Em vez disso, de acordo com Marx, as classes normalmente oprimem e lutam entre si com tal ferocidade que a história é como se fosse escrita com “letras de sangue e fogo” ([1867] 1906, 786). A sociedade burguesa não é exceção neste aspecto, uma vez que encoraja “as paixões mais violentas, mesquinhas e malignas do coração humano, as Fúrias do interesse privado” ([1867] 1906, 15). Em várias obras, Marx traçou a história da luta de classes, desde os primeiros tempos até o futuro. Numa famosa formulação da década de 1850, Marx afirma que, a certa altura, as “relações de produção” entram em conflito com “as forças de produção”, tendo como resultado a revolução e a passagem para um novo “modo de produção” ([1859 ] 1970, 21). No Capital, Marx escreve que expôs “a lei económica do movimento da sociedade moderna” e que esta lei funciona “com uma necessidade férrea em direcção a resultados inevitáveis” da mudança revolucionária ([1867] 1906, 13-14). Uma característica positiva da abordagem de Marx é a sua percepção sobre até que ponto as pessoas estiveram dispostas a lutar pelos seus interesses materiais ao longo da história. Contribuiu também para a compreensão de como grandes grupos de pessoas, com interesses económicos semelhantes, em determinadas circunstâncias podem unir-se e concretizar os seus interesses. Do lado negativo, Marx subestimou grosseiramente o papel na vida económica de outros interesses que não os económicos. A sua noção de que os interesses económicos em última mão determinam sempre o resto da sociedade também é impossível de defender; «estruturas, tipos e atitudes sociais são moedas que não derretem facilmente», para citar uma famosa citação de Schumpeter ([1942] 1994, 12).

Quando a sociologia foi mencionada, ela estava conectada a significados amplamente divergentes. Assim, os economistas da escola Menger, que eram membros do Institut de Sociologie de René Worms, referiram-se à sociologia e a entenderam como uma ciência da sociedade com a teoria econômica individualista como o núcleo. Friedrich Wieser via a teoria econômica como uma forma de se preparar para o desenvolvimento da sociologia e deu grande atenção ao poder. Ludwig Mises identificou a teoria econômica marginal com a sociologia, que ele entendeu como uma metaciência baseada na lógica da ação (Wieser 1927; Mises 1949; Mikl-Horke 2008). Outro grupo, que utilizou o conceito de sociologia, foram os pensadores que se empenharam pelo estabelecimento de um campo da sociologia como ciência social alternativa. Especialmente aqueles que escreveram reforma social em seus estandartes, frequentemente viam a sociologia como uma ciência para promover a reforma social (ver Neef 2012). Em ambos os casos, a economia foi fundamental para a compreensão da sociedade enquanto objecto da sociologia. Para os economistas austríacos, era a lógica teórica da economia, para os sociólogos, era a verdadeira condição econômica e organização que era fundamental para o significado da sociedade.

Eles entendiam a economia e a sociedade como indissociáveis ​​uma da outra, a sociedade como base da economia e a economia como constituída pelas ações sociais. Isso vale também para Max Weber, Joseph A. Schumpeter e Karl Polanyi , que figuram de forma mais proeminente na sociologia econômica de hoje. Em escala internacional, eles são considerados os pensadores que forneceram uma base conceitual para a disciplina. Georg Simme l, que chega mais perto de ser um sociólogo genuíno com sua sociologia formal, é frequentemente mencionado como tendo feito uma contribuição para a sociologia econômica. No entanto, em seu caso, a atenção se restringe principalmente ao seu trabalho sobre a Filosofia do dinheiro (Simmel 1900).

Houve muitos outros na Alemanha e na Áustria que contribuíram para uma visão social da economia. Entre eles estavam alguns que se preocuparam em promover uma visão sociológica da economia, mas que são quase desconhecidos nos círculos da sociologia internacional ou na sociologia econômica em particular (ver Kõster 2011). Para buscar as razões pelas quais Weber, Schumpeter e Polanyi se tornaram clássicos da sociologia econômica, examinaremos brevemente seus trabalhos, suas ideias sobre a economia e sua relação com a sociedade, apontando o que é de especial importância do ponto de vista de sociologia econômica. Em seguida, vou me referir às mudanças que ocorreram na compreensão da sociologia econômica no curso de seu desenvolvimento. Por fim, discutirei a relevância dos clássicos para uma sociologia econômica que atenda aos desafios de nosso tempo.

Weber, Schumpeter, e Polanyi em Economia e Sociedade

Max Weber, Joseph A. Schumpeter e Karl Polanyi, todos eles da Europa Central, foram economistas, pelo menos no que diz respeito à sua formação e  às suas posições institucionais, embora seus interesses fossem muito além do econômico. Todos eles compartilhavam uma formação de economia histórica, estavam bem cientes de Marx e de outros pensamentos socialistas e foram educados na teoria econômica austríaca. Essas influências moldaram seu pensamento sobre a economia e sua relação com a sociedade, sem a necessidade de trabalhar a partir de uma disciplina independente de sociologia.

Max Weber

Max Weber surge com destaque como um clássico da sociologia econômica, a quem é atribuída uma tradição (Swedberg 1998; Maurer 2010). Isso parece justificado com o fundamento de que ele próprio, em seus últimos anos, muitas vezes usou o conceito de sociologia e a expressão de categorias sociológicas da economia (Weber 1976, 31 e seguintes). No entanto, veremos que a sociologia tinha um significado especial para ele.

Embora enraizado na escola histórica de Volkswirtschaftslehre e influenciado pelo interesse que teve pela obra de Marx, Weber compartilhou com os economistas, do que era conhecido como a escola de Viena ou austríaca, uma abordagem individualista da economia e uma ênfase na ação subjetivamente significativa . Ele se envolveu nas disputas metodológicas de seu tempo e buscou superar a separação entre metodologias históricas e teóricas. Ele viu a explicação (Erklãren) e a compreensão (Verstehen) como ambas necessárias para a pesquisa e deu ênfase especial ao instrumento conceitual dos tipos ideais. A influência de seu amigo Heinrich Rickert e de sua ciência cultural (Kulturwisenschaft) foi de grande importância para Weber no que se refere ao seu ponto de vista metodológico, mas também para a perspectiva que aplicou ao estudo de objectos sociais e econômicos. Ao longo de sua vida, ele manteve uma base sólida de visão histórica, bem como uma consciência da necessidade da análise empírica para a explicação causal, enquanto submetia a análise ao objetivo geral de compreender o significado cultural das ações e instituições que ele denominou compreensão da sociologia.

A visão de Weber sobre a economia era próxima da abordagem da escola austríaca, que coincidia com sua orientação individualista em relação à concepção de ação social e econômica, como sendo subjetivamente significativa. Weber não pretendia contribuir para o desenvolvimento da teoria econômica. Em vez disso, ele viu o significado cultural das ações, instituições e da teoria econômica em estreita relação com o processo de racionalização da cultura ocidental. Isso o levou a colocar a racionalidade de ação meio-fim como a forma de agir idealmente moderna. A ação econômica também era uma ação social na visão de Weber, que ele entendia como subjetivamente significativa, reagindo tanto aos outros quanto às normas e instituições da sociedade.

Tomando o conceito de capitalismo de Karl Marx, Weber analisou o desenvolvimento histórico das práticas e organizações econômicas de negócios, desde as formas anteriores até o surgimento do capitalismo industrial moderno. As características do capitalismo industrial moderno eram, em sua opinião, a organização racional do trabalho e os métodos formais de contabilidade do capital.  De forma histórica e realista, ele mostrou como surgiram as estruturas e instituições sociais. A perspectiva básica de Weber era uma interpretação idealista da história, que o levou a se concentrar no impacto da religião no desenvolvimento do capitalismo. Embora não rejeitando totalmente a visão materialista de Marx, ele mostrou os impactos seculares da Ética Protestante no desenvolvimento do espírito do capitalismo. Ele empreendeu estudos comparativos das religiões mundiais e suas implicações para o pensamento e ação econômica, a fim de ser capaz de explicar e compreender por que o capitalismo moderno se desenvolveu na Europa e na América.Weber também estava ciente das mudanças pelas quais o capitalismo e a cultura estavam passando em seu tempo. O surgimento e os efeitos de grandes organizações e tendências burocráticas levaram-no a questionar o futuro desenvolvimento do capitalismo e da cultura moderna em geral. Sua orientação histórica e sua ênfase nas ideias o levaram a compreender que as mudanças no mundo real implicam mudanças de percepção e cognição, com consequências para a conceituação também nas ciências sociais. As ciências sociais devem mudar junto com as mudanças do mundo real, o que significa, acima de tudo, que seus conceitos devem ser constantemente reformulados. Em sua opinião, a teoria econômica era uma construção cognitiva baseada em pressupostos ideais, possibilitada pelo processo histórico de racionalização do pensamento, que ele entendia como a força subjacente da história europeia moderna. No entanto, como tal, a teoria também é um produto da história e deve mudar junto com as mudanças na constelação real das condições econômicas e sociais, bem como com as mudanças na percepção, cognição e avaliação. No entanto, na época de Weber, o processo de racionalização do pensamento e da cultura ainda estava progredindo, e ele estava ciente de que poderia produzir efeitos ambivalentes; pode até resultar na destruição da liberdade individual e levar ao aumento da desigualdade social.

Em Economia e Sociedade , que foi obra postuma e publicada pela esposa de Weber, Marianne Weber, e mais tarde por Winckelmann, a palavra sociologia aparece nos primeiros dois capítulos fundamentais. O primeiro capítulo sobre as categorias sociológicas constitui, para muitos estudiosos, a sociologia de Weber. É, no entanto, uma compreensão muito especial da sociologia, que não se refere às discussões que ocorreram durante sua vida sobre o significado da sociologia. Não toma conhecimento das concepções de sociologia de Durkheim, mas pressupõe um significado próprio. Em seu trabalho posterior, Weber deu grande ênfase à conceituação, de modo que se tornou uma formulação mais estrita de conceitos. No entanto, o desenvolvimento histórico e o significado cultural do capitalismo moderno são centrais para suas definições de objectos e problemas das ciências sociais. Nesse sentido, Weber se referiu à economia social e seu objectivo. Neste ensaio, ele também enfatizou uma abordagem histórica e realista que representava sua orientação fundamental das ciências sociais e que deveria constituir a base para uma ciência da realidade. A orientação para uma ciência cultural que subjaz ao seu trabalho inspirou muitos a empreender estudos sobre o significado cultural do capitalismo, destacando certos valores e ideias que caracterizam a cultura moderna.

Talcott Parsons chamou a atenção dos cientistas sociais americanos para o trabalho de Weber desde os anos 1930. Em seu livro sobre a concepção de Weber de organização social e econômica, ele a apresentou como sociologia econômica (Parsons 1937a, 1947, 30 ff.). No contexto dos Estados Unidos, a interpretação do trabalho de Weber enfatizou sua abordagem de ação individual e a concepção do capitalismo industrial moderno como uma forma social e racional de organização. A atenção dispensada a Weber no mundo anglófono ajudou a torná-lo conhecido na comunidade acadêmica internacional, na qual as ciências sociais americanas se tornaram dominantes.

Joseph A. Schumpeter

Joseph A. Schumpeter começou sua carreira como estudante de teoria econômica austríaca na Universidade de Viena. Desde cedo ele se interessou por questões sociais e históricas e buscou isso em muitos estudos também ao longo de sua vida. A influência de Marx, Weber e de Friedrich Wieser,  teve grande impacto no pensamento de Schumpeter. Ele também foi influenciado pelo equilíbrio da teoria de Leon Walras, e em Harvard ele se concentrou fortemente na teoria neoclássica e métodos formais. Isso constituiu um contraste com seus interesses sociais e históricos, mas também resultou no distanciamento dos representantes da economia austríaca nos Estados Unidos, especialmente de Ludwig Mises. Seu trabalho reteve, no entanto, muitos traços que também são importantes para a economia austríaca, especialmente uma ênfase na ação e um interesse na dinâmica do processo econômico.

Na segunda edição de seu trabalho inicial, The Theory of Economic Development (Schumpeter 1926), Schumpeter argumentou que a principal tarefa da economia era explicar a dinâmica interna do processo econômico. Ele entendeu o conceito de desenvolvimento não no sentido de um processo evolutivo gradual, influenciado por fatores externos. O capitalismo se desenvolve, como ele explicou, de dentro, pela ocorrência espontânea e descontínua de novas combinações dos meios de produção, por exemplo, por inovações técnicas, novos bens, novos mercados, novas formas de organização e novas formas de financiamento. Apesar desse foco nas forças internas que impulsionam a economia capitalista, Schumpeter admitiu que as circunstâncias sociais, políticas, culturais e históricas desempenham um papel, mas elas entram em cena por meio de seu impacto sobre o empresário, o agente do dinamismo econômico.

O empresário

 O empresário é uma figura proeminente no pensamento de Schumpeter. Ele não é representante de uma classe social, como o capitalista era para Marx, mas representa um tipo de comportamento criativo e arriscado, mas também economizador e com capacidade de liderança. Seu comportamento é caracterizado por ações não institucionalizadas, por meio das quais o empresário individual pode até se alienar de seu meio social.

A ênfase na dinâmica da mudança levou Schumpeter a assumir uma postura crítica em relação à concepção fechada de classe de Marx. Ele argumentou que, no curso do desenvolvimento econômico, a estrutura e a composição das classes mudam constantemente pela ascensão de alguns indivíduos ou famílias e pela descida de outros. Como Marx, ele viu as crises como características normais do processo capitalista e dedicou um volumoso estudo para os Ciclos de Negócios (Schumpeter 1939). A transição histórica de uma sociedade comercial para uma sociedade capitalista ocorreu historicamente devido ao estabelecimento de instituições favoráveis ​​à iniciativa individual e à aceitação do risco, possibilitando inovações e o desdobramento da capacidade criativa dos empresários capitalistas. Schumpeter foi, no entanto, ambivalente em sua avaliação do desenvolvimento econômico; ele apontou que a ascensão e queda de grupos, famílias e indivíduos, bem como mudanças nas formas de viver, trabalhar e pensar, muitas vezes levam a efeitos perturbadores na economia e na sociedade, mas ele viu essas consequências como inevitáveis para o para o desenvolvimento dinâmico do capitalismo.

Em seu ensaio diagnóstico posterior, Capitalismo, Socialismo e Democracia (Schumpeter 1942), Schumpeter viu as instituições que haviam sido a base para o desenvolvimento do capitalismo, passando por mudanças devido à mecanização do progresso, o que tornou o papel inovador e criativo dos empresário obsoleto. Ele previu que a racionalização e funcionalização de empresas modernas de grande escala devem inevitavelmente resultar na transição para algum tipo de socialismo. Nesse sentido, embora seu argumento seja baseado em uma perspectiva avaliativa diferente, é uma reminiscência da previsão de Marx da autodestruição do capitalismo devido ao seu próprio sucesso.

Quanto à sua concepção da relação entre economia e sociologia, ele seguiu a visão neoclássica de traçar uma linha clara entre os dois campos. Ele estava ciente, no entanto, de que a teoria econômica não é um fim em si mesma, mas constitui uma base para a análise econômica, que é orientada para fins práticos. Isso requer levar em consideração as descobertas da história econômica, estatísticas e sociologia econômica, o que significa que ele, como Jevons, via a sociologia econômica como uma das ciências econômicas. Schumpeter estava ciente, assim como Weber, das condições subjacentes à produção e aos efeitos do conhecimento econômico e da influência da ideologia. Ele dedicou um capítulo inacabado intitulado Sociologia da Economia a esse problema na sua História da Análise Econômica publicada postumamente (1954, 33 e seguintes).

Karl Polanyi

Na década de 1920, o futuro do capitalismo e o caminho para o socialismo foram amplamente discutidos. Um dos jovens intelectuais interessados ​​no socialismo e sua transição do capitalismo foi Karl Polanyi, que, em uma discussão sobre contabilidade socialista com o economista liberal Ludwig Mises, defendeu a possibilidade do socialismo (Polanyi 1924). Ele sugeriu um conceito de socialismo funcional que era de alguma forma próximo às idéias socialistas de Guilda, mas também continha uma abordagem sobre a diferenciação funcional da sociedade moderna, que mais tarde se tornou uma concepção fundamental da sociologia. Na opinião de Polanyi, o conflito de interesses na economia não leva ao desenvolvimento de classes antagônicas, contrapostas entre si, como descreveu Marx. Em vez de um conflito entre diferentes classes ou grupos, ele percebeu um conflito entre diferentes posições ou interesses, que todas as pessoas têm em comum, a saber, dos produtores por um lado e dos consumidores por outro, ambos compartilhando objetivos comuns. Em sua visão de uma sociedade funcional, o objetivo da economia é alcançar a produtividade máxima dos bens, bem como buscar a produtividade social medida em termos do bem comum e dos direitos sociais. Portanto, ele argumentou que os custos sociais, causados pela institucionalização dos direitos sociais, devem entrar na contabilidade social.

O trabalho mais conhecido de Polanyi é A Grande Transformação (Polanyi 1944), no qual ele investigou as causas do desenvolvimento de uma economia de mercado na Inglaterra do século XIX. Isso, argumentou ele, aconteceu por meio da desvinculação da terra, do trabalho e do capital de seus contextos sociais e culturais por meios legais e por decisões políticas, transformando assim gradualmente a sociedade em uma sociedade de mercado. Ele rejeitou o reivindicação de economistas que viam o mercado como uma espécie de lei natural ou princípio lógico que opera em todas as sociedades. Em vez disso, ele entendeu a economia de mercado como um sistema histórico que permanece em existência apenas enquanto o liberalismo dominar o sistema político. A existência do mercado, portanto, depende de decisões políticas e não se dá por si mesma. Nesta obra em que analisou a estrutura do capitalismo no século XIX a partir de uma tese inovadora, de cariz marcadamente institucional e político: a Inglaterra não fora transformada apenas pela máquina a vapor, nem sequer pelas anteriores expansão do comércio mundial e revolução agrícola; não fora a industrialização per se que desencadeara os processos de conflito e de desorganização social que marcaram o longo século XIX.

A miríade de motins, revoltas, movimentos genéricos de protesto, revoluções sociais e ciclos intensos e recorrentes de violência a estes associados e que caracterizaram as eras da revolução, do capital e do império, resultaram também da emergência de um conjunto de propostas intelectuais - de Ricardo a James Mill, passando por Marx -, progressivamente desenvolvidas no interior de instituições sociais várias, que postularam a prevalência do mercado enquanto forma histórica primordial de organização da sociedade. A Grande Transformação consistiu sim, essencialmente, na extensão do sistema de mercados a todas as esferas da vida humana, cuja lei da oferta e da procura passou a determinar autonomamente a afetação e a remuneração de fatores de produção como a terra (a natureza) - e o trabalho (ou seja, a própria utilização da vida humana). Assim, a principal preocupação de Polanyi foi a de demonstrar como se formaram historicamente, primeiro, os mercados nacionais e internacionais e, nesta sequência, como se passou de uma configuração caracterizada por trocas livres para uma outra, marcada por um intenso controlo político e social, em reação à grande crise de 1929 (...). Da mesma forma que o capitalismo, com os seus mercados autorregulados e a lógica de uma economia orientada para a satisfação em bens materiais, levara à desagregação da vida em comunidade, criando a denominada "grande transformação", sentiu-se mais tarde, devido às consequências nocivas da sua operação autónoma sobre a vida de grandes massas humanas, a necessidade de regular e controlar esses mesmos mercados

Polanyi atribuiu grande influência às condições históricas, eventos e ações políticas na formação da organização econômica. Ele buscou isso em estudos históricos e antropológicos, que se tornaram suas principais linhas de pesquisa após sua emigração para a Inglaterra e, posteriormente, para a América. Em estudos do comércio antigo em várias partes do mundo, ele mostrou que a lógica do mercado não se aplica às sociedades pré-modernas. Ele explicou que a economia durante a maior parte da história humana estava embutida na sociedade e que o comportamento econômico era inseparável das visões de mundo, valores e práticas sociais, religiosas e políticas. Terra, trabalho e dinheiro, então, não seguiram uma racionalidade econômica especial, nem a economia foi representada por instituições ou estruturas distintas. As ações econômicas nas sociedades pré-modernas foram incorporadas às formas de vida, centradas no lar como uma organização econômica, social e emocional, ou ocorreram no contexto de relações recíprocas ou hierarquias redistributivas. Os mercados, onde existiam em sociedades pré-modernas, eram assuntos locais, e rituais não econômicos, mias e emoções impregnavam as negociações.

A transição para a sociedade de mercado prejudicou esse estado de coisas e levou a uma reversão da relação entre a sociedade e a economia ao incorporar a sociedade à economia. Para que o mercado se torne sistêmico, como concluiu Polanyi, a racionalidade econômica deve ser distinta de outros motivos e formas de pensar. Transformar terra, trabalho e capital em mercadorias e fazer do mercado um mecanismo que abrangia toda a sociedade exigia uma mudança na forma de pensar a economia. Isso aconteceu quando a teoria econômica liberal, com seu modelo lógico-formal do mercado, substituiu a percepção substantivista da economia como o meio de vida do homem (Polanyi, a ênfase nos efeitos do pensamento demonstra que Polanyi atribuiu um forte efeito performativo à teoria para fazer a economia.

Polanyi argumentou que na vida real das pessoas nas sociedades modernas as dimensões não lógicas ainda estão presentes. Isso obriga os indivíduos a viver e agir em dois mundos, um das condições e da lógica do mercado, e o outro, dedicado às preocupações da vida cotidiana. Polanyi defendeu o retorno a uma compreensão substantivista da economia e o reconhecimento da inserção das ações econômicas nas condições sociais, políticas e cotidianas. Ele enfatizou a relevância historicamente limitada da lógica de mercado e viu outra Grande Transformação em andamento, pela qual o trabalho, assim como o capital, teriam voz nas decisões econômicas, introduzindo assim a democracia nas relações econômicas (Polanyi 2014, 214 ss.).

Polanyi apontou para a diferença entre as sociedades pré-modernas e modernas e desafiou a reivindicação da aplicabilidade geral da lógica de mercado, que ele atribuiu apenas à economia moderna (Polanyi 1968). Nessa análise, ele não difere fundamentalmente de Weber e Schumpeter. Todos os três estavam cientes da relatividade histórica do pensamento e da organização econômica, bem como do importante papel das idéias, incluindo a lógica científica. Polanyi colocou a economia em um contexto mais amplo de tempo e diferenças de cultura e ideologia condições prévias, como Weber tinha, e ele enfatizou especialmente as decisões e ações políticas. Na década de 1960, portanto, seu trabalho passou a ser objeto de discussão entre as ciências políticas. Na sociologia econômica, a relevância de Polanyi foi reconhecida quando as críticas ao neoliberalismo se instalaram e o capitalismo moderno se espalhou pelo mundo.

O caráter mutável da sociologia econômica

Weber utilizou o conceito de sociologia econômica, mas se referiu também à economia social, conectando a primeira com uma abordagem conceitualmente mais rígida, a última com uma visão mais ampla do significado cultural dos fenômenos econômicos. Schumpeter referiu-se explicitamente à sociologia econômica em sua História da Análise Econômica como uma das disciplinas contextuais dentro do grupo das ciências econômicas. Polanyi voltou-se para os estudos históricos e antropológicos da economia, mas não objetivou expressamente uma sociologia econômica. Todos os três, e muitos mais no mesmo período, combinavam elementos econômicos e sociais com base em uma compreensão da economia que incluía elementos sociais, culturais e históricos.

Adolph Lowe

Na primeira metade do século XX, ocorreram discussões sobre a relação entre economia e sociologia, principalmente sob o título de socioeconomia ou economia social como campo combinatório (Akerman 1938; Sombart 1930). Adolph Lowe chamou sua concepção de uma ciência sintética baseada em princípios intermediários, ou seja, construções relacionadas ao tempo-espaço de ambas as disciplinas, de sociologia econômica (Lowe 1935). Deve preencher a lacuna cada vez maior entre a economia e a sociologia, à medida que esta última gradualmente adquiriu reconhecimento acadêmico. Para perseguir esse objetivo, ele fundou o American Journal of Economics and Sociology, junto com Franz Oppenheimer, em 1941. Ele era conhecido entre os historiadores da economia como um dos economistas reformistas, que buscava combinar a teoria do mercado com uma orientação socialista. Lowe é, no entanto, dificilmente lembrado hoje como um dos fundadores da sociologia econômica. Sua concepção de sociologia econômica era a de uma ciência social política e prática que combina análises estruturais e instrumentais. Nos Estados Unidos, a sociologia estava se desenvolvendo de maneira diferente da pretendida por Lowe. Isso ficou claro na revisão de Talcott Parsons da Economia e Sociologia de Lowe (Parsons 1937b). Embora Parsons também pretendesse vincular as teorias econômica e social, era com outro objetivo em mente, isto é, desenvolver um metacampo das ciências da ação (Parsons 1937b; Parsons e Smelser 1956). Lowe, doravante, falou de economia política e não mais de sociologia econômica (Lowe 1965). No entanto, por muito tempo na Europa, a sociologia econômica ainda era vista como um campo simbiótico da economia e da sociologia com o objetivo de fornecer informações para as decisões de política econômica (Furstenberg 1956, 406).

O campo da sociologia económica

A sociologia, à medida que ganhou reconhecimento e status acadêmico, e introduziu a concepção americana de ciência social empírica, afastou-se da relação tradicionalmente estreita com a ciência econômica, bem como de uma orientação prática e política. Com o objetivo de provar sua objetividade científica, a sociologia se concentrou na construção teórica da sociedade como um objeto próprio, em que a economia desempenhava um papel menor como objeto de pesquisa e da qual a história e a política eram excluídas. Outra razão pela qual os sociólogos deram pouca atenção à economia tinha a ver com a teoria altamente formalizada e as pesquisas em economia que tornavam difícil para os não economistas lidar com os aspectos econômicos. Por várias décadas após a Segunda Guerra Mundial, a sociologia econômica, onde existiu como campo acadêmico, ou lidou com os aspectos não econômicos da economia ou se concentrou em críticas redundantes à sua exclusão na teoria econômica neoclássica. Os temas centrais da economia moderna, tal como figuram na economia neoclássica, ou seja, o mercado, os preços, a competição, para citar alguns, no entanto, não foram tocados.

A mudança no clima político no Reino Unido e nos EUA no final dos anos 1970 e 1980, que promoveu uma visão da escola de Chicago de uma economia de mercado liberal, influenciada pelo neoliberalismo da versão Mises-Hayek da economia austríaca, trouxe uma renovação da interesse em sociologia econômica (Baron e Hannan 1994). À medida que o mercado avançava para o foco das perspectivas públicas e políticas, os sociólogos sentiam que era cada vez mais insatisfatório restringir suas pesquisas aos aspectos contextuais da economia. Em vez disso, eles se aventuraram a empreender uma explicação genuinamente sociológica dos mercados (Burt 1992; Granovetter 1985; White 1981). Isso trouxe uma nova sociologia econômica, espalhando-se internacionalmente a partir de sua origem nos Estados Unidos. O objetivo era mostrar os mercados como constelações de relações sociais usando o método de análise de rede (White 2002), estudos de estrutura social e uma concepção individualista de ação econômica (Dobbin 2004; Guillèn et al. 2002; Grano vetter 1985, 2002). O conceito de imersão que apareceu em alguns desses estudos significa que as ações econômicas são vistas como elementos da estrutura social dos mercados.

Granowetter

(Granovetter 1985). Sociedade e Economia - uma obra de ambição excepcional do fundador da sociologia económica moderna - é o primeiro relato completo das ideias de Mark Granovetter sobre as diversas formas pelas quais a sociedade e a economia estão interligadas.

A economia não é uma esfera separada de outras atividades humanas, escreve Granovetter. Está profundamente enraizada nas relações sociais e sujeito às mesmas emoções, ideias e restrições que a religião, a ciência, a política ou o direito. Embora algumas acções possam ser entendidas em termos económicos tradicionais como pessoas que trabalham racionalmente para fins bem definidos, grande parte do comportamento humano é mais difícil de enquadrar neste quadro simples. Os actores por vezes seguem as normas sociais com uma fé apaixonada na sua adequação, e outras vezes conformam-se sem pensamento consciente. Eles também confiam nos outros quando não há razão óbvia para fazê-lo. O poder que os indivíduos exercem uns sobre os outros pode ter um grande impacto nos resultados económicos, mesmo quando esse poder surge de fontes não económicas.

Embora as pessoas dependam de normas sociais, cultura, confiança e poder para resolver problemas, a orientação que estas oferecem é muitas vezes obscura e complicada. Granovetter explora como os solucionadores de problemas improvisam para montar soluções pragmáticas a partir dessa multiplicidade de princípios. Ele baseia-se em argumentos da psicologia, estudos de redes sociais e análises históricas e políticas de longo prazo e sugere maneiras de avançar e retroceder entre essas abordagens. Subjacente aos argumentos de Granovetter está uma tentativa de ir além de dualismos tão simples como agência/estrutura para uma apreciação mais complexa e subtil das nuances e dinâmicas que impulsionam a vida social e económica. Isso difere do conceito de Polanyi e surgiu inicialmente sem referência ao seu trabalho. O embutimento referia-se a uma abordagem de rede microssocial e tornou-se, nesse sentido, um dos conceitos centrais da nova sociologia econômica. O surgimento do neoinstitucionalismo também teve um impacto na sociologia econômica ao adicionar perspectivas normativas, culturais e cognitivas à integração dos mercados (DiMaggio e Powell 1991). A perspectiva estendeu-se além do estudo microssocial dos mercados para abarcar elementos institucionais, políticos e comparativos. No entanto, em grande parte da nova sociologia econômica, o entendimento das instituições é o do neoinstitucionalismo e se concentra na tomada de decisões e no desenvolvimento organizacional das empresas. Estudos comparativos de sistemas de negócios ou das Variedades do Capitalismo chamaram a atenção de muitos no campo da sociologia econômica (Whitley 1992; Hall e Soskice 2001). Isso ampliou a orientação microssocial da nova sociologia econômica, no entanto, sem abrir mão do individualismo metodológico, que constitui uma analogia com microeconômico a predominância dentro da teoria econômica (Beckert 1996). A concentração nos mercados, além disso, parece identificar a economia com a economia de mercado e da empresa privada (Beckert 2003). Houve estudos sobre o setor público, a economia familiar, o terceiro setor de organizações não governamentais e / ou sem fins lucrativos, a economia subterrânea e até mesmo em campos não econômicos como cultura, política, religião, emoções, mas isso muitas vezes resultou em vendo esses campos como mercados. As críticas daqueles que não querem olhar para a economia de uma perspectiva de mercado e negócios levaram à introdução da concepção alternativa de imersão de Polanyi, bem como ao reconhecimento da importância de seu trabalho para a sociologia econômica (Krippner 2001; Krippner et al. 2004) . O campo da sociologia econômica foi ampliado por um novo interesse pelas obras dos clássicos, de Weber, Schumpeter e Polanyi, e outros que aplicaram uma visão histórica e transdisciplinar à relação entre economia e sociedade. Mark Granovetter, em particular, também integrou dimensões históricas e antropológicas (Granovetter 2002). Ao retornar ao estudo dos clássicos, sua relevância para a tradição da sociologia econômica foi estabelecida (Beckert e Zafirovski 2006; Granovetter e Swedberg 2001; Smelser e Swedberg 2005; Zafirovski 1999).

O tema principal de Weber, Schumpeter e Polanyi foi o desenvolvimento, as consequências e o futuro do capitalismo ou do sistema de mercado, respectivamente, e essa preocupação persistiu nas discussões na Europa. Na década de 1990, na esteira da desintegração da União Soviética e da transformação dos Estados sucessores, a discussão sobre o futuro do capitalismo e suas diferentes formas foi reavivada e tornou-se um tema até mesmo nos Estados Unidos, onde o termo antes tinha pouco ou seja, sendo utilizado como sinônimo de economia de mercado. Em vez disso, os estudos sobre o capitalismo e suas mudanças foram retomados, principalmente no campo das ciências políticas e economia política, mas também na sociologia econômica (por exemplo, Beckert 2016; Nee e Swedberg 2005; Streeck 2016).

Após a Segunda Guerra Mundial, a sociologia econômica foi um estudo periférico dentro da disciplina de sociologia, preocupado com os elementos não econômicos na economia ou com a aplicação de conceitos sociológicos aos fenômenos econômicos. Ganhou novo reconhecimento ao pretender fornecer uma teoria sociológica dos mercados, dissipando assim a noção do mecanismo de autorregulação do mercado ao mostrar que são as pessoas e as suas ações que fazem os mercados, ao mesmo tempo que também se concentram muito sobre os mercados e sua estrutura microssocial. Nas últimas décadas e sob o impacto dos discursos da globalização, o pêndulo voltou às preocupações que já estavam no centro das atenções no início do século XX, ou seja, o caráter mutante do capitalismo moderno, a transformação da sociedade e o significado cultural de novos desenvolvimentos.

A relevância dos clássicos

Weber, Schumpeter e Polanyi foram influenciados pela situação econômica, social e política de seus tempos, as discussões metodológicas e científicas e sua percepção do social,

situação política e cultural. Se olharmos para o seu trabalho, devemos perguntar, de que forma pode ser relevante para a sociologia econômica hoje além de seu interesse historiográfico. A sociologia econômica hoje deve enfrentar situações que são bastante diferentes, tanto no mundo real quanto nas ciências sociais. O conceito de economia, conforme evoluiu pelos processos de industrialização, racionalização e modernização para se tornar o capitalismo ocidental moderno, está sendo desafiado atualmente, mas não pela transição para uma sociedade burocrática ou socialista, como Weber, Schumpeter e outros tinha pensado. No foco das ciências sociais hoje estão processos como a transformação das economias socialistas em economias de mercado na Europa Central e Oriental em apenas algumas décadas, ou os processos de transição em muitas partes do mundo, mudando formas tradicionais de comportamento econômico para se encaixar em um sistema capitalista global, bem como as contra-tendências do nacionalismo e do protecionismo. As condições subjacentes, formando e mudando a economia então e agora diferem muito, mas em ambos os casos, há processos profundos, múltiplos e freqüentemente contraditórios ou ambivalentes a serem considerados.

A globalização da produção, comércio e comunicação mudou algumas das pré-condições da organização econômica. Ele espalhou as práticas e instituições do capitalismo moderno em uma escala mundial. Freqüentemente, eles têm efeitos perturbadores nas práticas econômicas tradicionais e nas formas de vida, às vezes levando a conflitos nos quais elementos econômicos, sociais, políticos e cultural-ideológicos se misturam. A expansão global das formas ocidentais de economia e sociedade levou a respostas enfatizando diferenças de condições institucionais, sociais, políticas e culturais, mas também levou a críticas e antagonismo ao capitalismo ocidental. A maneira ocidental de trabalhar, de lidar uns com os outros, de organizar tem sido criticada, e também toda a concepção do pensamento científico, incluindo as ciências sociais, está sendo questionada.

Grandes empresas multinacionais e poderosas empresas globais de Internet controlam o campo da competição globalmente. Isso levou à diminuição poder dos estados-nação sobre a economia, para o qual também contribuiu o aumento da rapidez das transações financeiras nos mercados globais de dinheiro e capital. Schumpeter já tinha visto o setor financeiro como o ápice do capitalismo moderno. Hoje, o processo de financeirização atingiu um nível que põe em risco a economia real ao desencadear uma lacuna cada vez mais ampla de desigualdade econômica. O dinamismo do capitalismo, resultante da busca incansável pelo crescimento econômico, põe em risco o meio ambiente e torna nosso planeta menos habitável para muitas pessoas. Por outro lado, a concepção de economia vai mudando progressivamente de restrita, concentrando-se nos mercados, empresas e sistemas de negócios, para uma percepção mais variada, que assume diversas formas de economia, algumas tradicionais, outras criminosas, outras solidárias em consideração.

O que entendemos por conceito de sociedade mudou consideravelmente devido ao desenvolvimento mundial das redes de comunicação mediática (mídia social) e ao impacto do digital nas vidas, relações e percepções das pessoas. A crescente desigualdade, a persistência da pobreza, o desemprego de muitos jovens, bem como os movimentos pós-democráticos, pós-coloniais ou pós-modernos e o desenvolvimento de novos conflitos globais em bases ideológicas, religiosas e culturais, a ascensão do nacionalismo e protecionismo, transformaram a economia e as sociedades em terrenos contestados.

A sociologia não pode lidar com todos esses problemas, mas também não pode contentar-se em focar apenas em seu profissionalismo, em métodos padronizados de pesquisa e publicação, em redes para o sucesso institucional acadêmico. Isso invariavelmente coloca mais em foco os conceitos, teorias e métodos de pesquisa como um fim em si mesmos e leva a perder de vista a realidade.

Émile Durkheim

Em comparação com Weber, Émile Durkheim (1858–1917) sabia menos economia, escreveu menos sobre temas económicos e, em geral, contribuiu menos para a sociologia económica (por exemplo, Steiner 2004). Embora nenhum dos seus principais estudos possa ser considerado um trabalho em sociologia económica, todos eles abordam temas económicos (ver também Durkheim [1950] 1983). Durkheim também apoiou fortemente o projecto de desenvolvimento de uma sociologie économique, incentivando alguns dos seus alunos a especializarem-se nesta área e incluindo rotineiramente uma secção sobre sociologia económica na sua revista L’année sociologique. A certa altura, ele deu a seguinte definição de sociologia económica: Finalmente, existem as instituições económicas: instituições relacionadas com a produção de riqueza (servidão, agricultura arrendatária, organização corporativa, produção em fábricas, em moinhos, em casa, e assim por diante), instituições relacionadas com o câmbio (organização comercial, mercados, bolsas de valores, e assim por diante), instituições relacionadas com a distribuição (aluguel, juros, salários, e assim por diante). Eles constituem o assunto da sociologia econômica. (Durkheim [1909] 1978b, 80) A primeira grande obra de Durkheim, A Divisão do Trabalho na Sociedade (1893), tem relevância mais direta para a sociologia económica. Seu cerne consiste no argumento de que a estrutura social muda à medida que a sociedade se desenvolve de seu estado indiferenciado, nos tempos primordiais, para um estágio caracterizado por uma divisão complexa do trabalho, nos tempos modernos. Os economistas, observa Durkheim, vêem a divisão do trabalho exclusivamente como um fenómeno económico e os seus ganhos em termos de eficiência. O que acrescentou foi uma dimensão sociológica da divisão do trabalho – como esta ajuda a integrar a sociedade através da coordenação de actividades especializadas. Como parte da evolução da sociedade para uma divisão do trabalho mais avançada, o sistema jurídico muda. De natureza predominantemente repressiva e centrado no direito penal, passa a ser restitutivo e centrado no direito contratual. Ao discutir o contrato, Durkheim também descreveu como uma ilusão a crença, defendida por Herbert Spencer, de que uma sociedade pode funcionar se todos os indivíduos simplesmente seguirem os seus interesses privados e contratarem em conformidade (Durkheim [1893] 1984, 152). Spencer também entendeu mal a própria natureza da relação contratual. Um contrato não funciona em situações em que o interesse próprio impera como supremo, mas apenas quando existe um elemento moral ou regulador. “O contrato não é suficiente por si só, mas só é possível devido à regulamentação dos contratos, que é de origem social” (Durkheim [1893] 1984, 162). Uma grande preocupação em A Divisão do Trabalho na Sociedade é que os recentes avanços económicos em França podem destruir a sociedade, libertando a ganância individual para corroer a sua fibra moral. Esta problemática é muitas vezes apresentada em termos do interesse privado versus o interesse geral, como quando Durkheim observa que “a subordinação do particular ao interesse geral é a própria fonte de toda atividade moral” ([1893] 1984, xliii). A menos que o Estado ou alguma outra agência que articula o interesse geral intervenha para regular a vida económica, o resultado será a “anomia económica”, um tópico que Durkheim discute em Suicídio ([1897] 1951, 246ss., 259). As pessoas precisam de regras e normas na sua vida económica e reagem negativamente a situações anárquicas. Em muitas das obras de Durkheim, encontramos uma crítica contundente aos economistas; e era convicção geral de Durkheim que, se a economia quisesse tornar-se científica, teria de se tornar um ramo da sociologia. Ele atacou a ideia do homo economicus alegando que é impossível separar o elemento económico e desconsiderar o resto da vida social ([1888] 1978a, 49-50). A questão não é que os economistas tenham usado uma abordagem analítica ou abstrata, enfatizou Durkheim, mas que eles selecionaram as abstrações erradas (1887, 39). Durkheim também atacou a tendência não empírica da economia e a ideia de que se pode descobrir como a economia funciona através de «uma simples análise lógica» ([1895] 1964, 24). Durkheim referiu-se a isto como «a tendência ideológica da economia» ([1895] 1964, 25). A receita de Durkheim para uma sociedade industrial harmoniosa é a seguinte: cada indústria deve ser organizada em várias corporações, nas quais os indivíduos prosperarão devido à solidariedade e ao calor que advém de ser membro de um grupo ([1893] 1984, lii ). Ele estava bem ciente da regra que o interesse desempenha na vida económica e, em The Elementary Forms of Religious Life , sublinha que «o principal incentivo à actividade económica sempre foi o interesse privado» ([1912] 1965, 390). Isto não significa que a vida económica seja puramente egoísta e desprovida de moralidade: «Permanecemos [nos nossos assuntos económicos] em relação com os outros; os hábitos, ideias e tendências que a educação nos imprimiu e que normalmente presidem às nossas relações nunca podem estar totalmente ausentes» (390). Mas mesmo que seja esse o caso, o elemento social tem outra fonte que não a economia e acabará por se desgastar se não for renovado.

George Simmel

As obras de Simmel normalmente carecem de referências à economia como tal. Simmel (1858-1918), tal como Durkheim, geralmente via os fenómenos económicos dentro de um cenário mais amplo e não económico. No entanto, seu trabalho ainda tem relevância para a sociologia econômica. Grande parte do estudo mais importante de Simmel , Soziologie (1908), concentra-se na análise de interesses. Ele sugeriu como deveria ser uma análise de interesse sociológico e por que ela é indispensável para a sociologia. Duas de suas proposições gerais são que os interesses levam as pessoas a formar relações sociais, e que é somente através dessas relações sociais que os interesses podem ser expressos: A sociação é a forma (realizada de inúmeras maneiras diferentes) pela qual os indivíduos crescem juntos em uma unidade e dentro do qual seus interesses são realizados. E é com base nos seus interesses – sensuais ou ideais, momentâneos ou duradouros, conscientes ou inconscientes, causais ou teleológicos – que os indivíduos formam tais unidades. (Simmel [1908] 1971, 24) Outra proposição fundamental é que os interesses económicos, tal como outros interesses, podem assumir uma série de expressões sociais diferentes (26). Soziologie também contém uma série de análises sugestivas de fenómenos económicos, entre eles a concorrência. Num capítulo sobre o papel do número de actores na vida social, Simmel sugere que a competição pode assumir a forma de tertius gaudens (“o terceiro que beneficia”). Nesta situação, que envolve três atores, o ator A aproveita o fato de que os atores B e C estão competindo pelo favor de A – para comprar algo, vender algo, ou algo parecido. A concorrência não é, portanto, vista como algo que diz respeito apenas aos concorrentes (atores B e C); está também relacionado com o ator A, alvo da competição. Simmel também distingue competição de conflito. Embora um conflito signifique normalmente um confronto entre dois intervenientes, a concorrência implica antes esforços paralelos, uma circunstância em que a sociedade pode beneficiar das ações de ambos os intervenientes. Em vez de destruir o seu oponente, como num conflito, na competição você tenta fazer o que o seu concorrente faz – mas melhor. Filosofia do Dinheiro (1900), o segundo grande trabalho sociológico de Simmel, sempre gozou de uma reputação mista. Durkheim desaprovou-o por sua mistura de gêneros e, de acordo com Weber, os economistas detestavam a maneira de Simmel lidar com tópicos econômicos (por exemplo, Frisby 1978; Durkheim ([1902] 1980; Weber 1972). Simmel mistura reflexões filosóficas com observações sociológicas em um de maneira idiossincrática, mas a Filosofia do Dinheiro tem, no entanto, muito a oferecer se for lida em seu próprio contexto. O ponto principal de Simmel é que o dinheiro e a modernidade estão juntos; na sociedade de hoje não existe um conjunto exclusivo de valores dominantes, mas sim um sentimento de que tudo é relativo (cf. Poggi 1993). O trabalho de Simmel também contém uma miríade de reflexões sociológicas perspicazes sobre as conexões do dinheiro com autoridade, emoções, confiança e outros fenômenos. O valor do dinheiro, observou Simmel, normalmente se estende apenas até onde a autoridade que o garante (“o círculo econômico”; [1907] 1978, 179ss.). O dinheiro também é cercado por vários “sentimentos economicamente importantes”, como “esperança e medo, desejo e ansiedade” ([1907] 1978, 171). E sem confiança, argumenta Simmel, a sociedade poderia simplesmente não existir; e “da mesma forma, as transações monetárias entrariam em colapso sem confiança” (179). Em relação ao dinheiro, a confiança consiste em dois elementos. Primeiro, porque algo aconteceu antes – por exemplo, que as pessoas aceitaram um certo tipo de dinheiro – é provável que se repita. Outra parte da confiança, que não tem base na experiência e que pode ser vista como uma crença não racional, Simmel chama de “fé quase religiosa”, observando que está presente não apenas no dinheiro, mas também no crédito.

Max Weber e os clássicos

Na visão de Weber, conceitos e teorias eram instrumentos ou diretrizes para abordar a realidade; eles não eram fins em si mesmos. Isso também era verdade para Schumpeter, além de seus trabalhos mais formais e teóricos. A solicitação de Polanyi de retornar a uma forma substantivista de pensar e falar sobre a economia reflete essa atitude realista.

Ao ler as obras dos clássicos, fica-se com a impressão de que foram movidos pelo desejo de compreender o que se passava no seu tempo e na sua sociedade. Talvez seja essa qualidade que ainda torna a leitura de suas obras tão interessante. Os autores clássicos não eram ingênuos quanto à possibilidade de cognição da realidade. Eles certamente estavam cientes da relatividade e reflexividade dos conceitos, mas assumiram uma realidade lá fora. Realismo, para eles, significava lutar pela cognição do mundo real por meio das ciências sociais e, possivelmente, aproximar-se, mas nunca alcançá-lo. Uma ciência realista significa encontrar questões correspondentes às mudanças e problemas percebidos, e alterar conceitos e métodos de acordo. Portanto, as ciências sociais devem se basear nos estudos da história, não no sentido de enfocar o passado, mas no sentido de prestar atenção aos processos que configuram o futuro. A sociologia deve recuperar sua orientação histórica, que perdeu desde o tempo dos clássicos, apesar de algum renascimento recente de uma sociologia histórica (ver Mikl-Horke 2011, 13 e seguintes).

Levar em consideração a história significa focar nos processos do tempo, nos eventos e nas mudanças e em suas consequências. O enfoque nas estruturas não pode captar a realidade do presente que é apenas uma entidade imaginada entre o passado e o futuro. Já que mudanças aceleradas e imprevistos parecem caracterizar nosso tempo mais do que o tempo dos clássicos, a atenção atribuída à estrutura social deve ser complementada por processos de reconhecimento e como eles moldam e modificam as condições presentes, bem como as expectativas para o futuro. O mundo social real não apresenta um quadro consistente, pois existem elementos contraditórios e perspectivas divergentes que permeiam a realidade em qualquer ponto do tempo. A realidade, assim como sua percepção, é ambivalente. Os clássicos estavam cientes da ambivalência da realidade. As ciências sociais devem levar isso em consideração novamente e deixar espaço para incertezas.

Uma abordagem histórico-realista da sociedade e da economia leva a uma visão ampla que não se esgota nas fronteiras das disciplinas, das quais os clássicos fornecem bons exemplos. Weber é considerado um clássico em várias disciplinas, desde história jurídica, história econômica, ciência política, a ciência da religião, à sociologia. O trabalho de Schumpeter abrange uma ampla gama de campos, desde história, economia, psicologia social e sociologia. Polanyi estava combinando questões políticas, temas sociais, história econômica e antropologia econômica.

Atualmente, nas ciências sociais, há um reconhecimento crescente de que a separação clara das disciplinas não conduz à solução dos problemas de uma sociedade em mudança, que está se tornando cada vez mais complexa, diversa e dinâmica. Isso resulta em demandas por estudos e discursos interdisciplinares, o que na prática, porém, se mostra difícil devido ao fechamento das linguagens teóricas. Nesse sentido, é de fato necessário Abrir as Ciências Sociais (Wallerstein et al. 1996). A chamada para estudos interdisciplinares levou novamente a discussões sobre a relação entre economia e sociologia, muitas vezes sob o título de socioeconomia. Na situação atual, complexa, global, social e econômica e em suas múltiplas inter-relações com aspectos sociais, políticos, culturais, ideológicos, tecnológicos e relacionados à comunicação, a pesquisa social deve ir mais longe e se envolver em intercâmbios com a economia política, a política ciências, antropologia e ciências históricas e, além disso, com vozes do mundo real.

Quando nos voltamos para os clássicos em busca de orientação, não podemos encontrá-lo nos objetos abordados ou nos problemas levantados, mas sim em sua consciência histórica, suas perspectivas realistas e sua ampla gama de interesses que permitiram uma abordagem implicitamente transdisciplinar, bem como em seu reconhecimento da ambivalência da realidade. Dessa forma, suas abordagens podem nos permitir ver como nosso mundo e a percepção dele mudaram e estão mudando, e como podemos chegar mais perto de apreender algumas instâncias da realidade de nosso próprio mundo.

Abordar a relação entre os aspectos econômicos e sociais da realidade sob o título de sociologia econômica significa não tanto aplicar conceitos, teorias e métodos sociológicos, mas assumir uma posição social em relação à economia. Isso significa lembrar que o objetivo final da ciência é servir ao sustento do homem, ou seja, a sobrevivência e bem-estar da humanidade, ou melhor, de todas as pessoas nesta terra e, se possível, em cooperação com elas. Para tanto, a sociologia econômica, como parte de uma ciência social global em desenvolvimento, deve ser empreendida e deve permitir a descoberta de idéias que possam contribuir para resolver os problemas de nosso tempo, levando em consideração a história e o futuro.

Depois dos Clássicos

Apesar da sua base nos clássicos, a sociologia económica declinou após 1920 e não voltaria a vigorar plenamente antes da década de 1980. Exatamente por que isso aconteceu ainda não está claro. Uma razão é provavelmente que nem Weber nem Simmel tiveram discípulos. Durkheim o fez, entretanto, e o estudo de Marcel Mauss, The Gift (1925), deve ser destacado. Baseia-se no argumento de que um presente implica normalmente uma obrigação de retribuição e não deve ser confundido com um ato unilateral de generosidade. The Gift também contém uma série de observações interessantes sobre o crédito, o conceito de juros e a emergência do homo economicus. Eventualmente, porém, a sociologia económica durkheimiana declinou. Apesar do abrandamento da sociologia económica durante os anos 1920-80, houve vários desenvolvimentos dignos de nota, especialmente os trabalhos teóricos de Joseph Schumpeter, Karl Polanyi e Talcott Parsons (para contribuições de outros sociólogos durante este período, ver Swedberg 1987, 42–62). Todos os três produziram as suas obras mais importantes enquanto estavam nos Estados Unidos, mas tinham raízes no pensamento social europeu.

José Schumpeter

Introduzimos Schumpeter (1883-1950), um economista, salientando algumas contribuições de economistas de um modo mais geral para a sociologia económica. Um exemplo é Alfred Marshall (1842-1924), cujas análises de tópicos como indústrias, mercados e formação de preferências são frequentemente de natureza profundamente sociológica (Marshall [1920] 1961, 1919; cf. Aspers 1999). Vilfredo Pareto (1848–1923) é famoso pelas suas análises sociológicas de rentistas versus especuladores, ciclos económicos e muito mais (Pareto [1916] 1963; cf. Aspers 2001a). O trabalho de Thorstein Veblen (1857-1929) apareceu algumas vezes em revistas sociológicas, e as suas análises incluem tópicos como o comportamento do consumidor (“consumo conspícuo”), por que a industrialização na Inglaterra desacelerou (“a pena de assumir a liderança”) e as deficiências da economia neoclássica (Veblen [1899] 1973, [1915] 1966, [1919] 1990; cf. Tillman 1992). Uma menção final também deve ser feita a Werner Sombart (1863-1941), que escreveu sobre a história do capitalismo, sobre “o temperamento económico do nosso tempo” e sobre a necessidade de uma “economia verstehende” (1902-27, 1930, 1935). As contribuições de Schumpeter são especialmente dignas de nota (ver, por exemplo, Swedberg 1991b). A sua vida abrangeu dois períodos na economia moderna – o período por volta da viragem do século, quando a economia moderna nasceu, e o período de algumas décadas mais tarde, quando foi matematizada e garantiu o seu lugar como “mainstream”. Schumpeter também abrangeu dois períodos distintos na sociologia – de Max Weber, na primeira década do século XX, até Talcott Parsons, nas décadas de 1930 e 1940. Schumpeter também é único entre os economistas por tentar criar um lugar para a sociologia económica ao lado da teoria económica. Neste último esforço, Schumpeter inspirou-se claramente em Weber e, tal como este último, referiu-se a este tipo de economia ampla como Sozialökonomik, ou “economia social”. Schumpeter define a sociologia econômica como o estudo das instituições, dentro das quais ocorre o comportamento econômico (por exemplo, 1954, 21). Schumpeter produziu três estudos em sociologia. O primeiro é um artigo sobre classes sociais que é interessante por causa da distinção entre o uso do conceito de classe por economistas e sociólogos. Enquanto para o primeiro, argumenta ele, a classe é uma categoria formal, para o segundo refere-se a uma realidade viva. O segundo estudo é um artigo sobre a natureza do imperialismo que pode ser comparado às teorias equivalentes de Hobson, Lenin e outros. A ideia básica de Schumpeter é que o imperialismo é pré-capitalista e profundamente irracional e emocional por natureza – essencialmente uma expressão para as nações guerreiras da sua necessidade de conquistar constantemente novas áreas ou recuar e perder o seu poder. O terceiro estudo é talvez o mais interessante do ponto de vista da sociologia económica contemporânea, “A Crise do Estado Fiscal” (1918). Schumpeter caracteriza este artigo como um estudo de “sociologia fiscal” (Finanzsoziologie); a sua tese principal é que as finanças de um Estado representam uma posição privilegiada a partir da qual se pode abordar o comportamento do Estado. Como lema, Schumpeter cita a famosa frase de Rudolf Goldscheid: “O orçamento é o esqueleto do Estado despojado de toda ideologia enganosa (Schumpeter [1918] 1991, 100). Schumpeter não considerou Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942) como um trabalho de sociologia, mas a sua tese principal é, no entanto, de natureza sociológica: o motor do capitalismo está intacto, mas a sua estrutura institucional é fraca e danificada, tornando provável que o socialismo logo substitua-o. Neste ponto Schumpeter estava evidentemente errado. A sua análise das forças que estão a minar o capitalismo pode parecer por vezes idiossincrática. No entanto, deve ser dado crédito a Schumpeter por sugerir que o comportamento dos intelectuais, a estrutura da família moderna, e assim por diante, afectam o capitalismo. De especial importância são as suas percepções sobre a mudança económica ou, como Schumpeter expressou com o seu habitual talento estilístico, “destruição criativa”. O empreendedorismo está no cerne do tratamento dado por Schumpeter às mudanças económicas (1912, cap. 2; 1934, cap. 2; 2003). Ele próprio via a sua teoria do empreendedorismo como uma queda na teoria económica, mais precisamente como uma tentativa de criar um tipo novo e mais dinâmico de teoria económica. No entanto, muitas de suas ideias sobre empreendedorismo são de natureza sociológica. A sua ideia central – de que o empreendedorismo consiste numa tentativa de reunir uma nova combinação de elementos já existentes – pode ser lida sociologicamente, assim como a sua ideia de que o principal inimigo do empreendedor são as pessoas que resistir às inovações.

Karl Polanyi

Formado em direito, Polanyi (1886–1964) mais tarde aprendeu sozinho economia austríaca, bem como história econômica e antropologia econômica. Embora tivesse uma abordagem interdisciplinar, sua principal especialidade era história econômica, com ênfase na Inglaterra do século XIX e nas economias pré-industriais. A obra mais famosa de Polanyi é A Grande Transformação (1944), concebida e escrita durante a Segunda Guerra Mundial (por exemplo, Block 2001, 2003). A sua tese principal é que foi feita uma tentativa revolucionária na Inglaterra do século XIX para introduzir um tipo de sociedade totalmente novo e centrado no mercado. Nenhuma autoridade externa foi necessária; tudo deveria ser automaticamente decidido pelo mercado (“o mercado autorregulado”). Nas décadas de 1840 e 1850, uma série de leis foi introduzida para transformar este projecto em realidade, transformando a terra e o trabalho em mercadorias comuns. Até o valor do dinheiro foi retirado às autoridades políticas e entregue ao mercado. Segundo Polanyi, este tipo de procedimento só poderia levar a uma catástrofe. Quando os efeitos negativos das reformas de mercado se tornaram óbvios na segunda metade do século XIX, continua Polanyi, foram tomadas contramedidas para os corrigir (“o duplo movimento”). Estas medidas, no entanto, apenas desequilibraram ainda mais a sociedade; e desenvolvimentos como o fascismo no século XX foram os resultados finais da tentativa malfadada, na Inglaterra de meados do século XIX, de entregar tudo ao mercado. Polanyi também lançou a sua análise em termos de interesses e argumentou que em todas as sociedades, antes do século XIX, os interesses gerais de grupos e sociedades (“interesses sociais”) tinham sido mais importantes do que o interesse monetário do indivíduo (“interesse económico” ). “Uma concepção muito estreita de juros”, enfatiza Polanyi, “deve, na verdade, levar a uma visão distorcida da história social e política, e nenhuma definição puramente monetária de juros pode deixar espaço para essa necessidade vital de proteção social” ([1944] 1957 , 154). A parte teórica de A Grande Transformação centra-se nos conceitos de Polanyi de “inserção” e “princípios de comportamento” (posteriormente alterados para “formas de integração”). A elaboração mais completa desta linha de trabalho pode ser encontrada em Trade and Market in the Early Empires (Polanyi, Arensberg e Pearson [1957] 1971), e especialmente no ensaio de Polanyi “The Economy as Instituted Process” ([1957] 1971 ). Polanyi criticou a teoria económica por ser essencialmente “formal” – um tipo de lógica centrada na escolha, na relação meio-fim e na alegada escassez de coisas que as pessoas desejam. Há também “a falácia economicista”, ou a tendência na economia de equiparar a economia à sua forma de mercado ([1944] 1957, 270). Ao conceito formal de economia Polanyi contrapõe um conceito “substantivo”, baseado na realidade e não na lógica. “O significado substantivo de econômico deriva da dependência do homem, para viver, da natureza e de seus semelhantes” ([1957] 1971b, 243). Embora a noção de interesse económico esteja directamente ligada ao “meio de subsistência do homem” na economia substantiva, é apenas uma construção artificial na economia formal (Polanyi 1977). O conceito mais famoso associado ao trabalho de Polanyi é o de “encaixe”, que, no entanto, ele utilizou de uma forma diferente do seu uso contemporâneo. De acordo com o uso corrente, uma acção económica está, em princípio, sempre “incorporada” em alguma forma de estrutura social. De acordo com Polanyi, as acções económicas tornam-se destrutivas quando são “desenraizadas” ou não são governadas por autoridades sociais ou não económicas. O verdadeiro problema do capitalismo é que, em vez de a sociedade decidir sobre a economia, é a economia que decide sobre a sociedade: “em vez de o sistema económico estar incorporado nas relações sociais, essas relações estavam agora incorporadas no sistema económico” ([1947] 1982, 70). Outro conjunto de ferramentas conceptuais para a sociologia económica são as “formas de integração” de Polanyi. O seu argumento geral é que o interesse próprio racional é demasiado instável para constituir a base da sociedade; uma economia deve ser capaz de fornecer às pessoas sustento material de forma contínua. Existem três formas de integração, ou formas de estabilizar a economia e proporcionar-lhe unidade. São elas a reciprocidade, que ocorre dentro de grupos simétricos, como famílias, grupos de parentesco e bairros; redistribuição, na qual os bens são alocados a partir de um centro da comunidade, como o estado; e troca, em que os bens são distribuídos através de mercados formadores de preços (Polanyi [1957] 1971b). Em cada economia, especifica Polanyi, há normalmente uma mistura destas três formas. Um deles pode ser dominante, enquanto os outros são subordinados.

Talcott Parsons

Talcott Parsons (1902–79) foi educado como economista na tradição institucionalista e ensinou economia durante vários anos antes de mudar para a sociologia na década de 1930. Nesta altura, ele desenvolveu a noção de que enquanto a economia lida com a relação meio-fim da acção social, a sociologia lida com os seus valores (“a visão do factor analítico”). Na década de 1950, Parsons reformulou as suas ideias sobre a relação entre a economia e a sociologia, num trabalho de coautoria com Neil Smelser, Economia e Sociedade (1956). Este trabalho constitui a principal contribuição de Parsons para a sociologia económica, mas tanto antes como depois da sua publicação, Parsons produziu uma série de estudos relevantes para a sociologia económica (Camic 1987; Swedberg 1991a). Em A Estrutura da Acção Social (1937), Parsons lançou um ataque contundente ao pensamento social utilitário, incluindo a ideia de que os interesses representam um ponto arquimediano a partir do qual se pode analisar a sociedade. Os teóricos do interesse, observa Parsons, não conseguem lidar com o problema hobbesiano da ordem; tentam sair deste dilema assumindo que os interesses de todos se harmonizam (o que Elie Halévy referiu como “a identidade natural dos interesses”; Parsons [1937] 1968, 96-97). O que não é compreendido pelos utilitaristas é que as normas (que incorporam valores) são necessárias para integrar a sociedade e proporcionar ordem. Os interesses sempre fazem parte da sociedade, mas uma ordem social não pode ser construída sobre eles (405). Em Economia e Sociedade (1956), Parsons e Smelser sugeriram que tanto a sociologia como a economia podem ser entendidas como parte da teoria geral dos sistemas sociais. A economia é um subsistema que interage com os outros três subsistemas (o sistema político, o subsistema integrativo e o subsistema motivacional-cultural). O conceito de subsistema lembra a noção de esfera de Weber, mas embora esta última se refira apenas a valores, o subsistema económico também tem uma função adaptativa, bem como uma estrutura institucional distinta. Finalmente, pode ser mencionado que Economia e Sociedade tiveram uma recepção negativa por parte dos economistas e não conseguiram despertar o interesse pela sociologia económica entre os sociólogos. A tentativa de Smelser de consolidar a sociologia económica na década seguinte ajudou a fixar a sociologia económica como um subcampo nas mentes dos académicos e nos currículos das faculdades e universidades, mas não gerou novas linhas distintas de investigação (ver especialmente Smelser 1963, 1965, 1976) .

2. A sociologia carece de uma tradição dominante.

Várias abordagens e escolas sociológicas diferem e competem entre si, e esta circunstância afectou a sociologia económica. Por exemplo, Weber era céptico quanto à noção de “sistema” social, quer fosse aplicado à economia ou à sociedade, enquanto Parsons via a sociedade como um sistema e a economia como um dos seus subsistemas. Além disso, mesmo que todos os sociólogos económicos aceitassem a definição de sociologia económica que oferecemos, eles centram-se em diferentes tipos de comportamento económico. Alguns fazem-no seguindo a sugestão de Arrow (1990, 140) de que sociólogos e economistas colocam questões diferentes – sobre o consumo, por exemplo. Outros, incluindo a chamada nova sociologia económica (ver Granovetter 1990 para uma declaração programática), argumentam que a sociologia deveria concentrar-se directamente nas instituições e problemas económicos centrais. Feitas estas advertências, uma comparação entre as características centrais da economia dominante e da sociologia económica esclarecerá a natureza específica da perspectiva sociológica. As seguintes diferenças são mais salientes.

O Conceito de Actor

Falando de maneira direta, o ponto de partida analítico da economia é o indivíduo; os pontos de partida analíticos da sociologia económica são tipicamente grupos, instituições e sociedade. Na microeconomia, a abordagem individualista tem as suas origens no utilitarismo e na economia política britânicos. Esta orientação foi elucidada sistematicamente pelo economista austríaco Carl Menger e recebeu o rótulo de individualismo metodológico por Schumpeter (1908, 90; para uma história do individualismo metodológico, ver Udehn 2001). Em contraste, ao discutir o indivíduo, o sociólogo centra-se muitas vezes no actor como uma entidade socialmente construída, como “ator-em-interação” ou “ator-em-sociedade”. Além disso, muitas vezes os sociólogos tomam o grupo e os níveis sócio-estruturais como fenómenos sui generis, sem referência ao actor individual. O individualismo metodológico não precisa ser logicamente incompatível com uma abordagem sociológica. No seu capítulo teórico introdutório a Economia e Sociedade, Weber construiu toda a sua sociologia com base nas ações individuais. Mas estas acções interessam ao sociólogo apenas na medida em que são acções sociais ou “têm em conta o comportamento de outros indivíduos e, portanto, são orientadas no seu curso” (Weber [1922] 1978, 4). Esta formulação sublinha uma segunda diferença entre a microeconomia e a sociologia económica: a primeira assume geralmente que os actores não estão ligados uns aos outros; o último pressupõe que os atores estão ligados e influenciam uns aos outros. Argumentamos abaixo que esta diferença tem implicações no modo como as economias funcionam.

O Conceito de Acção Económica

Na micoeconomia, assume-se que o actor tem um conjunto determinado e estável de preferências e escolhe aquela linha de acção alternativa que maximiza a utilidade. Na teoria económica, esta forma de agir constitui uma acção economicamente racional. A sociologia, pelo contrário, abrange vários tipos possíveis de acção económica. Para ilustrar novamente com Weber, a acção económica pode ser racional, tradicional ou afectiva (Weber [1922] 1978, 24-26, 63-68). Exceptuando a menção residual a “hábitos” e “regras práticas”, os economistas não dão lugar à acção económica tradicional (que, sem dúvida, constitui a sua forma mais comum; ver, no entanto, Akerlof 1984; Schlicht 1998).

Outra diferença entre a microeconomia e a sociologia económica neste contexto diz respeito ao âmbito da acção racional. O economista tradicionalmente identifica a ação racional com o uso eficiente de recursos escassos. A visão do sociólogo é, mais uma vez, mais ampla. Weber referiu-se à maximização convencional da utilidade, em condições de escassez, como racionalidade formal. Além disso, porém, ele identificou a racionalidade substantiva, que se refere à alocação dentro das diretrizes de outros princípios, como lealdades comunitárias ou valores sagrados. Uma outra diferença reside no facto de os economistas considerarem a racionalidade como uma suposição, enquanto a maioria dos sociólogos a consideram como uma variável (ver Stinchcombe 1986, 5-6). Por um lado, as ações de alguns indivíduos ou grupos podem ser mais racionais do que outros (cf. Akerlof 1990). Na mesma linha, os sociólogos tendem a considerar a racionalidade como um fenômeno a ser explicado, e não presumido. Weber dedicou grande parte da sua sociologia económica a especificar as condições sociais sob as quais a racionalidade formal é possível, e Parsons ([1940] 1954) argumentou que a racionalidade económica era um sistema de normas – e não um universal psicológico – associado a processos de desenvolvimento específicos no Ocidente.  Outra diferença emerge no estatuto do significado na acção económica. Os economistas tendem a considerar o significado da acção económica como derivável da relação entre determinados gostos, por um lado, e os preços e quantidades de bens e serviços, por outro. A conceituação de Weber tem um sabor diferente: “o a ação [na sociologia] deve. . . trazer à tona o fato de que todos os processos e objetos “econômicos” são caracterizados como tais inteiramente pelo significado que têm para a ação humana” ([1922] 1978, 64). Os significados são construídos historicamente e devem ser investigados empiricamente, e não devem ser simplesmente derivados de suposições e circunstâncias externas. Finalmente, os sociólogos tendem a dar um lugar mais amplo e mais saliente à dimensão do poder na acção económica. Weber ([1922] 1978, 67) insistiu que “[é] essencial incluir o critério do poder de controlo e disposição (Verfügungsgewalt) no conceito sociológico de acção económica”, acrescentando que isto se aplica especialmente na economia capitalista. Em contraste, a microeconomia tendeu a considerar a acção económica como uma troca entre iguais e, portanto, teve dificuldade em incorporar a dimensão do poder (Galbraith 1973, 1984). Na tradição da concorrência perfeita, nenhum comprador ou vendedor tem o poder de influenciar o preço ou a produção. É também verdade que os economistas têm uma tradição de analisar a concorrência imperfeita – na qual o poder de controlar os preços e a produção é o ingrediente principal – e que a ideia de “poder de mercado” é utilizada na economia do trabalho e industrial (por exemplo, Scherer 1990). Ainda assim, a concepção económica de poder é tipicamente mais restrita do que a noção de poder económico do sociólogo, que inclui o seu exercício em contextos sociais (especialmente políticos e de classe), bem como de mercado. Num estudo sobre o poder do sistema bancário dos EUA, por exemplo, Mintz e Schwartz (1985) analisam como os bancos e as indústrias se interligam, como certos bancos se agrupam em grupos e como os bancos por vezes intervêm nas empresas para impor decisões económicas. De forma mais geral, os sociólogos analisaram e debateram a questão das implicações políticas da desigualdade de riqueza e até que ponto os líderes empresariais constituem uma “elite do poder” em toda a sociedade (por exemplo, Mills 1956; Dahl 1958; Domhoff e Dye 1987; Keister 2000).

Limitações à Acção Económica

Na economia dominante, as acções são limitadas pelos gostos e pela escassez de recursos, incluindo a tecnologia. Uma vez conhecidos estes, é em princípio possível prever o comportamento do ator, uma vez que ele ou ela tentará sempre maximizar a utilidade ou o lucro. A influência activa de outras pessoas e grupos, bem como a influência das estruturas institucionais, é colocada de lado. Knight codificou isso da seguinte maneira: “Cada membro da sociedade deve agir apenas como indivíduo, com total independência de todas as outras pessoas” ([1921] 1985, 78). Os sociólogos levam directamente em conta essas influências na análise da acção económica. Outros intervenientes facilitam, desviam e restringem a ação dos indivíduos no mercado. Por exemplo, uma amizade entre um comprador e um vendedor pode impedir que o comprador abandone o vendedor apenas porque um item é vendido a um preço mais baixo noutro local (por exemplo, Dore 1983). Os significados culturais também afectam escolhas que de outra forma poderiam ser consideradas “racionais”. Nos Estados Unidos, por exemplo, é difícil persuadir as pessoas a comprar cães e gatos para alimentação, embora a sua carne seja tão nutritiva e mais barata do que outros tipos (Sahlins 1976, 170-79). Além disso, a posição de uma pessoa na estrutura social condiciona as suas escolhas económicas e a sua actividade. Stinchcombe (1975) evocou o princípio de que as restrições estruturais influenciam as decisões de carreira de maneiras que vão contra as considerações de retorno económico. Por exemplo, para uma pessoa que cresce num bairro de alta criminalidade, a escolha entre fazer uma carreira roubando e conseguir um emprego tem muitas vezes menos a ver com a utilidade comparativa destas duas alternativas do que com a estrutura dos grupos de pares e gangues em que vivem. a vizinhança.

A Economia em Relação com a Sociedade

 Os focos principais do economista convencional são o intercâmbio económico, o mercado e a economia. Em grande medida, o resto da sociedade situa-se para além de onde as variáveis operativas da mudança económica realmente importam (ver Quirk 1976, 2–4; Arrow 1990, 138–39). Os pressupostos económicos normalmente pressupõem parâmetros sociais estáveis. Por exemplo, o pressuposto de longa data de que a análise económica trata de transacções pacíficas e legais, e não de força e fraude, envolve pressupostos importantes sobre a legitimidade e a estabilidade do Estado e do sistema jurídico. Desta forma, os parâmetros sociais – que certamente afectariam o processo económico se o sistema jurídico político se desintegrasse – são congelados por suposição e, portanto, são omitidos da análise. Nos últimos tempos, os economistas têm-se voltado para a análise da razão pela qual as instituições surgem e persistem, especialmente na nova economia institucional e na teoria dos jogos. Eles variaram os efeitos dos arranjos institucionais em vários experimentos lógicos (ver, por exemplo, Eggertsson 1990; Furubotn e Richter 1997). No entanto, o contraste com a sociologia económica permanece.

Abordagens Comparativas e Históricas da Sociologia Econômica

Os estudiosos do comportamento económico há muito que subscrevem a visão do senso comum de que as leis naturais governam a vida económica. Na disciplina da economia, a visão predominante é que o comportamento económico é determinado exogenamente, por uma força externa à sociedade, e não endogenamente, por forças internas. O interesse próprio é essa força e é exógeno à sociedade porque é inato – parte da natureza humana. O interesse próprio orienta o comportamento humano em direção aos meios mais eficientes para fins específicos. Se o comportamento económico é instintivo, prossegue o raciocínio, precisamos de saber pouco sobre a sociedade para prever o comportamento. Os sociólogos sempre acharam esta abordagem atraente, até porque apoia a visão iluminista de que o universo é cognoscível – que pode ser compreendido pela ciência. Há algo inerentemente atraente nas fórmulas matemáticas convincentes que podem explicar a velocidade da luz ou o preço que as pessoas pagam pelo café. No entanto, os sociólogos sempre fizeram comparações entre sociedades e ao longo do tempo, e invariavelmente chegam à conclusão de que a maior parte do comportamento económico só pode ser explicada pela própria sociedade – pelo contexto. Se você administra uma fazenda na Croácia ou na Sicília, é muito importante para o seu comportamento. Não podemos prever muito sobre como irá gerir uma ferrovia em Cleveland sem saber se o ano é 1880 ou 1980. Estudos históricos e comparativos iluminam o papel da sociedade na formação do comportamento económico como nada mais consegue. A disciplina da sociologia foi lançada por homens que buscavam compreender a modernidade. Como é que as sociedades passaram a ser organizadas em torno do progresso, da racionalidade e da ciência, quando durante tanto tempo foram organizadas em torno da tradição, do mito e do ritual? Os sociólogos enfrentaram esta questão fazendo comparações entre sociedades e ao longo do tempo. Estas comparações foram motivadas pela observação de que o contexto social molda o comportamento económico – que o comportamento racional moderno é aprendido e não inato. O método comparativo e histórico é uma das vantagens comparativas da sociologia. Os sociólogos utilizam este método com mais frequência do que os economistas, e o próprio método tende a realçar diferenças contextuais no comportamento económico. Esta diferença entre as disciplinas surgiu apenas gradualmente, pois as duas disciplinas começaram como uma só. À medida que a economia se movia em direcção a modelos de actores racionais altamente estilizados e se afastava dos estudos comparativos e históricos, os primeiros analistas que enfatizavam o papel das instituições sociais na formação do comportamento económico, incluindo Karl Marx e Max Weber, foram rejeitados pelos economistas e abraçados pelos sociólogos. Marx, Weber e Émile Durkheim procuraram compreender a ascensão do comportamento económico moderno comparando as sociedades pré-capitalistas ao capitalismo. Marx explorou a transição do feudalismo para o capitalismo; Weber, o impulso capitalista que surgiu com o protestantismo; e Durkheim, a ascensão da divisão do trabalho no capitalismo. Como o capitalismo estava na sua infância, ninguém tinha a certeza de que o capitalismo industrial moderno tomaria formas muito diferentes, embora Weber tenha descrito uma série de formas diferentes, incluindo saque, política, imperialista, colonial, aventura e capitalismo fiscal (1978, 164-67; ver também Swedberg 1998, 47). Os métodos comparativos e históricos que estes homens desenvolveram foram concebidos para explicar por que o comportamento humano variou ao longo do tempo e entre contextos. Os analistas históricos muitas vezes baseiam-se directamente na problemática que Marx, Durkheim e Weber esboçaram – como surgiram as práticas económicas modernas? Os analistas comparativos muitas vezes tomam outro rumo, tentando compreender as forças sociais que fazem com que os sistemas económicos modernos difiram tão dramaticamente. Se a natureza humana impulsiona a evolução dos sistemas económicos e se a natureza humana é universal, porque é que os sistemas económicos assumem tais diferenças? formulários? Trabalhos históricos e comparativos em sociologia económica apontam para a própria sociedade, sugerindo que as sociedades se desenvolvem ao longo de trajetórias diferentes por razões que têm a ver com a história e o acaso. Neste capítulo reviso trabalhos históricos e comparativos em sociologia económica que procuram explicar a variação substancial encontrada no comportamento económico ao longo do tempo e do espaço. Embora a maioria dos sociólogos partilhe a opinião de que os padrões de comportamento económico são impulsionados por processos sociais e não apenas pelo instinto, eles argumentam que diferentes tipos de processos sociais são primários. Alguns centram-se nas relações de poder, outros nas instituições e convenções sociais e ainda outros nas redes e papéis sociais. Os sociólogos comparativos e históricos já trataram estas perspectivas como alternativas, mas cada vez mais as tratam como complementares. Em seguida, reviso os fundamentos teóricos das abordagens de poder, institucionais e de rede. Em seguida, esboço os métodos analíticos usados ​​pelos sociólogos históricos e comparativos antes de passar para uma revisão de estudos empíricos.

Como o poder, as instituições e as redes moldam o comportamento económico

A maioria dos sociólogos económicos procede de forma indutiva, observando como o comportamento económico varia ao longo do tempo ou entre países e atribuindo essa variação a algo relacionado com o contexto social. Isto é bastante diferente da abordagem da maioria dos economistas neoclássicos, que partem dedutivamente da premissa de que o interesse próprio individual explica o comportamento económico. Os estudos sobre o investimento entre os primeiros protestantes, a gestão de novas empresas no sector orientado para o mercado da China e a estratégia empresarial entre os produtores de vinho argentinos produziram uma miríade de insights sobre as forças que moldam o comportamento económico. Mas um de três processos sociais diferentes está normalmente no cerne da questão, e estes processos foram explicitados nas teorias do poder, institucionais e de redes. Poder As relações de poder moldam o comportamento económico, tanto directamente, como quando uma empresa poderosa dá ordens a um fornecedor fraco, como indirectamente, como quando um grupo industrial poderoso molda a regulamentação em seu próprio benefício. A teoria estrutural do poder é a herdeira direta das ideias de Marx, mesmo que nem todos os seus praticantes se autodenominassem marxistas. Eles incluem Neil Fligstein (1990), William Roy (1997), Beth Mintz e Michael Schwartz (1985), Michael Useem (1996) e Charles Perrow (2002). A sua preocupação é saber como grupos poderosos conseguem promover práticas e políticas públicas que são do seu interesse como sendo do interesse comum. Marx descreveu o Estado capitalista como uma ferramenta da classe capitalista, o que justificou a sua existência sob o pretexto do liberalismo político. A sua ideia era que os estados modernos servissem um grupo enquanto afirmavam incorporar princípios que beneficiam a todos. Os teóricos estruturais do poder exploram o papel que o poder desempenha na determinação das políticas estatais, das estratégias corporativas e dos comportamentos individuais que consideramos transparentemente racionais. Quando um determinado grupo consegue promover a sua política pública ou estratégia empresarial favorita – ao fazer dessa abordagem a nova convenção – esse grupo pode reforçar o seu próprio poder ou riqueza sem ter de exercer coerção constante.

Novas instituições na sociologia económica

O foco nas instituições como um conceito fundamental nas ciências sociais deu origem a uma variedade de novas abordagens institucionalistas. Desde a revolução comportamental da década de 1950, nunca houve tanto interesse num conceito interdisciplinar, que oferecesse um tema comum para intercâmbio e debate. Os escritos de, Ronald Coase, Douglass North e Oliver Williamson sobre a emergência endógena e a evolução das instituições económicas inspiraram um movimento de base ampla na economia.

Ronald Coase

Como é que a China se tornou capitalista (2012)

A China tornou-se rapidamente a maior economia dos EUA. De acordo com um estudo da OCDE, o Reino Médio deverá ser o número um do mundo até 2016, o mais tardar.

Do comunismo ao capitalismo. Existe um plano mestre daqueles que estão no poder por trás disso? Não, dizem Ronald Coase e Ning Wang. Foram revoluções marginais que abriram gradativamente o país ao mercado e ao empreendedorismo.

Coase e Wang traçam com conhecimento de causa o processo de aprendizagem da economia da China. Será que o país conseguirá livrar-se da sua reputação de bancada de trabalho mundial? Enquanto os bancos estatais alocarem dinheiro com base no nível de relacionamento com Pequim, os fundadores e empresários da China terão dificuldade em implementar as suas ideias e entrar no mercado.

Douglass North

Instituições, Mudança institucional e desempenho económico (1990)

Continuando a sua análise inovadora das estruturas económicas, Douglass North desenvolve um quadro analítico para explicar as formas como as instituições e as mudanças institucionais afectam o desempenho das economias, tanto num determinado momento como ao longo do tempo. As instituições existem, argumenta ele, devido às incertezas envolvidas na interação humana; são as restrições concebidas para estruturar essa interação. No entanto, as instituições variam amplamente nas suas consequências para o desempenho económico; algumas economias desenvolvem instituições que produzem crescimento e desenvolvimento, enquanto outras desenvolvem instituições que produzem estagnação. North primeiro explora a natureza das instituições e explica o papel dos custos de transação e produção no seu desenvolvimento. A segunda parte do livro trata da mudança institucional. As instituições criam a estrutura de incentivos numa economia e serão criadas organizações para tirar partido das oportunidades oferecidas num determinado quadro institucional. North argumenta que os tipos de competências e conhecimentos promovidos pela estrutura de uma economia moldarão a direcção da mudança e alterarão gradualmente o quadro institucional. Ele então explica como o desenvolvimento institucional pode levar a um padrão de desenvolvimento dependente da trajetória. Na parte final do livro, North explica as implicações desta análise para a teoria económica e a história económica. Ele indica como a análise institucional deve ser incorporada na teoria neoclássica e explora o potencial para a construção de uma teoria dinâmica de mudança económica a longo prazo. Douglas C. North é Diretor do Centro de Economia Política e Professor de Economia e História na Universidade de Washington em St. Louis. Ele é ex-presidente da Associação de História Econômica e da Associação de Economia Ocidental e membro da Academia Americana de Artes e Ciências. Ele escreveu mais de sessenta artigos para diversas revistas e é autor de The Rise of the Western World: A New Economic History (CUP, 1973, com RP Thomas) e Structure and Change in Economic History (Norton, 1981). O professor North está incluído em Great Economists Since Keynes, editado por M. Blaug (CUP, edição em brochura de 1988). Ele escreveu mais de sessenta artigos para diversas revistas e é autor de The Rise of the Western World: A New Economic History (CUP, 1973, com RP Thomas) e Structure and Change in Economic History (Norton, 1981). O professor North está incluído em Great Economists Since Keynes, editado por M. Blaug (CUP, edição em brochura de 1988). Ele escreveu mais de sessenta artigos para diversas revistas e é autor de The Rise of the Western World: A New Economic History (CUP, 1973, com RP Thomas) e Structure and Change in Economic History (Norton, 1981). O professor North está incluído em Great Economists Since Keynes, editado por M. Blaug (CUP, edição em brochura de 1988).

 

Compreendendo o processo de mudança economica (2010)

Neste trabalho marcante, um economista vencedor do Prémio Nobel desenvolve uma nova forma de compreender o processo através do qual as economias mudam. Douglass North inspirou uma revolução na história económica há uma geração, ao demonstrar que o desempenho económico é determinado em grande parte pelo tipo e pela qualidade das instituições que apoiam os mercados. Como demonstrou em dois livros já clássicos que inspiraram a Nova Economia Institucional (hoje um subcampo da economia), os direitos de propriedade e os custos de transação são determinantes fundamentais. Aqui, North explica como diferentes sociedades chegam à infra-estrutura institucional que determina grandemente as suas trajectórias económicas. North argumenta que a mudança económica depende em grande parte da “eficiência adaptativa”, da eficácia de uma sociedade na criação de instituições que sejam produtivas, estáveis, justas e amplamente aceites – e, importante, flexível o suficiente para ser alterado ou substituído em resposta ao feedback político e económico. Embora aderindo à sua definição anterior de instituições como as regras formais e informais que restringem o comportamento económico humano, ele alarga a sua análise para explorar os determinantes mais profundos de como essas regras evoluem e como as economias mudam. Baseando-se em trabalhos recentes de psicólogos, ele identifica a intencionalidade como a variável crucial e prossegue demonstrando como a intencionalidade emerge como produto da aprendizagem social e como molda então as bases institucionais da economia e, portanto, a sua capacidade de adaptação às circunstâncias em mudança. A compreensão do Processo de Mudança Económica leva em conta não só as mudanças institucionais passadas, mas também o desempenho diversificado das economias actuais.

 

Oliver Williamson

Os mecanismos de governança (1996)

Este livro reúne num só lugar o trabalho de um dos nossos mais respeitados teóricos económicos, num campo no qual ele desempenhou um papel importante na criação: a Nova Economia Institucional. A economia dos custos de transação, que estuda a governança das relações contratuais, é o ramo da Nova Economia Institucional à qual Oliver Williamson está especialmente associado. A economia dos custos de transação questiona um dos alicerces fundamentais da microeconomia: a teoria da empresa. Enquanto a economia ortodoxa descreve a empresa em termos tecnológicos, como uma função de produção, a economia dos custos de transação descreve a empresa em termos organizacionais, como uma estrutura de governação. Formas alternativas viáveis de organização – empresas, mercados, híbridos, agências – são examinadas comparativamente. A ação analítica reside nos detalhes das transações e nos mecanismos de governança. A economia dos custos de transacção teve uma influência generalizada no pensamento económico actual sobre como e porquê as instituições funcionam como funcionam, e tornou-se um quadro prático para a investigação nas organizações por representantes de uma variedade de disciplinas. Através de uma análise dos custos de transação, Os Mecanismos de Governança mostra como e por que os contratos simples dão lugar a contratos complexos e à organização interna à medida que os riscos da contratação aumentam. Isso complica o estudo da organização económica, mas o resultado é uma teoria da organização mais rica e relevante. Muitas implicações e lições testáveis para políticas públicas resultam deste quadro. As aplicações de ambos os tipos são numerosas e crescentes. Escrito por um dos principais teóricos económicos do nosso tempo, Os Mecanismos de Governação será certamente um trabalho importante nos próximos anos. Será de interesse para estudiosos e estudantes de economia, organização, gestão e direito.

Na sociologia, os neoinstitucionalistas – principalmente John Meyer, Richard Scott, Paul DiMaggio e Walter Powell – redirecionaram o estudo das organizações analisando como o ambiente institucional e as crenças culturais moldam o seu comportamento.

John Meyer

Natureza política: o ambientalismo e a interpretação do pensamento ocidental (2001)

A preocupação com os problemas ambientais está a levar-nos a reexaminar o pensamento estabelecido sobre a sociedade e a política. O desafio é encontrar uma forma de a preocupação do público com o ambiente se tornar mais parte integrante da tomada de decisões sociais, económicas e políticas. Duas interpretações dominaram as representações ocidentais da relação natureza-política, o que John Meyer chama de dualista e derivativo. A abordagem dualista sustenta que a política – e a cultura humana em geral – está completamente separada da natureza. A explicação derivada vê o pensamento político ocidental como derivado de concepções da natureza, quer seja a teleologia aristotélica, o mecanismo semelhante a um relógio da ciência moderna inicial, ou a selecção darwiniana. Meyer examina a relação natureza-política nos escritos de dois de seus teóricos mais importantes, Aristóteles e Thomas Hobbes, e de pensadores ambientalistas contemporâneos. Ele conclui que devemos superar as limitações das interpretações dualista e derivada se quisermos compreender a relação entre natureza e política. O pensamento e a ação humanos, diz Meyer, não devem ser considerados nem superiores nem subservientes ao mundo natural não-humano, mas interdependente com ele. No capítulo final ele mostra como as lutas pelos depósitos de lixo tóxico em bairros pobres o uso da terra no oeste americano

Paul DiMaggio e Walter Powell

The New Institutionalism in organizational analysis (1991)

Há deste então uma área frutífera de escrutínio para estudantes de organizações, o estudo das instituições está passando por um renascimento nas ciências sociais contemporâneas. Este volume oferece, pela primeira vez, trabalhos de fundação frequentemente citados e os últimos escritos de estudiosos associados à abordagem "institucional" da análise organizacional. Em sua introdução, os editores discutem pontos de convergência e desacordo com pesquisas de orientação institucional em economia. e ciência política, e localizar a abordagem "institucional" em relação aos principais desenvolvimentos na teoria sociológica contemporânea. Vários capítulos consolidam os avanços teóricos da última década, identificam e esclarecem as principais ambiguidades do paradigma, e impulsionar a agenda teórica de formas inovadoras, desenvolvendo argumentos sofisticados sobre a ligação entre padrões institucionais e formas de estrutura social. Os estudos empíricos que se seguem – envolvendo tópicos tão diversos como clínicas de saúde mental, museus de arte, grandes corporações, sistemas de serviço público e políticas nacionais – ilustram o poder explicativo da teoria institucional na análise da mudança organizacional. a sociologia das organizações, o volume deve atrair estudiosos preocupados com cultura, instituições políticas e mudança social.

 

Numa mudança paralela de atenção analítica, os sociólogos económicos – Peter Evans, Neil Fligstein, Richard Swedberg e  – defendem um novo foco para explicar como as instituições interagem com as redes e normas sociais para moldar e dirigir a acção económica. O ponto de partida comum destas abordagens é a afirmação de que as instituições são importantes e que a compreensão das instituições e da mudança institucional é uma agenda central para as ciências sociais. Este capítulo não procura ser abrangente na sua cobertura dos novos institucionalismos nas ciências sociais.  Em vez disso, concentro-me selectivamente nos novos institucionalismos na economia e na sociologia como um meio de expor as características centrais de uma nova sociologia económica institucional, que traz de volta à a agenda de investigação tem um foco crucial na explicação do funcionamento de crenças, normas e instituições partilhadas na vida económica. O nosso objectivo é integrar o enfoque nas relações sociais e nas instituições numa abordagem sociológica moderna ao estudo do comportamento económico, destacando os mecanismos que regulam a forma como os elementos formais das estruturas institucionais, em combinação com a organização social informal de redes e normas, facilitam, motivar e governar a acção económica. Assim, tanto os mecanismos causais distais como os próximos são abordados e incorporados numa análise institucional comparativa da vida económica. Isto implica revisitar a visão de Weber ([1904-5] 2002; [1922] 1968) de que a racionalidade é motivada e guiada por sistemas de crenças partilhadas (religiosas e culturais), costumes, normas e instituições. Um quadro conceptual que sublinha essa racionalidade contextualizada serve de base para examinar a emergência, a persistência e a transformação das estruturas institucionais.

NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL

Na visão dos novos institucionalistas econômicos, o velho institucionalismo ofereceu descrições penetrantes e perspicazes das instituições econômicas (Veblen 1909 [1899], 1934; Mitchell 1937; Commons 1934, 1957), mas acabou falhando na tentativa de moldar a direção da economia moderna. Em vez disso, continuou a ser um movimento dissidente dentro da economia, que, como brincou Coase (1984, 230), produziu uma «massa de material descritivo à espera de uma teoria, ou de um incêndio». Tendo em mente as limitações do antigo institucionalismo económico, ele observou que «o que distingue os economistas institucionais modernos não é o facto de falarem sobre instituição, mas o facto de usarem a teoria económica padrão para analisar o funcionamento destas instituições e para descobrir a parte que planeiam na economia». operações da economia.» Kenneth Arrow (1987, 734) oferece uma avaliação semelhante em sua resposta à sua pergunta retórica: “Por que a antiga escola institucionalista fracassou tão miseravelmente, embora contivesse analistas tão competentes como Thorstein Veblen, J. R. Commons e W. C. Mitchell?” A nova economia institucional tem sido influente, pensa ele, não porque oferece “novas respostas às questões tradicionais da economia – alocação de recursos e o grau de utilização”, mas porque utiliza a teoria económica para responder “novas questões, por que razão surgiram as instituições económicas”. do jeito que eles fizeram e não de outra forma.” Sem dúvida, os novos institucionalistas económicos enexistência genérica da empresa em uma economia de mercado competitiva. Se as transacções de mercado não tivessem custos, argumentou Coase, então não haveria motivação suficiente para os empresários explorarem empresas. Mas, na verdade, todas as soluções para o problema da medição do desempenho dos agentes e da execução dos contratos são dispendiosas. A assimetria e a incerteza da informação são encontradas em todos os ambientes institucionais; portanto, os mesmos problemas de agência encontrados nos mercados também se aplicam à empresa. A característica distintiva da empresa é a suspensão do mecanismo de preços. O empresário tem o poder e a autoridade, dentro dos limites estabelecidos pelo contrato de trabalho, para direcionar trabalhadores de uma parte da empresa para outra. Assim, “as empresas surgirão para organizar o que de outra forma seriam transacções de mercado sempre que os seus custos forem inferiores aos custos de realização das transacções através do mercado” (1988, 7). Por outras palavras, a razão da existência da empresa é que “o funcionamento de um mercado custa alguma coisa” e a empresa poupa neste custo. A nova economia institucional inclui um grupo diversificado de economistas com diferenças importantes e debates contínuos.7 Concentro-me aqui em três abordagens distintas – iniciadas por Williamson, North e Greif – que são de interesse para uma nova sociologia económica institucional. O tema unificador de todos os três é a proposição de que as instituições sociais são importantes para os actores económicos porque moldam a estrutura dos incentivos. Williamson baseia-se na visão de Coase de que a assimetria de informação e a incerteza tornam difícil assegurar um compromisso credível com acordos, integrando esta visão com outras literaturas.8 A sua síntese enfatiza que a governação corporativa está principalmente preocupada em abordar o problema do oportunismo e reduzir o risco de prevaricação nos agentes. 'desempenho.9 Ao examinar os custos comparativos do planeamento, adaptação e monitorização do desempenho dos agentes, Williamson deriva previsões testáveis ​​sobre estruturas de governação alternativas. A sua previsão baseia-se em três tipos de especificidade de ativos – locais, físicos e humanos – que as empresas encontram. Dado que as empresas competem nos mercados numa selecção semelhante à darwiniana para sobreviverem e permanecerem lucrativas (Hayek 1945), estão sob pressão contínua para se adaptarem, economizando nos custos de transacção. Assim, onde a especificidade dos activos for maior, os principais e os agentes “farão esforços especiais para conceber” uma estrutura de governação com “propriedades de boa continuidade” para reforçar os incentivos para compromissos credíveis nos acordos. Por outro lado, se “os activos são inespecíficos, os mercados desfrutam de vantagens tanto no que diz respeito aos custos de produção como aos custos de governação” Williamson (1981, 558).10 A contribuição de Williamson foi construir um programa de investigação orientado pela teoria, no qual as hipóteses centrais derivadas de Coase foram verificado empiricamente. Um segundo programa de investigação estimulado pelos ensaios seminais de Coase enfatiza a importância dos direitos de propriedade na formação da estrutura de incentivos (Cheung 1970, 1974; North e Thomas 1973; Alchian e Demsetz 1973; North 1981). Cheung mostrou que num mundo neoclássico de custos de transacção zero, os direitos de propriedade privada podem ser abandonados sem negar o teorema de Coase, uma visão que North alargou para desenvolver uma nova abordagem institucionalista dos direitos de propriedade para explicar o desempenho económico. Dado que os custos de transacção constituem uma parte significativa do custo de produção e de troca, North argumentou que arranjos institucionais alternativos podem fazer a diferença entre o crescimento económico, a estagnação ou o declínio. O primeiro dos novos institucionalistas a rejeitar explicitamente a suposição de eficiência da teoria funcionalista das instituições (Schotter 1981), North afirma que, porque os incentivos são estruturados em arranjos institucionais, os incentivos perversos abundam e dão origem a direitos de propriedade que desencorajam a inovação e o empreendedorismo privado. É frequentemente rentável e mais gratificante para os intervenientes políticos criarem instituições que redistribuam a riqueza, o que pode reduzir os incentivos à inovação e à iniciativa privada. A abordagem de North é centrada no Estado, na medida em que centra a atenção analítica no papel do Estado na concepção da estrutura subjacente dos direitos de propriedade na sociedade.11 Na sua opinião, a tarefa central na explicação do crescimento económico é especificar os eventos e as condições que proporcionam incentivos para que os actores políticos estabeleçam acordos institucionais formais que apoiem direitos de propriedade eficientes.12 Na ascensão do Ocidente, isto implicou a diluição do controlo estatal sobre os recursos e a emergência de alguma forma de pluralismo político. Concebidas como “restrições criadas humanamente que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais”, as instituições na visão de North (1991, 97) consistem em regras formais como constituições, leis e direitos de propriedade e também em elementos informais como“sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta.” Embora ele tenha sido um dos primeiros a apontar os elementos informais da instituição North tem enfatizado consistentemente as “regras fundamentais do jogo” ou as regras básicas fornecidas pelas constituições e pela lei. Estes são as regras que regem os actores políticos e moldam a estrutura dos direitos de propriedade que definem e especificam as regras de concorrência e cooperação nos mercados. A importância das regras formais é amplificada nas economias de mercado modernas, onde, argumenta North, o crescimento do comércio de longa distância, da especialização e da divisão do trabalho contribui para problemas de agência e de negociação de contratos e problemas de execução. Embora os laços interpessoais, as normas sociais e as sanções como o ostracismo sejam elementos muito importantes dos acordos institucionais, não são suficientes por si só para impor compromissos credíveis nos acordos, porque “na ausência de uma contratação impessoal eficaz, os ganhos das deserções são suficientemente grandes para impedir o desenvolvimento de trocas complexas” nas economias modernas (North 1991, 100). A teoria da mudança institucional de North aplica a teoria marginalista padrão na sua ênfase na mudança dos preços relativos. A sua história económica da ascensão do Ocidente mostrou que a mudança institucional “provém de uma mudança no poder de negociação relativo dos governantes versus constituintes (ou governantes versus governantes) e, em termos gerais, as mudanças surgem devido a mudanças importantes e persistentes nos preços relativos. ”(1984, 260). As alterações nos preços relativos são, por sua vez, frequentemente impulsionadas por alterações demográficas, alterações no stock de conhecimento e alterações na tecnologia militar. A dinâmica da mudança institucional na teoria de North resulta de uma interação contínua entre instituições e organizações no contexto da competição por recursos escassos. Dado que as instituições se auto-reforçam, os interesses instalados no conjunto existente de instituições reforçam a dependência da trajectória nos esforços para rever as regras. As inovações institucionais virão dos Estados e não dos constituintes, porque os Estados geralmente não enfrentam o problema do parasitismo (exceto às vezes em assuntos internacionais), enquanto os indivíduos e os atores organizacionais são limitados na sua capacidade de implementar mudanças em grande escala devido ao problema da liberdade. montando.14 Os empresários são os agentes da mudança e as organizações são os intervenientes que respondem às mudanças nos preços relativos, que incluem mudanças no rácio dos preços dos factores, mudanças no custo da informação e mudanças na tecnologia. As organizações são agentes de mudança quando fazem lobby junto ao Estado para iniciar inovações institucionais que permitam aos actores económicos sobreviver e lucrar com as mudanças nos preços relativos. Crítico da abordagem de North, Greif (no prelo) argumenta que o seu foco nas regras formais e no poder do Estado não esclarecer por que os actores económicos seguem algumas regras, mas não outras. Embora North reconheça o papel da ideologia, das crenças culturais, das normas e das convenções, Greif afirma que a sua abordagem à análise institucional não fornece um quadro apropriado para estudar como os actores são endogenamente motivados para seguir regras não aplicadas pelo Estado. North relega crenças e normas a uma caixa negra de restrições informais e é incapaz de mostrar como as regras informais e a sua aplicação se combinam com regras formais para permitir, motivar e orientar o comportamento económico. A abordagem do próprio Greif, aplicando a teoria dos jogos para examinar como as crenças culturais moldam a relação principal-agente, dando origem e sustentando instituições económicas distintas, é discutida abaixo, na secção sobre a viragem sociológica na nova economia institucional. Granovetter contribuiu assim com o tema seminal da inserção para a revitalização do estudo sociológico da vida económica. Afirmando que mesmo quando a economia tenta levar em conta os factores sociais, a sua concepção da acção humana permanece profundamente falha, uma vez que tanto a versão subsocializada como a sobresocializada normalmente encontrada na análise económica assumem actores atomizados, o argumento de Granovetter tende a enquadrar esta revitalização da sociologia económica em termos de uma competição disciplinar com a economia. Em contraste com a ênfase da economia dos custos de transação nas hierarquias na resolução do problema da confiança, os sociólogos económicos guiados pela abordagem da integração “prestam atenção cuidadosa e sistemática aos padrões reais de relações pessoais através dos quais as transações económicas são realizadas” (504). O foco nos laços interpessoais concretos provavelmente mostrará “que tanto a ordem como a desordem, a honestidade e a má conduta têm mais a ver com estruturas de tais relações do que com a forma organizacional” (502-3). Os laços interpessoais desempenham um papel crucial tanto nos mercados como nas empresas, garantindo a confiança e servindo como um canal para informações úteis.16 Devemos notar, no entanto, que os laços interpessoais implicam custos, seja na prevenção e resolução de conflitos, seja na acumulação de obrigações. Na verdade, as relações sociais podem ser muito dispendiosas quando o conflito, a desordem, o oportunismo e a prevaricação irrompem nas redes. A análise dos custos de transacção sugere que os empresários terão esses custos em conta ao considerarem formas alternativas de organização económica, incluindo quase-empresas baseadas em redes. Apesar do contraste de enfoque, as abordagens dos custos de transação e da integração parecem concordar que as empresas geralmente preferem contextos sociais onde a negociação de acordos é menos problemática e dispendiosa. Em essência, a abordagem da integração difere da economia dos custos de transação na sua ênfase em soluções informais para resolver o problema da confiança, em oposição aos acordos institucionais formais. Não é de surpreender, portanto, que a resposta de Williamson (1994, 85) ao ensaio de Granovetter tenha sido: “A economia dos custos de transação e o raciocínio de integração são evidentemente complementares em muitos aspectos”. Embora a abordagem de integração de Granovetter tenha lançado as bases para a revitalização do estudo sociológico da vida económica, a sua única ênfase na natureza dos laços interpessoais e na estrutura das redes contribuiu para um estreitamento do âmbito da sociologia económica a partir do amplo debate institucional iniciado pelo seu fundadores. A imagem causal da abordagem da inserção, que postula a variação na estrutura subjacente das relações sociais concretas para explicar o funcionamento dos mercados e das empresas, baseia-se num quadro conceptual que limita o poder explicativo da sociologia económica às causas próximas. Além disso, a abordagem requer a construção de uma taxonomia de contextos estruturais como um passo necessário para se tornar suficientemente abstracto para gerar um quadro analítico poderoso. Em contraste, as fontes clássicas da sociologia económica nos escritos de Weber, Schumpeter e Polanyi delinearam abordagens analíticas que apontaram para uma ampla estrutura institucional. investigação de forças causais distais e mais profundas. Outra limitação é a ausência de uma especificação clara de mecanismos que expliquem por que razão os actores económicos se separam por vezes das redes existentes para prosseguirem interesses económicos. Se, como afirma Granovetter, uma rede densa de laços pessoais faz mais do que arranjos institucionais para garantir a confiança e informações úteis cruciais para transacções complexas, então porque é que os actores económicos se dissociam rotineiramente dos laços interpessoais para transaccionar em trocas de mercado? Uma característica definidora de uma economia de mercado avançada do século XXI como ordem institucional é a sua capacidade de permitir que os agentes económicos alternem praticamente sem problemas entre transacções dentro de redes estreitas e com estranhos. Em suma, a orientação para as relações sociais, e não para as instituições, desta abordagem de integração introduziu um elemento de indeterminação na nova sociologia económica, especialmente no contexto de uma economia de mercado global, onde o volume de transacções transnacionais aumentou através de inovações na tecnologia da informação que permitem transações complexas entre estranhos (Kuwabara, no prelo).

A VIRADA SOCIOLÓGICA NA NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL

Central entre as preocupações da sociologia desde as suas origens como ciência social tem sido o objetivo de explicar as instituições, como exemplificado nos trabalhos seminais de Max Weber e Émile Durkheim sobre o assunto. Não é surpreendente, portanto, que tenha havido uma espécie de “viragem sociológica” na economia, motivada por dificuldades em explicar as instituições e a mudança institucional no quadro da teoria económica (Furubotn e Richter 1993). Se está em curso uma viragem sociológica, como se manifesta no trabalho recente dos novos economistas institucionais? Até que ponto a sociologia económica influenciou o seu pensamento? Em sua arte

UMA CONTRAPERSPECTIVA DA ECONÔMICA SOCIOLOGIA

No seu influente artigo “Acção Económica e Estrutura Social” (1985) Granovetter salienta que “Os actores não se comportam ou decidem como átomos fora de um contexto social, nem aderem servilmente a um guião escrito para eles pela intersecção particular de categorias sociais”. que eles ocupam. As suas tentativas de acção intencional estão, em vez disso, incorporadas em sistemas concretos e contínuos de relações sociais” (487). Ele oferece a visão de que “as relações sociais, em vez de arranjos institucionais ou moralidade generalizada [por exemplo. crenças e normas partilhadas], são os principais responsáveis ​​pela produção de confiança na vida económica” (491). Ele critica o uso do raciocínio de custos de transação por Williamson ao explicar os limites das empresas para o que ele vê como suposições irrealistas de concepções sub e supersocializadas da ação humana, “ambas tendo em comum uma concepção de ação e decisão realizada por atores atomizados ”(485). A visão dos mercados do “estado de natureza” de Williamson, afirma Granovetter, é desprovida de referência à história de relacionamentos concretos e estruturas de rede, deixando de levar em conta “até que ponto as relações pessoais concretas e as obrigações inerentes a elas desencorajam a má conduta, bastante além dos arranjos institucionais” (489). A concepção hobbesiana de autoridade hierárquica de Williamson também se encontra num terreno instável, dada a medida em que as redes sociais congeladas nas empresas estruturam as relações de poder; portanto, “Williamson superestima enormemente a eficácia do poder hierárquico (“fiat”, em seu termo ics: Fazendo um balanço, olhando para o futuro”, Williamson (2000, 595) confessa que “ainda somos muito ignorantes sobre as instituições”, apesar do progresso alcançado ao longo do último quarto de século. “A principal causa da ignorância é que as instituições são muito complexas. . . . o pluralismo é o que promete superar a nossa ignorância.” O modelo causal multinível da economia de Williamson descreve “quatro níveis de análise social” nos quais o nível superior impõe restrições ao nível inferior. “O nível superior”, escreve ele, “é o nível de inserção social. É aqui que se localizam as normas, costumes, costumes, tradições, etc. . . . North coloca a questão: “O que há nas restrições informais que lhes confere uma influência tão generalizada sobre o carácter de longo prazo das economias?” (1991, 111). North não tem uma resposta para essa pergunta desconcertante, nem eu.” Este nível de integração influencia os três níveis inferiores: nível 2, ambiente institucional; nível 3, governança; nível 4, alocação de recursos e emprego.19 Portanto, é importante identificar e explicar “os mecanismos através dos quais as instituições informais surgem e são mantidas” (596). Assim, a perspectiva da integração está agora em processo de incorporação na nova economia institucional. Mas Williamson reconhece que, embora o nível 1 molde os parâmetros daquilo que os economistas estudam, ele “é considerado dado pela maioria dos economistas institucionais”. Uma viragem sociológica é aparente na influência de Weber, Marx, Polanyi e Parsons na concepção de instituições de North, tal como elaborada em Estrutura e Mudança na História Económica (1981). Mais recentemente, em resposta ao confronto com as dificuldades de implementação de mudanças institucionais como conselheiro económico dos reformadores nas economias em transição da Europa de Leste, North reconhece um maior interesse em compreender os elementos informais das instituições incorporadas nas relações sociais. A elaboração de novas regras formais para instituir economias de mercado na Europa Oriental e na antiga União Soviética teve apenas um sucesso limitado; isto apontou para a natureza intratável dos arranjos sociais incorporados em laços interpessoais, crenças culturais, normas e arranjos institucionais do antigo regime estudados por sociólogos económicos.20 É evidente que “as regras formais são uma parte importante do quadro institucional, mas apenas uma parte. Para funcionarem eficazmente, devem ser complementados por restrições informais (convenções, normas de comportamento) que os complementem e reduzam os custos de aplicação. Se as regras formais e as restrições informais forem inconsistentes entre si, a tensão resultante irá induzir instabilidade política. Mas sabemos muito pouco sobre como as normas informais evoluem” (North 1993, 20). Uma viragem sociológica é ainda mais evidente nas novas teorizações sobre a importância dos mecanismos cognitivos. Como as crenças e normas são inobserváveis, argumenta Greif, a integração de variáveis ​​sociais tem sido dificultada pelo facto de qualquer comportamento poder ser explicado por afirmações ad hoc sobre as crenças e normas que o motivam. A integração das variáveis ​​sociais de uma forma consistente com a metodologia económica requer um quadro analítico que possa conciliar duas visões aparentemente contraditórias das instituições: a visão das instituições comuns na economia como restrições criadas pelos indivíduos e a visão estrutural das instituições como factos sociais externos ao mundo. indivíduos comuns na sociologia. Os novos institucionalistas organizacionais concentram-se na difusão de regras, roteiros e modelos (Meyer e Rowan 1977), enquanto alguns novos economistas institucionais oferecem modelos de teoria dos jogos de motivação endógena decorrentes de sistemas de crenças e normas compartilhadas (Greif [1994] 1998).21 Embora a teoria dos jogos não oferece uma teoria das instituições, Greif argumenta que ela oferece uma estrutura analítica apropriada para incorporar variáveis ​​sociológicas na análise econômica das instituições. Não fornece uma teoria das restrições que definem os parâmetros da interação estratégica, mas oferece insights profundos sobre a dinâmica da escolha dentro das restrições. Fornece uma teoria do comportamento social em que o curso ideal de comportamento dos atores depende do comportamento e do comportamento esperado (crenças culturais e normas sociais) dos outros.22 Também incorpora uma visão realista do mundo social em que a informação é assimétrica e os atores são interdependentes e motivados para agir de uma maneira particular. Oferece um método para examinar como as interações estratégicas dão origem e sustentam instituições auto-aplicáveis. Greif ([1994] 1998) estendeu a sua aplicação à análise institucional comparativa do comportamento económico utilizando estudos de casos extraídos da história económica medieval europeia e mediterrânica. Ele modela as interações sociais estratégicas recorrentes que sustentam as instituições em equilíbrio.23 No geral, os economistas interessados em estudar as instituições sociais descobriram que quanto mais compreendem o funcionamento das instituições como endógeno aos processos sociais na sociedade, mais

Coleman e o capital social

Fundamentos da teoria social (Coleman 1990; doravante FST) foi o principal projeto intelectual da longa e distinta carreira de James S. Coleman nas ciências sociais, apesar de seus impactos extensos e duradouros em outros campos, incluindo educação, sociologia matemática, estudos organizacionais e política social. O arcabouço teórico do FST está enraizado no pressuposto de que os fenômenos sociais são o resultado de interações entre actores com interesses próprios e orientados para metas situados em contextos sociais que moldam e modificam suas ações. A abordagem de escolha racional amplamente concebida de Coleman buscou incorporar e explicar essas configurações, ao invés de assumi-las como fazem alguns outros modelos baseados em postulados de nível individual semelhantes. Essa estrutura serviu como seu ponto de partida para a análise dos fenômenos sociológicos; ele também esperava que isso encorajasse uma melhor compreensão dos problemas em economia, direcionando a atenção para as restrições que as condições estruturais sociais lhes impõem (Coleman, 1994). Coleman tinha um interesse especial em problemas micro a macro nos quais múltiplas ações individuais interdependentes se combinam de alguma maneira para produzir um resultado coletivo, vendo-os como os problemas mais importantes e difíceis para as ciências sociais (Coleman 1986). A conceituação de Coleman de capital social é um elemento-chave do FST, amplamente definido, considera o capital social como qualquer aspecto da estrutura social que pode ser empregado como um recurso para a obtenção de fins valorizados. Um quarto de século após sua morte, o artigo de Coleman (1988a) sobre capital social atraiu mais atenção de outros estudiosos do que qualquer outra de suas muitas obras; no início de 2020, ele havia sido citado mais de 50.000 vezes, de acordo com as estimativas do Google Scholar. Junto com outras conceituações relacionadas de capital social, o trabalho de Coleman gerou um crescimento muito rápido na pesquisa sobre os preditores e as consequências dos aspectos do capital social (Kwon e Adler 2014). Este capítulo analisa as ideias de Coleman sobre capital social no contexto do FST, situa-as em seu trabalho empírico sobre educação e fornece ilustrações selecionadas de seu uso por pesquisadores que estudam sociologia econômica e organizacional. Diferentes formas de capital social podem promover a sorte de empresários ou trabalhadores individuais, bem como de organizações / empresas e colaborações entre eles.

Capital Social Definido

A definição expansiva de capital social oferecida por Coleman (1988a, 98) é que é definida por sua função. Não é uma entidade única, mas uma variedade de entidades diferentes, com dois elementos em comum: todos eles consistem em algum aspecto das estruturas sociais e facilitam certas ações dos atores ... dentro da estrutura. ” A referência às estruturas sociais indica que o capital social reside em algum tipo de relação social entre os atores. Coleman mais tarde (1994: 175) explica que, ao usar o termo capital, ele se refere a “um recurso ou factor de entrada que facilita a produção, mas não é consumido ou de outra forma usado”. Sua observação de que o capital social facilita certas ações reconhece seu domínio limitado de aplicabilidade, e ele concede que - dependendo das circunstâncias dentro de ambientes específicos - as formas estruturais sociais podem ser passivos, bem como ativos: “[uma] forma dada de capital social que é valiosa em facilitar certas ações pode ser inútil ou mesmo prejudicial para outros ”(Coleman 1988a, 98). Ele reconheceu que as relações sociais que sustentam o capital social não são incondicionalmente benéficas, referindo-se às vezes (por exemplo, Coleman 1988b, 14) a uma superabundância de capital social em sociedades anteriores que criaram controles sociais opressores e pressões normativas que poderiam sufocar a inovação. Ele também reconhece a eficácia contingente do capital social quando observa que os laços solidários em comunidades estreitamente unidas podem 'enredar [e] empreendedores em potencial em uma rede de obrigações que os mantém presos ao passado' em cenários onde prevalece uma ética tradicionalista (Coleman 1994a, 176).

Em outro lugar, Coleman (1988c, 392) descreve o capital social como 'mais geralmente, organização social, incluindo tanto a organização informal do tipo descrito no caso de comunidades quanto a organização formal.' Muitos de seus exemplos referem-se a processos de organização informal, 1 mas seu conceito de capital social abrange claramente qualquer elemento da estrutura social que pode promover a capacidade de ação. Na verdade, seus elementos formais e informais podem aumentar um ao outro, como, por exemplo, quando adaptações informais dentro de projetos organizacionais formais ao mesmo tempo fornecem aos indivíduos certas vantagens e melhoram o desempenho organizacional (por exemplo, Blau 1981).

1 Em Coleman (1994a, 170), ele limita o capital social a “qualquer aspecto da organização social informal que constitua um recurso produtivo”. Outros sociólogos empregam entendimentos de capital social sugerindo, pelo menos implicitamente, que seu escopo é limitado a elementos informais da organização social composta de canais de rede social.

2 Lin e Erickson (2008, 4), por exemplo, referem-se a “recursos incorporados ao social relações e redes sociais ”, e Cook (2005, 8) defende uma definição semelhante. Esses autores afirmam que suas definições mais específicas facilitam o desenvolvimento teórico e o trabalho empírico, em particular ao tornar possível a falsificação. Na mesma linha, Burt (2005, 4) define capital social como “[a] vantagem criada pela localização de uma pessoa em uma estrutura de relacionamentos”, sugerindo que a pesquisa deve se concentrar em discernir os mecanismos de rede específicos envolvidos; ele identifica corretagem (redes abertas) e fechamento (redes fechadas) como duas de especial importância.

Essas definições estão amplamente alinhadas entre si, além da inclusão de Coleman de organizações formais - que certamente podem ser concebidas como redes - no âmbito do capital social (ver também Burt 2005, 5). Muitas das formas específicas de capital social que Coleman identifica (por exemplo, normas, confiança) dependem em parte da presença de padrões específicos de relacionamentos de rede. O conceito de Coleman insiste que o capital social surge apenas quando as redes assumem uma forma útil para perseguir algum fim. Incluir as organizações no escopo do capital social foi crucial, dado o lugar de destaque que Coleman concedeu às estruturas sociais deliberadamente projetadas no projeto que levou ao FST. Na verdade, ele antecipou sua definição posterior de capital social ao se referir às organizações (actores corporativos) como “veículos por meio dos quais [indivíduos] poderiam expressar e usar seu poder recém-descoberto” (Coleman 1974, 27).

Coleman certamente estava ciente da amplitude e generalidade de seu conceito de capital social. Ele achava que seu amplo escopo ajudava a avançar seu objetivo de construir uma teoria que integra pressupostos de ação racional com configurações estruturais sociais. Ele escreve (Coleman 1990, 304 f.) que sua concepção de capital social agrupa e confunde distinções entre vários processos discutidos em outro lugar no FST (ver abaixo). Ele observa sua aplicabilidade multinível: “[capital social] ajuda tanto na contabilização de diferentes resultados no nível dos atores individuais quanto na realização das transições micro-macro sem elaborar os detalhes socioestruturais”. Ele o considerou uma ferramenta útil para estudos que empregam indicadores e análises qualitativas, expressando incerteza quanto à sua utilidade na pesquisa quantitativa. Embora ele reconheça que a pesquisa pode razoavelmente buscar entender os detalhes de como os recursos que residem na estrutura social se tornam úteis, essa não era sua principal preocupação; ele parece ter visto a ideia principalmente como um artifício interpretativo.

Além do potencial do capital social - muitas vezes em combinação com outros recursos, incluindo capital humano e financeiro - para contribuir para alcançar fins valiosos, seu locus relacional e o reconhecimento de que pode ser eficaz apenas em certos domínios, a discussão de Coleman também faz uma distinção entre e aspectos funcionais do capital social. Estruturais referem-se à presença de relacionamentos (por exemplo, a designação formal de mentores seniores ou pares para funcionários recém-contratados), funcionais à qualidade operacional desses canais (por exemplo, a frequência e profundidade das conversas de mentoria).

Algumas formas de capital social

As declarações expositivas de Coleman sobre capital social (1988a, 1990) fundamentam a ideia por meio da discussão de várias formas específicas que ela assume. Todos estão enraizados em relações sociais subjacentes organizadas de tal forma que actores orientados a objetivos podem empregá-los de forma produtiva. Uma reflexão sobre seu pensamento sobre capital social (Sandefur e Laumann 1998) segue um caminho diferente para ilustrar a heterogeneidade do conceito, distinguindo diferentes tipos de benefícios que ele pode oferecer: acesso à informação, capacidade de influenciar ou controlar os outros e solidariedade social.

Confiança

Em FST (1990, Chaps. 5, 8), Coleman concebe a confiança como uma decisão sob risco, em que uma parte (fiduciário) permite que um segundo (fiduciário) use alguns recursos sem receber compensação imediata, na expectativa de que o eventual o ganho ao fazê-lo excederá a perda incorrida prevista. Ele compara a extensão do trust do trust com a emissão de um comprovante de crédito ou nota promissória, observando que isso cria uma obrigação recíproca por parte do trust.

A confiança surge, então, em situações incertas em que qualquer retorno ao fiduciário se materializa em algum momento depois que ele / ela transfere os recursos para o fiduciário. Podem existir incertezas sobre a magnitude dos ganhos e perdas envolvidos, mas Coleman afirma que o principal desafio do fiduciário está em estimar a probabilidade de que o fiduciário actue de boa fé depois que o fiduciário renuncia a seus recursos. Quanto maior a diferença absoluta entre o ganho estimado e a perda prevista, mais crucial é que o criador faça uma avaliação de alta qualidade da probabilidade de que a confiança será mantida. Aludindo à aversão à perda, Coleman afirma que os confiadores em potencial tendem a superestimar a confiabilidade quando a relação entre os ganhos e as perdas é alta e a subestimá-la quando as perdas são grandes em relação aos ganhos.

Numerosas circunstâncias podem afetar a avaliação do fiduciário de um fiduciário em potencial, incluindo informações divulgadas por este último. Vários recursos de relações sociais e ambientes sociais podem ser suportes essenciais para a confiança. Normalmente, embora não invariavelmente (Smith 2005), a confiança será maior em relacionamentos mais fortes do que em relacionamentos mais fracos; uma história de trocas entre duas partes certamente permite que o depositante faça uma avaliação diferenciada da confiabilidade de um administrador em potencial e, muitas vezes, um relacionamento não terá se tornado forte a menos que as partes ofereçam pelo menos alguns sinais indicativos de sua confiabilidade um para o outro. Relações recíprocas nas quais as partes têm obrigações mútuas entre si também promovem a confiança. Relacionamentos que envolvem trocas repetidas - ao contrário de transações únicas - podem aumentar o incentivo de um administrador para se provar confiável.

Os intermediários terceirizados que facilitam o estabelecimento de confiança podem ser apoios adicionais. Variantes formais destes incluem corretores que criam relações de confiança indiretas, organizando transações enquanto fornecem garantias tanto para o fiador quanto para o fiduciário. Tanto consultores formais quanto informais que fornecem avaliações da qualidade de uma parte, mas não participam diretamente de uma transação, são comuns, sendo as cartas de referência um exemplo generalizado. Os ambientes sociais nos quais os curadores competem entre si podem servir para promover a confiança.

A densidade ou fechamento social é um elemento de vários mecanismos de aumento de confiança. Essas configurações podem permitir que os fiduciários em potencial façam avaliações indiretas de confiabilidade, permitindo que observem ou aprendam sobre o desempenho de um fiduciário em relação a outros fiduciários. Estruturas de comunidade fortemente interconectadas podem impedir ações de má-fé por parte dos administradores por meio da difusão rápida de informações sobre o desempenho e a reputação dos agentes fiduciários para potenciais agentes de confiança.

Buskens e Raub (2002) argumentam que essas bases sociais para a confiança operam por meio de dois mecanismos distintos. Aprender sobre o comportamento anterior de um parceiro em potencial pode ocorrer por meio de experiências derivadas de trocas anteriores ou de informações disseminadas por meio de conexões de terceiros. O controle sobre um parceiro pode ser realizado por meio de ameaças de encerrar um relacionamento diádico fiduciário-fiduciário ou a administração real de sanções dentro de um contexto de rede mais amplo.

Coleman deu muitos exemplos de fenômenos econômicos que atribuem papéis importantes à confiança e à organização social que a sustenta (ver também Capítulos 16 e 17 para exemplos recentes de sociólogos econômicos). A confiança extensiva pode facilitar as trocas econômicas, por exemplo, permitindo

os comerciantes de diamantes devem inspecionar privativamente bens caros antes de comprá-los, sem fornecer títulos ou outras garantias (Coleman 1988a). Isso ocorreu dentro de uma comunidade etno-religiosamente homogênea intimamente unida, na qual relacionamentos densos e interação frequente entre os membros substituíram dispositivos formais de seguro mais incômodos. Entre outros exemplos (Coleman, 1984) estão os arranjos de contratação de longo prazo dentro de redes verticais de produção como alternativas à integração vertical e associações de crédito rotativo dentro de comunidades étnicas que servem como alternativas às instituições financeiras formais. Nessas associações, os laços contínuos entre os membros garantem a qualidade de crédito do mutuário, representando os históricos de crédito e padrões relacionados de confiabilidade que os credores institucionais reconhecem.

Cook (2005, 2015) descreve uma compreensão relacional da confiança que se assemelha à de Coleman em muitos aspectos, contrastando-a com a confiança generalizada, 'uma crença‘ padrão ’na natureza benéfica dos humanos em geral' (2005, 9). Ela também destaca alguns dos limites da confiança relacional, observando que a incorporação excessiva de julgamentos de confiança em redes fechadas e homogêneas pode limitar indevidamente a extensão em que as pessoas consideram entrar em trocas potencialmente vantajosas. Cook questiona se a confiança pode fornecer uma base suficiente para a cooperação e trocas mutuamente benéficas em grande escala, chamando a atenção para outros dispositivos e condições para isso. Entre eles estão a contratação formal, sistemas de incentivo organizacional e legal, controle ou sanções e legitimidade institucional. Cook sugere que os sistemas de reputação oferecem uma alternativa à confiança relacional em ambientes que carecem de fechamento, como o comércio eletrônico, já que os administradores em potencial são fortemente motivados a proteger suas reputações.

Por sua vez, Coleman (1990) apontou várias maneiras pelas quais a confiança pode ser desvantajosa. Como sugere Cook, a forte confiança entre os membros de um subgrupo pode limitar o desempenho geral do grupo a um nível ideal localmente, em vez de a um máximo global. A confiança colusiva entre os oligopolistas pode promover seus fins, mas é socialmente prejudicial. O desempenho do grupo também pode ser comprometido se os líderes priorizam a confiabilidade sobre a capacidade ao envolver os membros, como em arranjos nepotísticos. A extensão indevidamente otimista da confiança seguida por sua retirada repentina e contagiosa pode levar ao pânico do desinvestimento, como em corridas a bancos ou no rompimento de bolhas no mercado de ações (Coleman, 1984).

Um estudo das experiências e preferências de compra do consumidor (DiMaggio e Louch, 1998) sugere um papel substancial para as relações de confiança. Verificou-se que os compradores geralmente preferem transações de mercado que envolvem conhecidos anteriores de alguma forma, por exemplo como vendedores, distribuidores ou agentes intermediários. Isso vale especialmente para a compra de bens - como casas ou carros usados ​​- de condição e qualidade incertas; os compradores acreditam que obterão uma divulgação mais sincera de informações de contatos preexistentes.4 Pesquisas experimentais relacionadas (Buskens e Weesie 2000) indicam que os indivíduos são mais aptos a expressar confiança em um revendedor de carros usados quando estão ligados ao revendedor por meio de compras anteriores , afiliações compartilhadas ou contatos de terceiros.

Entre os estudos das condições subjacentes à confiança em ambientes organizacionais está o exame de Burt e Knez (1995) das características de relacionamentos e redes pessoais associadas a mais e menos confiança em uma amostra de gerentes. Os sujeitos mostraram-se mais propensos a descrever outros gerentes como confiáveis quando os relacionamentos que os ligavam eram mais fortes (mais próximos, mais frequentes, mais antigos); em menor grau, a força da gravata também aumentou a probabilidade de considerar um contato não confiável. O fechamento dentro da rede de um gerente - conexões por meio de vários terceiros - tendeu a amplificar as expressões de confiança e desconfiança.

Os estudos de Gulati (2007) sobre a formação de alianças interfirmas - por exemplo, acordos de licenciamento ou parcerias conjuntas de pesquisa e desenvolvimento - atribuem um papel substancial à confiança. Esses laços interorganizacionais prometem muitos benefícios, mas também expõem os parceiros ao risco de que a outra parte possa fazer uso oportunista do

Curiosamente, os vendedores preferem evitar transações com contatos anteriores nas mesmas condições compartilhamento de informações e cooperação que eles implicam. Os contatos de rede de uma empresa - incluindo suas alianças anteriores com o parceiro em questão, diretores compartilhados e contatos com bancos ou outros investidores - podem oferecer informações sobre a confiabilidade de novos parceiros em potencial e, reciprocamente, fornecer à empresa informações sobre sua própria conduta. Ele mostra que, quando os parceiros não têm experiência uns com os outros, as empresas costumam empregar dispositivos relativamente fortes, mas complicados, para garantir a cooperação mútua - alianças baseadas em ações envolvendo alguma forma de propriedade compartilhada. No entanto, essa “contratação cautelosa dá lugar a práticas mais flexíveis, à medida que as firmas parceiras constroem confiança umas nas outras” (Gulati 1995, 105).

Fluxos de Informação

Coleman (1988a) escreveu comparativamente pouco sobre as formas de capital social relacionadas à informação, mas indica que a aquisição de novos conhecimentos por meio das relações sociais pode ser rápida. Ele oferece o exemplo de fluxos de comunicação em duas etapas e liderança de opinião (por exemplo, Weimann 1994) em que um ator depende de informações transmitidas por intermediários que seguem (e destilam desenvolvimentos em) um domínio como moda ou política, ao invés de rastreá-lo -/ele mesmo. Obter aconselhamento sobre uma parte especializada de uma vasta literatura médica de colegas especialistas em vez de mantê-la atualizada (Keating et al. 2007) é outro exemplo. Embora a apresentação de Coleman não se detenha na base estrutural social de tais fluxos de informação, muitos deles parecem depender da abertura da rede ao invés do fechamento: o destinatário da informação renuncia a formar um link direto com a fonte de informação, optando em vez disso por contar com uma relação indireta com ele por meio de seu intermediário mais bem informado.

Muitas pesquisas em sociologia econômica e organizacional examinam com alguma profundidade os fluxos de informação mediados por redes sociais. Proeminente dentro dele é o programa de pesquisa sustentada de Burt (1992, 2005) sobre furos estruturais. Isso destaca as vantagens de acesso à informação desfrutadas por atores que trabalham na corretora posições: locais intersticiais que conectam clusters de outras pessoas não vinculadas de outra forma. Esses atores possuem uma 'vantagem de visão' (Burt 2005, 58) em virtude de sua familiaridade com diversos segmentos de um grupo, e são susceptíveis de se tornarem cientes e apreciarem as oportunidades de síntese e criatividade mais cedo do que aqueles cujas redes estão mais firmemente incorporadas um subgrupo específico. Em um estudo intrafirma especialmente atraente que convidou os participantes gerenciais a apresentar ideias para melhorar o desempenho de sua subunidade, Burt (2004) demonstra que os gerentes com redes abertas que abrangem buracos estruturais eram mais aptos do que aqueles cujas redes exibiam maior fechamento para propor ideias que seus superiores classificado como de alto valor potencial para a empresa. Eles também eram mais propensos a propor qualquer ideia e relatar discuti-la com outras pessoas. Da mesma forma, aqueles em posições que facilitam tais ações empreendedoras tendem a receber maiores benefícios individuais, incluindo classificações de desempenho mais altas, maior remuneração e promoção mais rápida.

Outros estudos de informação intrafirma examinam as características de relações diádicas particulares e propriedades de rede mais amplas. Seguindo Granovetter (1973), Hansen (1999) argumenta que relacionamentos fracos podem facilitar uma ampla busca por conhecimento útil, enquanto relacionamentos fortes (envolvendo contato frequente e colaboração próxima) podem facilitar sua transferência. Seu estudo dos projetos de uma empresa de eletrônicos que exigia que os atores obtivessem informações de outras unidades descobriu que a complexidade do conhecimento era um moderador importante. Quando as informações transferidas foram bem codificadas, laços mais fracos entre as unidades foram associados a tempos de conclusão do projeto mais curtos; quando o conhecimento envolvido era tácito, relacionamentos mais fortes eram mais vantajosos. Pesquisas relacionadas sobre a facilidade de transferência de conhecimento entre funcionários de uma empresa de pesquisa e desenvolvimento (Reagans e McEvily 2003) relataram que relacionamentos mais fortes transmitem informações mais prontamente, especialmente quando são menos codificadas. Aqueles rodeados por conjuntos de contatos fechados e interconectados também indicaram que a comunicação com outros eram mais fáceis5; ao mesmo tempo, aqueles em contato com matrizes mais amplas de outras unidades também se comunicavam mais prontamente, talvez por causa de sua maior experiência em se dirigir a públicos diversos.

Reunir e compartilhar informações não são os únicos problemas que os atores enfrentam para gerenciá-las. Quando as informações são proprietárias ou confidenciais, ou quando os atores estão colaborando em alguma atividade clandestina ou contra-institucional, manter o sigilo, limitando sua difusão, pode ser vital. Nessas circunstâncias, as estruturas celulares compostas por grupos fracamente acoplados podem ser vantajosas; tais estruturas apresentam não apenas fechamento, mas também fragmentação ou modularidade muito alta. Coleman se refere a grupos de estudantes envolvidos no movimento pela democracia sul-coreana pré-1987 (ver também Chang 2015 sobre grupos estudantis e religiosos) como um exemplo de tais arranjos. Exemplos adicionais incluem conspirações de fixação de preços dentro dos mercados (por exemplo, Baker e Faulkner 1993) e redes criminosas ou terroristas (Gerdes 2015).

Normas Efectivas

Coleman (1987, 1990) conceituou normas de forma relacional, como entendimentos de que algum conjunto de atores beneficiários detém o direito de controlar certas ações de um conjunto de atores-alvo.6 Tais entendimentos identificam ações que “são consideradas por um conjunto de pessoas como adequadas ou corretas , ou impróprio e incorreto ”(Coleman 1990, 242). As normas prescritivas desencorajam ou proíbem uma ação, enquanto as prescritivas encorajam ou determinam que ela seja realizada. Encontrando explicações de comportamento baseadas na conformidade com normas insatisfatórias, sem uma explicação de como as normas surgem, Coleman procurou desenvolver uma compreensão de como e por que um conjunto de atores individuais podem colaborar para estabelecer uma norma. Ele atribui um grande papel às condições estruturais sociais ao fazer essa transição micro-macro.

Coleman argumentou que os atores intencionais podem ser solicitados a criar uma norma quando duas condições se mantêm:

(1) a ação em questão tem efeitos colaterais positivos ou negativos (<externalidades) em outros, e

(2) o controle sobre a ação não pode ser alcançado por meio de trocas sociais entre beneficiários e atores-alvo. Além disso, um sistema de sanções que serve para fazer cumprir uma norma recompensando a conformidade ou penalizando violações deve estar presente para que a norma seja eficaz na modelagem de comportamento (ou seja, se os atores beneficiários forem capazes de exercer os direitos de controlo que confere). O desenvolvimento de tal sistema pode ser problemático porque a aplicação de sanções exige muito esforço; para um beneficiário individual, os custos de fazê-lo muitas vezes excedem os benefícios recebidos quando uma meta está em conformidade com a norma. Quando as estruturas sociais permitem que os beneficiários se comuniquem uns com os outros, esta barreira pode ser superada. Estruturas sociais fechadas que os vinculam mais uma vez servem como recurso: podem, por exemplo, facilitar o monitoramento do cumprimento de uma norma; da mesma forma, eles podem apoiar o fornecimento compartilhado de sanções de baixo custo, como evitar ou divulgar a reputação de um alvo por não conformidade. Além disso, podem permitir trocas de segunda ordem que criam incentivos para que um beneficiário individual administre sanções mais caras.

Um exemplo amplamente conhecido de normas dentro das configurações organizacionais surge quando os membros de um grupo de trabalho estabelecem um entendimento sobre a quantidade apropriada de produção a ser produzida e, subsequentemente, impõem-no usando uma série de sanções informais (por exemplo, Roy 1952). Coleman (1994a) cita isso como uma instância em que tanto os critérios convencionais de custo-benefício quanto a estrutura social

Além das trocas bilaterais, uma forma que podem assumir é a de um banco de direitos de ação que permite que os alvos potenciais comprem uma oferta limitada de direitos para tomar ações contra-normativas. As propostas de trocas de créditos de carbono para limitar a poluição dos gases de efeito estufa são um exemplo; ver Coleman (1987, 140).

Se uma norma foi internalizada, os alvos se autoadministram sanções. A socialização - ou instilar um sistema de sanções interno - também é cara; veja Coleman (1987).

precisam ser levados em consideração ao projetar sistemas de incentivos que buscam obter níveis ótimos de produtividade do trabalhador.

Organizações

Usando o termo ator corporativo para sublinhar sua visão de que as organizações são elementos da sociedade com interesses e direitos de ação, Coleman (1974, 1982, 1990, parte III) escreveu extensivamente sobre as organizações como instrumentos que permitem que pessoas comuns combinem recursos em busca de um propósito compartilhado. Os atores corporativos são construídos a partir de relações de autoridade simples, nas quais um ator concede direitos de controlar suas ações dentro de algum domínio a um segundo ator, na expectativa de se beneficiar de alguma maneira. Elaborações destes que permitem ao segundo ator delegar o exercício desses direitos de controle a um terceiro agente permite o desenvolvimento de estruturas organizacionais complexas. Distinguidas por sua especificidade de propósito, tais organizações deliberadamente construídas, argumentou Coleman, assumiram um papel cada vez mais significativo na sociedade contemporânea, às custas de grupos primordiais como famílias e comunidades, bem como pessoas (naturais) individuais. Em sua opinião, as chances de vida individual passaram a depender em grande parte das afiliações que alguém tem com atores corporativos.

Depois que tal sistema de atividades for estabelecido, ele pode servir como um recurso para os indivíduos que o criaram em conjunto, cumprindo seu propósito manifesto. Seus esforços também podem ser desviados para a realização dos objetivos distintos dos agentes subordinados que a operam. Em ambos os sentidos, os atores corporativos podem fornecer capital social para os indivíduos. As análises de Coleman sugerem que, na prática, as organizações muitas vezes não atendem aos interesses das pessoas tão bem quanto deveriam. Ele observou que os atores corporativos desenvolvem interesses autônomos - distintos daqueles de seus fundadores / patrocinadores e agentes - e que estes podem levá-los a tomar ações que prejudicam pessoas naturais. A implacabilidade com que se concentram estreitamente na busca de objetivos específicos torna-os propensos a negligenciar o efeitos colaterais negativos de suas atividades, como poluição ambiental. Ele argumenta que, ao longo do tempo, os atores corporativos adquiriram uma parcela cada vez maior do poder social às custas dos indivíduos, e que isso reduziu o bem-estar individual.

Em FST (1990, 531), Coleman escreve que “[os atores corporativos merecem existência apenas na medida em que promovem os fins das pessoas naturais”. Ele fez muitas propostas para reestruturar as organizações de modo que pudessem promover melhor os interesses das pessoas, incluindo a ampliação do controle sobre suas estruturas de governança (por exemplo, a co-determinação praticada na Alemanha ou a inclusão de representantes dos consumidores em conselhos de administração) ou o fortalecimento do papel e dos recursos de diretores corporativos externos. Ele sugeriu auditorias externas, emendou as leis tributárias e a manutenção da concorrência entre as organizações como abordagens que manipulariam as condições ambientais para aumentar sua capacidade de resposta. Essas e outras abordagens para reafirmar o controle social sobre os atores corporativos serviriam para alinhar melhor suas ações com as das pessoas físicas, aumentando a extensão em que fornecem capital social que beneficia os indivíduos.

Combinação de Capital Social e Outros Recursos

As funções de produção econômica freqüentemente combinam fatores de produção, como capital humano e físico, de forma multiplicativa, em vez de aditiva. Coleman (1994b, 42) sugere que isso também pode se aplicar a resultados que resultam em parte do capital social, observando, por exemplo (Coleman 1988c, 383), que uma ligação pai-filho promoverá o desenvolvimento cognitivo apenas quando o capital humano dos pais também estiver presente. Sua pesquisa educacional (Coleman e Hoffer 1987, 231) baseia-se em estados de expectativa e teorias de rotulagem ao desenvolver um caso teórico para antecipar que aqueles com maior capital humano obterão mais vantagens do capital social; isso sugere que pelo menos alguns

9 Ver Swedberg (1996) para mais informações sobre o pensamento de Coleman sobre organizações e seu redesenho as formas de capital social podem ter um caráter não igualitário. Notavelmente, no entanto, os resultados da pesquisa de Coleman e Hoffer indicam que o capital social pode, em vez disso, compensar os déficits de capital humano em alguns ambientes educacionais.

Outros também discutem os efeitos interativos do capital social e outros recursos.10 Um exemplo notável é uma descoberta do estudo intrafirma de Burt (1997) com gerentes, que os benefícios associados a redes de amplo alcance - maior remuneração e mobilidade ascendente mais rápida - foram maiores entre aqueles que têm poucos colegas em sua posição e função de negócios. Estes tendem a ser mais gerentes seniores em funções que abrangem fronteiras. Burt afirma que isso é resultado do fato de que os gerentes seniores ocupam posições mais exclusivas, enfrentam menor competição e possuem menos legitimidade, condições que permitem mais espaço para variações em seu capital social para diferenciá-los.

Desenvolvimento de capital social

Um postulado básico do FST é que os fenômenos sociais são os resultados da ação intencional por parte de atores individuais, e isso, é claro, se aplica ao desenvolvimento de formas estruturais sociais. Uma vez que formar e manter relações sociais é caro, essa lógica implica que tais estruturas surgirão quando os atores considerarem que os benefícios líquidos de criá-las são do seu interesse. Aqueles que fundaram organizações empresariais, por exemplo, estão em posição de perceber o valor gerado por um empreendimento empresarial (Coleman, 1988c). Na visão de Coleman, no entanto, as estruturas sociais que fornecem capital social muitas vezes produzem bens públicos que beneficiam outros atores que não aqueles responsáveis ​​por produzi-los. Ele cita as associações de pais e professores nas escolas como um exemplo (Coleman 1990, 313); subgrupos de pais contribuem com o tempo, esforço e recursos necessários para criá-los e mantê-los, enquanto seus benefícios se estendem a todas as famílias atendidas por uma escola. As tentativas de criar essas e outras associações voluntárias semelhantes frequentemente falham para superar o problema da ação coletiva destacado por Olson (1965). Para Coleman, isso implica que o nível de investimento direcionado à produção de capital social é tipicamente inferior ao que seria socialmente ideal.

O capital social também pode ser encontrado dentro de estruturas sociais já existentes, no entanto, se estas puderem ser reaproveitadas. Um exemplo disso, bem conhecido nos estudos organizacionais, é a reorientação da March of Dimes - uma associação originalmente estabelecida para combater a poliomielite. Depois que uma vacina antipólio eficaz foi desenvolvida, a organização pode ter se dissolvido; em vez disso, os esforços de seu sistema de atividades foram redirecionados para a melhoria da saúde materno-infantil (Sills, 1957). A chave para esse processo de apropriação são os relacionamentos multifacetados ou multiplex que permitem que os recursos sociais desenvolvidos em um ambiente sejam usados ​​em outros. No entendimento de Coleman, tal reutilização da organização social existente como capital social é generalizada: 'a maioria das formas de capital social são criadas ... como um subproduto de outras atividades' (Coleman 1990, 317). Como resultado, o acesso ao capital social pode ser desigual e um tanto desordenado, dependente dos outros elementos da organização social aos quais o ator está afiliado. Isso contribui para as desigualdades de capital social que são, na visão de Kadushin (2012), amplamente inexploradas.11 A organização social preexistente também pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento de novos relacionamentos. Burt (1992, 13) aponta as referências como um dos principais benefícios de informação de preencher lacunas estruturais nas redes. A discussão de Gulati (2007) sobre a formação de relacionamentos interorganizacionais identifica recursos de redes sociais como fontes de informação sobre parceiros potenciais e de dados experienciais e de reputação mais texturizados sobre sua confiabilidade. Os atores que têm redes anteriores mais elaboradas, portanto, estão mais bem posicionados para avaliar os benefícios e desvantagens de ampliá-los. Estruturas sociais fechadas - nas quais os contatos diretos de um ator também estão em contato direto um com o outro - podem promover a criação de certas formas

 Conforme discutido acima, o fechamento apóia tanto o monitoramento da adesão às expectativas normativas quanto a sanção de comportamentos que infringem as normas ou deixam de cumprir as obrigações.

Ao discutir o papel do capital social no desenvolvimento local, Trigilia (2001) sugere que os governos podem ser capazes de corrigir a falta de oferta de capital social identificada pela análise de Coleman. Avenidas para alcançar isso incluem o fornecimento de bens coletivos (por exemplo, serviços de negócios e outras infraestruturas) que podem apoiar o aprendizado e a competitividade da empresa, bem como o incentivo ao uso cooperativo em vez de regressivo (conluio, busca de renda) das redes sociais existentes.

Capital Social e Educação

Grande parte da pesquisa empírica que Coleman conduziu durante sua carreira foi sobre realização educacional e equidade, e suas implicações para a política social. Ele via os sistemas educacionais como instâncias de organização social construída que busca desenvolver o capital humano e tinha uma preocupação de longa data em como melhorar o desempenho das organizações educacionais. A maior parte de sua obra empírica que invoca o conceito de capital social foi situada neste contexto.

Parece que Coleman usou pela primeira vez o termo capital social em Coleman e Hoffer (1987), em um esforço para explicar suas descobertas de que os resultados dos alunos variaram entre escolas públicas dos EUA, católicas e privadas independentes. As escolas católicas exibiram taxas de crescimento de aproveitamento mais altas do que as escolas públicas em certas disciplinas e retiveram os alunos durante a graduação em taxas muito mais altas do que as escolas de outros setores; essas diferenças eram maiores entre os alunos em desvantagem socioeconômica. Coleman também destacou essas diferenças na retenção em sua discussão geral sobre capital social (Coleman 1988a). Diferenças bem conhecidas nos resultados educacionais fatores relacionados aos antecedentes familiares podem refletir tanto os recursos financeiros familiares quanto o capital humano dos pais. Coleman e Hoffer apontam para características estruturais (por exemplo, presença dos pais, número de irmãos) e funcionais (por exemplo, tempo gasto com os filhos e aspirações educacionais dos pais) como aspectos do capital social da família. Eles observam que os recursos de capital humano dentro de uma família podem ser irrelevantes quando esse capital social está ausente.

Coleman e Hoffer atribuíram algumas diferenças nos resultados educacionais entre os setores escolares ao maior capital social de nível comunitário encontrado em torno das escolas católicas - e mais geralmente religiosas -, afirmando que 'a comunidade religiosa é uma das poucas bases fortes restantes da comunidade funcional em sociedade moderna que inclui adultos e crianças ”(Coleman e Hoffer 1987, 215). Observando que todas as escolas fornecem custódia para crianças e transmitem algumas habilidades cognitivas e vocacionais, Coleman (1991) argumenta que as escolas religiosas têm uma capacidade de moldar valores por meio da educação moral e de caráter que não é encontrada em outros ambientes; pais e educadores em outros lugares não conseguem chegar a um consenso sobre a direção que deve tomar. Entre outras coisas, isso opera por meio de estruturas sociais que promovem o fechamento intergeracional: relações densas e mútuas entre pais, professores e filhos. Essas estruturas, por sua vez, apóiam o desenvolvimento de um acordo entre pais e professores sobre padrões disciplinares e normas de promoção de desempenho. Coleman e Hoffer também observaram que esse capital social de nível comunitário pode compensar os déficits de capital humano e / ou social dentro das famílias; eles reconheceram que isso constituiria uma exceção às situações comuns em que as vantagens baseadas no capital humano e social tendem a ser cumulativas. Eles sugeriram que isso pode ser atribuído a uma ética igualitária dentro das comunidades religiosas.

Embora muitas escolas públicas atendam a comunidades residenciais que poderiam oferecer uma base para solidariedade semelhante, Coleman (1991) observa que os laços com a vizinhança se enfraqueceram. Escolas privadas independentes não podem se basear em semelhanças religiosas ou residenciais e devem fazer esforços deliberados se quiserem criar capital social entre alunos e pais. A ênfase no envolvimento do aluno em atividades extracurriculares encontrada nessas escolas é interpretada como um passo em direção ao fim da criação de coesão entre os alunos (Coleman 1988b).

Conclusão

O capital social certamente provou ser um conceito fecundo, amplamente empregado no estudo de diversos assuntos das ciências sociais, incluindo engajamento cívico (Putnam 2000), desenvolvimento (Woolcock 1998), saúde (Kawachi et al. 2008), imigração (Portes 1995), desigualdade e estratificação (Lin 1999), e análise organizacional (Leenders e Gabbay 1999; Adler e Kwon 2002), entre outros. A compreensão influente de James Coleman do capital social tem muito em comum com outras conceituações sociológicas que o definem como recursos relacionados à rede social, mas se distingue por sua ênfase na ideia de que as redes sociais devem assumir alguma forma útil para constituir capital social, por sua ênfase nas transições micro-macro que fundamentam grande parte do capital social, e por sua fundamentação explícita do capital social em microfundamentos que pressupõem uma ação intencional.

Acompanhando o surto de pesquisas que invocam o capital social em todos esses campos, estão vários exames críticos dos fundamentos do conceito; entre as críticas mais conhecidas estão Portes (1998), Kadushin (2004, 2012) e Adler e Kwon (2002). Para encerrar, chamamos a atenção para algumas das questões que esses autores levantam sobre o capital social. Alguns críticos questionam a adequação da analogia estabelecida entre as formas econômicas do capital e os elementos da estrutura social. Em particular, eles perguntam se os atores autoconscientemente investem em capital social, construindo relacionamentos na expectativa de que receberão retornos instrumentais no futuro; Kadushin opina que “a maioria das pessoas provavelmente obtém gratificação imediata ao fazer amigos” (2012, 166). A ênfase de Coleman em como o caráter de bens públicos de grande parte do capital social desincentiva o investimento deliberado em sua produção, e em ações sociais já existentes organização como uma fonte comum de capital social, sugere alguma simpatia de sua parte por tais reservas.

Muitas discussões sobre capital social têm um tom um tanto comemorativo, enfatizando os resultados avaliados positivamente associados a ele. Portes (1998), entre outros, preconiza uma avaliação mais equilibrada que considere também as consequências menos desejáveis do capital social. Entre elas estão a exclusão de estranhos quando as redes fechadas acumulam oportunidades, as tensões entre a solidariedade social e a autonomia individual, as pressões descendentes sobre as aspirações que desencorajam a realização individual e o uso eficaz do capital social para fins socialmente indesejáveis. Comentando sobre a variabilidade individual no acesso ao capital social, Kadushin escreve que “as redes sociais são essencialmente injustas” (2012, 168), muitas vezes servindo para manter ou mesmo acentuar vantagens particularísticas. Certamente, alguns processos relacionados ao capital social implicados na alocação de recompensas em arenas competitivas, por exemplo, nepotismo e negociação com informações privilegiadas, são facilmente vistos como tal. As observações de Coleman sobre o escopo limitado do capital social, passivos potenciais e caráter não igualitário indicam que ele reconheceu algumas dessas limitações.

Além dessas, há preocupações sobre a novidade da ideia de capital social. Portes escreve que “o conjunto de processos englobados pelo conceito não são novos e foram estudados sob outros rótulos” (1998, 21). Inúmeros autores apontam estudos anteriores sobre redes sociais como vetores que podem transmitir recursos valiosos, por exemplo. Reconhecer isso, entretanto, não contradiz os avanços importantes feitos por teorias e pesquisas recentes conduzidas sob a rubrica de capital social. Esses trabalhos detalham, esclarecem e especificam mecanismos por meio dos quais as redes sociais transmitem valor (Lin 2001; Burt 2005).

Apesar dessas preocupações, as implicações que a organização social tem para muitos processos sociais e econômicos permanecem subestimadas em muitos trimestres. O conceito de capital social de Coleman é muito mais do que um rótulo ressonante que destaca 'as consequências positivas da sociabilidade' (Portes 1998, 22).

Em particular, ele fornece relatos baseados em ações individuais sobre como e por que essas consequências surgem. Apresentar a ideia de uma maneira que atrai atenção e interesse tão difundidos para ela, no entanto, é uma contribuição considerável por si só. Ao desenvolvê-lo de forma tão convincente, elaborando seus fundamentos e detalhando suas formas, Coleman acentuadamente avançou um propósito central do FST: incorporar mais plenamente uma preocupação séria com a estrutura social em análises transdisciplinares dos fenômenos sociais e econômicos.

Organização Econômica

O termo “organização económica” é frequentemente utilizado mais ou menos como sinónimo de “empresa”, especialmente na teoria organizacional moderna. Mas o termo organização económica também pode ser entendido num sentido diferente e mais geral – como a organização de economias inteiras; e é neste sentido que será utilizado neste capítulo (as empresas serão discutidas no capítulo 4). Este segundo sentido do termo organização económica está relacionado com o conceito de “organização social”, que era popular na sociologia inicial e refere-se à organização geral da sociedade. Os economistas conceberam por vezes a economia em termos de organização social. Em The Economic Organization (1933), Frank Knight escreve, por exemplo, que a economia trata da organização social da atividade económica. Na prática, o seu âmbito é ainda muito mais restrito; há muitas maneiras pelas quais a actividade económica pode ser organizada socialmente, mas o método predominante nas nações modernas é o sistema de preços, ou livre iniciativa ([1933] 1967:5-6; cf. Arrow 1974:33). A sociologia económica, defendo, deveria lidar com a definição mais ampla da organização social a que Knight se refere, e não apenas discutir a economia de mercado ou “o sistema de preços”, como Knight lhe chama. Deveria também tentar conceptualizar a organização social da economia de uma forma diferente da economia padrão, nomeadamente introduzindo de forma consistente e sistemática uma dimensão social na análise. Ao conceber a organização económica nos dois sentidos diferentes que acabei de delinear, torna-se mais fácil integrar a análise das empresas numa análise geral da economia. Outra vantagem de proceder desta forma é que se pode iniciar a análise referindo-se simultaneamente aos actores com os seus interesses e à estrutura social que estes actores devem ter em conta quando tentam concretizar os seus interesses. Deve-se enfatizar que não apenas os indivíduos são atores na economia, mas também as organizações – ou pelo menos são considerados assim pelos atores individuais (ver Weber [1922] 1978:14 para este último ponto). Esta afirmação é ainda mais complexa pelo facto de as empresas serem criadas para concretizar os interesses económicos dos seus membros fundadores, mas rapidamente desenvolverem interesses próprios. Segundo Coleman, “este novo conjunto de interesses consiste principalmente uma série de interesses no sentido de libertar os atores corporativos das algemas impostas pelos soberanos [isto é, pelos seus membros]” (Coleman 1974:44). Refletindo o argumento sobre os dois significados diferentes do termo organização económica, este capítulo é dedicado à organização económica no sentido lato, enquanto o capítulo seguinte é dedicado à organização económica no sentido estrito, isto é, à empresa moderna. Foi feito um esforço em ambos os capítulos para relacionar a discussão da organização económica com o conceito de interesse. No que diz respeito à empresa moderna, já existem algumas tentativas de introduzir este conceito na análise, como visto na teoria da agência, na teoria das organizações económicas de James Coleman e na visão de James March da corporação como uma coligação de diferentes interesses. Também existem tentativas semelhantes de incluir interesses na análise da organização económica num sentido lato, mas são menos comuns. Uma forma geral de remediar esta situação, sugiro, seria conceptualizar a totalidade da economia como uma enorme rede de interesses económicos e outros, ligados de diferentes maneiras através da interacção social e de estruturas sociais. As instituições constituem nós cruciais nesta rede de interesses e relações sociais – nós que são especialmente difíceis de desfazer. O que está conectado, deve-se acrescentar, pode ser tão importante quanto o que não está conectado. Na verdade, muito do que consideramos organizações sociais distintas são padrões de interações e interesses sociais que estão desconectados em pontos cruciais. Dependendo da estrutura das relações sociais, os interesses podem reforçar-se mutuamente, bloquear-se mutuamente, e assim por diante. Embora esta conceptualização da organização económica seja simplista, no sentido de que começa com uma divisão demasiado nítida entre interesses e relações sociais, ainda pode dar uma ideia de como proceder. Pode-se acrescentar que esta forma de conceptualizar a organização económica num sentido lato também precisa de ser muito mais específica para ser útil. Um primeiro passo nesta direcção seria mapear aquela que é sem dúvida a forma mais importante de organização económica na sociedade actual, nomeadamente o capitalismo. Isto será feito na próxima secção, que abrange também duas outras formas de organização económica em sentido lato, nomeadamente os distritos industriais e a globalização. Sobre a Organização Social da Economia Parece claro que a sociologia económica deveria colocar o capitalismo no centro da sua análise, uma vez que esta é a forma dominante de organizar a economia – legal, política e socialmente – no mundo de hoje. Antes de entrarmos numa discussão sobre o capitalismo, contudo, é necessário dizer mais algumas palavras sobre a organização económica num sentido lato. O âmbito da organização económica neste sentido é claramente enorme e inclui, em princípio, tudo, desde um conjunto de empresas até à organização global da economia. Os mercados também podem ser vistos como uma forma de organização económica – tal como as cidades, as economias regionais, as economias nacionais e os blocos comerciais. Vários destes exemplos mostram que a linha entre os dois significados de organização económica é fluida e pode ser traçada em diferentes pontos, dependendo do objectivo em questão. Alguns dos tópicos que se enquadram na categoria de organização económica, no sentido de uma economia global, têm uma relação estreita com o ambiente – com a realidade física e o espaço. O ramo das ciências sociais que tem prestado mais atenção a este tópico é a geografia económica, e é claro para mim que a sociologia económica pode aprender bastante com este tipo de análise. Não existe apenas uma tradição de trabalhos importantes que remontam aos primórdios da geografia económica, mas a geografia económica também está actualmente a passar por uma espécie de renascimento (para uma introdução útil a este campo, ver Clark, Feldman, e Gertler 2000). Algumas palavras sobre geografia económica precisam ser acrescentadas neste ponto, uma vez que este campo foi totalmente negligenciado na sociologia económica. A sociologia económica, poder-se-ia argumentar, não é muito diferente da economia dominante neste aspecto. Durante os últimos anos, contudo, os economistas começaram a prestar atenção à geografia económica e desenvolveram o que é conhecido como uma “nova geografia económica” (Malecki 2001). Em 1995, por exemplo, Paul Krugman publicou Desenvolvimento, Geografia e Teoria Económica, que representa uma tentativa importante de um economista bem conhecido para definir uma posição geral sobre esta questão. Krugman defende uma integração da geografia económica na teoria económica em termos contundentes, mas também critica a maior parte do que foi produzido na geografia económica. A principal falha da geografia económica, afirma Krugman, é a falta de rigor analítico e de modelos bem elaborados. A forma como Krugman aborda a geografia económica, no entanto, não parece muito frutuosa para a sociologia económica, uma vez que o que é principalmente interessante neste tipo de análise são precisamente as suas tentativas de lidar empiricamente com o facto de as actividades económicas se basearem na realidade material e espacial. Em contraste com a posição de Krugman, pode-se citar o trabalho de Jeffrey Sachs, também economista e defensor da geografia económica. A contribuição do próprio Sachs para a geografia económica foi ter chamado a atenção para as dificuldades económicas extremas dos países situados na zona tropical: tais países operam. sob uma série de condições geográficas que tendem a impedir o seu crescimento económico (Gallup e Sachs 1999; Sachs 2000; Sachs, Mellinger e Gallup 2001). Sachs não argumenta que a geografia determina o destino económico de um país; as instituições sociais e a cultura também são decisivas. Ainda assim, a geografia deve ser incluída na imagem.

Os países situados nos trópicos tendem, segundo Sachs, a ter solos fracos, elevada erosão do solo e muitas doenças infecciosas. Os únicos países situados nesta zona geográfica e que tiveram um bom desempenho económico, salienta, são Singapura e Hong Kong – duas pequenas economias que não têm dependido da agricultura para o seu sucesso. Num ensaio intitulado “Notas sobre uma Nova Sociologia do Desenvolvimento Económico”, Sachs resume a relação entre o sucesso económico e a geografia da seguinte forma:

A adopção de instituições capitalistas é fortemente favorecida por certas condições geográficas:

  • estados costeiros em vez de estados do interior,
  • Estados próximos de outras sociedades capitalistas,
  • estados nas principais rotas comerciais internacionais,
  • regiões com agricultura fértil, que por sua vez suporta um elevado nível de urbanização (2000:36-37).

Capitalismo

'Capitalismo', para retornar à dimensão social da economia, é um termo que data do século XIX e que ao longo dos anos adquiriu uma série de significados parcialmente sobrepostos e também contraditórios (Braudel [1979] 1985c:231-39 ;cf. Bloco 2000). Os economistas, por exemplo, evitaram o termo até algumas décadas atrás. A definição mais comum de capitalismo incorpora alguma variação do tema de que constitui uma organização de interesses económicos que permite “a busca do lucro e do lucro sempre renovado” (Weber [1904-05] 1958:17). Marx expressa a mesma ideia em O Capital na sua famosa fórmula D-C-D', onde M representa dinheiro, C significa mercadoria e D' significa dinheiro mais um incremento (Marx [1867] 1906:163-96). A isto deve ser acrescentado que a propriedade privada é uma pré-condição para o capitalismo, ou, para expressar esta última condição de uma forma mais sociológica, que o capitalismo só pode existir se o indivíduo tiver o direito legal de impedir que outros utilizem algum objecto ou pessoa (cf. (Weber [1922] 1978:44).

O oposto do capitalismo é uma economia centrada na satisfação das necessidades e não na acumulação de lucros onde o que importa é a “família” e não a “obtenção de lucros” (Weber [1922] 1978:86-100). Exemplos disso seriam a enorme propriedade na antiguidade, a economia comunal e as economias planificadas do tipo socialista. A propriedade pode ser privada ou coletiva neste tipo de economia; e quando se trata deste último, é importante distinguir entre a propriedade formal e o direito real de dispor de uma propriedade.

Esta distinção entre a família e uma organização económica centrada no lucro está intimamente relacionada com a distinção de Marx entre “valor de uso” e “valor de troca” e, em última análise, tem as suas raízes no famoso par de conceitos de Aristóteles “a arte da gestão doméstica” (oekonomia ) e 'a arte da aquisição' (crematística; cf. Marx [1867] 1906:42-43; Aristóteles 1946:18-38). A origem da palavra economia é convencionalmente atribuída à palavra grega para a gestão de uma família ou de uma mansão (Finley [1973] 1985:17). O capitalismo está principalmente relacionado à troca e à crematística, enquanto o valor de uso e a oekonomia são característicos de formas não capitalistas de economia.

Uma estratégia diferente para abordar a natureza geral do capitalismo que defendo seria utilizar a definição tradicional dos economistas da economia como consistindo em produção, distribuição e troca (por exemplo, Samuelson 1970:4). Nesta perspectiva, o processo económico começa com a produção e é depois seguido pela distribuição e pelo consumo. A chave para as diferentes formas de organização da economia, segundo esta perspectiva, encontra-se principalmente na organização da distribuição. Segundo Polanyi, como observado anteriormente, a distribuição pode assumir uma das três formas seguintes: redistribuição, reciprocidade ou troca. A redistribuição é normalmente utilizada numa economia dominada pelo Estado, como o socialismo ou a do antigo Egipto, e o que impulsiona a produção é a necessidade de consumo. A reciprocidade é comum numa economia baseada na família ou numa economia onde o parentesco é de importância primordial; e também aqui o que impulsiona a produção é a necessidade de consumo. A troca, por fim, está diretamente relacionada à existência de um mercado; e só ele pode levar ao capitalismo. A razão é que a produção numa economia capitalista é impulsionada não apenas pela necessidade de consumo, mas também pelo desejo de lucro.

A forma como o lucro está relacionado com a troca, e a razão pela qual os actores querem envolver-se numa troca, podem ser ilustrados por uma referência ao chamado conceito de eficiência de Kaldor-Hicks (Posner 1998:14-15). De acordo com este conceito, uma troca é eficiente quando beneficia ambos os intervenientes com um montante que excede o possível dano a um terceiro. O lucro social, em resumo, tem de exceder a perda social.

Um exemplo disso seria quando o ator A, que possui uma bicicleta que vale US$ 100, vende-o ao ator B por US$ 150, sem nenhum dano aos atores C, D e breve. Este exemplo mostra claramente por que dois atores querem se envolver em uma troca: ambos ganham com isso. O que torna o capitalismo tão único é que ele é impulsionado não apenas pela necessidade de consumo, mas também pelo desejo de lucro. Este lucro tem também deve ser continuamente reinvestido em nova produção para novos lucros tornar-se possível (ver figura 3.1). É precisamente esse ciclo de feedback do lucro à produção que transforma o capitalismo num sistema económico tão dinâmico, revolucionando para sempre a economia, bem como a sociedade. O capitalismo, para citar o Manifesto Comunista, leva à “revolução constante da produção, à perturbação ininterrupta de todas as condições sociais, à incerteza e à agitação eternas” (Marx e Engels [1848] 1978:476). A redistribuição e a reciprocidade, pelo contrário, carecem desta procura de lucro e do ciclo de feedback do investimento e constituem essencialmente formas estáticas de organização económica. O Estado e a família/grupo de parentesco normalmente canalizam parte do excedente para nova produção, a fim de garantir a reprodução, mas isto é muito diferente de um sistema dinâmico orientado para o lucro, onde a mudança é constante.

O que acaba de ser apresentado é um modelo básico de capitalismo que precisa de ser tornado mais complexo para ser útil na sociologia económica. Uma forma de o fazer seria examinar mais de perto os seus quatro componentes principais e analisar cada um deles com a ajuda da sociologia. Isso nos daria uma sociologia da produção, distribuição, consumo e lucro. A produção, por exemplo, pode ser subdividida em terra, trabalho, capital, tecnologia e “organização” (Marshall). Além disso – e de importância crucial – a cultura, bem como as instituições políticas (incluindo o sistema jurídico), devem ser tidas em conta. Cada um destes factores pode facilitar o processo de obtenção de lucro, retardá-lo ou bloqueá-lo. Estudar o capitalismo nestas linhas, defendo, forneceria à sociologia económica uma agenda para um longo período de tempo (ver Swedberg).

Existem outras teorias do capitalismo que é útil ter em mente. Aquela que é talvez a mais adequada à sociologia económica actual é, na minha opinião, a de Max Weber. Em primeiro lugar, Weber não fala de capitalismo (no singular), mas de capitalismos (no plural), que é também a forma como o termo é cada vez mais utilizado nas ciências sociais contemporâneas. Tem sido recentemente argumentado, por exemplo, que “o capitalismo como uma construção só é analiticamente interessante no plural: os capitalismos devem ser definidos e comparados uns com os outros” (Stark 1996:1017; cf. Swedberg a publicar c). Em segundo lugar, Weber tentou desenvolver um conceito de capitalismo centrado na acção social, em oposição a ver o capitalismo como uma espécie de sistema com as suas próprias leis, nos moldes de Marx. E, finalmente, a tipologia dos capitalismos de Weber é de natureza profundamente histórica, com cada tipo surgindo de intensa pesquisa histórica.

Na obra de Weber como um todo pode-se encontrar uma infinidade de diferentes tipos de capitalismo, semelhante à noção de capital na obra de Bourdieu. Alguns deles são altamente evocativos, como o capitalismo aventureiro, o capitalismo rentista e o capitalismo pária. Na sua sociologia económica teórica, contudo, Weber assume uma posição mais restritiva, e aqui ele apenas fala de três tipos principais de capitalismo: capitalismo racional (ou moderno), capitalismo político e o que pode ser denominado capitalismo comercial tradicional ([1922] 1972:164-66). Em vez de os definir, contudo, Weber utiliza-os simplesmente como rótulos para seis diferentes “modos principais de orientação capitalista para obtenção de lucro”. Weber define a obtenção de lucro como constituindo uma forma de acção económica orientada para “oportunidades de procurar novo poder de controlo sobre bens numa única ocasião, repetida ou continuamente” (90).

O acto de obter lucro com uma orientação capitalista pode assumir uma série de formas qualitativamente diferentes, cada uma das quais constitui “um tipo [sociológico] definido”. Quatro deles existem há milhares de anos, diz Weber, enquanto os dois restantes só podem ser encontrados no Ocidente e nos tempos modernos. Os dois últimos são exemplos de capitalismo racional ou moderno e consistem basicamente em finanças avançadas, produção contínua e compra e venda permanente num mercado livre. Das outras quatro formas de obtenção de lucro, o capitalismo político (“capitalismo politicamente orientado”) inclui os casos em que o lucro é obtido através do Estado, através de contactos com o Estado ou sob a protecção física directa do Estado. O capitalismo comercial tradicional consiste em actos de comércio de bens e dinheiro em pequena escala (ver figura 3.2).

A tendência de Weber para dissolver os diferentes tipos de capitalismo em vários tipos de acção social deve-se provavelmente ao seu desejo de fundamentar a noção de capitalismo nas actividades quotidianas da economia e afastar-se da tendência de ver o capitalismo como um sistema muito além do actor individual. Neste último ponto, aliás, o raciocínio de Weber aproxima-se do de Hayek, que argumenta que retratar o capitalismo como um sistema representa uma forma de “objetivismo” e cria a ilusão de que o capitalismo tem o seu próprio conjunto de leis (Hayek 1943:41; ver Hayek 1942:286).

Seria errado, contudo, deixar ao leitor a impressão de que a concepção de capitalismo de Weber consiste apenas em interacções entre indivíduos e que as instituições não desempenham qualquer papel. Tal como mencionado na exposição da sociologia económica teórica de Weber no capítulo 1, o actor económico orienta o seu comportamento não apenas em relação a outros actores, mas também em relação a “ordens”, que consistem em conjuntos prescritos de acção social que são aplicadas de diferentes maneiras. Estas ordens são por vezes instituições; e a instituição económica central no capitalismo moderno é a empresa racional, liderada por um empresário e com uma força de trabalho separada dos meios de produção. A ordem económica da propriedade privada é igualmente defendida e mantida de forma previsível e fiável pelo Estado e pelas suas agências administrativas. O sistema jurídico faz parte do Estado racional e é sim-

geralmente confiável e confiável. Enormes investimentos na indústria só podem ser rentáveis ​​se as autoridades estatais e as autoridades legais forem previsíveis nas suas decisões. O capitalismo moderno, conclui Weber numa passagem famosa, não é o mesmo que ganância desenfreada: Deveria ser ensinado no jardim de infância da história cultural que esta ideia ingénua do capitalismo [moderno] deve ser abandonada de uma vez por todas. A ganância ilimitada pelo ganho não é idêntica ao capitalismo e é ainda menos o seu espírito. O capitalismo pode até ser idêntico à restrição, ou pelo menos a um temperamento racional, deste impulso irracional. Mas o capitalismo é idêntico à busca do lucro, e do lucro sempre renovado, por meio de uma empresa capitalista contínua e racional ([1904-05] 1958:17).

A visão de Weber sobre o capitalismo é de natureza profundamente histórica e baseia-se em pesquisas comparativas sobre diversas civilizações diferentes, bem como em pesquisas primárias sobre o capitalismo no Ocidente. O aspecto que mais interessou Weber foi a origem do capitalismo moderno, ou racional, e é claro que este tema o ocupou desde as suas primeiras pesquisas como estudante de doutoramento até à sua morte, cerca de trinta anos mais tarde. «Porque é que apenas no Ocidente se desenvolveu um capitalismo racional baseado na rentabilidade? Alguém tem de explorar esta questão”, como escreveu Weber numa carta algumas semanas antes da sua morte (citado em Hennis 1991:29).

Tal como Weber enfatiza que o capitalismo não deve ser visto exclusivamente como um fenómeno económico, ele também tem em conta factores políticos, jurídicos e culturais quando traça a história do capitalismo moderno ([1922] 1978, [1923] 1981). Ao contrário dos historiadores económicos de hoje, que normalmente vêem a revolução industrial como o acontecimento decisivo na história do capitalismo moderno, Weber traça as suas origens muito mais atrás e, em parte, a outros factores. Um evento particularmente importante ocorreu nos anos 1500 e 1600 com a ascensão do protestantismo ascético, que tornou possível quebrar o domínio da religião sobre a vida económica e energizar as pessoas no seu trabalho, incluindo a obtenção de lucros (ver Marshall 1982 para o debate sobre Tese de Weber).

Mas muitos acontecimentos importantes também ocorreram antes da Reforma, segundo Weber, tais como a invenção de certas instituições económicas fundamentais, incluindo o dinheiro e a empresa familiar. O Estado racional tem a sua origem na comunidade política da cidade medieval – e o mesmo acontece com o direito comercial moderno, com as suas regras sobre falências, letras de câmbio e afins. Vários eventos importantes também ocorreram após a ascensão do protestantismo ascético, como o surgimento da demanda em massa pelo consumo e o uso da ciência na indústria. A certa altura, na década de 1700, o capitalismo ocidental quase estagnou definitivamente, antes de algumas descobertas cruciais na metalurgia o fazerem voltar a funcionar. Em suma, pode-se dizer que, de acordo com Weber, o capitalismo moderno ou racional surgiu através de uma evolução que durou vários séculos e que foi em grande parte de natureza acidental. Weber também estava bastante preocupado com o facto de o tipo moderno de capitalismo, que é de natureza extremamente dinâmica, ser em breve substituído por um tipo diferente de capitalismo, caracterizado pela estagnação burocrática e pela opressão (cf. Mommsen 1974).

O “sistema americano de produção” estava em vigor, caracterizado pelas normas do individualismo e do empreendedorismo. A força desta herança cultural, que estava relacionada com o puritanismo americano, também ajuda a explicar por que razão não conseguiu emergir um forte movimento operário nativo.

No final do século XIX, continua Hollingsworth, a produção em massa, com a sua ênfase na hierarquia e nos empregos repetitivos, tinha começado a dominar a indústria («Fordismo»); e esta situação perduraria até as décadas de 1950 e 1960. Nessa altura, porém, outros países com sistemas de produção mais eficientes começaram a desafiar as empresas norte-americanas. Por diversas razões, as empresas americanas estão pouco inseridas nas relações sociais existentes, o que dificultou a produção de mercadorias de alta qualidade. A indústria transformadora actual, por exemplo, tem dificuldade em competir com países como o Japão e a Alemanha, onde as empresas estão mais inseridas na estrutura social e os trabalhadores recebem melhor formação. A tradicional dependência das empresas americanas do mercado de capitais para financiamento também encorajou uma certa “visão de curto prazo”.

Esta própria falta de integração tornou, por outro lado, mais fácil para as empresas americanas responderem rapidamente a novas exigências e criarem novos negócios. Áreas como os computadores e os semicondutores estão, por exemplo, a florescer nos Estados Unidos, em resposta a exigências e condições em rápida mudança. Olhando para o futuro da economia americana, Hollingsworth conclui que a falta de um Estado-providência, em combinação com uma sociedade civil fraca, cria perspectivas difíceis para todos, excepto para uma minoria da população (ver Campbell, Hollingsworth e Lindberg 1991 para uma estudo detalhado da economia dos EUA e, de forma mais geral, ver Lipset 1996 sobre o excepcionalismo dos EUA).

Para concluir esta secção sobre a organização da economia sob a forma do capitalismo, é útil referir-nos mais uma vez ao modelo da figura 3.1. O que, de acordo com este modelo, torna o capitalismo racional tão dinâmico é o ciclo de retroalimentação do lucro ao reinvestimento na produção. A teoria de Weber sobre os três diferentes tipos de capitalismo mostra uma consciência deste mecanismo; e um dos principais pontos de Weber sobre o capitalismo político e o capitalismo comercial tradicional é precisamente que estes dois tipos de capitalismo nunca conseguiram desenvolver um ciclo de feedback deste tipo que funcionasse bem.

Quando se trata da discussão do capitalismo entre os sociólogos contemporâneos, em contraste, a situação é um pouco diferente. Aqui, o desejo de mostrar que as relações e instituições sociais são importantes é muitas vezes tão forte que o mecanismo chave do capitalismo – a geração de lucro e o seu reinvestimento na produção – quase nunca é mencionado e raramente teorizado. Isto leva a uma visão errada do capitalismo e a uma incapacidade de compreender a sua dinâmica, bem como a sua capacidade de mobilizar pessoas e recursos para os seus fins.

Distritos Industriais

Outro tipo de organização social da economia que tem atraído muita atenção durante a última década é a dos distritos industriais. Este fenômeno foi estudado pela primeira vez por Alfred Marshall, que também cunhou o termo. Ao contrário das formas nacionais de capitalismo, os distritos industriais são definidos por fronteiras geográficas e sociais, e não por fronteiras políticas. Nos termos do modelo básico do capitalismo, os distritos industriais representam formas de organizar a produção com base na troca e com concorrentes, bem como com empresas relacionadas em estreita proximidade geográfica.

A pesquisa sobre distritos industriais foi iniciada há algumas décadas por estudiosos italianos através de uma série de estudos nas regiões central e nordeste da Itália. Rapidamente se descobriu que os distritos industriais também podiam ser encontrados em muitos outros países, tanto dentro como fora da Europa, e também durante as fases iniciais da industrialização. Hoje, a discussão dos distritos industriais fundiu-se com um debate mais geral sobre a importância das regiões económicas. Também foi ampliado para incluir grandes corporações, e não apenas pequenas e médias empresas.

Alfred Marshall aborda a questão dos distritos industriais em suas duas principais obras, Princípios de Economia ([1920] 1961, 1:271-73) e Indústria e Comércio (1919:283-88; cf. Bellandi 1989). Ele observa as vantagens de uma indústria estar localizada na vizinhança de outras indústrias: 'O proprietário de uma fábrica isolada, mesmo que tenha acesso a uma oferta abundante de mão-de-obra geral, é frequentemente submetido a grandes mudanças por falta de alguma qualificação especial. trabalho; e um trabalhador qualificado, quando é despedido, não encontra refúgio fácil” ([1920] 1961, 1:271-72). Para além do facto de que num distrito industrial os trabalhadores com competências especializadas encontrarão mais facilmente emprego, e os empregadores que necessitam de trabalhadores com competências especializadas encontrarão mais facilmente esses trabalhadores, Marshall também aponta para as «grandes vantagens [para os distritos industriais], que não podem ser encontrados em outro lugar; e uma atmosfera [que] não pode ser movido facilmente” (1919:284). 'Os mistérios do comércio não se tornam mistérios; mas estão, por assim dizer, no ar, e as crianças aprendem muitas delas inconscientemente” ([1920] 1961, 1:271). Sheffield, na Inglaterra, e Solingen, na Alemanha, são mencionados como exemplos típicos de distritos industriais. Marshall também afirma que se muitas pequenas empresas estiverem situadas próximas umas das outras, poderão utilizar maquinaria mais cara e especializada do que se estivessem isoladas.

Em meados da década de 1970, estudiosos italianos começaram a desenvolver ideias semelhantes às de Marshall, em estudos do centro e nordeste da Itália. Arnaldo Bagnasco, em particular, salientou que na “Terceira Itália” a economia não é organizada pelo Estado (como no sul de Itália) nem dominada por grandes corporações industriais (como no noroeste de Itália). Em vez disso, depende de pequenas e médias empresas (Bagnasco 1977; cf. Trigilia 1995; Barbera 2002). Os tipos de produtos produzidos nesta parte da Itália são bastante tradicionais, como azulejos, têxteis e artigos de couro.

Algum tempo depois, Charles Sabel e seus colaboradores introduziram uma perspectiva histórica no debate (Piore e Sabel 1984; Sabel e Zeitlin 1985). Eles também elevaram a questão a um nível mais geral, sugerindo que as pequenas e médias empresas eram muito melhores na “especialização flexível” (como a chamavam) do que a antiquada indústria “Bordisi”, com a sua necessidade de organização hierárquica e enorme , mercados estáveis. A especialização flexível também foi considerada um ideal para o futuro, uma vez que poderia lidar com mercados que sofrem oscilações acentuadas e imprevisíveis, comuns no capitalismo moderno.

Muitos estudos empíricos interessantes foram feitos sobre distritos industriais na Europa, desde a Terceira Itália até, digamos, Baden-Wurttemberg na Alemanha e Gnosjõ na Suécia (por exemplo, Semlinger 1995, Sjõstrand no prelo). O leitor de língua inglesa pode ter uma ideia de como é um distrito industrial italiano lendo os estudos de Mark Lazerson sobre Modena na Emilia Romagna (1993). Aqui, várias pequenas empresas interligadas cooperam na produção de malhas. Uma empresa faz a tecelagem, outra o corte, uma terceira acrescenta as casas dos botões e os botões, e assim por diante.

Mas hoje também existe um tipo de distrito industrial diferente daqueles que foram inicialmente estudados na Europa, com as suas pequenas e médias empresas. Este novo tipo consiste em empresas na vanguarda da tecnologia moderna; e misturadas com as pequenas e médias empresas também estão grandes empresas. Silicon Valley representa o arquétipo deste tipo de distrito industrial, onde o valor do que é produzido é verdadeiramente enorme e onde o capital de risco é fortemente investido.

Um dos melhores estudos sociológicos da indústria de informática no Vale do Silício, que também se baseia fortemente na literatura sobre distritos industriais, é Regional Advantage: Culture and Competition in Silicon Valley and Route 128 (1994), de AnnaLee Saxenian. A tese chave deste trabalho fica clara no seu título: o que importa não é tanto o empresário individual ou a empresa única, mas sim a estrutura da economia regional ou do distrito industrial. O estudo de Saxenian, deve também ser notado, centra-se em dois desses distritos, uma abordagem que lhe permite distinguir entre os factores que contribuem para um distrito que funciona bem e é eficaz, e aqueles que não o fazem.

Tanto a área da Rota 128 em Boston quanto o Vale do Silício no norte da Califórnia têm sua origem no apoio do governo dos EUA à pesquisa relacionada à guerra durante a Guerra Mundial H. No início existia apenas um vínculo entre o governo e a universidade (ΜΓΓ em Boston e Universidade de Stanford, na Califórnia). Mais tarde, porém, um terceiro parceiro crucial foi acrescentado: os negócios. Inicialmente, a Rota 128 estava se saindo muito melhor do que o Vale do Silício, mas desde o final da década de 1980 ficou bastante para trás. A principal razão para isso, segundo Saxenian, é que desde cedo as duas regiões tiveram estruturas sociais muito diferentes. A Rota 128 era o que ela chama de “sistema [industrial] independente baseado em empresas” e o Vale do Silício de “distrito [industrial] baseado em redes regionais descentralizadas” (1994:8). Ao longo da Rota 128, as empresas normalmente estavam localizadas longe umas das outras. Eles queriam ser independentes uns dos outros e tinham hierarquias tradicionais. O financiamento veio dos bancos; a falência significava fracasso pessoal; e os funcionários que mudaram de empregador corriam o risco de serem processados.

No Vale do Silício, por outro lado, as empresas estavam localizadas próximas umas das outras; a hierarquia foi evitada tanto quanto possível; e os funcionários muitas vezes socializavam depois do trabalho. O capital veio através de um novo tipo de financiador: os capitalistas de risco, que muitas vezes eram eles próprios ex-empreendedores e queriam uma participação no negócio. Os funcionários mudavam de emprego com tanta frequência que não fazia sentido processá-los; e os empreendedores falharam muitas vezes nos seus negócios uma ou duas vezes antes de terem sucesso (“empreendedores recorrentes”). Uma das principais razões para o sucesso de Silicon Valley, conclui Saxenian, reside no papel que as redes informais desempenham na região.

Desde 1999 existe também um grande projecto sociológico sobre Silicon Valley, liderado por Mark Granovetter e intitulado “Redes de Silicon Valley” (Granovetter 1999b). A ideia principal é que apesar do fato A ideia principal é que, apesar de todos falarem sobre o papel crucial das redes no Vale do Silício, ninguém as estudou empiricamente e ao longo do tempo. O objetivo geral de fazer isso, argumentam Granovetter e seus colaboradores em uma publicação inicial deste projeto, é que isso levará a uma noção muito mais precisa e rica da estrutura social do Vale do Silício (Castilla et al. 2000). Sugere-se também que a chave do sucesso no Vale do Silício não está tanto na pesquisa (e na cópia) de empresas isoladas de sucesso, mas na compreensão das distintas constelações de redes que são constituídas por atores de vários setores diferentes, como como empresas, capitalistas de risco, escritórios de advocacia, instituições educacionais, autoridades políticas e assim por diante.

Para ilustrar a fecundidade do uso de uma análise sistemática de redes, Granovetter e seus colaboradores realizaram algumas análises amostrais (Castilla et al. 2000). Uma delas trata da criação de empresas na indústria de semicondutores no Vale do Silício, mais precisamente do processo de spin-off iniciado em 1957 pela saída de vários funcionários da corporação de William Shockley (os 'Oito Traidores'). Se um empate representa uma situação em que uma pessoa esteve activa na fundação de duas empresas, os resultados de uma análise de 1947-86 indicam que um pequeno número de pessoas conhecidas tinha, cada uma, mais de dez destes laços. A análise, contudo, mostra também que vários intervenientes consideravelmente menos conhecidos também têm estado muito activos na criação de empresas. O resultado, por outras palavras, indica a necessidade de ir além dos relatos populares de empreendedorismo para esclarecer a história.

Um estudo realizado por Granovetter e colegas sobre empresas de capital de risco, que estiveram activas na costa oeste entre 1958 e 1983, revela um tipo de rede muito diferente (Castilla et al. 2000). Em vez de uma rede ligada de forma relativamente uniforme, como no processo de spin-off na indústria de semicondutores, existe, em primeiro lugar, um aglomerado de empresas com muitos laços entre si. Isto significa que todas estas empresas foram fundadas por pessoas que também estiveram envolvidas na fundação de outras empresas de capital de risco. Mas, como se constata, há também uma série de empresas que não estão ligadas entre si, levantando a questão de saber se foram fundadas de alguma forma alternativa.

A terceira e última análise de redes fornecida por Granovetter e seus colaboradores representa uma tentativa de estudar a interação entre diferentes setores no Vale do Silício. Os dados sobre um determinado tipo de empresas da Califórnia, envolvidas em ofertas públicas iniciais em 1999, indicam que existe um padrão distinto de interacção entre escritórios de advogados, bancos de investimento e empresas de contabilidade (ver figura 3.3). Um pequeno número de empresas de alto prestígio de cada uma destas categorias está envolvido em muitos negócios. Os escritórios de advocacia, contudo, revelam-se surpreendentemente mais locais do que nacionais. Se os resultados seriam os mesmos com uma amostra melhor é difícil saber, segundo os autores. Ainda assim, o ponto geral é claro: nomeadamente, que intervenientes de vários sectores cooperam na indústria de serviços de recuperação de informação na Califórnia – e que Granovetter e os seus colegas podem muito bem estar correctos na sua suposição de que, em última análise, é este facto que explica o sucesso do região.

Globalização

O tipo de sociologia económica que surgiu desde meados da década de 1980 nos Estados Unidos não tem uma natureza muito internacional. Tem também demonstrou pouco interesse em conectar-se com outras tradições de pesquisa que estudam a economia internacional, como a economia política internacional, a teoria dos sistemas mundiais e a economia do desenvolvimento (para exceções, ver, por exemplo, Gereffi 1994; Evans 1995; Orrù, Biggart e Hamilton 1997; Riain e Evans 2000; Guillen 2001a,b). Esta tendência representa uma fraqueza na sociologia económica contemporânea, tal como a sua ausência no debate sobre a globalização.

Do ponto de vista económico, globalização é o termo usado hoje em dia para denotar a difusão do capitalismo moderno em todo o mundo. Exatamente até que ponto este processo chegou, no entanto, é fortemente contestado. Embora a produção, a distribuição e o consumo ocorressem no mesmo país (menos as importações/exportações), a globalização significa que as fronteiras nacionais são cada vez menos importantes para o funcionamento do capitalismo. Este enfraquecimento das fronteiras entre os países manifesta-se de muitas maneiras. A produção, por exemplo, hoje em dia envolve frequentemente vários países; e o consumo pode ocorrer em outro país. O reinvestimento do lucro na produção também ignora frequentemente as fronteiras nacionais. Em resumo, toda a maquinaria capitalista – produção, distribuição, consumo e reinvestimento dos lucros – já está, em certa medida, a funcionar a nível global, muitas vezes com total apoio das autoridades políticas.

A preocupação com a globalização começou por volta de 1990 e é de natureza interdisciplinar, com a participação de vários sociólogos de destaque de outras especialidades além da sociologia econômica. Uma das principais figuras e defensores da ideia de que o mundo está se tornando global é o sociólogo urbano Manuel Castells, autor de A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura (1996-98). Segundo Castells, emergiu uma “nova economia”, impulsionada pelas novas tecnologias (1996:66). Esta economia é de natureza global, não apenas internacional:

Uma economia global é uma realidade historicamente nova, distinta de uma economia mundial. Uma economia mundial, isto é, uma economia em que a acumulação de capital ocorre em todo o mundo, existe no Ocidente pelo menos desde o século XVI, como nos ensinaram Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein. Uma economia global é algo diferente: é uma economia com a capacidade de funcionar como uma unidade em tempo real à escala planetária (92; grifo no original).

O que caracteriza a economia global, segundo Castells, é, antes de mais nada, o facto de se basear num novo tipo de tecnologia de infra-estruturas – dispositivos de processamento de informação e o próprio processamento de informação. A utilização desta tecnologia e de outros factores levaram ao aumento do comércio, dos investimentos estrangeiros e à criação de mercados financeiros internacionais nos quais o volume de negócios é enorme, especialmente em moeda. Os mercados de capitais em diferentes partes do mundo estão todos interligados e o capital é gerido 24 horas por dia. Os mercados de bens e serviços estão a tornar-se cada vez mais internacionalizados (muito menos, porém, o mercado de trabalho). As empresas dominantes estão todas activas no mercado mundial e estão também em processo de transformação de empresas multinacionais em empresas transnacionais. Estas últimas estão organizadas de forma horizontal e podem ser melhor caracterizadas como redes ('empresas em rede'; Castells 1996:151-200).

 INTRODUÇÃO

Diariamente ouvimos falar em instituições - instituições sociais, instituições financeiras, instituições de ensino, instituição familiar e umas tantas outras instituições -, mas do que exatamente está se falando quando se usa o termo "instituição" de modo tão genérico? Poderíamos pensar que certa confusão quanto ao sentido de um termo não é incomum no uso cotidiano, afinal, as pessoas não precisam se ocupar com formalidades científicas em seu trato pessoal. Contudo, o fato curioso é que essa confusão quanto ao sentido do termo "instituição" também está presente no âmbito dos debates acadêmicos em economia institucional. Naturalmente, ao contrário do senso comum, os institucionalistas preocuparam-se em definir o que é uma instituição, de modo que o dissenso explicita diversidade, mas não falta de uma definição, ou de muitas definições, para o termo "instituição".

O objetivo dessa lição é justamente explicitar esse dissenso no âmbito da economia institucional, buscando tornar claros os sentidos nos quais se usa o termo "instituição" na literatura especializada. Nesse sentido, convidamos o leitor a uma breve imersão nos textos de alguns institucionalistas, para que possamos traçar as diferenças e também as semelhanças conceituais referentes à definição do termo "instituição".

Essa lição encontra-se estruturada em três itens, além dessa introdução e de uma conclusão ao final do trabalho. No primeiro item faremos uma breve exposição de alguns autores da velha economia institucional (VEI) - Veblen, Commons e Mitchell - e da nova economia institucional (NEI) - North, Coase e Williamson. No segundo item, veremos que institucionalistas contemporâneos como Hodgson e Chang transitam de modo fluido entre os conceitos de instituição enquanto regras do jogo, modelos mentais e organizações. No terceiro item discutiremos em que medida a perspectiva dos referidos autores aproxima-se de uma ou mais dimensões institucionais, a saber, (i) instituições como regras do jogo; (ii) instituições como modelos mentais; e (iii) instituições como organizações.

2. OS INSTITUCIONALISTAS: VELHOS E NOVOS

A economia institucional conquistou seu lugar, enquanto programa de pesquisa, no pensamento econômico no final do século XIX com os escritos seminais de Thorstein Veblen, porquanto elementos institucionais possam ser identificados nos escritos de autores como Adam Smith, Karl Marx e Alfred Marshall (Hodgson, 1999). Contudo, nosso ponto de partida será a velha economia institucional de Veblen, Commons e Mitchell, que mais tarde seria oposta à nova economia institucional de North, Coase e Williamson.

A velha economia institucional tem início com o artigo seminal de Thorstein Veblen, Why is Economics not an Evolutionary Science, publicado em 1898, no qual o autor defende uma ciência econômica que reconheça o processo evolutivo das instituições, tendo como principais seguidores de seu pensamento Wesley Mitchell e John Commons. Apesar dos primeiros escritos do incipiente programa de pesquisa institucionalista terem surgido no final do século XIX, apenas em 1919 foi sugerido o termo "economia institucional", cunhado por Walton Hamilton e que daria nome a essa nova disciplina no âmbito da Economia. Já a demarcação entre a VEI e a NEI teria que esperar mais algumas décadas, até que Oliver Williamson se autodenominasse novo institucionalista ao lado de Douglass North e Ronald Coase, deixando clara a descontinuidade com o que chamou de velho institucionalismo (Coase, 1998, p. 72). Veblen (1961 [1898]) tinha como alvo de sua crítica os supostos da ortodoxia econômica de sua época, identificada com o pensamento de John Bates Clark (Rutherford, 2001, p. 18). O velho institucionalismo argumentava a favor de uma ciência empírica, diferente das formulações teóricas ortodoxas, baseadas em hipóteses irrealistas, fundamentadas em suposições psicológico-comportamentais que possuíam pouco contato com o funcionamento real da economia (Rutherford, 2001, p. 177). No lugar dessas formulações teóricas excessivamente abstratas, Veblen sugeriu uma reformulação da teoria econômica que se sustentasse sobre os pilares de uma ciência evolucionária, que seria uma "teoria do processo, de uma seqüência que se desdobra" (Veblen, 1961, p. 58).

A ciência evolucionista sugerida por Veblen opunha-se à teoria ortodoxa, propondo uma explicação envolvendo cadeias de causa e efeito, em lugar de uma teorização ortodoxa, não evolucionista, que explicaria os fenômenos econômicos em termos de algum propósito. Essa teleologia implicada na ciência não evolucionista foi denominada por Veblen como animismo. Esse modo de entender o mundo econômico levaria a outro problema da ciência não evolucionista, a taxonomia, que consistiria numa construção teórica baseada na dedução de fenômenos econômicos a partir de postulados gerais como "homem econômico" e "competição perfeita". Ligado a esses dois problemas está o que Veblen denominou como hedonismo, uma forma peculiar da ciência evolucionária entender o homem, o agente econômico, que o definiria como um sujeito capaz de realizar todos os cálculos necessários à maximização do prazer e/ou à minimização da dor, em termos veblenianos um "calculador instantâneo de dor e prazer" (Veblen, 1961 [1898], p. 73).

Como contraponto à psicologia hedonista, Veblen sugeriu não apenas a ideia de um processo evolutivo, mas também uma teoria dos instintos. Segundo Veblen, os homens seriam movidos por três instintos: (i) instinto de artesanato (workmanship), que seria a tendência à implementação de incrementos tecnológicos; (ii) instinto familiar (parental bent), que inclinaria o sujeito a buscar a melhora do bem-estar da família e da sociedade; (iii) instinto de curiosidade (idle curiosity), que levaria o sujeito a produzir explicações coerentes do mundo (Rutherford, 1984, p. 332). Contudo, mais importante que os instintos seriam as instituições que, segundo Veblen, ganhariam autonomia em relação aos instintos, mostrando-se até capazes de moldar esses instintos.

Em seu livro de 1899, The Theory of the Leisure Class, Veblen aplica sua concepção de instituição à evolução da vida social a partir de um processo contínuo de mudança nos hábitos mentais dos sujeitos. Assim chegamos à compreensão vebleniana de instituições como hábitos mentais, que seriam "métodos habituais de dar continuação ao modo de vida da comunidade em contato com o ambiente material no qual ela vive" (Veblen, 1988 [1899], p. 89). Hábitos mentais são, segundo Veblen (1961 [1898]), formas de ser e de fazer as coisas que se cristalizam em instituições, mantidas ou modificadas ao longo do tempo pela ação reprodutiva ou transformadora dos sujeitos. Destarte, as instituições comporiam o tecido social alimentando-se das ações e decisões dos sujeitos e ao mesmo tempo as modificando ao longo do tempo.

Seguindo a linha vebleniana, Mitchell (1910a) também entendia instituições como hábitos mentais, como "hábitos de pensamento predominantes que ganharam aceitação geral como normas orientadoras da conduta" (Mitchell, 1910b, p. 203). Mitchell descarta a fundamentação da ortodoxia de sua época em supostos acerca de uma natureza humana, sugerindo novas bases psicológicas para a ciência econômica, ratificando a definição de instituições como hábitos mentais, como "entidades psicológicas - hábitos mentais e de ação predominantes dentre as comunidades sob observação" (Mitchell, 1910a, p. 112).

Apesar de ter adotado as ideias veblenianas, como a definição de instituições como hábitos mentais, a distinção entre a fase pecuniária e a fase tecnológica da vida econômica como responsáveis pelos distintos hábitos mentais, a ideia de um processo evolutivo da sociedade, bem como a crítica às teorias abstratas da economia ortodoxa de sua época, Mitchell não concordou com as concepções mais radicais de Veblen, como a rejeição completa da ciência econômica considerada ortodoxa. Deste modo, apesar de discípulo de Veblen, Mitchell aproximou-se da economia ortodoxa, dela aproveitando o que julgou útil à construção de seu corpo teórico complexo.

Assim como Mitchell, Commons é considerado um discípulo de Veblen, tendo também se colocado como um crítico menos radical da economia ortodoxa de sua época. Ademais, ao basear seu argumento nos conceitos de escassez e de transação, Commons acabou por se tornar o mais importante institucionalista americano sob o ponto de vista dos novos institucionalistas (Furubotn e Richter, 2005, p. 41). Segundo Commons (1931), a economia institucional remontaria à ideia de David Hume de que a escassez de recursos levaria ao conflito de interesses. De acordo com Veblen, e com Mitchell, o conflito emergiria de hábitos mentais distintos, não da escassez de recursos, como afirmara Commons. A noção de instituição de Commons surge do argumento de que a escassez de recursos seria resolvida unicamente com base na força física, caso não existissem restrições à ação individual. Essas restrições seriam postas pela ação coletiva no exercício do controle coletivo, que se tornaria operante através dos mecanismos institucionais. O autor, então, define uma instituição:

Se nós queremos encontrar uma circunstância universal, comum a todo comportamento conhecido como institucional, devemos definir uma instituição como a ação coletiva em controle, liberação e expansão da ação individual. (Commons, 1931, s. p.)

As instituições são, para Commons, mecanismos através dos quais o controle coletivo é exercido, devendo desempenhar ainda a função de mecanismo de resolução de conflitos com base em regras e punições ao seu descumprimento. Esse controle coletivo, exercido através das instituições, pode advir de costumes desorganizados (unorganized customs) ou da ação organizada (organized action), que compreende o Estado, a família, a Igreja, as corporações, os sindicatos etc. (Commons, 1931). As instituições componentes da ação organizada possuem um conjunto de regras de funcionamento (working rules), que definem "o que os indivíduos podem, não podem, devem, não devem, poderiam ou não poderiam fazer" (Commons, 1931, s. p.).

No esquema conceitual de Commons, as instituições possuiriam o papel instrumental de resolver conflitos sem recurso à força física, regulando as relações sociais - conflito, dependência e ordem - que, segundo o autor, estariam implícitas nas transações. Uma transação é entendida, pelo autor, como "a alienação e a aquisição, entre indivíduos, dos direitos de propriedade e liberdade criados pela sociedade" (Commons, 1931, s. p.). Nesse sentido, Commons acaba por identificar a transação com a relação de propriedade, entendendo a transação como uma espécie de "acordo", coletivo e inicial entre os indivíduos, que possibilitaria um sistema econômico capaz de produzir, distribuir e trocar mercadorias. Por conta disso Commons considerou a transação como a unidade básica de análise. Desta forma, num sistema no qual a escassez de recursos leva à resolução de conflitos através da força física, esse acordo coletivo inicial entre os indivíduos somente pode ocorrer de forma minimamente pacífica com recurso à ação coletiva, cristalizada em instituições.

O novo institucionalismo pode ser visto como uma reação da economia neoclássica à crítica quanto à falta de empiria e de um conceito de instituição no âmbito da teoria econômica ortodoxa, uma vez que North (19811990), um dos novos institucionalistas mais referidos, deixa claro que seu objetivo é ampliar o conjunto de questões consideradas pelo programa de pesquisa neoclássico, não substituí-lo. O mesmo caminho é seguido por Coase e por Williamson.

Através da proposição do conceito de custos de transação, Coase teria lançado as bases da nova economia institucional, embora North e Williamson tenham utilizado tal conceito de forma diversa (North, 1992, p. 6). Os custos de transação podem ser definidos como "o custo de usar o mecanismo de preços" ou "o custo de se levar uma transação adiante através de uma troca no mercado" (Coase, 1998, p. 6). Nesse sentido, os custos de transação são todos aqueles envolvidos numa transação econômica, como a pesquisa de preços, os contratos, bem como o próprio conhecimento do mercado. A ideia de que toda transação possui um custo surgiu no artigo de 1937 de Coase - The Nature of the Firm -, no qual o autor investiga o porquê da existência de firmas em economias reguladas unicamente pelo mercado, criticando a pouca atenção dispensada à firma pela teoria econômica tradicional. Mesmo a utilização do mercado enquanto mecanismo de alocação de recursos possuiria, segundo Coase (1990), seus custos de operação.

Deste modo, os custos de transação estariam por toda parte, cabendo aos indivíduos sua minimização através da escolha do mecanismo de alocação de recursos - firmas, mercado e Estado - no qual estivesse implicado o menor custo de transação (Coase, 19371960). Coase identifica esses mecanismos de alocação de recursos com as instituições que, segundo o autor, seriam justamente a firma, o mercado e o Estado. Sendo assim, o papel de uma instituição no mundo econômico de Coase (1937, 1995) é o de redutor dos custos de transação existentes.

Assim como Coase, Williamson (1985, p. 15) compreende instituições como firmas, mercados e relações contratuais. Williamson aceita a proposição de Commons da transação como unidade básica de análise, adotando ainda a ideia de custos de transação de Coase no âmbito de uma teoria da firma, bem como os conceitos de racionalidade limitada, desenvolvido por Simon (s. d.; 1979), e de oportunismo, entendido como "uma profunda condição de busca pelo autointeresse que inclui a malícia" (Williamson, 1993b, p. 92).

O suposto comportamental de racionalidade limitada não implica que os indivíduos sejam irracionais, apenas sugere que estes possuem limitações computacionais e informações incompletas para realizar suas escolhas. Racionalidade limitada seria o termo "usado para designar escolha racional que leva em consideração as limitações cognitivas do agente que toma decisões - limitações tanto do conhecimento quanto da capacidade computacional" (Simon, s. d., p. 15). Destarte, num mundo econômico no qual os indivíduos possuem uma capacidade computacional limitada não podem existir resultados ótimos, uma vez que esses indivíduos não estão aptos a realizar todos os cálculos necessários à escolha ótima.

Ao não capturar o sistema econômico em sua completude, suas decisões necessitam de apoios, de regras existentes fora da mente dos indivíduos e ao menos relativamente independente deles, ou seja, o processo de decisão de indivíduos limitados cognitivamente apóia-se em instituições. No mundo econômico de Williamson, os indivíduos são oportunistas e limitados cognitivamente, necessitando de instituições como as firmas, os mercados e as relações contratuais como formas de reprimir o comportamento oportunista e de apoiar as escolhas, servindo de complemento computacional.

North também adota as ideias de custos de transação e de racionalidade limitada, mas no âmbito das modificações na matriz institucional e do Estado, numa abordagem mais voltada à temática do desenvolvimento econômico. Ademais, a definição de instituição mais referida e aceita talvez seja a de North, que entende instituições como as regras do jogo numa sociedade. O autor assim define as instituições:

Instituições são restrições humanamente concebidas que estruturam as interações políticas, econômicas e sociais. Elas consistem tanto em restrições informais (sanções, tabus, costumes, tradições, e códigos de conduta), quanto em restrições formais (constituições, leis, direitos de propriedade). (North, 1991, p. 97)

Deste modo, North identifica instituições com regras, formais e informais, de comportamento. Essas regras são criadas pelos indivíduos para servir de restrição à sua própria ação, permitindo a interação social. Nessa perspectiva, os indivíduos respeitam as regras porque existem sanções implicadas em seu descumprimento. Essa é uma visão que descreve o agente econômico como um indivíduo oportunista, que somente pode ter seu agir puramente autointeressado freado pelas sanções postas em sua maior parte pelo Estado. Segundo o autor, o Estado pode impor sanções ao descumprimento das regras porque "é uma organização com vantagem comparativa em violência" (North, 1981, p. 21). Importante notar que North não define o Estado como uma instituição, mas como uma organização, definindo instituição como um conjunto de regras.

Contudo, o autor reconhece que os indivíduos podem agir de forma não oportunista, ou seja, podem deixar de tirar proveito numa situação na qual sua punição seria improvável. Isso explicaria o porquê de um indivíduo devolver ao dono uma maleta repleta de dinheiro quando poderia, sem risco de punição, ficar com todo o dinheiro. Esse comportamento que respeita as regras, de propriedade, nesse caso, mesmo na ausência de uma provável punição é explicado pela ideologia, que North assim define:

Por ideologia entendo as percepções subjetivas (modelos, teorias) que todas as pessoas possuem para explicar o mundo à sua volta. Seja no nível micro dos relacionamentos individuais seja no nível macro das ideologias organizadas provedoras de explicações integradas do passado e do presente, como o comunismo ou as religiões, as teorias que os indivíduos constroem são coloridas por visões normativas de como o mundo deve ser organizado. (North, 1990, p. 23)

A ideologia seria, para North, os modelos mentais que construímos acerca da realidade na qual vivemos, ou seja, é a visão que os indivíduos têm do mundo. Nesse sentido, os indivíduos internalizam algumas regras do jogo, as respeitando não porque podem ser punidos, mas simplesmente porque acham adequado respeitá-las. Aqui a adequação refere-se às regras internalizadas pelos indivíduos e que eles acreditam que deveriam seguir por princípio, em outras palavras, as regras internalizadas pelos agentes econômicos são regras impostas e policiadas pelo próprio indivíduo.

North adota ainda a ideia de racionalidade limitada, entendendo as instituições como complementos cognitivos para indivíduos incapazes de processar todas as informações necessárias à escolha ótima. Destarte, as regras postas pelo sistema social e as regras internalizadas servem de apoio para a tomada de decisão do indivíduo, fornecendo a noção do que deve e o que não deve ser feito, do certo e do errado, permitindo ao agente cognitivamente limitado fazer escolhas, tomar decisões e agir no mundo social. Em livro mais recente, North caminha um pouco mais em direção de uma abordagem mais psicológica das instituições:

O foco da nossa atenção, portanto, deve ser o aprendizado humano - no que é aprendido e como este é compartilhado entre os membros da sociedade e no processo incremental através do qual as crenças e preferências mudam, e no modo pelo qual elas moldam a performance das economias ao longo do tempo. (North, 2005, p. viii)

Aqui o autor chama a atenção para o processo de aprendizado e como ele pode contribuir no desempenho e no desenvolvimento das economias ao longo do tempo. A mudança institucional continua sendo importante, mas importa agora saber como, e em qual velocidade, os indivíduos processam essa mudança. North está tratando aqui da maleabilidade dos modelos mentais, ou das regras internalizadas, dos agentes econômicos. Quanto maior a capacidade dos indivíduos de uma economia em absorver modelos mentais positivos ao desenvolvimento, maior o potencial dessa economia para o desenvolvimento.

3. INSTITUCIONALISTAS CONTEMPORÂNEOS

O velho e o novo institucionalismo são novamente debatidos por institucionalistas contemporâneos como Geoffrey Hodgson e Ha-Joon Chang, que terão suas ideias apresentadas nesse item. Uma característica do institucionalismo contemporâneo é a interdisciplinaridade e o aproveitamento de conceitos e ideias tanto do velho quanto do novo institucionalismo, dando pouca ênfase a uma mera oposição entre essas duas vertentes do pensamento institucionalista.

Embora diversos autores possam ser considerados institucionalistas contemporâneos, nesse artigo, elegemos para exposição apenas as contribuições de Hodgson e de Chang. Vamos iniciar com dois artigos de Hodgson, um de 2001, intitulado A evolução das instituições: uma agenda para pesquisa teórica futura, e outro, de 2006, com o interrogativo título What are institutions?. É importante notar que esses dois artigos não esgotam as concepções institucionalistas de Hodgson, mas nos fornecem elementos para posicioná-lo nos debates no âmbito da Economia Institucional.

Hodgson é um autor que busca o diálogo com o institucionalismo de North sem, contudo, deixar de lado sua raiz vebleniana, o que nos permitiria denominá-lo como um pós-vebleniano. Hodgson (2001) assinala uma distinção metodológica entre a VEI e a NEI quanto ao papel dos sujeitos no que concerne às instituições. Enquanto os novos institucionalistas adotariam um "modelo de baixo para cima", no qual as instituições emergiriam de um estado de natureza povoado de indivíduos dotados de preferências exógenas, os velhos institucionalistas estariam comprometidos com um "modelo de causação reconstitutiva de cima para baixo", no qual a emergência de uma instituição sempre pressuporia a preexistência de outra instituição (Hodgson, 2000, p. 12).

Contra a ideia de um estado de natureza livre de instituições, Hodgson sugere um indissolúvel círculo de determinação mútua entre indivíduos e instituições, ainda que sejam ontologicamente distintos. O autor aponta que a amplitude de vida de indivíduos e instituições é diferente, assim como seus mecanismos de reprodução (Hodgson, 2001, p. 104). Assim sendo, Hodgson (2001) define instituições como regras, restrições, práticas e ideias que podem moldar as preferências dos indivíduos. Nesse ponto, o autor busca explicitamente conciliar a visão de instituição como regras do jogo de North com a concepção de instituição como modelos mentais de Veblen. Nas palavras do autor:

Instituições são os tipos de estruturas que mais importam no domínio social: elas compõem o material da vida social. (...) nós devemos definir instituições como sistemas de regras sociais estabelecidas e prevalecentes que estruturam as interações sociais. Linguagem, dinheiro, lei, sistema de pesos e medidas, maneiras à mesa, firmas (e outras organizações) são, portanto, todos instituições. (Hodgson, 2006, p. 2)

No entanto, as instituições não apenas estruturam as interações sociais, elas são, também, reforçadas e mantidas pelo comportamento individual através do hábito. Hodgson toma o conceito de hábito do pensamento de Veblen e da filosofia pragmatista, em que os hábitos seriam formados a partir da repetição da ação ou do pensamento. Ainda segundo o autor, hábito não é sinônimo de comportamento, mas sim propensão a um determinado comportamento condicionado a uma dada situação (Hodgson, 2001, p. 107). Além disso, "hábitos são mais que um meio de economizar no processo de tomada de decisão para os indivíduos; estes são um meio através do qual as convenções sociais e as instituições são formadas e preservadas" (Hodgson e Knudsen, 2004, p. 36).

Uma vez que hábitos se estabelecem, tornam-se uma base potencial para novas intenções e crenças. Como resultado, hábitos compartilhados são material constitutivo de instituições, dotando-as de acentuada durabilidade, de poder e de autoridade normativa. (Hodgson, 2001, p. 108)

Numa clara referência ao pensamento de Veblen, Hodgson sustenta que os hábitos compartilhados seriam capazes de moldar e constituir as instituições, que se converteriam em regras sociais responsáveis pela estruturação das interações entre as pessoas. Essa é a essência do "modelo de causação reconstitutiva de cima para baixo" sugerido por Hodgson, no qual as instituições têm o papel de estruturar as interações individuais, ao mesmo tempo em que permanecem permeáveis às ações dos indivíduos.

Chang segue um caminho semelhante ao de Hodgson ao sugerir essa permeabilidade mútua entre instituições e indivíduos, sem, contudo, entrar em detalhes metodológicos. A proposta de Chang é a de uma economia política institucional, que o autor opõe ao que ele denominou como paradigma neoliberal, resultante da união entre o instrumental teórico neoclássico e a filosofia política e moral da escola austríaca (Chang, 2002, p. 540). Em especial, o autor questiona a definição de North de instituição como regras do jogo que restringem o comportamento humano. Segundo Chang, essa compreensão de instituições como restrições limitaria seu papel na sociedade, uma vez que as instituições possuiriam um papel mais amplo de restringir, constituir e possibilitar a ação humana (Chang e Evans, 2005, p. 5). Dentre as instituições presentes no ambiente econômico, o autor menciona três instituições importantes, a saber: o mercado, as firmas e o Estado.

O sistema capitalista é composto de uma cadeia de instituições, incluindo os mercados como instituições de troca, as firmas como instituições de produção, e o Estado como criador e regulador das instituições que governam suas conexões (enquanto instituição política), assim como outras instituições informais como as convenções sociais. (Chang, 2002, p. 546)

Importante notar, nessa passagem, que Chang menciona justamente as três instituições consideradas por Coase, um novo institucionalista, como centrais ao funcionamento do sistema econômico. Naturalmente, Chang não entende essas instituições como meros mecanismos de alocação de recursos, conforme fizera Coase. Todavia, fica evidente que Chang considera que uma instituição pode ser tanto a regra, que restringe, constitui e possibilita as ações dos indivíduos, quanto um conjunto de regras componente de uma organização - firmas, Estado e mercado.

Deste modo, o autor sustenta que as instituições devem ser entendidas como "mecanismos que possibilitam o alcance de finalidades que requerem coordenação supraindividual e, ainda mais importante, que são constitutivas dos interesses e visões de mundo dos atores econômicos" (Chang e Evans, 2005, p. 2). Ademais, as instituições são persistentes e estáveis, o que não implica sua imutabilidade, uma vez que "são os homens que modificam as instituições, mas não no contexto institucional de sua própria escolha" (Chang, 2005, p. 18).

(...) nossa abordagem difere daquela da NEI [nova economia institucional] ao postular uma causação de mão-dupla entre as motivações individuais e as instituições sociais, em lugar de uma causação de mão-única dos indivíduos para as instituições, embora acreditemos que em última análise as instituições sejam pelo menos 'temporariamente' anteriores aos indivíduos. (Chang e Evans, 2005, p. 5)

Como podemos observar, a principal reação de Chang aos novos institucionalistas remete à colocação de instituições e indivíduos em campos opostos e impermeáveis, afirmando ainda que o sistema capitalista não deveria ser visto como um mero agrupamento de instituições que os indivíduos podem construir e descartar de acordo com seus objetivos de maximização. Contra essa visão, Chang afirma que uma instituição é um complexo de regras formais e informais, mantidas e/ou transformadas por agentes intencionais, em que firmas, Estado e mercado se inter-relacionam, moldando o sistema capitalista.

Por conseguinte, assim como Hodgson, Chang também identifica um "modelo de baixo para cima" no pensamento novo institucionalista. Os autores não discordam que instituições possuem um componente restritivo no que concerne às regras, mas chamam a atenção para o fato de que as instituições moldam ao mesmo tempo em que são moldadas pela ação individual. Dito de outro modo, a ação individual não pode ocorrer num vácuo institucional, da mesma maneira que as instituições não podem existir na ausência da ação individual. Existe, portanto, uma mútua dependência ontológica entre instituições e ação humana, em que uma não pode existir sem a outra.

Deste modo, Hodgson e Chang reagem a uma definição estrita de instituição como regra restritiva ao comportamento individual, trazendo o pensamento vebleniano para o debate na tentativa de construir uma visão de instituição mais conectada à ação humana. Isso fica claro na ideia de Chang de que as instituições seriam mecanismos capazes de restringir, constituir e possibilitar a ação humana, ou seja, as instituições seriam capazes de moldar a visão de mundo dos indivíduos. Essa ideia de instituição é compatível com a proposição de Hodgson de um "modelo reconstitutivo de cima para baixo", em que o hábito cumpre um importante papel de reforçar padrões de comportamento cristalizados em instituições.

4. DIMENSÕES INSTITUCIONAIS

Como foi possível observar nos itens anteriores, principalmente no item referente aos autores da VEI e da NEI, o termo instituição é tratado e definido de formas distintas. Contudo, em vez de buscar demarcar as fronteiras da VEI e da NEI, veremos que é possível identificar três dimensões institucionais, ou três formas de se entender e definir uma instituição: (i) instituições como regras do jogo; (ii) instituições como modelos mentais; e (iii) instituições como organizações.

Quando falamos em instituições como regras do jogo, podemos mencionar as ideias de North, que fornece a definição de instituição mais citada atualmente. Na concepção de North, as instituições seriam as regras do jogo na sociedade, representando para os indivíduos um conjunto de restrições à sua ação. Essas restrições podem ser formais, como as leis e as constituições, ou podem ser informais, postas pelos costumes e tradições de uma sociedade. O autor afirma ainda que pode ser feita uma analogia do conceito de instituições com as regras formais e informais de um esporte coletivo como o futebol, em que existem as regras por todos conhecidas, as regras formais, bem como aquelas que dependem das tradições e do bom senso dos participantes do jogo, as regras informais. As instituições, nessa perspectiva, dizem aos indivíduos o que eles podem ou não podem fazer, ou seja, fornece os limites para a ação humana. Essas restrições são postas pela própria sociedade ou por organizações, como o Estado. North trata o Estado como uma organização, que pode ser entendida como uma entidade capaz de criar, destruir e manter as regras do jogo, em que essa organização mesma possui suas regras constituintes.

A ideia de organizações como um conjunto de regras que definem o que os indivíduos podem ou não podem fazer é compatível com a compreensão de Commons acerca de instituições como organizações. Vimos que o autor entende as instituições como os mecanismos através dos quais o controle coletivo é exercido, servindo ainda como mecanismos de resolução de conflitos. Ou seja, quando deixados à sua própria sorte, sem regras, sem instituições, os indivíduos tenderiam a resolver seus conflitos com base na força física. Esse controle coletivo pode ser exercido de forma não organizada, o que seria análogo às regras informais em North, ou de forma organizada, representada na figura do Estado, da família, da Igreja, dos sindicatos, das corporações, dentre outras organizações. Deste modo, Commons entende instituição como um conjunto de regras advindas de alguma forma de controle coletivo, seja ele proveniente de costumes não organizados, seja ele originado da ação organizada, que se apresenta sob a forma de organizações como o Estado.

Enquanto North coloca as instituições enquanto regras do jogo (formais e informais) de um lado e organizações como um conjunto de regras do outro (Estado), essa demarcação não é tão evidente no pensamento de Commons. Contudo, podemos inferir a partir da definição de instituição fornecida por Commons que o autor entende uma instituição como um conjunto de regras que regula e fornece limites ao comportamento humano. Outro autor que não deixa explícita essa demarcação entre instituição e organização é Coase, que centra sua análise no tratamento dos custos de transação. Segundo o autor, firmas, Estado e mercado seriam mecanismos de alocação de recursos alternativos, em que os indivíduos escolheriam um dos três de acordo com os custos de transação envolvidos em cada um deles. Naturalmente, os indivíduos racionais escolheriam o mecanismo de alocação com menores custos de transação. Destarte, podemos entender esses mecanismos de alocação como regras de alocação, que, enquanto regras, podem ser entendidas como instituições. No pensamento de Coase, as instituições são vistas, assim como em Commons, como as regras que emanam de organizações como o Estado e as firmas, mas também podem ser entendidas como as próprias organizações.

Williamson, assim como Coase, identifica instituições com organizações como firmas, mercados e relações contratuais. Ao adotar o suposto de racionalidade limitada e de oportunismo como constituintes da modalidade de ação dos indivíduos, as instituições corporificadas em organizações tornam-se necessárias como complementos cognitivos para os indivíduos. Essa ideia de instituição como complemento cognitivo à racionalidade limitada dos indivíduos também aparece na argumentação de North, o que permite ao autor se colocar próximo a Veblen no que concerne à definição de instituição como modelos mentais.

A ideia de racionalidade limitada, originalmente desenvolvida por Simon, permite a North fornecer os fundamentos para a ideia de instituição como regras complementares, existentes fora da mente do indivíduo. Se existem regras fora da mente dos indivíduos, existem também as regras internalizadas pelos indivíduos, ou modelos mentais. Uma das formas que essas regras assumem na mente do indivíduo consiste, segundo North, na ideologia, ou na visão que as pessoas possuem da realidade na qual vivem. Outra forma de internalização das regras do jogo remete ao aprendizado, principal motor do desenvolvimento econômico segundo North. De acordo com o autor, o tipo de aprendizado e a velocidade com que os indivíduos o adquirem ou o modificam reflete o grau de desenvolvimento econômico de uma sociedade. Deste modo, North entende instituições como regras fora da mente dos indivíduos, que são as regras formais e informais de uma sociedade, mas também admite que essas instituições possam ser internalizadas pelos indivíduos, constituindo seus modelos mentais ou a forma como entendem a realidade a sua volta.

Veblen define instituição como hábitos mentais, ou seja, como formas de ser e de fazer as coisas, que são mantidas ou modificadas ao longo do tempo pela ação das pessoas. Mitchell também entende instituição como hábitos mentais, ou hábitos de pensamento que adquiriram ao longo do tempo uma aceitação geral como normas que orientam a conduta das pessoas. Nessa perspectiva, as instituições são ao mesmo tempo formas de agir e de entender o mundo e os padrões, ou normas, que emergem de uma compreensão e de uma ação que obtiveram aceitação generalizada. Contudo, a ideia de instituição de Veblen parece permanecer num patamar mais abstrato que as regras do jogo de North, uma vez que os hábitos mentais de Veblen não se restringem à estrutura mental de um indivíduo específico, mas de um conjunto de pessoas pensando e fazendo a mesma coisa. Talvez essa divergência no pensamento dos autores seja originária das diferentes bases psicológicas adotadas pelos autores. Enquanto Veblen parte de uma ideia de sujeitos movidos por instintos, North entende os indivíduos como dotados de uma racionalidade limitada.

Já os institucionalistas contemporâneos transitam de modo mais fluido no âmbito dessas três formas de se entender e definir as instituições, o que reflete a tentativa, ao menos no caso de Hodgson, de conciliar a VEI e a NEI. Ao mesmo tempo em que Hodgson sugere uma definição de instituição como regras, restrições e práticas que podem moldar as preferências dos indivíduos, o autor também sustenta que esse conjunto de regras é reforçado e mantido pelo hábito. O hábito seria formado a partir da repetição da ação ou do pensamento, não sendo, contudo, sinônimo de comportamento, mas sim uma propensão a um determinado comportamento dada uma situação. Em outras palavras, Hodgson entende instituições como regras mantidas por hábitos, que nada mais são do que uma propensão à determinada ação ou comportamento. Assim sendo, podemos perceber no esquema conceitual de Hodgson elementos do pensamento de Veblen e de North.

Chang sugere uma economia política institucional como alternativa ao que ele denominou paradigma neoliberal, em que o principal alvo de sua crítica é o pensamento de North. Segundo Chang, as instituições deveriam ser entendidas como mecanismos que possibilitam, constituem e restringem a ação humana, podendo ainda ser identificadas com entidades como o Estado, as firmas e os mercados. Nesse sentido, Chang define instituições como regras do jogo, mas também as entende como organizações.

CONCLUSÃO

Talvez pelo caráter total da crítica vebleniana à ortodoxia de sua época, as ideias de Veblen tenham sido ignoradas pelos novos institucionalistas, que de certa forma pertenciam à ortodoxia neoclássica, ainda que se apresentem como críticos desta. Além de se distanciar da definição vebleniana de instituição, Commons parte da escassez de recursos como origem dos conflitos sociais, não de hábitos mentais distintos, como queria Veblen. Tanto a ideia de escassez de recursos quanto o conceito de transações e de instituições fizeram de Commons o único velho institucionalista reconhecido pela NEI de Coase, North e Williamson. Contudo, verificamos que, embora os autores referidos pertençam a escolas institucionalistas específicas, isso não garante uma unidade quanto ao conceito de instituição, nem no âmbito da VEI nem no da NEI.

Enquanto Veblen e Mitchell compartilham uma ideia de instituição como hábito mental, adquirido nas atividades cotidianas das pessoas, Commons possui uma compreensão de instituição como regras balizadoras do comportamento humano, que caso seja deixado livre produzirá conflitos solucionados com base na força física. Já Coase e Williamson entendem instituição como regras internas às organizações - como as firmas, por exemplo - responsáveis pela alocação dos recursos escassos. Essa ideia de regra é distinta, e mais restrita, daquela sugerida por Commons e até por North, que vê as instituições como regras do jogo - formais e informais - de uma sociedade. North se aproxima da ideia vebleniana de hábito mental quando fala em ideologia, em seus escritos da década de 1990, aprofundando-se no tema em seus escritos da década de 2000, quando o autor fala explicitamente em hábitos mentais como as regras do jogo internalizadas pelo indivíduo.

Vimos que Hodgson busca uma conciliação entre a VEI e a NEI, principalmente entre o pensamento de Veblen e o pensamento de North. Contudo, distinções metodológicas importantes ainda distanciam uma completa conciliação entre o pensamento de North e Veblen. Já Chang coloca-se como crítica da NEI, em que seu alvo principal é o pensamento de North. Segundo Chang, North teria focado excessivamente a ideia de instituição como regra restritiva, não reconhecendo seu papel de habilitadora e constituinte da ação individual.

Assim sendo, apesar de a VEI e a NEI serem comumente posicionadas em lados opostos, quando se destaca a compreensão de instituição dos autores dessas escolas institucionalistas, o que se observa são algumas interseções entre a VEI e a NEI, bem como algumas divergências internas quanto à perspectiva de análise no âmbito de cada uma dessas escolas. Por fim, essa confusão em torno do conceito de instituição poderia ser desfeita, ou ao menos começar a se apontar uma solução, caso fossem considerados alguns aspectos metodológicos envolvidos na relação entre estruturas sociais e sujeitos. Uma análise metodológica completa da economia institucional não faz parte do objetivo desse artigo, de modo que aqui somente podemos apontar um possível caminho para o encaminhamento da questão relativa à definição de instituição, permanecendo seu tratamento efetivo objeto para um artigo futuro.

 

A dupla face do sucesso

Os estudos sociológicos da economia estabeleceram um campo de pesquisa internacional nas últimas quatro décadas. Foi o programa de pesquisa subjacente da nova sociologia econômica que inspirou o restabelecimento das perspectivas sociológicas sobre a economia moderna da década de 1970 em diante. Podemos chamar a nova sociologia econômica de programa de pesquisa porque ela é definida por certos princípios, objetivos e ferramentas que vêm da noção de sociologia como uma ciência social explicativa. A ideia-chave é explorar os fatores sociais no mundo social ou econômico real, tomando os indivíduos e a estrutura social como elementos-chave. O que fez da nova sociologia econômica um programa de pesquisa bem-sucedido foi o conceito de imersão social que pede modelos causais1 que ofereçam teses sobre como e por que as relações sociais, como padrões de rede ou instituições, são importantes nos mercados.

Nova sociologia economica

Portanto, no cerne da nova sociologia econômica estão os modelos causais que respondem como e por que determinados fatores sociais são usados ​​por indivíduos para lidar com todos os tipos de incerteza. Estudos empíricos foram realizados para dar

Este não é o lugar para entrar no debate de longo alcance sobre a causalidade. Para uma visão geral das linhas de pensamento recentes, ver Little (1991) e para a lógica de explicações causais aqui adotada, ver Weber (1949). A. Maurer (2021) prova da importância das redes e instituições na economia de mercado moderna. Desde a década de 1970, novos sociólogos econômicos têm oferecido alguns modelos importantes e percepções empíricas sobre os padrões de rede que moldam a ação econômica e melhoram o resultado econômico. Ao analisar os fatores sociais desta forma, o conhecimento científico é oferecido para organizar a economia de um ponto de vista sociológico. À luz disso, a nova sociologia econômica faz parte do programa mais amplo das ciências sociais modernas e da sociologia explicativa. A ideia essencial é fornecer conhecimento testado empiricamente, investigando as relações na realidade social na forma de modelos causais, de modo que as condições de vida poderiam ser melhoradas. A partir de considerações sobre o que torna as ciências sociais especiais, a sociologia foi fundada por Max Weber e Emile Durkheim . Ambos definidos

A abordagem moderna das ciências sociais, como foi introduzida pelos proponentes do Iluminismo europeu, como David Hume, Adam Smith ou John Locke, assume padrões estruturais na realidade social que podem ser explicados e reorganizados pelos humanos devido à sua capacidade de pensar logicamente, sentir empiricamente e agir razoavelmente. Mais tarde, Max Weber definiu a sociologia como uma ciência social que oferece explicações causais com base no pressuposto de que os humanos atribuem significado ao mundo e podem agir de forma significativa. Assim, os cientistas sociais podem construir explicações explorando o significado dos indivíduos em um contexto real. Por razões de evidência, começando com a versão simples da racionalidade meio-fim funciona como diretriz (Weber 1949). a sociologia como ciência social explicativa; Weber baseou a sua no pressuposto de uma ação individual significativa e Durkheim baseou a sua nas macro-leis (Smelser , 1994).

A nova sociologia econômica começou como uma variante das explicações sociológicas baseadas na ação, como Weber, usando a suposição de ações individuais intencionais relacionadas a contextos empíricos reais. Os sociólogos econômicos também procuraram explorar quais fatores sociais melhoram o resultado econômico. Surpreendentemente, não se deu muita atenção a esse paralelo metodológico e fundamento após o início bem-sucedido. Em vez disso, a nova sociologia econômica inventou um campo de pesquisa que, desde então, tem atraído muitos novos conceitos, vindos de uma infinidade de origens diferentes. Recentemente, alguns sociólogos econômicos começaram a se perguntar o que essa abertura e os muitos recém-chegados poderiam significar para o programa de pesquisa original e como investigar e desenvolver o programa principal (Fligstein 2015; Maurer 2021, 2020). Diante disso, o capítulo destaca o programa de pesquisa fundamental e avalia as formas e os colaboradores para seguir em frente. Assim, aqueles recém-chegados que compartilham o objetivo essencial de explicar os fatores sociais na economia moderna e, portanto, estão trabalhando em modelos causais usando pressupostos nos níveis micro e macro, certamente devem ser considerados como colaboradores. Outras abordagens que enriquecem o campo de pesquisa trazendo novas perspectivas, mas que não compartilham o pano de fundo, também podem contribuir, mas podem explorar suas próprias linhas de desenvolvimento. Se soubermos mais sobre o pano de fundo e o programa fundamental, poderemos descobrir razões para a vaguidade observada e perda de identidade e como é bem conhecido, a sociologia cobre diferentes premissas metodológicas e é, portanto, multiparadigmática, trabalhando com uma grande variedade de conceitos e dualismos, como micro versus macro, grande teoria versus conceitos de alcance médio, ideal versus materialista, explicativo versus crítico ou compreensivo e em breve. (Giddens e Turner 1987; Smelser 1988). Hoje em dia, encontramos proponentes de quase todos os diferentes programas sociológicos usando uma variedade de conceitos no campo da sociologia econômica. Portanto, reconstruir e delinear os planos de fundo, objetivos e ferramentas é uma tarefa importante para organizar o campo e decifrar como as diferentes abordagens poderiam ser desenvolvidas trabalhando em conjunto ou separadamente traçou um curso claro para o futuro (Smelser 1994, 36). Além disso, os recém-chegados de diferentes origens podem se inspirar explorando de onde vieram e para onde querem seguir em frente.

De seguida os princípios e objetivos da nova sociologia econômica, tal como foi estabelecida nas décadas de 1970 e 1980, são reconstruídos. Ressalta-se que os modelos causais, que combinam os níveis individual e social e, especialmente, exploram as inter-relações mútuas entre os dois níveis, são uma ferramenta essencial para o desenvolvimento deste programa de pesquisa. Isso se baseia no princípio de que os modelos causais são abstrações do mundo real que destacam como e por que as formas de inserção social reduzem a incerteza e, portanto, podem e às vezes devem ser enriquecidas para oferecer explicações mais realistas de por que os fatores sociais melhoram o resultado econômico. Na terceira seção, os princípios, desenvolvimentos recentes e as principais formas de sociologia explicativa são delineados para obter uma melhor compreensão do programa mais amplo de explicações baseadas em ações. É mostrado que os desenvolvimentos mais recentes dentro dessa estrutura, como a abordagem do mecanismo analítico, usam modelos mais realistas ao vincular os níveis de ação e estruturais e, assim, mudar ligeiramente a lógica e a forma das explicações baseadas na teoria da ação. Resumindo, os proponentes de explicações baseadas em ações podem colaborar na reflexão de regras metodológicas e formas de construir suas teorias, bem como melhorar, sistematizar e compartilhar modelos. A conclusão dada na seção quatro defende tomar a nova sociologia econômica como uma variante especial das explicações baseadas na ação e, portanto, permitir que ela colabore com outras abordagens baseadas na ação para lidar com questões metodológicas e construir um conjunto de modelos usando uma diretriz teórica.

O Programa de Pesquisa da Nova Sociologia Econômica

A sociologia econômica fez muito progresso desde a década de 1970, mas precisa reconsiderar seus princípios, objetivos e meios a fim de definir um curso para o futuro. Na seção seguinte, é mostrou o que define a nova sociologia econômica como um programa de pesquisa.

Antecedentes e objetivos

Em seu conhecido The Handbook of Economic Sociology, Neil Smelser e Richard Swedberg definiram a sociologia econômica como a aplicação de ferramentas, modelos e perspectivas sociológicas às questões econômicas. Eles não apenas definiram uma nova sociologia econômica, mas também destacaram que a nova sociologia econômica precisa aguçar um foco sociológico e sintetizar suas descobertas teóricas para avançar (Smelser e Swedberg 1994a, 20). No final da década de 1970 e início da década de 1980, Mark Granovetter introduziu a noção de imersão social para desenvolver uma visão sociológica da economia de mercado. Ele também destacou que a principal deficiência das visões clássicas, como a teoria econômica neoclássica, o novo institucionalismo econômico, o parsonianismo e o funcionalismo estrutural, era a negligência das relações sociais. Em vez disso, Granovetter tem pedido explicações que explorem como e por que as relações e instituições sociais são importantes na economia moderna devido à sua capacidade de reduzir a incerteza. Para esclarecer a importância das relações sociais na economia moderna, ele introduziu a noção de imersão social.

Este conceito cobre três elementos principais:

(1) Por razões metodológicas, modelos relacionados ao contexto que ligam os níveis social e individual são preferidos.

(2) Para melhorar o realismo, pressupõe-se que as intenções, bem como os aspectos cognitivos, são moldados e modificados pelo contexto social. Enquanto os fundadores da nova sociologia econômica, como Mark Granovetter, usaram a teoria da escolha racional como uma “hipótese de trabalho” desde o início (ver para este Burt 1982; Granovetter 1985, 506). Este princípio era dos primeiros proponentes da nova sociologia econômica, bem como aqueles do movimento micro-macro estavam ligados à Universidade de Harvard e tornaram-se mais céticos sobre parsonianismo, estrutural-funcionalismo, sociologia variável e pesquisa de opinião devido aos escritos de Robert K. Merton e Harrison White (ver para uma visão geral, Swedberg 1990). gradualmente posta de lado a fim de aumentar o realismo, levando em conta a constituição social das intenções.

(3) A nova sociologia econômica foi integrada pela perspectiva problemática da incerteza e pela busca de factores sociais que ajudam os indivíduos a lidar com a incerteza quando se trata de troca ou investimento em estruturas de mercado. Em outras palavras, a questão principal tem sido como os padrões de rede reduzem a incerteza em uma grande variedade de constelações. Consequentemente, também as convenções, instituições e processos de avaliação que estabelecem ou estabilizam as expectativas sociais foram destacados e atraíram muitos recém-chegados. Esses recém-chegados introduzem diferentes modelos de ação por diferentes razões, por exemplo, eles se concentram no julgamento humano (Hannah Arendt , Lucien Karpik), em experiências coletivas (Karl Marx, Pierre Bourdieu), ou em atos interpretativos (Berger e Luckmann).

Embora novos sociólogos econômicos tenham oferecido novos insights importantes sobre os mecanismos sociais que surgem das redes, eles não despenderam muito esforço na elaboração da lógica subjacente ou das formas de explicação. O próprio Granovetter explorou e estudou empiricamente dois modelos centrais sobre como os padrões de rede influenciam o resultado econômico: laços fracos e laços fortes. No entanto, ele não perguntou explicitamente sobre os fundamentos ou princípios metodológicos, ou exatamente quais eram as forças causais exploradas. Em seus primeiros escritos sobre mercados de trabalho, ele destacou a força dos laços fracos como uma forma de melhorar o fluxo de informações entre pessoas conectadas aleatoriamente. O efeito de informação observado de laços fracos é explicado como um efeito de números e distância; assim, a distribuição de informações torna-se mais rápida e difundida, quanto mais pessoas diferentes, mais pessoas estão conectadas. Portanto, cada pessoa significa novas ou mais informações, e cada rede com mais pessoas de diferentes origens oferece mais informações com mais rapidez. Granovetter também enfatizou laços fortes como forma de aumentar a confiança; famílias, grupos étnicos ou religiosos e regiões são então vistos como um aspecto importante na vida econômica porque podem estabilizar a confiança quando a ordem formal não funciona. O efeito da construção de confiança pode ser explicado devido ao monitoramento e sanções relacionadas a custos e benefícios ou relacionadas a valores compartilhados e identidade coletiva.

A noção de imersão social tem sido a chave para desenvolver uma visão sociológica da economia e estabelecer o campo de pesquisa. A principal preocupação da nova sociologia econômica é explorar como e por que os fatores sociais moldam e apóiam os mercados e as empresas. Uma das perspectivas mais inspiradoras tem sido as análises de rede de mercados, empreendedores, inovadores e gerentes (Burt 1980, 1992; Uzzi 1997; Podolny 2001; Mizruchi 2004). Embora a escolha racional tenha sido usada com bastante frequência como hipótese de trabalho em um estágio inicial, mais tarde os proponentes da nova sociologia econômica elaboraram modelos de ação estrutural. A ideia de explorar contextos sociais a partir da visão dos indivíduos e de suas intenções foi cada vez mais abandonada. Não obstante, novos sociólogos econômicos inspiraram modelos de mercado sociológicos (Granovetter e Swedberg 1992; Swedberg 1994) 5 e desenvolveram perspectivas sociológicas sobre a economia moderna.

Princípios e ferramentas essenciais: explicações causais

Nos escritos fundamentais de novos sociólogos econômicos (Smelser 1963; Coleman 1985; Granovetter 1990, 1992; Smelser e Swedberg 1994a, b) encontramos explorações de relações causais descritas em modelos simplificados e abstratos como os da abordagem de rede. Os sociólogos econômicos criticaram as falácias da macro teoria pura e da grande teoria. Em vez disso, a nova sociologia econômica objetivou abrir caixas pretas oferecendo explicações causais baseadas em modelos relacionados ao contexto e assumindo a cognição, às vezes, um fator importante nas explicações sociológicas (ver Boudon 1996; Hedstrõm 2005). Nesse sentido, os modelos podem ser encontrados em uma lei de ação geral (modelos baseados na teoria da ação) ou em modelos de ação relacionados ao contexto. Se colocarmos a nova sociologia econômica à luz da história das ciências sociais, podemos ver que para visões gerais de análises de rede, teorias e métodos, consulte Lin (2001). a sociologia econômica oferece uma maneira especial de lidar com os principais tópicos polêmicos (ver Weber 2019) ligados às explicações nas ciências sociais e, portanto, se estabeleceu como uma variante especial da sociologia explicativa trabalhando com modelos de ação, mas com modelos mais realistas.

Como a nova sociologia econômica pressupõe indivíduos socialmente incorporados, seus modelos podem ser ampliados ao se considerar as inter-relações mútuas, principalmente entre as intenções de um indivíduo e o contexto social. O dualismo entre abstração e realismo é respondido usando modelos relacionados ao contexto que assumem inter-relacionamentos mútuos e loops de feedback entre padrões de rede e intenções e, às vezes, também entre aspectos cognitivos - como emoções, empatia, crenças normativas, padrões de avaliação ou conhecimento - e contexto. Assim, as explicações são mais realistas, enquanto a força analítica e as diretrizes teóricas são enfraquecidas.

A reinvenção da nova sociologia econômica foi profundamente inspirada por críticas da teoria econômica e sociológica padrão por usar modelos de ação como Homo oeconomicus ou Homo sociologies, ignorando aspectos cognitivos e a constituição social de intenções, por um lado, ou processos de tomada de decisão, por outro. outro. Desde então, pesquisadores da Europa e dos Estados Unidos voltaram a trabalhar em modelos de ação, formas e lógicas de explicações baseadas em ação. A nova sociologia econômica tem sido um importante impulsionador na reinvenção de explicações baseadas em ações. Especialmente nas décadas de 1970 e 1980, a maioria dos proponentes de explicações baseadas em ações trabalharam mais ou menos explicitamente, com base no pressuposto de ações racionais intencionais. Eles perguntaram como e por que as redes ou instituições sociais moldam as ações ao influenciar os benefícios e custos (Coleman 1994; Hedstrõm et al. 1998; Burt 2005). Isso pode ser chamado de explicações baseadas na teoria da ação ou análises situacionais racionais.6 Aqueles que enfatizam modelos relacionados ao contexto (Swedberg 2005), ou as teorias estruturais da ação social (Burt 1982; White 1992) visam fornecer explicações mais realistas do que as teoricamente de ação, especialmente as abordagens baseadas na escolha racional. Posteriormente, alguns dos fundadores da nova sociologia econômica criticaram a teoria da escolha racional por ignorar ou abstrair da constituição social dos motivos de um indivíduo. No entanto, eles aceitaram o objetivo de abrir caixas pretas detectando como os indivíduos e os fatores sociais estão inter-relacionados. Parece que recentemente os sociólogos econômicos perderam de vista a ideia central de interpretar as constelações sociais de um ponto de vista intencional. Em vez disso, mais abordagens foram atraídas pelo campo, que, à primeira vista, não contribuem diretamente para o programa de pesquisa principal ou seus princípios.

Pontos fortes e fracos

A nova sociologia econômica foi estabelecida com sucesso como um programa de pesquisa que inspirou um amplo campo de pesquisa desde a década de 1970 e reinventou o desafio de construir perspectivas sociológicas sobre a economia. Dentro do programa central da nova sociologia econômica, a perspectiva desde então tem sido descobrir como e por que os fatores sociais reduzem a incerteza e, portanto, apoiam a ação econômica. A noção de imersão social foi introduzida e relacionada à incerteza nas economias de mercado capitalistas. Os fundadores da nova sociologia econômica têm trabalhado principalmente em modelos causais que exploram mecanismos e processos que emergem devido a padrões de rede. Esses modelos causais são baseados em suposições mais realistas no nível individual do que aquelas que a teoria da escolha racional considera. Eles especialmente levam em consideração as inter-relações entre as intenções de um indivíduo e os padrões de rede. Alguns novos sociólogos econômicos, como Mark Granovetter e Harrison White, descobrem como os padrões de rede moldam a orientação da ação, os motivos e até mesmo as habilidades cognitivas ou a identidade dos indivíduos. Isso motivou muitos estudos empíricos. Devido à abertura do campo, os recém-chegados puderam ingressar facilmente.

Enquanto os fundadores da nova sociologia econômica se concentraram em explicações mais realistas e, portanto, destacaram a constituição social dos atores, algumas novas linhas de pensamento se afastaram do princípio inicial de explorar os fatores sociais na economia. Assim, encontramos os chamados modelos relacionados ao contexto que exploram o funcionamento e os efeitos de padrões de rede específicos relacionados a intenções e aspectos cognitivos dos indivíduos. Nesse sentido, os modelos baseados na ação causal são a ferramenta central da nova sociologia econômica e os critérios essenciais ao discutir como desenvolver o programa de pesquisa. Se tomarmos a nova sociologia econômica como um programa de pesquisa que trabalha em modelos causais que exploram por que os fatores sociais influenciam a economia moderna, construir um pool de tais modelos causais é uma forma de avançar. No entanto, isso não é compatível com todos os recém-chegados (Maurer 2016a).

A abertura do programa de pesquisa central enfraqueceu o conceito de imersão social como uma base integradora. Os sociólogos econômicos poderiam tentar recuperar diretrizes metodológicas claras e programas de pesquisa, discutindo maneiras de aprimorar e teorizar velhos e novos modelos.

A ideia de explicação: Explicações sociológicas e baseadas na ação

Outros estudos focaram em como os padrões de rede melhoram o empreendedorismo (Portes 1995), estabilizar regiões socioeconômicas (Saxenian 1994; Crouch et al. 2004) ou superar crises econômicas (Maurer 2016a).

Se explorarmos o pano de fundo metodológico e as formas típicas de explicações baseadas em ações, nossa compreensão do que torna as novas sociologia parte da sociologia explicativa e o que a torna especial irá melhorar.

Antecedentes e ideias metodológicas de explicações baseadas em ações em sociologia

Depois de 1945, as macroteorias, especialmente o marxismo e o funcionalismo-estrutural, que objetivam explicar os fenômenos sociais usando leis gerais no nível social, foram altamente criticadas porque nenhuma macro lei pôde ser comprovada empiricamente e havia deficiências inerentes (Merton 1936; Boudon 1974) . Cientistas sociais começaram a repensar a construção e a lógica das explicações e como explorar as relações causais na realidade social. Robert K. Merton iniciou a reinvenção da sociologia explicativa trabalhando em teorias de médio alcance. Além disso, a noção de lógica situacional, tal como já havia sido delineada nos escritos de Max Weber e Karl Popper, foi reconsiderada como um elemento-chave para explicações sociológicas. A análise situacional, no uso de Weber, enfatiza modelos abstratos que exploram o significado que as situações têm para os indivíduos e quais ações devem ser esperadas. Pensava-se que tais modelos se enriqueciam tanto por informações empíricas, como Weber (1949) tinha em mente, quanto por argumentos teóricos oriundos da teoria da ação subjacente e da adoção da teorização econômica (Lindenberg 1992). Os proponentes da abordagem explicativa costumam usar o pressuposto da ação racional como um ponto de partida para sua força analítica e para vincular intenções e aspectos situacionais de maneira frutífera. Portanto, a abordagem da escolha racional tem alcançado todas as ciências sociais e se espalhado pela Alemanha, Europa e Estados Unidos, inspirando uma nova sociologia econômica até agora. Nesse sentido, a noção comumente compartilhada de explicações das ciências sociais é oferecer teses testáveis ​​sobre por que fenômenos sociais são esperados porque das intenções dos indivíduos que estão enfrentando uma realidade social particular.

Os sociólogos reconsideraram a ideia de Max Weber de que as situações sociais podem ser descritas a partir da visão de indivíduos significativos, de modo que certos padrões de ação façam sentido e possam ser explicados. Por exemplo, de acordo com Weber, os atores seguem ordens se definem regras e governantes como legítimos em um contexto. Como todos sabemos, Weber transformou a tese geral das ordens legítimas que levam a uma obediência significativa e esperada em três modelos abstratos que orientam as análises da história, bem como do mundo moderno até hoje. Em outras palavras, os sociólogos reconsideraram o princípio fundamental, dos cientistas sociais modernos, de trabalhar em modelos causais, que são abstrações do mundo real e oferecem explicações causais tomando os indivíduos, devido à sua capacidade de agir razoável e intencionalmente, como um ponto de referência. Nesse sentido, a realidade social é interpretada do ponto de vista dos indivíduos. Explicações desse tipo significam declarar como os indivíduos agem de certas maneiras devido à inserção social ou ao contexto de uma forma significativa. Essa noção de teorização levou a uma reinvenção da lógica geral das explicações baseadas na ação desde os anos 1980.

Principais formas de explicações baseadas na ação em sociologia

Em resposta aos desafios da fase do pós-guerra, não apenas os sociólogos americanos, mas também europeus, foram orientados para explicações baseadas na ação na década de 1970. Tentativas de ação - modelos baseados na teoria desenvolvidos especialmente na estrutura metodológica do Racionalismo Crítico de Karl Popper (Lindenberg et al. 1986). A ideia de explicações em vários níveis, detectando lógicas situacionais foi bem-sucedida inventou e inspirou outras formas de construir explicações, como a abordagem mecanicista ou as teorias baseadas na escolha racional em sociologia.

As primeiras tentativas, nos Estados Unidos (Burt 1982; Coleman 1986a, b; Swedberg 2001), bem como na Europa (Collins 1975; Boudon 1979, 1987; Lindenberg 1986), construíram modelos baseados na teoria da escolha racional a fim de fornecer forte causalidade teses que poderiam ser testadas empiricamente. Os proeminentes proponentes da sociologia explicativa levaram o Individualismo Metodológico e o princípio dos modelos causais a sério, e usaram amplamente a teoria da escolha racional como um microfundamento no final do século XX (Coleman 1986a; Lindenberg 1992); visualizado com a conhecida banheira ou bota (Coleman 1990, 8, 10).

Inspirados por Max Weber e Robert K. Merton para tornar as explicações mais realistas do que os modelos baseados em escolhas racionais, os pesquisadores começaram a enriquecer os modelos de ação e a se concentrar nas inter-relações entre intenções - ou aspectos cognitivos - de indivíduos e situações (ver Fig. 4.1 na Seção . 2). Essa mudança mudou parcialmente a lógica das explicações baseadas em ações e trouxe novas formas. Pelo menos duas trajetórias dentro das abordagens baseadas na ação vêm disso. Em primeiro lugar, há a tentativa de usar entrelaçamentos descritos empiricamente entre todos os tipos de fatores individuais e sociais. Em segundo lugar, há a tentativa de usar a lógica de explicações baseadas na teoria da ação10 e de ampliar os modelos passo a passo, focando principalmente em suposições mais realistas sobre os fatores sociais. Alguns recém-chegados no campo da sociologia econômica até combinam os dois caminhos. Por exemplo, a abordagem do mecanismo enfatiza as diferentes interações entre fatores individuais e sociais investigados empiricamente (Weber 2019) ou em combinações lógicas de fatores individuais e sociais (Hedstrom 2005).

Se a teoria da escolha racional é usada como um microfundamento, a diretriz interpreta diferentes situações sociais à luz das intenções - e acima de todos os interesses relacionados ao contexto - dos indivíduos. As habilidades cognitivas importam apenas se forem importantes para definir os custos e benefícios esperados das ações.

Enquanto os fundadores da nova sociologia econômica começaram construindo suas explicações com base no pressuposto de ações intencionais, recentemente vemos mais preocupação em construir modelos mais realistas que, em consequência, descartam a ideia de explorar constelações sociais a partir de uma perspectiva individual intencional. Hoje, um dos maiores desafios da sociologia e da sociologia econômica é reconsiderar como lidar com o realismo ao construir modelos causais e como sistematizar modelos para que nosso conhecimento melhore.

Podemos perceber que, a partir da década de 1970, a reinvenção das explicações baseadas na ação foi elaborada em duas formas principais, que vêm com duas lógicas. Uma maneira de construir explicações é construir modelos por abstração de contextos empíricos concretos - modelos relacionados ao conteúdo ou teorias de médio alcance -, que foram reinventados por Robert K. Merton na década de 1940. Diferentes estudiosos, como novos sociólogos econômicos, novos institucionalistas e proponentes de explicações baseadas em mecanismos, entre outros, adotaram essa forma a partir da década de 1980. Especialmente os proponentes da abordagem do mecanismo analítico consideram as explicações baseadas na escolha racional como um caso especial. A outra maneira de construir explicações baseadas em ação é usar uma teoria de ação geral e explorar todos os tipos de contextos sociais à luz da teoria, por exemplo, constelações de interesses. James Coleman fez isso com base na teoria da escolha racional e no conceito de direitos sociais, diferenciando situações em que os indivíduos têm os mesmos interesses ou interesses complementares. Anthony Giddens usou a suposição de indivíduos, minimizando o medo e usando a noção de estruturação.

O que liga a nova sociologia econômica à sociologia explicativa é o objetivo das explicações causais. No entanto, os sociólogos econômicos buscam teorias mais realistas que cobrem a mudança social de motivos e orientação de ação. As explicações baseadas no mecanismo são, até certo ponto, uma reação às críticas internas às abordagens da escolha racional (Hedstrom e Swedberg 1996; Hedstrom 2005) e funcionam em todos os tipos de modelos de ação. A questão importante que temos pela frente é: o que poderia a nova sociologia econômica ganhar com debates sobre a construção de explicações e o trabalho com modelos de ação?

Abordagem do mecanismo analítico

A abordagem do mecanismo, 11 que surgiu recentemente, também é inspirada pelo objetivo de fornecer explicações causais e de superar a falácia das abordagens macro e as deficiências da teoria da escolha racional. Para a maioria dos novos sociólogos econômicos, as teorias de médio alcance são destacadas como uma forma de avançar. Os modelos de mecanismo investigam as inter-relações entre os níveis individual e social a fim de explorar os processos sociais e descrevê-los em modelos de mecanismo, de maneira semelhante ao que a nova sociologia econômica faz. A abordagem do mecanismo analítico é encontrada no conceito DBO e explora todos os tipos de constelações de desejos, crenças e estrutura de oportunidade, bem como os mecanismos e processos sociais que são gerados (ver Fig. 4.3). Os modelos de mecanismo aumentam o realismo por meio do foco nas inter-relações lógicas entre os três fatores e nas formas como eles são moldados e alterados uns pelos outros. Em contraste com a ação, teoricamente o termo mecanismo é frequentemente e amplamente utilizado nas ciências Mayntz (2004) e com foco especial na sociologia Maurer (2016b). Ganhou um entendimento preciso dentro da sociologia analítica que usa mecanismos como uma metáfora para explicações causais abstratas (Hedstrom 2005; Hedstrom e Ylikoski 2010); portanto, o termo abordagem de mecanismo analítico é usado quando nos referimos a essa abordagem.

A teoria da escolha racional pode ser vista como um modelo simples que explora como as ações dos outros mudam a estrutura de oportunidades por meio de uma mudança nos custos e benefícios (ver Seção 3.2), enquanto negligencia possíveis mudanças nas crenças e intenções. No entanto, as explicações baseadas em mecanismo cobrem as explicações baseadas na escolha racional como casos especiais, mas não as tomam como um ponto de partida analítico. Os proponentes da abordagem do mecanismo analítico estão frequentemente ligados ao debate micro-macro e aos modelos de ação. Além disso, a maioria dos proponentes atuais da abordagem do mecanismo analítico começou a trabalhar no pano de fundo metodológico das explicações baseadas na ação e nas abordagens baseadas na teoria da ação devido à sua força analítica como uma micro fundação. Portanto, não surpreendentemente, Robert K. Merton, Thomas Schelling, John Elster, Raymond Boudon e outros têm estudado intensamente formas de explicações baseadas em ação desde os anos 1970 (consulte para uma visão geral recente Maurer 2016b; Hedstrom e Ylikoski 2010).

Enquanto os sociólogos econômicos se concentram principalmente em como e por que o contexto social molda as ações individuais e vice-versa, os modelos de mecanismo se concentram em uma variedade de constelações de desejos, crenças e oportunidades. Explicar significa, então, explorar os mecanismos que emergem devido às constelações sociais, como formação de crenças, profecia autorrealizável ou imitação racional. Peter Hedstrom sistematizou constelações sociais assumindo que alguns inter-relacionamentos ou mecanismos são mais importantes na vida social do que outros, porque eles desencadeiam e conduzem processos sociais por meio de rodas especiais, resultando em uma cadeia de eventos. Como Oliver Williamson (1996), que teorizou os custos de transação, Peter Hedstrom explora mecanismos como constelações lógicas de desejos, crenças e oportunidades. Para investigar os mecanismos, ele enfatiza as simulações baseadas em agentes. A explicação significa apontar por que mecanismos especiais emergem devido a uma constelação particular de DBO e quais processos sociais surgem deles. Assim, diferentes mecanismos de formação de crenças (ver Fig. 4.4) podem ser explorados investigando como as ações dos outros moldam e mudam as crenças e os padrões de ação que surgem. Todos os tipos de mecanismos de formação de crenças aumentam as explicações baseadas na ação, trazendo as crenças dos indivíduos como uma força causal na vida social e descrevendo quando e como as crenças influenciam as ações.

Os proponentes de explicações baseadas em mecanismo tentam explorar todos os tipos de engrenagens e engrenagens para construir explicações baseadas em mecanismo. Assim, para novos sociólogos econômicos, pode valer a pena perguntar quais mecanismos específicos ajudam a aprimorar o programa central da NES. A abordagem do mecanismo analítico oferece uma variedade de mecanismos que podem ser ordenados por razões analíticas pelos fatores envolvidos e as inter-relações que são detectadas. Por exemplo, os mecanismos de formação de crenças podem ser tomados como um tipo especial de mecanismo, do qual outros mecanismos, como uma mudança de desejos por crenças ou uma mudança na estrutura de oportunidade por crenças, podem resultar. A roda relevante em uma primeira etapa inicial é a formação de crenças. Portanto, a sistematização de modelos de mecanismo pelas rodas embutidas ou pela exploração de direções de mudança social poderia ser a base para a colaboração, compartilhando um conjunto de modelos de mecanismo que são mais realistas do que os modelos de escolha racional.

Outros pesquisadores também usam a reconstrução retroativa de processos empírico-históricos para detectar constelações relevantes (Boudon 1998; Weber 2009).

Como a nova abordagem da sociologia econômica e do mecanismo analítico poderia funcionar em conjunto?

A nova sociologia econômica e a abordagem do mecanismo analítico representam modelos causais que explicam os fenômenos sociais, considerando os indivíduos e a estrutura social como elementos-chave para aumentar o realismo. Os novos sociólogos econômicos consideram as relações sociais e, especialmente, os padrões de rede e as instituições como fatores relevantes que moldam as ações dos indivíduos e são moldadas por eles. Novos sociólogos econômicos destacam as inter-relações mútuas entre os níveis social e individual, especialmente trabalhando na constituição social das intenções. Consequentemente, novos sociólogos econômicos abandonaram silenciosamente a ideia de interpretar a estrutura social da perspectiva de atores intencionais. Portanto, o programa está perdendo seu poder de integração e teorização. É por isso que a sistematização de modelos precisa ser reconsiderada nos dias de hoje. A parceria com a abordagem de mecanismo analítico como um colaborador, então, ajuda a lidar com essas questões e nos mostra que o programa de pesquisa inicial poderia ser aprimorado de duas maneiras diferentes através da elaboração de novas lógicas e formas de explicações baseadas em ações. Uma maneira seria começar com um modelo padrão simples que é ampliado considerando a regra da teorização econômica. A outra forma seria integrar um ou mais modelos de mecanismo por meio de evidências empíricas ou por intuição.

Usando uma opção padrão no Framework de DBO

É essencial para os sociólogos econômicos trabalharem na recente imprecisão mencionada e reconsiderar os fundamentos e princípios metodológicos do programa de pesquisa, como os das explicações baseadas na ação. Eles podem ajudar a selecionar colaboradores e discutir em que direção tomar e por quais motivos. Tem-se argumentado que a colaboração com a abordagem do mecanismo analítico faria sentido porque ambas as abordagens compartilham a noção de baseada na ação explicações e o contexto metodológico relacionado das ciências sociais modernas; especialmente trabalhando em modelos causais abstratos. Eles também se relacionam de alguma forma com o conceito subjacente de analisar situações sociais do ponto de vista dos atores. Enquanto os clássicos trabalhavam em análises situacionais racionais usando as diretrizes para adicionar informações empíricas antes dos fatores sociais que se supõe que influenciam as ações dos indivíduos por diferentes razões, a nova sociologia econômica e a abordagem do mecanismo se afastaram dessa ideia de teorização econômica. Aprimorar modelos de forma econômica, então, significa adicionar informações empíricas antes da descrição do contexto social. A abordagem do mecanismo analítico cobre essa ideia, mas a muda por meio de modelos simples que funcionam como mecanismos orientados por oportunidades, por um lado, e mecanismos individuais de formação de crença de desejo, por outro. Os modelos de formação de crenças podem ser ampliados começando com outros mecanismos ou explorando quais processos um mecanismo, como a formação de crenças (Rydgren

2009) poderia ser colocado em movimento. O que a nova sociologia econômica pode tirar da abordagem mecanicista é, portanto, pensar sobre uma opção padrão e decifrar as rodas que conduzem os caminhos da mudança e nomear pontos-gatilho, caminhos e encruzilhadas que podem ser estudados empiricamente. Por exemplo, se uma mudança repentina nas oportunidades reduz os recursos de determinados atores, isso melhora as oportunidades de outros ainda mais. Assim, certas etapas podem ser estudadas e exploradas pela reconstrução retroativa, como fez Norbert Elias (2000), para explicar o surgimento de monopólios. Se as explicações exploram rodas que conduzem de uma constelação a outra, é importante declarar os principais fatores causais e usar informações empíricas sobre por que esses fatores sociais específicos se tornam relevantes. A abordagem do mecanismo analítico elabora como e por que os processos sociais emergem devido a mecanismos provocados por constelações particulares de desejos, crenças e / ou oportunidades. Isso cobre a ideia de que, partindo de um único mecanismo, uma cadeia de eventos é posta em movimento por um ou mais rodas (Maurer 2016b).

A nova sociologia econômica poderia se beneficiar da ideia de usar e conectar modelos que revelam e explicam progressivamente os processos contínuos de estruturação de redes. Por exemplo, ilustrar uma rede particular, com seus laços fortes e padrões profissionais compartilhados, permite ver os atores pedindo bens ideais, uma reputação forte ou uma mudança em uma orientação de ação social, enquanto buscam bens coletivísticos como a manutenção do grupo. Os efeitos bem conhecidos de laços fortes, especialmente em pequenos grupos que compartilham valores comuns, como o povo Amish, seitas protestantes ou grupos mercantis, são explicados como resultado de um processo contínuo de padrões de rede que moldam as intenções dos indivíduos e vice-versa . A ampliação dos modelos deve ajudar a obter uma melhor compreensão de como e por que os padrões de rede às vezes guiam ou direcionam os atores a ideias, ou a alcançar objetivos coletivistas, em vez de maximizar a utilidade egoísta. Parece que em seus primeiros escritos, Granovetter trabalhou dessa maneira e construiu explicações mais realistas do que as teorias sociológicas e econômicas clássicas, trazendo de volta as relações sociais. Se os novos sociólogos econômicos continuarem usando o conceito de imersão social, será útil olhar para a Abordagem do Mecanismo analítico para obter uma compreensão mais profunda do que significa tornar as explicações mais realistas e manter a teorização econômica. Fortalecer uma visão sociológica da economia moderna significa, acima de tudo, teorizar modelos de rede para que a influência das relações sociais seja explorada. Surpreendentemente, até o momento, apenas um pouco de atenção foi dada a tais considerações de base metodológica que pretendem melhorar, sistematizar e selecionar modelos de outras abordagens dentro de novas sociologias.

Modelos de Mecanismo Integrado, como o Mecanismo de Formação de Crenças

É um esforço válido considerar a teorização e a expansão de modelos de rede baseados na ideia de teorização econômica, a fim de escolher e construir elementos em modelos de mecanismo. Os modelos de mecanismo podem explorar fatores adicionais e inter-relacionamentos que são usados em modelos de rede, especialmente aspectos cognitivos e intenções. Esses modelos se conectam muito bem aos modelos de rede porque elaboram e explicam maneiras pelas quais os padrões de rede podem moldar a cognição ou as crenças de um indivíduo. Explorar como e por que os padrões de rede moldam as crenças pode ser uma ferramenta essencial para tornar as explicações mais realistas. Na abordagem do mecanismo analítico, Peter Hedstrom detecta várias maneiras lógicas de como e por que as crenças são influenciadas. O uso de modelos de formação de crenças na sociologia econômica também pode ser combinado com outros modelos bem conhecidos da sociologia que exploram diferentes fatores e formas, que levam a uma mudança nas crenças. Ao usar modelos de rede, pode-se presumir e testar empiricamente que essa mudança nas crenças é o resultado da observação direta em pequenas redes, posições particulares em redes, como líderes de opinião ou corretores, adaptação baseada em grupos com valores compartilhados ou uso comum tácito conhecimento quando se trata de convenções ou pontos de gatilho, conforme descrito por Thomas Schelling (consulte para este Tilly 1998; Rydgren 2009).

Ao contrário das análises de rede, a abordagem do mecanismo analítico oferece modelos baseados no conceito DBO, assumindo todos os tipos de inter-relações lógicas, entre as cognições e oportunidades de um indivíduo, como fatores explicativos. A abordagem do mecanismo analítico fornece modelos que exploram como as crenças são alteradas ou constituídas em processos sociais, como a formação de crenças, por meio da observação de ações de outras pessoas em corridas a bancos. Esses modelos de formação de crenças também podem começar com a simples suposição de que as ações dos outros mudam a estrutura de oportunidade e, assim, colocam processos complexos em movimento cobrindo a mudança dos sistemas de crenças. Um caso simples poderia ser descrito assumindo que a mudança na estrutura de oportunidade pode causar novos padrões de ação que são observados sob uma luz errada, de modo que mecanismos de autorrealização podem ocorrer. Teorizar e expandir a abordagem de rede com a ajuda de modelos de mecanismo também pode começar selecionando um modelo de formação de crenças que assume uma rede particular

padrões podem desencadear a formação de crenças em situações incertas devido a atores poderosos ou imitação racional. Colaborar neste sentido significa que os modelos de rede tomam modelos de formação de crenças que se encaixam em padrões de rede específicos e descobrem quais suposições, relativas aos padrões de rede, aumentariam o realismo e ajudariam os cientistas sociais a aprender mais sobre a forma como as redes causam e conduzem a formação de crenças, e o contrário. O desafio restante é fornecer argumentos teóricos para explicar por que as formas de redes moldam as crenças, de que maneira, e trabalhar em ligações teóricas entre as diferentes etapas explicativas para que as cadeias de formação de crenças possam ser investigadas e exploradas.

Como Avançar por meio da Colaboração

Se tomarmos a nova sociologia econômica como uma variante da sociologia explicativa que visa fornecer explicações mais realistas, podemos sugerir a colaboração com a abordagem do mecanismo analítico. Ambas as linhas poderiam trabalhar juntas reconsiderando princípios metodológicos, discutindo as funções e formas dos modelos de ação e sistematizando modelos para que ambos os campos pudessem usar o mesmo pool. Compartilhar e introduzir modelos de mecanismo na nova sociologia econômica parece ser um marco para aprimorar o programa inicial. Podemos concluir que colaborar com outros proponentes de explicações baseadas em ações poderia ajudar a aprimorar o programa inicial, reconsiderando princípios metodológicos e compartilhando, ampliando e aprimorando modelos. Uma maneira de fazer isso é teorizar o conceito de imersão social começando com modelos simples. Outra forma seria escolher modelos de mecanismo, como formação de crenças, para construir em modelos de rede. Ambas as maneiras aumentariam a ideia central de sociólogos construindo, melhorando e classificando modelos explicativos que poderiam ser usados ​​em diferentes campos. O modelo de formação de crenças pode ser digno de consideração como uma ferramenta importante. Os modelos de formação de crenças oferecem teses sobre por que os padrões de rede, ou outros tipos de inserção social, podem mudar as crenças, o que ocasiona processos e eventos típicos. Por último mas não menos importante, a sociologia econômica pode trabalhar com a abordagem do mecanismo analítico quando se trata de estudos e métodos empíricos. Por exemplo, sociólogos econômicos e proponentes da abordagem do mecanismo podem trabalhar juntos em reconstruções retrospectivas do que aconteceu em situações concretas ou desenvolver e usar simulações baseadas em agentes e big data para explorar pontos de gatilho e caminhos (para uma visão geral recente, consulte Hedstrom e Bearman 2009).

Como Aprimorar uma Perspectiva Sociológica da Economia Moderna

Os fundadores da sociologia, Max Weber e Emile Durkheim, começaram por definir a sociologia como uma ciência social que pede explicações causais no mundo social. O realismo, neste sentido, refere-se ao objetivo de explorar o que está acontecendo na realidade social em vez de construir um mundo idealizado. O desafio de construir explicações relacionadas com o empírico foi delineado no quadro da sociologia explicativa desde o início. O principal princípio metodológico e a forma de explicação baseada na ação, Individualismo Metodológico, já foi delineado por Max Weber (2019) e desenvolvido por Karl Popper (1999) que introduziu a noção de teorização econômica como princípio central. A teorização econômica em explicações baseadas em ações significa, antes de tudo, focar nos fatores sociais e fornecer um melhor conhecimento sobre como eles funcionam na realidade. Outro princípio usado na sociologia explicativa são as análises situacionais racionais que interpretam o contexto da perspectiva de indivíduos significativos e intencionais. Isso inspirou explicações baseadas na teoria da ação nas décadas de 1970 e 1980, usando uma teoria geral da ação como um micro fundamento. A partir das décadas de 1970 e 1980, as críticas à teoria da escolha racional como uma micro-fundação geral aumentaram, e os sociólogos a favor de explicações realistas se afastaram da lógica da ação com explicações baseadas na teoria. Em vez disso, na sociologia, bem como na sociologia econômica, os estudiosos começaram a explorar a vida social a partir de uma variedade de pontos de vista, alguns até desistiram de explorar as relações causais na vida social. Esse processo é um grande desafio para a nova sociologia econômica porque enfraquece a orientação teórica e o programa de pesquisa original e exige a reconsideração de como explorar a função e os efeitos dos fatores sociais na economia.

Este capítulo sugere uma revisão do background das ciências sociais e dos princípios e objetivos metodológicos que antes ajudaram a estabelecer a nova sociologia econômica como um programa de pesquisa. Vê-lo como parte da abordagem das ciências sociais e, especialmente, de explicações baseadas em ações ajuda a descobrir deficiências e avaliar quem pode contribuir para uma reconsideração e posterior desenvolvimento do programa básico. Somente se tivermos uma compreensão clara dos princípios e objetivos subjacentes de um programa de pesquisa, como a nova sociologia econômica, podemos investigar os pontos fracos e buscar ferramentas para lidar com eles. Por muito tempo, as ferramentas mais importantes na nova sociologia econômica têm sido os modelos de rede. Os modelos de rede precisam ser teorizados por outras teorias para fornecer explicações causais de como e por que padrões de rede específicos ajudam os indivíduos a lidar com situações incertas. Uma maneira de encontrar modelos de rede teoricamente é usar a teoria da escolha racional como um microfundamento. Outra maneira seria usar modelos mais complexos de abordagem do mecanismo analítico, diferentes tipos de instituições e teorias de convenção. Todos esses modelos fornecem explicações de por que fatores sociais apóiam a troca de mercado e oferecem teses testáveis sobre as inter-relações mútuas entre fatores sociais e intenções e aspectos cognitivos dos indivíduos. Os modelos de mecanismo aprimoram os modelos de rede porque acrescentam o conceito de delinear precisamente as inter-relações entre o contexto social e os desejos ou crenças de um indivíduo. Acima de tudo, a abordagem do mecanismo destaca a ideia de que as mudanças desencadeiam outras mudanças, de modo que surgem dinâmicas sociais que levam a fenômenos especiais. As explicações consistem em modelos teóricos que estão ligados de uma maneira, de modo que os inter-relacionamentos contínuos são explorados por rodas e caminhos específicos.  À luz disso, melhorar as explicações baseadas em ações tem sido a tarefa mais importante recentemente. Abordagens que fornecem regras metodológicas para trabalhar e aprimorar modelos causais ou oferecem modelos relevantes são colaboradores importantes. Todas as abordagens no quadro de explicações baseadas na ação podem ser consideradas como parceiras confiáveis, especialmente quando visam construir modelos realistas que exploram a função e os efeitos dos fatores sociais na economia de mercado moderna. Vimos que recentemente novas lógicas e formas de modelos causais foram elaboradas para serem mais realistas. Nesse sentido, a abordagem do mecanismo analítico oferece modelos relacionados à ação e conteúdo que exploram como constelações sociais complexas causam fenômenos macro.

A partir da observação de que muitos recém-chegados de diferentes abordagens entraram no campo da sociologia econômica, surgiu o desafio de repensar a identidade e os desenvolvimentos futuros do programa de pesquisa original. Com esse enfoque, outros programas de pesquisa poderiam fazer o mesmo, verificando seus objetivos e ferramentas e escolher sua forma de desenvolvimento. Se virmos a nova sociologia econômica como uma linha particular de pensamento sociológico, comprometida com as explicações causais, podemos investigar os objetivos essenciais e as ferramentas principais na estrutura mais ampla das explicações baseadas na ação. Aprimorar o programa de pesquisa inicial significa delinear como a colaboração pode ajudar a teorizar e sistematizar modelos que exploram fatores sociais na economia. Foi mostrado que particularmente aqueles recém-chegados que trabalham em modelos causais mais realistas estão se movendo em uma direção semelhante. Além disso, foi revelado que reconstruir princípios metodológicos, objetivos essenciais e ferramentas principais ajuda a investigar o núcleo de um programa de pesquisa e suas principais ferramentas e desafios. Assim, desenvolver o programa de pesquisa inicial significa trabalhar em modelos causais que explicam como os fatores sociais moldam a economia e a sociedade modernas.


 

INDICE

Yuichi Shionoya, Tamotsu Nishizawa

Economia e sociologia do capitalismo

Sen, Amartya Sobre a disigualdade económica

Smelser

1 Tradição classica na sociologia economica

Swedberg

Wright Mills

2 A Tradição Clássica

2.1 Alexis de Tocqueville

Karl Marx

Max Weber

Joseph Schumpeter

Karl Polanyi

Mark Granovetter

Pierre Bourdieu

3 Economia e Sociologia na Europa no início do século XX

1. História dos estudos

A DEFINIÇÃO DE SOCIOLOGIA ECONÔMICA

ECONOMIA E SOCIOLOGIA ECONÓMICA COMPARADA

Economia e sociologia

Economia alemã e sustriaca

Karl Marx Karl

Weber, Schumpeter, e Polanyi em Economia e Sociedade

Max Weber

Joseph A. Schumpeter

O empresário

Karl Polanyi

O caráter mutável da sociologia econômica

Adolph Lowe

O campo da sociologia económica

Granowetter

A relevância dos clássicos

Émile Durkheim

George Simmel

Max Weber e os clássicos

Depois dos Clássicos

José Schumpeter

Karl Polanyi

Talcott Parsons

 A sociologia carece de uma tradição dominante.

O Conceito de Actor

O Conceito de Acção Económica

Limitações à Acção Económica

A Economia em Relação com a Sociedade

Abordagens Comparativas e Históricas da Sociologia Econômica

Novas instituições na sociologia económica

Ronald Coase

Douglass North

Oliver Williamson

John Meyer

Paul DiMaggio e Walter Powell

NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL

A virada sociológica na nova economia institucional

uma contraperspectiva da econômica sociologia

Coleman e o capital social

Capital Social Definido

Confiança

Fluxos de Informação

Normas Efectivas

Organizações

Combinação de Capital Social e Outros Recursos

Desenvolvimento de capital social

Capital Social e Educação

Conclusão

Organização Econômica

Capitalismo

Distritos Industriais

Globalização

Introdução

os institucionalistas: velhos e novos

institucionalistas contemporâneos

dimensões institucionais

conclusão

A dupla face do sucesso

Nova sociologia economica

O Programa de Pesquisa da Nova Sociologia Econômica

Antecedentes e objetivos

Princípios e ferramentas essenciais: explicações causais

Pontos fortes e fracos

A ideia de explicação: Explicações sociológicas e baseadas na ação

Principais formas de explicações baseadas na ação em sociologia

Abordagem do mecanismo analítico

Como a nova abordagem da sociologia econômica e do mecanismo analítico poderia funcionar em conjunto?

Usando uma opção padrão no Framework de DBO

Modelos de Mecanismo Integrado, como o Mecanismo de Formação de Crenças

Como Avançar por meio da Colaboração

Como Aprimorar uma Perspectiva Sociológica da Economia Moderna

Bibliografia

 

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Os autores propuseram três datas possíveis para P: antes do exílio (Y. Kaufmann e sua escola); o fim do exílio ou o início do retorno (K. Eiliger); o período seguinte à reconstrução do segundo templo (a maioria).

  • O primeiro grupo, majoritariamente formado por exegetas judeus, defende uma data de pré-tese e baseia-se em dois argumentos principais: a linguagem e o facto de que o primeiro templo deveria ter legislação. De facto, esses autores falam sobretudo das leis contidas em P e no livro de Levítico.
  • O segundo e terceiro grupos argumentam a partir de uma interpretação da história sacerdotal que distingue entre conteúdo e intenção.
  • Para o segundo grupo, P contém um 'projeto para o futuro', pois Israel passa por um período de transição. O 'deserto' em que as pessoas se encontram no final da história corresponde ao exílio ou ao momento do primeiro retorno. Israel ainda precisa entrar na terra e reconstruir o templo e a história sacerdotal, especialmente a perícope do Sinai e a descrição do culto, seria, portanto, lida como uma 'utopia'.

Para o terceiro grupo, no entanto, P foi escrito para justificar e legitimar a 'democracia' do segundo templo. Portanto, sua redação segue a reconstrução e fornece sua 'etiologia'.

Se considerarmos o conto sacerdotal em sua forma atual e não os materiais mais antigos que ele poderia ter integrado, há bons argumentos para dizer que deve ser pelo menos o exílio. A centralização do culto é um facto aceite e não requer mais explicação ou controvérsia, como mostrou Wellhausen. P é, portanto, colocado cronologicamente após a reforma de Josias e o primeiro Deuteronômio.

Deve-se acrescentar que há muitos contactos entre P e dois grandes profetas do fim do exílio ou da primeira póstese, Ezequiel e o Deutero-Isaías. Ezequiel e P têm em comum uma teologia de 'glória' e 'reconhecimento de יְהוָֹה, e uma visão semelhante da história de Israel (Ez 20 e Ex 6,2~8) (124). II Deutero-Isaías insiste como P na ligação entre 'criação' e 'redenção', e no monoteísmo (125). P diálogos com a teologia deuteronômica / deuteronomista em relação à aliança. Tudo isso nos leva a pensar em uma data próxima ao fim do exílio (126).

Para saber se P foi escrito antes de u depois que o templo foi reconstruído, seria preciso uma indicação precisa. Até agora, os argumentos se baseiam apenas em probabilidades. Na minha opinião, P fornece uma informação que pode resolver a questão. No entanto, devemos admitir que Nm 14 faz parte de P, como propusemos anteriormente. Os dados em questão encontram-se em Nm 14.9 onde Josué exorta os israelitas a “não temerem os povos da terra”, isto é, os habitantes de Canaã.

Esta última expressão - povo da terra - tem uma história particular. Nos livros dos reis, tem um significado positivo e designa a aristocracia fundiária de Judá fiel a Davi (2 Reis 11.20; 14.21; 21.24; 23.30). Nos livros de Esdras-Neemias, porém, a expressão tem conotações negativas. O 'povo da terra' é aquela parte da população que não foi para o exílio e que se opõe ao retorno dos exilados. Acima de tudo, ele quer impedir a reconstrução do templo (cf. Esd 3,3; 4,4; 9,1.2.11; 10,2.11; Ne 9,24.30; 10,29.31.32).

O texto de Nm 14.9 fala negativamente do 'povo da terra'. Por um lado, Israel está no deserto e quer entrar na terra prometida. Por outro lado, há uma população hostil no país que assusta Israel. O povo vai até desistir de entrar no país por causa deles. Como interpretar este texto? Quem, por exemplo, é esse 'povo do país'? Dois textos Esd podem fornecer a chave para o enigma: Esd 3.3 e 4.4.

Na primeira, diz-se que o sacerdote Josué e seus irmãos, com Zorobabel e seus irmãos, restauraram o altar em sua fundação, embora 'pesasse sobre eles o terror dos povos da terra'.

Ed 4,4-5 indica o motivo do conflito entre os dois grupos. As pessoas que haviam permanecido no país queriam participar da reconstrução do templo, mas isso lhes foi negado por Zorobabel e pelos exilados que retornaram com ele. Como medida de retaliação, os indígenas impediram os exilados de reconstruir o templo durante o reinado de Ciro até o início do reinado de Dario.

Por que essa recusa? Foi uma questão de poder ou uma disputa sobre a propriedade da terra? O texto não diz. Seja qual for o motivo, uma coisa é certa: por muito tempo o conflito entre os exilados e a população indígena foi agudo.

Além disso, os livros de Ez-Ne equiparam esses 'povos da terra' com os inimigos tradicionais de Israel, o povo derrotado por Josué (Esd 9,1; cf. Ne 9,8.24). Deste modo, são desqualificados porque os 'pagãos' que não observam a lei de Moisés (cf. Ne 10,29), em particular eles não guardam o sábado (Ne 10,32). Eles não têm o direito de herdar o país. Pelo contrário, eles estão destinados ao extermínio.

Há, portanto, boas razões para colocar P neste contexto, antes de 520 aC, durante o reinado de Ciro. P descreve o grande projeto do retorno e seu fracasso parcial devido à oposição do 'povo da terra' e ao desânimo dos israelitas que caluniavam a terra (13,32; 14,36-37).

A entrada na terra é, consequentemente, adiada por uma geração. Isso corresponde ao período que separa o reinado de Ciro (t 530 aC) do reinado de Dario (52 1-486 aC).

C. O ESTUDO 'SINCRÔNICO' DO PENTATEUCO

Neste contexto, deve ser mencionada a contribuição não negligenciável dos novos métodos de pesquisa. Existem, no entanto, muitas escolas e é impossível, no contexto desta introdução, apresentá-las todas. As mais importantes são a 'leitura canônica' da Escritura, o estruturalismo, a semiótica e a narratologia. A leitura canônica da Bíblia está ligada sobretudo aos nomes de B.S. Childs e J. A. Sanders.

O estruturalismo nasceu na França no mundo da etnologia e da antropologia. O nome mais conhecido é o do cientista C. Lévi-Strauss . Neste campo, também falamos de bom grado de 'análise retórica' ​​(Crítica Retórica).

A semiótica é filha do formalismo russo e encontrou uma segunda pátria na França e no Québec. A narratologia aplica aos textos bíblicos um método de origem anglo-saxônica e conhecido sob o nome de “nova crítica”. Também é chamado de leitura de dose,  ('leitura cuidadosa').

Para o estudo do Pentateuco, cada um dos métodos oferece análises interessantes. Eles também têm limitações. Em primeiro lugar, as leituras sincrônicas são leituras de textos individuais. Estudos de livros inteiros e de todo o Pentateuco são executados.

Existem outras dificuldades. Alguns estudos estruturais tendem a privilegiar palavras ou expressões que se repetem em alguns pontos estratégicos do texto, por exemplo em quiasmas e inclusões, ou que aparecem no centro de estruturas concêntricas.

Nesses casos, porém, passamos da estrutura para a semântica e nem sempre se diz que as indicações estruturais são suficientes para estabelecer qual parte de um texto tem mais peso que outra. O centro geométrico de um texto não é necessariamente seu centro semântico.

A afirmação mais importante só pode aparecer em uma conclusão longamente preparada. Além disso, todas as palavras não têm o mesmo valor. Os verbos, por exemplo, são decisivos em uma frase, enquanto as outras palavras muitas vezes desempenham papéis secundários.

Em muitas análises, o perigo à espreita é o 'fetichismo da palavra'. Cada afirmação deve ser interpretada de acordo com seu contexto, e a dinâmica do texto prevalece sobre os aspectos estáticos na hora de determinar seu significado. Os estudos sincrônicos nem sempre levam suficientemente em conta a distinção entre 'forma' e 'conteúdo', para usar o dicionário de linguística, nem sempre distinguem bem entre 'significante', 'significado' e 'referente'.

Muitas análises sincrônicas ignoram problemas textuais. Para dar apenas um exemplo, busca-se em vão nas análises sincrônicas de Gn 12-25 uma explicação satisfatória de um conhecido problema cronológico: por que Gn 21 apresenta Ismael como um neonato, carregado por sua mãe, quando, segundo o dados fornecidos pelos outros textos, ele deveria ter cerca de dezassete anos? Ele tem treze anos em Gn 17.25; Isaque nasceu um ano depois (Gn 17.21; 18.14) e foi desmamado por volta dos três anos. Muitas vezes, falamos da “autonomia” do texto que deve ser interpretado independentemente de seu autor “e do estudo das circunstâncias em que foi escrito”. Isso talvez seja verdade para a literatura moderna, porque compartilhamos a mesma cultura que os autores e porque as obras não têm uma longa história editorial por trás delas. Já no mundo da crítica literária moderna existem algumas vozes críticas a esse respeito.

Mas falar de 'autonomia da obra literária' não se aplica a textos antigos que foram escritos de acordo com os critérios e preocupações de outra cultura. Não se pode passar da ficção moderna ao estudo da Bíblia sem levar em conta a diversidade que separa uma da outra.

É o mesmo estudo “sincrónico” que nos leva a questionar o contexto histórico dos textos, pois eles devem ser lidos e interpretados segundo as regras que emergem dos próprios textos.

Essas regras remontam a uma cultura diferente da nossa. Portanto, um estudo histórico-crítico muitas vezes consegue resolver com mais simplicidade as questões que todo exegeta honesto não pode deixar de se fazer durante sua leitura.

Não vale a pena entrar no 'conflito de métodos' ou fazer guerra para defender este ou aquele tipo de análise, os métodos são apenas ferramentas que o exegeta escolhe de acordo com a natureza do objecto que tem que estudar. Neste campo, como em tantos outros, o diálogo oferece caminhos mais frutíferos do que as controvérsias.

O melhor método é aquele que consegue explicar o texto do Pentateuco com mais clareza e sem ignorar a complexidade que os capítulos anteriores queriam destacar.

Além disso, quem “perder” tempo para refazer os caminhos da pesquisa nos séculos passados, na verdade, economizará tempo, pois não terá que refazer, às suas custas, o estudo já feito e – talvez – não repetirá os mesmos erros.

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9ª Lição 6 de Maio: Pontos fundamentais para a leitura

 

 

ALGUNS PONTOS DE REFERÊNCIA PARA A LEITURA DO PENTATEUCO

Não será possível, no estreito quadro desta introdução, propor uma teoria completa sobre as origens e formação do Pentateuco. Talvez isso ainda não seja possível hoje. Propomos apenas alguns elementos mais importantes para orientar uma leitura crítica do Pentateuco e ajudar a distinguir os elementos mais sólidos dos menos sólidos nas teorias atuais. Esta lição será talvez a mais problemático de todo o curso. Não será possível fornecer um argumento completo para cada ponto. Mesmo o bibliográfico não pode ser exaustivo. Seria impossível e, na verdade, não muito útil. Quem conhece o assunto encontrará facilmente as obras para consultar e quem não o conhece terá que percorrer longas listas de nomes desconhecidos. As principais teses deste capítulo são três.

1) - O actual Pentateuco é uma obra pós-exílica. A composição atual e o arranjo das várias partes remontam à era persa. Para apreender a intenção da obra como tal, é necessário, portanto, estudar esse período.

2) - A obra actual é composta e, portanto, contém peças mais antigas. Uma primeira questão importante surge neste ponto: havia um documento pré-exílico completo? A nossa resposta é não e vamos tentar dar nossas razões para isso. - Isso não significa, porém, que não houvesse materiais pré-exílicos, na forma de contos ou ciclos narrativos maiores, e coleções de leis. Pelo contrário, é possível mostrar que os tijolos mais antigos ainda aparecem no edifício do Pentateuco como o conhecemos. Nem sempre é possível delinear exactamente suas dimensões, nem sempre é possível datá-las com precisão. No entanto, eles foram reutilizados e, portanto, vêm de uma época anterior. Esta é a ideia mais importante que se defende nestas páginas. Qual é o ponto de partida de uma teoria razoável sobre o Pentateuco que pode nos ajudar a entendê-lo melhor? Como visto nos capítulos sobre a história da pesquisa, a descoberta de Wette forneceu um ponto de referência histórico para a elaboração das várias hipóteses que se sucederam ao longo de quase dois séculos. Sem outra descoberta desse tipo, os estúdios terão que se contentar em "embaralhar as cartas". As teorias podem refinar, misturar, corrigir e até reverter os resultados, mas não acrescentarão muita coisa nova. Os mesmos elementos reaparecerão, de outra forma ou em outra ordem. Sem um novo de Wette , será difícil elaborar uma "nova teoria documental" ou qualquer outra teoria sobre o Pentateuco. No entanto, não faltam novos elementos. Eles vêm principalmente de duas áreas de estudo. Em primeiro lugar, as descobertas arqueológicas que colocaram à disposição dos exegetas material de considerável importância: documentos escritos e iconográficos, textos narrativos e legislativos, diplomáticos e administrativos. O confronto com o Pentateuco deve seguir certas regras, pois tudo deve ser interpretado, até os dados arqueológicos. A comparação com a epopeia de Gilgamesh, conduzida por Tigay, abre caminho para outras comparações do mesmo tipo que devem dar frutos. Em segundo lugar, as reflexões metodológicas que vêm de vários horizontes forneceram novas ferramentas para a pesquisa. Além disso, o uso de diferentes metodologias pode ser frutífero. Por exemplo, o diálogo entre leituras sincrónicas e diacrónicas tem dado bons resultados em vários casos. Com base nisso será possível construir uma teoria não muito especulativa que possa realmente contribuir para nossa compreensão do Pentateuco.

 

A. O PENTATEUCO E A RECONSTRUÇÃO DE ISRAEL APÓS O EXÍLIO

Para usar uma imagem simples, o Pentateuco assemelha-se a uma cidade reconstruída após dois terremotos sucessivos. O primeiro terremoto ocorreu em 721 aC, quando o exército assírio capturou Samaria e a destruiu, esmagando todas as suas instituições políticas e religiosas juntas. Não podemos saber com certeza quanto das tradições do reino do Norte sobreviveram. O que sabemos vem do Sul e é influenciado pela polémica entre os dois reinos inimigos. É razoável pensar que algumas dessas tradições foram transferidas para Jerusalém, onde um segundo violento terremoto sacudiu a cidade em 586 aC, após um forte choque premonitório em 596 aC. Em 586, o exército de Nabucodonosor, após um longo cerco, tomou a cidade que foi incendiada e saqueada. Sempre será difícil imaginar o trauma vivido pelos habitantes da cidade neste momento. Significou o fim de tudo o que lhes era mais precioso: o fim da monarquia, a garantia da independência e o fim do templo, que era o símbolo mais importante da alma religiosa no reino do Sul. Ciro permitiu aos exilados de retornar à sua terra natal, a situação era muito complexa. O entendimento entre os que voltaram da Mesopotâmia e os que permaneceram no país não foi nada fácil. Depois de muitas vicissitudes, os exilados levaram a melhor e se encarregaram da reconstrução de Jerusalém: o grupo da góla, palavra hebraica que significa exílio, assumiu a direção das operações. Não apenas a cidade e o templo, mas também a comunidade como tal foi reconstruída de acordo com os princípios e exigências da góla. A reconstrução teve que obedecer a dois imperativos. Em primeiro lugar, era imperativo que a comunidade redescobrisse suas raízes no passado. Este ponto não requer uma demonstração longa. Jerusalém, a cidade antiga, foi reconstruída e não uma cidade nova (Is 54), para mostrar continuidade com o passado. As mesmas pessoas estavam prestes a renascer, no mesmo país, sob a direção do mesmo Deus. A obra da comunidade pós-exílica de Jerusalém é fundamentalmente uma obra de restauração. O povo renasce, outro povo com outros ideais e outras instituições não nasce. Era, portanto, necessário retornar às antigas tradições e restabelecer uma ponte com o passado pré-exílico. Em segundo lugar, era igualmente essencial mostrar a pertinência das antigas tradições e convencer todos os membros do povo de que era possível reconstruir sobre as antigas fundações. Os dois requisitos parecem, à primeira vista, contraditórios. Cabia ao povo e seus líderes encontrar o caminho certo para resolver o dilema. Voltando à nossa imagem, podemos identificar, no trabalho de reconstrução, pelo menos três tipos diferentes de edifícios. Alguns sobreviveram, completamente ou em parte, aos dois terremotos. O estado de conservação pode variar muito. Junto aos escombros e ruínas, existem algumas casas quase intactas. Surgiram então edifícios completamente novos, que substituíram os antigos que desapareceram. Por fim, há toda uma gama de construções mistas em que reconhecemos alguns elementos antigos que foram reaproveitados e complementados por peças novas, acrescentadas em várias épocas. Em alguns casos, torna-se muito difícil distinguir exactamente as peças antigas das recentes. A proporção entre material antigo e moderno nunca é a mesma. Por isso, é preciso um olhar treinado para ler a história da cidade em seus vários bairros. No entanto, todos os edifícios antigos, modernos ou mistos, têm a mesma finalidade, a de acolher uma população e responder às suas diversas solicitações. A cidade não é um museu, sua finalidade não é preservar o passado, mas criar as condições indispensáveis que permitirão a um povo sobreviver em situação precária. Tal como esta cidade, o Pentateuco contém materiais antigos, que pretendem estabelecer uma ligação com o passado, materiais novos que respondem às questões do presente. Algumas áreas foram retocadas ou restauradas várias vezes. Por toda a cidade, porém, bate o coração da comunidade pós-exílica. Cada parte, antiga, mais recente ou muito recente, oferece um abrigo à sua fé. Tudo, portanto, deve ser interpretado no contexto pós-exílico e de acordo com os interesses e preocupações desta época. Mesmo os textos mais antigos, surgidos em tempos remotos, em ambientes muito diversos e para responder a necessidades diversas, encontram-se no Pentateuco porque têm um valor particular para a comunidade pós-exílica. Fazem parte do seu património e têm um “uso” na sua vida de fé. Nestas páginas, o nosso propósito é dar ao visitante de hoje desta "cidade" reconstruída que é o Pentateuco uma espécie de "mapa" ou "guia", que lhe permitirá, na medida do possível, reconhecer os vários edifícios que encontrará e distinguir os vários estilos, nomeadamente os edifícios mais antigos dos edifícios mais recentes.

B. OS PONTOS PARA INTERPRETAÇÃO: TRÊS CÓDIGOS; TRÊS TEOLOGIAS; O EDITORIAL MAIS RECENTE

 

1. Os três códigos do Pentateuco

Como explicar a formação do atual Pentateuco? Quais são os pontos firmes de interpretação após as tempestades que abalaram a exegese desde os anos 1970? Para orientar-se no actual Pentateuco, é preciso partir novamente das intuições de Wett e e Reuss , Graf , Kuenen e Wellhausen . Apesar de todas as discussões, os três códigos continuam sendo o ponto de partida mais seguro da exegese do Pentateuco. O código da aliança precede o código deuteronômico que, por sua vez, precede a Lei de santidade (Lv 17-26). O código da aliança pressupõe uma sociedade onde os chefes das "famílias alargadas" pudessem resolver os conflitos mais importantes ao nível local, nomeadamente a pequena cidade ou a aldeia. No código do Deuteronômio, a centralização do culto anda de mãos dadas com a centralização da justiça. A família extensa perde muito de seu poder para o poder central de Jerusalém. O Deuteronómio "unifica", afirmando que Israel forma um só povo, com um só Deus e um só templo. Esta centralização é consequência das invasões assírias que devastaram e destruíram o reino do Norte, em 721 aC e o reino do Sul, em 701 aC. Apenas Jerusalém não foi conquistada, embora tivesse que pagar um preço muito alto. A reforma administrativa e legal foi necessária porque as invasões perturbaram, se não destruíram, as estruturas locais e familiares. Sob Josias (640-609 aC), a reforma também se tornou religiosa e política, aproveitando-se da fraqueza do império assírio. O desejo de centralização religiosa, política e administrativa aproveitou uma situação favorável e a traduziu em termos legais. Por trás do código deuteronômico encontramos as forças vivas em ação na reforma: os oficiais da corte (a aristocracia de Jerusalém), os grandes proprietários de terras de Judá, o sacerdócio e a monarquia. Após o exílio, a Lei de santidade insistirá na ideia de um povo “santo” e “separado” de outras nações. Como Israel não existe mais como nação independente, a identidade do povo virá principalmente de suas instituições religiosas, a saber, a lei e o templo. As principais preocupações do código são melhor compreendidas neste contexto. A adoração ocupa um lugar importante no código. A insistência nas leis da pureza, na separação das "nações", as regras particulares no campo da sexualidade têm o propósito primordial de preservar a identidade de um povo que se sente ameaçado em sua existência. Novas fronteiras tiveram que ser estabelecidas, especialmente no comportamento quotidiano. A comparação entre esses três códigos fornece um primeiro conjunto de critérios válidos para a leitura de textos narrativos e uma estrutura para situá-los. Em poucas palavras: as narrativas que não pressupõem a centralização do culto devem, em princípio, preceder a reforma deuteronômica; os textos que o exigem são contemporâneos da reforma; os textos que a pressupõem devem ser pós-reforma. Como qualquer critério, no entanto, deve ser usado com a devida cautela.

2. As três teologias do Pentateuco

 

 Depois dos três códigos vêm as duas principais teologias do Pentateuco, a teologia deuteronômica e a sacerdotal. O Dt e o relato sacerdotal contêm duas teologias, duas visões da história e dois projetos para a sociedade. Deuteronômio desenvolve uma teologia da aliança com יְהוָה que interpreta o vínculo entre Deus e seu povo de acordo com o esquema dos tratados de vassalagem do antigo Oriente Médio. A aliança é bilateral e condicional. As bênçãos, e especialmente a existência de Israel, estão relacionadas à obediência de Israel à lei. Como sabemos, a história deuteronomista interpreta a queda de Jerusalém e o exílio como consequência da infidelidade de Israel. Neste ponto surge uma questão crucial: ainda há esperança para Israel? Com que base teológica pode ser reconstruído o futuro do povo? O relato sacerdotal responde amplamente a essa pergunta. Se a aliança Sinai/Oreb falhou, ela deve ser substituída por outra válida. Para P, antes do Sinai, יְהוָה celebrou uma aliança com Abraão (Gn 17). De acordo com o princípio agora bem conhecido, esta aliança mais antiga é superior. Além disso, a aliança com Abraão é unilateral. As promessas não dependem, portanto, da fidelidade do povo. Para o relato sacerdotal, as pessoas que têm que prescindir da independência política e da realeza tornam-se uma "assembléia" cultual em torno da presença divina, a "glória". A "santidade", qualidade que define lugares ou pessoas que estão em relação privilegiada com a presença divina ("glória"), é conferida ao sacerdócio, à tenda e ao altar (Ex 29,44). Finalmente, a Lei de santidade (H) corrige P em alguns pontos para oferecer uma síntese parcial da teologia deuteronômica e da teologia sacerdotal. - A aliança é novamente bilateral e condicional (Lv 26: 3-4.14-16), como em Deuteronômio, mas a "aliança" ou promessa unilateral com os patriarcas (Lv 26: 41-42.44) sempre permanece válida (Lv 26: 41). -42.44), como em P: se forem infiéis

«[...] eu os conduzirei à terra de seus inimigos. Talvez então seus corações incircuncisos sejam humilhados e então eles expiarão seus pecados. E eu me lembrarei da minha aliança com Jacó, e da minha aliança com Isaque, e da minha aliança com Abraão, na verdade me lembrarei e me lembrarei da terra [...] ».

A) A santidade é exigida de todo o povo

("Sede santos como eu sou santo"; Lv 11.44-45; 19.2; 20.7.26; 21.8; 22.31-33), pois em todo o Dt. o povo é santo. Mas é também uma qualidade particular do sacerdócio (Lv 21), como na teologia de P (Ex 29,44). Em Deuteronômio, a santidade do povo era consequência de sua eleição (Dt 7,6; 14,2; 26,19). Em H, Israel é santo por causa da experiência do êxodo, pois neste momento, Deus separou seu povo das nações (Lv 11.45; 18.1-5; 22.33). Por outro lado, o povo permanece santo se observar as leis de pureza e realizar fielmente os atos de adoração (22, 31-33). H, portanto, une os aspectos de "graça" e "lei", pois a santidade dada no momento do êxodo depende agora da fidelidade do povo à lei divina.

B) A liturgia da expiação (Lv 16)

é outra pedra angular da teologia proposta pela lei de santidade que permite ao povo reconciliar-se regularmente com יְהוָה e assim superar as crises da sua história causadas pela sua infidelidade. Também neste ponto, H tenta resolver os problemas que vêm de teologias anteriores. Não havia previsto nada de concreto em caso de infidelidade. Nesse ponto, P também permanece bastante lacônico. H contém uma reflexão muito profunda sobre "pecado" e "expiação", fruto da amarga experiência do exílio e das ilusões do retorno. Muitas vezes, a importância da teologia do Levítico é negligenciada na pesquisa. A sombra de Wellhausen e sua geração ainda se estende sobre o mundo exegético que vê neste período um momento de decadência espiritual e esclerose religiosa. Grande parte da organização final do Pentateuco, no entanto, remonta a esse período e vem da escola teológica que redigiu a Lei de Santidade.

 

Pedras angulares da estrutura do Pentateuco

Mesmo este momento da história de Israel deve ser estudado segundo os imperativos da época e não segundo critérios absolutos e intemporais ou, pior ainda, segundo os critérios de hoje. Estas três teologias: Dt, P e H, juntamente com os três códigos legislativos, formam as pedras angulares da estrutura do Pentateuco. Se quisermos colocar as coisas em ordem cronológica, temos: código da aliança (pré-exílio); código deuteronômico (fim da monarquia); teologia deuteronômica (fim da monarquia e exílio); conto sacerdotal (primeira geração do retorno); Lei de Santidade e teologia pós-sacerdotal e pós-deuteronomista (segundo templo).

 

C. HOUVE UMA "PONTE" PRÉ-EXÍLICA NA ORIGEM DE ISRAEL?

O modelo que hoje parece mais razoável é aquele que combina elementos dos vários modelos propostos no século passado, nomeadamente a hipótese dos fragmentos, a hipótese dos complementos e a hipótese dos documentos. No início do processo de elaboração do Pentateuco, havia histórias bastante isoladas ou ciclos narrativos curtos, conforme a hipótese dos fragmentos propostos na época. As "fontes" nasceram mais tarde, com a teologia deuteronômica e sobretudo com a narrativa sacerdotal. Por fim, após o exílio, o actual Pentateuco surgiu de um trabalho de compilação e revisão, com acréscimos em pontos estratégicos, como na hipótese dos complementos. Nos parágrafos seguintes, falarei apenas dos primeiros estágios dessa evolução, portanto, dos textos antigos e não sacerdotais.

 

1. Uma "fonte pré-esilica»?

O problema mais agudo e debatido hoje diz respeito à existência de uma "fonte" pré-exílica. Na esteira de muitos trabalhos recentes, acho que não havia uma "fonte" real antes do exílio e talvez antes do documento sacerdotal. Especificamos que há boas razões para pensar que existiam "ciclos narrativos" e "códigos legislativos" pré-exílicos. Mas eles ainda não formavam uma obra orgânica. Quatro conjuntos de razões levam a esta conclusão que pode parecer drástica, embora seja apenas na aparência.

 

A) Pequenos credos históricos

Em primeiro lugar, os primeiros textos que nos asseguram a existência em Israel de uma "história da salvação", ou pelo menos de uma narrativa que cobre diferentes períodos da história das origens e os estrutura segundo uma ideia precisa, são muito tarde. São os famosos "pequenos credos históricos" de von Rad (Dt 6,20-23; 26,5b-9) e um texto sacerdotal (Ex 6,2-8). Este último texto, mais claramente que os outros, liga a história patriarcal e o êxodo. יְהוָה cumpre a promessa (בְּרִית) feita aos patriarcas no êxodo (Ex 6,4.5.8). Dt 6,20 começa com o êxodo e Dt 26,5b menciona Jacób (Arameo Errante), mas a única ligação com os acontecimentos posteriores é de tipo cronológico. Um único "resumo" ou "pequeno credo" poderia ser mais antigo: Nm 20, um texto difícil de datar com precisão. Para alguns, remonta à era de Ezequia. Outros estudos mais recentes preferem uma data inferior, relativa ao exílio ou pós-exílico, porque o texto seria posterior a Dt 26.3-8. A segunda solução é preferível por boas razões. O texto de Nm 20 explica e interpreta Dt 26,3.7: o "pai" de 26,3 torna-se "os pais" em Nm 20,15. O "grito" de Deut 26,7 é mais desenvolvido em Num 20.15-16, que também fala de "maus-tratos". A comparação com outros textos, por exemplo Jz 11, 16-18, vai no mesmo sentido. O argumento mais forte a favor de uma data exílica/pós-exílica é, a nosso ver, a presença do "anjo" (Nm 20.16), que encontramos apenas em acréscimos tardios ou em textos recentes, como Ex 14.19a; Ex 23.20-23; 32,34; 33,2-3; Jg 2,1-5; cf. Gn 24,7. Esse anjo que toma o lugar de יְהוָה, e não mais se identifica com ele, reflecte uma teologia mais consciente da transcendência divina e mais relutante em usar antropomorfismos. No entanto, no que diz respeito aos "pais", o texto usa termos muito gerais e descreve uma mera sequência cronológica. Não estabelece nenhuma ligação lógica entre "promessas aos pais" e "êxodo".

 

B) Textos tardios

Em segundo lugar, os textos que ligam as pequenas unidades dentro do Pentateuco são tardios.

Esses acréscimos editoriais não estão perfeitamente integrados ao seu contexto e, de acordo com as regras enunciadas por Greenberg, este é um sinal de sua origem secundária. O fenómeno é particularmente evidente no livro de Gênesis, mas também no complexo Es-Nm. Isto é especialmente verdadeiro para os vínculos entre as tradições patriarcais e o êxodo. Se as tradições do êxodo e patriarcal já estavam unidas nos tempos antigos, porque Ex 3-4, a vocação de Moisés - um texto bastante recente - não fala da "terra prometida» Este texto contém o "programa narrativo" de toda a seção Es-Nm e é estranho que não tenha feito a ligação com o livro do Gênesis (cf. Rendtorff ).

 

C) Terceiro, o "silêncio" dos profetas pré-exílicos deve ser explicado.

É claro que o argumento do silêncio nem sempre é conclusivo e, às vezes, até frágil. É válido apenas se puder ser provado que os profetas pré-exilados deveriam ter falado das tradições do Pentateuco se as conhecessem. Para nosso argumento, entretanto, um ponto merece mais atenção. Há alusões, mais ou menos veladas, nos profetas pré-exílicos, mas são alusões a tradições isoladas. Não há textos onde, por exemplo, os patriarcas estejam ligados ao êxodo. Para os profetas pré-exilados, o êxodo ainda não é o cumprimento das promessas feitas aos patriarcas, como será para P (Ex 6, 2-8). Oséias opõe Jacó a Moisés, não os une em uma história de salvação (Os 12.3-5.13 e 12.10.14). O próprio Oséias menciona a saída do Egito (2,17; 11,1; 12,14; 13,4; cf. Am 9,7) e alguns episódios da vida no deserto (2,16-17; 9,10; 13.5) (20). Quando se trata de Deutero-Isaías ou Ezequiel, a situação não muda muito. Nos últimos vinte anos, tem havido muita discussão sobre esses dois profetas, especialmente sobre o Deutero-Isaías, para apoiar uma datação tardia e pós-exílica de muitas tradições do Pentateuco. Sendo o Deutero-Isaías o primeiro ou um dos primeiros profetas a falar de Noé (Is 54,9; cf. Ez 14,14), de Abraão e da Vontade (Is 51,2; cf. Ez 33,24) ou de êxodo (43,16-21 e passim; cf. Ez 20), alguns autores afirmaram com base nisso que as tradições em questão são pós-exílicas.

Deutero-Isaías, no entanto, refere-se a tradições bem conhecidas e não as inventa. Quando se conhece a velha mentalidade, seria inapropriado inventar uma nova tradição para convencer. Só pode ser argumentado com base em tradições que há muito fazem parte da "memória colectiva» do povo. Agora, o Deutero-Isaías é muito claro neste ponto quando fala do êxodo (43:18): «Não vos lembreis dos acontecimentos de outrora, não penseis mais no passado». Se o profeta nos convida a "não lembrar", significa implicitamente que as pessoas se lembraram desses eventos passados e pensaram neles. O texto, sem dúvida, apela à "memória coletiva" de seus destinatários. Portanto, o Deutero-Isaías não introduz elementos desconhecidos na discussão. A tradição do êxodo é mais antiga que o Deutero-Isaías e seu tempo. Por outro lado, porém, deve-se acrescentar que, mesmo no Deutero-Isaías, as tradições se justapõem sem formar um todo orgânico. Portanto, seria imprudente querer construir uma teoria sobre a existência de uma "história de Israel" apenas a partir dos dados fornecidos pelo Deutero-Isaías. Não há concreto para unir os vários blocos de construção. Ezequiel não permite ir mais longe. O capítulo 20, que trata principalmente do êxodo de Israel e da permanência no deserto, não menciona nenhuma promessa patriarcal. Quando fala de Abraão, não menciona o êxodo (Ez 33:24) (24). Quando o Trito-Isaías fala de Abraão, Israel/Jacó e Moisés, as figuras permanecem justapostas. Pode-se dizer que fazem parte de uma história única, pois o profeta conhece as três. Mas também pode muito bem ser argumentado que ele alude a várias tradições separadas que são todas parte do passado de Israel em uma espécie de «parafaxis narrativa" onde as ligações são possíveis, mas não explícitas. No entanto, o Trito-Isaías parece antes opor Moisés a Abraão e Israel, como Oséias opôs Moisés a Jacó. Em quarto lugar, estudos recentes sobre a história das religiões e a historiografia no antigo Oriente Médio tornam difícil admitir a ideia de que em Israel foi possível conceber uma ampla história do povo na antiguidade com uma teologia bem articulada que vê em יְהוָה o verdadeiro e único Deus do universo. Uma história deste tipo supõe uma clara consciência da unidade de todo o povo e seu destino comum, e uma teologia desenvolvida o suficiente para afirmar a singularidade de יְהוָה. A afirmação clara de um "monoteísmo" encontra-se em Deutero-Isaías, com alguma preparação em Jeremias. Por outro lado, as grandes sínteses históricas no antigo Oriente Médio como na Grécia não se originaram antes do século VI aC. Finalmente, dificilmente se pode falar de uma verdadeira "nação" chamada "Israel" na época da monarquia davídica. Em conclusão, não é possível pensar em uma "história das origens de Israel" antes de uma época tardia. Com a reforma deuteronómica a ideia de "um Deus, um povo, um templo" abre caminho e nesta época foram cumpridas as condições que nos permitem pensar em uma primeira síntese histórica e teológica em Israel. De facto, também foi necessário criar uma nova mentalidade após a queda do reino do Norte em 721 aC. A reforma de Josias em 622 aC precisava de uma base teológica sólida que encontramos no início de Deuteronômio. A questão é se, antes de Deuteronômio ou ao lado dele, sentiu-se a necessidade de escrever uma "história de Israel", ou pelo menos algum "fragmento" dessa história. Alguns, como J. Van Seters ou Ch. Levin, falam mais de um exílio ou mesmo de um jahwista pós-exílico, ainda que pós-deuteronômico. E. Zenger , por outro lado, postula a existência de uma "história de Jerusalém" na época de Manassés (após 700/690 aC). Na nossa opinião, é difícil provar a existência de tal "história". Não tem um perfil claro, ao contrário de Deuteronômio ou do relato sacerdotal. Mesmo E. Zenger deve admitir que a "história de Jerusalém" não está bem unificada. O argumento, portanto, precisa ser reexaminado.

 

2. Havia uma ligação literária entre os patriarcas e o êxodo antes de Deuteronômio?

Após a queda de Samaria surgiu uma situação difícil e E. Zenger vê nestas circunstâncias o contexto histórico em que se formou a "história de Jerusalém", para responder a questões sobre o futuro de Israel ameaçado em sua existência pelo poder assírio. Tudo isso é possível, mas ainda não prova a existência de tal escrita. O argumento mais forte vem de Deuteronômio. Se, como pensa E. Zenger, na senda de N. Lohfink , Deuteronômio, em seu núcleo primitivo e em suas partes pré-exílicas, supõe a existência não apenas de ciclos narrativos, mas também de uma história que une patriarcas e êxodos, então não há dúvida de que devemos subscrever a tese de uma "história de Jerusalém" pré-exílica. No entanto, a prova não parece completa e inteiramente satisfatória.

 

A) Deuteronômio

Uma das idéias centrais de Deuteronômio é a aliança. Portanto, a tradição histórica na qual o Deuteronômio primitivo repousa quase exclusivamente é a tradição Horebe. Como diz N. Lohfink, o Israel de Deuteronômio é um Horeb-Israel. Israel nasceu em Horebe e poderá sobreviver se permanecer fiel a Horebe, isto é, à aliança apenas com יְהוָה. O resto é "pórtico e vestíbulo", como acrescenta N. Lohfink. Neste «resto» encontramos as promessas patriarcais e o êxodo. Para estabelecer a natureza desse "varanda e vestíbulo" com mais precisão, várias questões complexas devem ser respondidas. O Deuteronômio cria ou supõe uma ligação entre as promessas patriarcais e o êxodo? Quem são os "pais" mencionados em Deuteronômio? Recentemente, Th. Rómer argumentou que esses "pais" no início do Deuteronômio não são os patriarcas (Abraão, Isaac e Jacób), mas os ancestrais de Israel no Egito. Somente em um estágio posterior eles seriam equiparados às grandes figuras do Gênesis. A resposta à primeira pergunta não é fácil. É certo que Deuteronômio muitas vezes se refere a promessas feitas aos patriarcas, falando da terra que יְהוָה jurou dar aos pais ou de um "juramento" aos pais (stem sb). O verdadeiro problema não é saber se esses textos deuteronômicos se referem ou não a tradições ou a textos mais antigos, concretamente a alguns textos do Gênesis. A teoria dos "fragmentos" ou "blocos narrativos" bastaria para explicar amplamente o fenómeno. Para provar a existência de um "documento", por exemplo da "história de Jerusalém" de E. Zenger, é necessário provar que Deuteronômio supõe uma obra anterior orgânica, e não apenas ciclos narrativos isolados e que os textos antigos estão verdadeiramente integrados neste trabalho unificado. O ponto mais delicado da manifestação, como o próprio E. Zenger reconhece, é a ligação entre as promessas patriarcais e as tradições do êxodo. A questão é, portanto: Deuteronômio criou o vínculo entre os "pais" e Moisés, entre as promessas aos ancestrais e a experiência do êxodo? Ou ele tirou a ideia de um documento mais antigo para o qual o êxodo é o cumprimento das promessas feitas aos padres, documento que podemos encontrar entre os textos do Pentateuco? Por ora, deixo de lado o recente debate sobre a identidade dos "pais". O próprio E. Zenger adota a opinião de N. Lohfìnk segundo a qual Deuteronômio identifica os "pais" com os patriarcas (ver Dt 1,8; 6,10; 9,5,27; 29,12; 30,20; 34,4) . É esta tese que quero examinar. De fato, seria muito mais fácil dizer que os "pais" de Deuteronômio não são os patriarcas, porque nesse caso a ligação entre Dt e Gn seria inexistente e eu poderia prescindir dessa discussão. Também posso ignorar as questões delicadas que tocam as várias camadas de Deuteronômio. Na hipótese a ser examinada, Deuteronômio, com toda a sua história editorial, é mais recente que o documento pré-exílico e pré-deuteronômico chamado jahwist por alguns e "história de Jerusalém" por E. Zenger.

 

B) - A perícope do Sinai - Ex 19 - Nm 10.

Uma vez que a tradição central do Deuteronômio é a de Horeb, convém ver quais são as tradições que o Deut relaciona com esta tradição. Existem vários textos que, de uma forma ou de outra, ligam o juramento feito aos pais e a aliança de Horeb ou a lei. O texto mais explícito é Dt 29: 9-12.

«9Todos vós estais hoje na presença do SENHOR, vosso Deus - os vossos chefes, as vossas tribos, os vossos anciãos, os vossos oficiais, todos os cidadãos de Israel, 10os vossos filhos, as vossas mulheres e o estrangeiro, que está no meio do vosso acampamento, desde o vosso rachador de lenha até ao vosso carregador de água - 11a fim de entrardes na Aliança do SENHOR, vosso Deus, feita com juramento, Aliança que o SENHOR, vosso Deus, estabelece hoje convosco, 12para vos constituir hoje como seu povo e ser Ele próprio, o SENHOR, o vosso Deus, como vos prometeu e como jurou a vossos pais, Abraão, Isaac e Jacob».

A aliança concluída em Dt 29 - que retoma a do Horeb - é o cumprimento do juramento feito por יְהוָה aos patriarcas. Outros textos, ao invés, fazem da observância da lei, proclamada em Horebe, a condição de posse da terra que יְהוָה jurou dar aos pais (Dt 6,10-13; 6,17-19; 8,1.17-18; 11 , 8-9.18-21; 19.8-9; 30.19-20; cf. 28.11). Dt 7,8 é um texto único que apresenta o êxodo como consequência de um juramento feito aos pais: "É por amor de יְהוָה por vós e para respeitar o juramento feito a vossos pais que יְהוָה vos tirou com mão forte . e ele te resgatou da casa dos servos, da mão de Faraó, rei do Egito. Para esses textos do Deuteronômio, que provavelmente pertencem a diferentes estratos, há uma estreita correlação entre o juramento feito aos pais e dois eventos centrais das tradições mosaicas: o êxodo e a aliança de Horeb. Em uma segunda etapa, agora é necessário verificar se o mesmo vínculo pode ser estabelecido nas tradições mais antigas, pré-deuteronômicas. A conclusão desta investigação é negativa: os textos não sacerdotais mais antigos não conhecem a ligação entre patriarcas e êxodo ou entre patriarcas e Sinai. A ligação, portanto, foi criada por Deuteronômio. Basta uma breve passagem pelos textos para se convencer disso. A seção do Sinai (Ex 19 - Nm 10), em toda a sua complexidade, contém pouquíssimas referências aos patriarcas. O Decálogo, que ainda hoje é considerado uma obra de origem deuteronômica, fala da terra em referência ao respeito aos pais, mas não faz alusão às promessas patriarcais:

«12Honra o teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias sobre a terra que o SENHOR, teu Deus, te dá»

(Êx 20:12). A passagem de Ex 23, 20-33 fala da conquista da terra, mas não do juramento feito aos pais. Era o melhor lugar para inserir a frase clássica: "A terra que jurei dar a teus pais". Mas não há vestígios disso. Os únicos textos que se referem aos patriarcas na perícope do Sinai são Ex 32,13 e 33,1. Geralmente, esses textos são considerados desatualizados. A coisa fica clara em Ex 32,13, que faz parte da intercessão de Mo-sè, texto de forte cor deuteronomista (32,11-14). No entanto, esses dois textos sugerem uma ideia que não é exactamente a de Deuteronômio. Moisés pede a יְהוָה que não extermine seu povo após o episódio do bezerro de ouro para não tornar vãs as promessas feitas aos patriarcas. Ele não diz que יְהוָה agiu até agora por causa dessas promessas antigas e, portanto, deve continuar a agir em favor de seu povo. Êx 33,1 é talvez mais claro e implica uma conexão mais estreita entre êxodo, marcha no deserto e promessas patriarcais:

«1O SENHOR disse a Moisés: «Vai, parte daqui com o povo que fizeste sair do Egipto; ide para a terra que prometi a Abraão, a Isaac e a Jacob dizendo: Hei-de dá-la à tua posteridade».

Este texto, no entanto, não pode ser muito antigo. Ele contém frases, fórmulas e temas que vêm de Ex 32 e outros textos, muitas vezes deuteronômicos. Portanto, é muito provável que seja mais recente do que os textos de diferentes fontes que ele reuniu. O texto foi criado para actuar como uma dobradiça entre Ex 32 e o resto da história onde novas relações são estabelecidas entre יְהוָה e seu povo após o fato do bezerro de ouro. A questão crucial é se יְהוָה continuará a levar o povo à terra prometida e como o faz.

Em conclusão, nenhum texto antigo da passagem do Sinai menciona os patriarcas. Certamente, em nenhum lugar é dito, como em Dt 29.12, que יְהוָה concluiu uma aliança com Israel para ser fiel a uma promessa feita aos patriarcas.

C) A saída do Egito (Ex 1-15 *)

Uma investigação semelhante sobre os textos da saída do Egito (Ex 1-15 *) chega à mesma conclusão. Nenhum texto pré-sacerdotal (e pré-deuteronômio) apresenta a saída do Egito como o cumprimento de uma promessa anterior. Somente o texto de Ex 6, 2-8, o texto sacerdotal, faz esta conexão. Há também duas referências ao juramento feito aos patriarcas em Ex 13,5 e 11. No entanto, esses dois versículos não relacionam a saída do Egito a esse "juramento". Indicam apenas o momento em que as leis de Ex 13 entrarão em vigor. Além disso, a maioria dos exegetas lista Ex 13 entre os textos tardios de Ex 1-15. É surpreendente, porém, não encontrar nenhuma ligação entre patriarcas e êxodo no relato da vocação de Moisés (Ex 3-4). O texto identifica o Deus que aparece a Moisés como o Deus dos patriarcas (3,5) e não vai mais longe. Não indica de forma alguma que a terra para a qual יְהוָה conduzirá seu povo é a terra jurada a seus pais (Ex 3,8.17). Embora Ex 3,1-4,18 seja mais recente do que o contexto em que foi inserido (Ex 2,23 a e 4,19), a ligação entre os pais e a missão de Moisés não encontrou aí o seu lugar.

D) A permanência no deserto

Entre os poucos textos que mencionam outras tradições, devemos incluir Nm 11,12, um texto em que Moisés diz a יְהוָה:

«Acaso fui eu que concebi todo este povo? Fui eu que o dei à luz, para me dizeres: 'Leva-o ao colo, como a ama leva a criança de peito, até à terra que prometeste a seus pais?'».

O versículo alude aos "pais" e à terra prometida. No entanto, o vocabulário é puramente deuteronômico e, portanto, a passagem é tardia. O verbo "jurar" é típico de Deuteronômio e literatura relacionada. A sintaxe da frase continua difícil. Seria mais natural dizer: "Tragam-no [...] à terra que jurei dar a seus pais", como propõem alguns manuscritos do Samaritano e da LXX. Estas são as principais razões que sugerem uma adição tardia.

E) O livro de Gênesis

O mesmo vale para o livro de Gênesis. Poucos são os textos que falam explicitamente do êxodo e esses poucos textos são tardios. A primeira é Gn 15: 13-16. Gn 15 é um texto muito discutido e muito poucos exegetas hoje pensam que é muito antigo, pelo menos em sua versão atual. Além disso, os vv. 13-16 foram adicionados e estão, portanto, entre as camadas recentes do texto. A "recuperação" do v. 12: "quando o sol estava para se pôr", no v. 17: "quando o sol se pôs" é uma primeira pista. eu vv. 13-16, por outro lado, interrompe a ação iniciada em 15.7-12 e que termina em 15.17-18, ou seja, a conclusão da aliança. Gn 15, 13-16 é um texto recente, de origem editorial, e não pode servir para demonstrar a tese de uma antiga ligação entre Abraão e o êxodo. Pode-se, com alguns exegetas, pensar que Gn 15.7-12.17-18 alude de alguma forma à teofania do Sinai. Haveria, portanto, uma "ponte" entre Abraão e a perícope do Sinai. O dicionário de Gn 15.17 contém alguns elementos que poderiam remeter à teofania de Ex 19: 10-19, por exemplo a "fornalha" (תבור. Gen 15.17; kibsan: Ex 19.18), a "fumaça" עשן : Ex 19.18 ; Gn 15,17) e "שלהבת" (laptd: Gn 15,17; Ex 20,18). Outros elementos estão faltando, como o trovão. No entanto, o vocabulário da aliança ("cortar" a aliança - krt b'rìt), não se encontra em Ex 19, mas em Ex 24,8, um texto tardio. Além disso, a aliança com Abraão é um texto isolado, que tem seu correspondente apenas em Gn 17, um texto sacerdotal. Essas possíveis alusões à teofania do Sinai, no entanto, ainda não significam que um antigo ciclo de Abraão e um antigo conto dos teófanes e um antigo conto da teofania sinaítica faziam parte de um único conto. As pistas apenas nos permitem afirmar que o autor de um texto conhecia o outro. Nada no Gn 1.5 diz, por exemplo, que temos que esperar por outra aliança. Não está excluído, mas também não está comprovado. Precisamos acrescentar outros elementos e outras indicações. Apenas Gn 46,1-5a menciona o retorno da família de Jacó do Egito para a terra de Canaã, mas o texto também é secundário e heterogêneo em seu contexto. Em vários aspectos, destaca-se do resto da história de Joseph. Em primeiro lugar, a passagem contém o único discurso divino de Gn 37-50, a única visão e o único ato cultual. Além disso, é uma espécie de "remendo" costurado no conto primitivo. Em 45.27, os filhos mostram ao pai as carruagens enviadas por José para facilitar a viagem ao Egito. No versículo seguinte, Jacó/Israel, finalmente convencido por esse argumento, decide ir embora. O leitor encontra a continuação da história em 46,5b, quando os filhos de Israel/Jacó levam seu pai e toda a família nas carruagens e depois descem para o Egito. Esta última ação não faz muito sentido após uma primeira partida e uma primeira parada em Beersheva (46,1). Finalmente, a ordem de Deus em 46.3-4 vem quando o patriarca já decidiu partir (45.28). Normalmente, o oráculo deve preceder a decisão. Observe que no relato primitivo como no acréscimo de 46,1-5 a, os nomes Jacó e Israel se alternam de maneira quiástica: Jacó: 45,25 Israel: 45,28; 46.1.2 Jacó: 46.5a e 5b Gn 50.24 é o outro texto não sacerdotal que liga a história dos patriarcas com o êxodo. José promete que יְהוָה visitará seu povo e os fará "subir" à terra juramentada a Abraão, Isaque e Jacó. Também neste último caso, é um texto tardio, acrescentado à conclusão da história de José. Os indicadores deixados pelo editor ainda são visíveis. Gn 50: 22-23.26 contém um breve relato da morte de José. Entre as duas partes desta passagem foi inserido seu "testamento", i w. 24-25 A menção da idade de José, cento e dez anos, em 50.22, é "retomada" no início de 50.26a. A palavra-gancho que une as duas passagens é o verbo מות, "morrer" (50,24a.26a). O vocabulário e os temas de 50.24-25 são encontrados em Ex 13.19 e Jos 24.32. Segundo Êx 13,19, Moisés levou consigo os ossos de José, conforme a vontade expressa por este em Gn 50,25 e, em Js 24,32, os ossos são finalmente sepultados em Siquém. O argumento mais forte a favor do carácter secundário de Gn 50, 24-25, porém, é o estranho fato de nunca, na história de José, haver qualquer menção a um "juramento" feito aos três patriarcas. O tema aparece de repente e sem nenhuma preparação. José não o menciona, por exemplo, quando convida seus irmãos a virem morar no Egito com seu pai (Gn 45.9-11). Nem Jacó fala disso quando os irmãos voltam e o convidam para descer com eles ao Egito (45,28). Ele não objecta que Deus prometeu a terra de Canaã a seus ancestrais. Após esta investigação, é mais provável que a ligação entre as tradições patriarcais e as tradições do êxodo seja uma criação deuteronômica e não possa remontar ao período anterior. Assim, antes de Deuteronômio, não havia um "documento" completo que já unisse os dois "blocos" narrativos. As tradições eram justapostas e às vezes opostas. Por exemplo, em Oséias 12 Jacó se opõe a Moisés, em Ez 33, 23-29 Abraão se opõe à lei, e em Is 63 Abraão se opõe a Moisés.

D. OS MATERIAIS PRE-ESÍLICOS DO PENTATEUCO

Nos parágrafos seguintes, tentarei dar algumas indicações sobre os materiais mais antigos nos vários livros do Pentateuco, não sendo possível oferecer um argumento completo e rigoroso para cada proposta. escolheram, entre as hipóteses elaboradas nos últimos tempos, aquelas que apresentam maior grau de verossimilhança, mais facilmente verificáveis e que permitem uma melhor compreensão do texto do atual Pentateuco em toda a sua complexidade.

1) livro do Gênesis

No livro de Gênesis, várias tradições existiram separadamente antes de serem unidas.É preciso distinguir, sempre em um Pentateuco pré-deuteronômico e sacerdotal,

A) uma história das origens (2-11);

B) o ciclo de Abraão (12-12). 25);

C) o ciclo de Jacó (25-35) e

D) a história de José (37-50) .

 

A) A história das origens

A história das origens coloca problemas particulares. Muitas passagens aparecem como pós-deuteronômio e pós-sacerdotal . Não é fácil distinguir os elementos mais antigos das reformulações tardias. Para o relato do dilúvio, acho que demonstrei de forma convincente que o assim chamado relato jahwista é na verdade composto de uma série de acréscimos pós-sacerdotais. No entanto, Gn 2-11 tem sua própria história e os vínculos com o resto do Pentateuco são quase inexistentes. O universo de Gn 2-11 é um universo de comunidades sedentárias: principalmente agricultores e cidadãos.' a humanidade como um todo e a terra (אדמה), diríamos hoje: "o meio ambiente". Em nenhum lugar Gn 2-11 prepara uma verdadeira "continuação". A unidade narrativa fecha-se em si mesma. os problemas que aparecem depois de Gn 11 são bem diferentes: a busca da terra, as migrações, a descendência, a opressão e a liberdade, e a constituição jurídica de um povo sem-terra. Somente tardiamente Gn 2-11 foi colocado em seu lugar actual para formar um prólogo universalista ao todo Entre os resumos desta história, apenas textos muito tardios, como a oração de Neemias (Ne 9), começam com uma referência à criação (9, 6) antes de mencionar os patriarcas (9,7). do Sal 136. Por muito tempo, os exegetas viram em Gn 12: 1-3 "o elo" que unia a história das origens e a história da salvação. A bênção universal prometida a Abraão veio como a graça oferecida a um mundo sob "ira divina" (Rm 1:18).

O texto também retomaria alguns elementos de Gn 11: 1-9, como o "grande nome" (11: 4; cf. 12: 2) O estudo cuidadoso de Gn 12: 1-3 não confirma esta visão. Gn 12: 1-3 é uma inserção tardia, pós-exílica, e contém a certidão de nascimento de Israel, não a promessa de salvação. , e voltado para o futuro, não para o passado. O texto não fala da bênção universal, mas da fama universal que Abraão adquirirá.

 

B) As histórias dos antepassados (Gn 12-50)

Nas histórias patriarcais alguns são facilmente distinguidos complexos narrativos com características próprias: o ciclo de Abraão (12-25); algumas tradições sobre Isaque (26); o ciclo de Jacó (25,27-35) e a história de José (37-50). terra de Canaã, tem contactos com o Egito (Gn 12,10-20) ou com os filisteus (Gn 20-21), e vive principalmente em Hebron ou Beersheva, não muito longe do deserto; Jacó, por outro lado, está bastante em contacto com os arameus da região de Charan e vive perto de Siquém e Betel. Os ciclos de Abraão e Jacó são muito diferentes: a trama, a atmosfera, o enquadramento geográfico e muitos detalhes separam os dois patriarcas. Isaque também permanece isolado, não sendo necessário insistir nas características individuais Da história de José dos quais muitos motivos importantes das histórias anteriores estão ausentes. Acima de tudo, a história de José tem um estilo que a distingue do resto do Gênesis. A história é muito mais unificada, mais centrada no destino de um personagem e Deus não intervém excepto indiretamente na história do herói. A marca "egípcia" de muitos episódios de Gn 37-50 é outra de suas peculiaridades. As qualidades literárias e artísticas são bem conhecidas e nos obrigam a classificar a história de José em uma categoria separada. O ciclo de Abraão se formou a partir de alguns contos isolados e pequenos ciclos narrativos. Entre esses textos mais antigos, podemos contar com relativa certeza o ciclo Abraham-Lot (Gn 13.18-19); o relato de sua permanência no Egito (12,10-20); as duas versões da expulsão de Agar (16.1-14* e 21.8-20*); alguma tradição sobre a permanência de Abraão em Gerar (20,1-18*; 21,22-34). Os outros episódios são mais recentes, como os vários textos que ligam a história de Abraão às restantes tradições patriarcais, nomeadamente as promessas e os itinerários. Gn 22, 1-19, o julgamento de Abraão, e Gn 24, o casamento de Isaque, são relatos julgados tardios hoje, ou seja, pós-exílicos. Textos difíceis como Gênesis 14 e 15 pertencem a outro tipo de narrativa. Embora possam conter alguns elementos antigos, sua redação actual traz os traços de um longo processo editorial e, portanto, são recentes (54). Isaque. Gn 26, o único capítulo dedicado à personagem de Isaac, afasta-se do seu contexto (55). O capítulo situa-se entre os dois episódios principais da rivalidade entre Esaú e Jacó, Gn 25, 27-34, o episódio do prato de lentilhas, e Gn 27, "a bênção roubada". É uma "interrupção" ou "digressão". Os dois filhos estão estranhamente ausentes de Gn 26. O capítulo descreve uma série de conflitos que têm como enquadramento a região de Gerar onde intervém o Rei Abimeleque. Esses traços particulares distinguem o capítulo daqueles que o cercam. Jacób. O ciclo de Jacob tem suas próprias características. Ele também conheceu uma história independente antes de fazer parte do livro de Gênesis. Esta suposição é baseada em razões sólidas. Em seu núcleo primitivo, a história de Jacó não contém nenhuma conexão com a história de Abraão. Por outro lado, quando a história termina em Gn 33 e 35, nada prepara a história de José. A história como tal não requer uma continuação. A história de Jacó é mais unificada que a de Abraão. A narrativa complexa que descreve os conflitos de Jacó com Esaú e com Labão pode ser identificada sem muita hesitação. Este complexo inclui os dois episódios da rivalidade entre Esaú e Jacó, Gn 25: 27-34; 27,1-45; a visão de Betel, 28.10-12.16-19*; os conflitos entre Jacó e seu tio/sogro Labão 29,1 - 32,1; o retorno à terra de Canaã, 32-33*; 35: 1-8,16-20 (59). Nesses textos, ainda é possível, mas com menos certeza, perceber a presença de algumas histórias individuais, em relação a determinados lugares ou santuários, que podem ser mais antigas e ter tido existência independente antes de sua integração no "ciclo de Jacó". " : a "lenda sagrada" de Betel (28.10-12.16-19*); o episódio de Penuel (32,23-33*); a passagem de Siquém para Betel (35,1-5*.16-20*) (60). Gn 34, a história de Diná e Siquém, é uma "digressão" que tem sua própria história. Foi inserido em seu lugar atual devido à menção de Siquém e Hamor em Gn 33:19. O fio narrativo de Gn 33,19-20 encontra-se em 35,1-5 e o relato de Gn 34 poderia explicar, na composição atual de Gn 33-35, por que Deus pede a Jacó que deixe Siquém para ir a Betel. A história de Jacob começou no Norte. Está ligada a lugares característicos do Norte como Betel, Siquém ou Penuel (cf. 1 Reis 12,25.29). Joseph. As características literárias e teológicas da história de José são bem conhecidas (61). Cada comentário dá um bom resumo. Esta história, mais do que todas as outras do livro de Gênesis, tem sua própria coerência interna (62). Em um estágio posterior, tornou-se a continuação da história de Jacob. Então, esse complexo foi unido ao ciclo abraâmico para formar uma narrativa única sobre os ancestrais de Israel. Acho que este último trabalho editorial é pós-exílio, como os principais textos desta camada editorial (especialmente Gn 12, l-4a; 13.14-17; 28.13-15; 26.2-5; 31.3 ; 46, 1-5a; 50, 24-25).

 

2. O Êxodo, Sinai e a permanência no deserto

O grande complexo narrativo do êxodo e da permanência no deserto é cheio de dificuldades. Só posso propor uma hipótese razoável, baseada nos trabalhos mais confiáveis dos últimos anos. Em um primeiro passo, com margem de segurança suficiente, pode-se distinguir uma história da saída do Egito (Ex 1-2 * .5.7-12 * .14-15 *), a perícope do Sinai (19.24.32-34) , o Decálogo (20,1-19*), o "código da aliança" (Ex 21-23*), as tradições sobre a permanência de Israel no deserto (Ex 15*.17-18*, Nm 11* ; 12*; 13-14*; 20-21*.25*) e a história de Balaão (Nm 22-24*). Essas tradições são relativamente independentes. Mesmo dentro de alguns blocos, podem ocorrer "falhas" que permitem, com suficiente grau de probabilidade, hipotetizar uma origem própria para algumas "sequências narrativas".

 

A) A opressão no Egito e os primeiros anos de Moisés

 Êx 1 descreve em poucas cenas as primeiras medidas opressivas do faraó contra Israel. Então, em Ex 2, ele apresenta Moisés, o futuro salvador. O estilo desses capítulos tem sido estudado por muitos autores nos últimos anos. Aproxima-se muito do estilo dos contos folclóricos de Gn 12-35, o estilo do Sábio estudado por Gunkel com grande precisão. Essas histórias formam agora um ciclo narrativo que antecede e prepara a vocação de Moisés (Ex 3,1 - 4,18). Uma leitura cuidadosa, no entanto, mostra facilmente que as diferentes passagens não foram todas concebidas para seu contexto atual. Permanecem tensões ou inconsistências que só são explicadas se a maioria das histórias existiu antes de ser integrada a uma narrativa mais ampla sobre a opressão de Israel no Egito e seu final feliz. Já o início da história revela alguma tensão com o contexto mais amplo. A razão para a rápida multiplicação da população está limitada ao Ex 1, assim como a razão para a construção das cidades-armazém. Depois de Êx 1-2 não há mais o desejo do faraó de eliminar os filhos do sexo masculino para impedir o aumento do povo. Há também alguma tensão entre a causa da opressão e as medidas tomadas. O trabalho forçado diminuirá a população? Não parece totalmente certo. E se o faraó quer usar os judeus como mão de obra servil, por que está tentando eliminar os filhos? O facto de os egípcios não suportarem os judeus não combina com o medo de vê-los deixar o país (1.10). Há também problemas na seguinte passagem (1: 15-22). Se a população se tornou muito numerosa, parece difícil que apenas duas parteiras sejam suficientes para atender todas as gestantes. No entanto, as ordens dadas às parteiras para eliminar todas as crianças do sexo masculino estão bem de acordo com o tema do aumento extraordinário do povo judeu. Por outro lado, este relato (1.1.5-22) constitui uma excelente preparação para o nascimento de Moisés e para os perigos que o cercam. Parece que o conto actual combinou vários motivos como o aumento da população, a escravidão e alguns contos populares como o da intervenção das parteiras. As diferentes narrativas sobre o início da carreira de Moisés pertencem ao mesmo tipo de narração. Ex 2, 1-10, a história do nascimento de Moisés, tem um paralelo na história do nascimento de Sargão de Akkad. O tema faz parte do folclore de todos os tempos. Esta história, no entanto, supõe a narrativa anterior e a ordem do faraó de jogar todos os filhos do sexo masculino dos judeus no Nilo. O episódio do encontro no poço (Ex 2,15-22) tem pelo menos dois paralelos no Gênesis (Gn 24 e 29,1-14). É um motivo ou uma "cena típica" do folclore. O tema só será desenvolvido posteriormente. Nos capítulos seguintes, apenas Ex 3,1; 4,18 e 18,1-3 (cf. Nm 10,29; Jz 1,16; 4,11) referem-se à permanência de Moisés com o sogro na terra de Midiã. Entre o nascimento (2,1-10) e o casamento (2,15-22) há dois breves episódios: Moisés mata um egípcio para defender seu irmão judeu; Moisés é desafiado por um judeu que briga com outro judeu e deve fugir porque Faraó soube do assassinato de um Egípcio. Esta passagem é talvez de origem secundária. Seu objetivo principal é criar uma ligação entre a cena do nascimento e a cena do casamento na terra de Midiã. A "vocação de Moisés" (Ex 3.1 - 4.18) é um relato tardio que se insere entre Ex 2.23a e 4.19 como observado por B.D. Eerdmans e M. Noth. Sinais claros nos permitem separar Ex 3.1-4.18 de seu contexto imediato. Após a notícia da morte do faraó (2:23 a), יְהוָה diz a Moisés para retornar ao Egito porque seus perseguidores morreram (4:19). Agora, em 4:18, Moisés já discutiu esse retorno com seu sogro letro. Na ordem de Ex 4,19, יְהוָה não menciona nenhum elemento presente no relato de Ex 3,1 - 4,18, por exemplo as objeções de Moisés ou a missão confiada anteriormente. Por outro lado, a história da vocação não faz alusão ao fato de que o faraó queria matar Moisés. Este elemento poderia ter sido usado pelo homem de Deus como objeção, mas não é o caso. É possível alternar sem dificuldade de 2,23 para 4,19. A morte do faraó (2:23 a) é a razão anexa para persuadir Moisés a retornar ao Egito (4:19). Em 4:20 reaparecem a noiva e os filhos de Moisés, que estão presentes em 2:21-22, mas não são mencionados em 3.1-4.18. O nome do sogro de Moisés é Ietro em 3,1 ou Ieter em 4,18, enquanto se chama Reuel em 2,18. Claramente, o fio narrativo presente em Ex 2,23 a e 4,19 é interrompido para integrar uma história que explica com grande detalhe qual será a missão de Moisés (3,1 - 4,18). Talvez esse relato da vocação reutilize algum material mais antigo, principalmente na cena da sarça ardente (3,1-6). A Es 5 apresenta alguns traços individuais que a distinguem de seu contexto. Está ligado a Ex 1,8-12, o início da opressão e do trabalho forçado, embora não mencione o motivo da opressão, ou seja, o medo dos egípcios diante do aumento do povo judeu. Os tijolos feitos pelos judeus podem muito bem ser usados na construção das cidades-armazém mencionadas em 1.11, mas Ex 5 não se refere explicitamente a essas cidades. A história foi reformulada e ampliada para introduzir a figura de Aarão (5,1.20).

 

B) As pragas do Egito

Também no relato das pragas (Ex 7-11*) há “fracturas”. Por exemplo, o relato das pragas nunca menciona claramente o problema da opressão no Egito. Os israelitas vivem na terra de Gósen, separados dos egípcios (8,18; 9,4,6-7,26; 10,23), e não parecem ter que trabalhar na construção de uma cidade-armazém (Ex 1,11). O tema da escravidão, especialmente a fabricação de tijolos, desaparece após e. 5 e reaparece claramente apenas em Ex 14.5 (cf. 14.11-12). Talvez este seja um caso de economia narrativa, porque o conto das pragas se concentra na luta entre יְהוָה e o faraó e, portanto, não se preocupa com o destino dos judeus. Pode-se acrescentar que o verbo "soltar" (שלח, pi.) também significa "libertar", "libertar". Finalmente, a história assume um contexto em que a situação dos judeus no Egito não deve ser invejada. No entanto, Moisés nunca pede explicitamente ao Faraó que acabe com o trabalho forçado dos judeus. Em vez disso, pede permissão para ir celebrar uma festa no deserto (3,18; 5,1; 7,16.26; 8,16.21-24; 9,1.13; 10,3.7.8-11.24-26). Embora um não exclua o outro, os acentos são diferentes. O início da história das pragas, em Êx 7:14, não se conecta bem com os capítulos anteriores. Neste versículo, יְהוָה informa a Moisés da rejeição do Faraó, enquanto, em 5: 22-23, é Moisés quem informa a יְהוָה. Êx 7,14 também introduz um novo tema, o do endurecimento do coração (cf. 4,21), ausente em Êx 5. A história das feridas poderia, portanto, ter uma origem diferente do resto do texto em que está inserida.

O texto de Ex 7-11* contém algumas semelhanças com a literatura profética, como a presença da "fórmula do mensageiro": "assim diz יְהוָה" (Ex 7,17.26; 8,16; 9,1.13 ; 10,3; 11,4) e da "fórmula de reconhecimento": "para que se saiba que sou יְהוָה"; "Para que saibais que eu sou יְהוָה" (Ex 7,17; 8,18; 9,14,29; 10,2; 11,7). A eficácia da intercessão de Moisés também pode ser motivo profético (Ex 8,4-9.25-27; 9,27-33; 10,16-19). O endurecimento do coração é um tema presente em alguns profetas (Is 6,10; Jer5,21; Ez 2,4; 3,7). Podemos ver alguma analogia com as visões de Amós (Am 7-9), onde observamos uma progressão semelhante à das pragas, com o mesmo resultado negativo: o juízo final está cada vez mais próximo. Em Am 7-9, fala-se também da intercessão do profeta (Am 7,2.5; cf. 7,8). Am 4,6-12 é outro texto que pode ser comparado com a história das pragas: יְהוָה envia uma série de castigos, mas o povo não se converte, pois o faraó não se deixa convencer pelas pragas. Os contactos textuais entre Amós e a história das feridas permanecem tênues e, portanto, é possível encontrar apenas alguns pontos de apoio para identificar o ambiente em que Ex 7-11* poderia ter nascido. As características "proféticas", no entanto, são características deste relato e o distinguem muito claramente das outras partes de Ex 1-15 (73). Para a datação, há um texto importante, 1Sm 6,6, que menciona as pragas no contexto da guerra entre Israel e os filisteus. Este último texto é provavelmente pré-exílico e de origem nórdica. Com base nisso, pode-se supor que existia uma tradição de pragas no reino do norte. O presente relato, no entanto, não foi necessariamente escrito no reino do Norte. Faltam elementos seguros para propor uma solução mais precisa. No máximo, pode-se ver uma ligação implícita entre a propaganda anti-egípcia de Isaías e a história das pragas (Is 18,1-7; 19,11-15; 20,1-6; 30,1-7; 31: 1 -3; cf. 36: 9). Estaríamos de volta a um ambiente profético. A conta corrente das pragas está estruturada de duas maneiras diferentes. O relato sacerdotal faz uma série de "sinais e maravilhas" que preparam, anunciam e prefiguram o juízo final. Os textos que estruturam P são Ex 7: 1-5 e 11: 9-10. O juízo final é mencionado em Êx 12,12 e a passagem do mar (Êx 14*). A segunda forma de estruturar o relato de Êx 7-11 aparece em Êx 3: 16-22; 6.1; 11.1-3. Nesses textos, o plano divino é dividido em dois estágios opostos: o fracasso do primeiro estágio é contrastado pelo sucesso do estágio final. As pragas são "maravilhas" operadas por יְהוָה (3:20) que, no entanto, não conseguem convencer o faraó. Somente após uma nova intervenção - a morte do primogênito - ele deixará Israel ir (3,20-21; 6,1; 11,1). Alguns elementos estão muito atrasados, como a presença de Aaron e sua equipe.

 

C) O milagre do mar (Ex 14*)

A história não sacerdotal de Ex 14* parece não conhecer a história das feridas. Nem Faraó nem seus ministros os mencionam no início da história. Israel “fugiu” (Êx 14, 5), e ninguém parece se lembrar dos trágicos acontecimentos de Êx 12*, quando Faraó orou insistentemente a Moisés para que deixasse o Egito com seu povo no meio da noite. Alguns motivos importantes da história das pragas desaparecem, como a festa a ser celebrada no deserto, depois de três dias. Em vez disso, a razão da escravidão reaparece (14,5). O vocabulário profético, presente nas feridas, está ausente de Ex 14*. Há indícios bastante válidos para ver em Ex 14* tanto uma tradição própria, originalmente relativamente independente da história das pragas. Com base em Os 2:17; 11.1; 12,10.14, e de alguns textos de Amós (2,10; 3,1; 9,7), talvez menos certos, podemos falar de uma origem nórdica da história.

 

D) A perícope do Sinai

O vínculo mais explícito entre a saída do Egito e o Sinai encontra-se em Ex 19, 4-6, um texto pós-exílico, que liga os dois acontecimentos cronologicamente e logicamente:

«Vós vistes o que Eu fiz ao Egipto, como vos carreguei sobre asas de águia e vos trouxe até mim. E agora se escutardes bem a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade particular entre todos os povos, porque é minha a terra inteira. Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa».

Além deste texto, as alusões à saída do Egito em Ex 19-24 são bastante raras e provavelmente tardias. Uma está presente no início do Decálogo, texto que é, com grande probabilidade, de origem deuteronômica. No código da aliança, há algumas alusões à saída do Egito em textos que pertencem à segunda parte do código da aliança e que muitas vezes são julgados mais recentes (Ex 22.20; 23.9.15). Mas, mesmo que fossem antigos, não há conexão estreita entre a experiência do êxodo e a perícope do Sinai como tal, mas sim uma referência a uma tradição conhecida. A perícope do Sinai é uma das mais complicadas de todo o Pentateuco. E. Otto limita o núcleo mais antigo desta perícope a Ex 19,2b.3a.10-20*; 34, (IIa). 18-23.25-27. Para E. Zenger, por outro lado, é mais extenso: 19.3a.l0-12aa.l4-18; 20,18,20; 24,4ag.b.5; 32*; 34.6-7.14.18-23.25-26. Existem muitas outras opiniões. No entanto, as partes mais antigas encontram-se na teofania de Ex 19, 10-19 e na legislação de Ex 34. Além da delimitação das partes originais, tema muito debatido, a proveniência da perícope apresenta problemas particulares. No entanto, muitos agora hipotetizam uma origem cultual, ou em associação com as liturgias da guerra, ou com o culto de Jerusalém. Não é possível dar uma resposta segura a esta questão. Parece-me que a teofania do Sinai é um texto muito retrabalhado, porque contém a experiência sobre a qual Israel articula sua existência como povo. Em sua versão atual, o texto é certamente pós-tesílico, pós-cerimonial e pós-deuteronomista. Será sempre muito difícil encontrar o método certo e seguro para poder encontrar, com um grau razoável de certeza, os elementos mais antigos e, a fortiori, a sua origem.

 

E) O código da aliança.

Para o código da aliança, dois problemas devem ser distinguidos: o da origem das diferentes leis ou pequenos conjuntos de leis, por um lado, e, por outro, o da redação do código como tal. O primeiro esboço do código dificilmente pode remontar a uma época anterior ao século VII ou VIII aC, porque requer uma cultura jurídica e literária bastante desenvolvida que, segundo estudos recentes, não existia antes. Alguns propõem o tempo de Ezequias como uma data aproximada. Por que escolher esta era relativamente recente? As razões dadas por Crùsemann , em particular, vêm de reflexões históricas e sociológicas. O código da aliança demonstra uma preocupação particular com escravos, estrangeiros, transações financeiras e comércio que pressupõem uma sociedade em que existem grandes diferenças sociais. Segundo o testemunho dos profetas Amós, Oséias, Isaías e Miquéias, tal situação ocorreu nos séculos VIII e VII aC, e não antes. Estudos recentes sobre a história e a cultura de Israel apoiam essa visão.

 

F) A permanência de Israel no deserto

A permanência de Israel no deserto requer um estudo particular. A figura de Moisés permite conectar e unificar histórias e tradições de diferentes origens. No entanto, as tradições de permanência no deserto contêm poucas lembranças da opressão, das pragas do Egito (Ex 7-12*) ou do milagre do mar (Ex 14*). Os textos geralmente se referem à sua permanência no Egito (Êx 14: 11-12 16,3; Nm 11,4-6; 14.1-4; 16.13-14; 20,2-5; 21.5). Raramente uma história alude à saída do Egito e, quando o faz, não entra em detalhes (Êx 18: 1,8-11; Nm 20: 15-16) (86). Nm 20,15-16 é, no entanto, o texto que mais claramente une a permanência no Egito e a permanência no deserto em uma sequência narrativa. Há uma ligação lógica aqui entre os dois momentos da história: JHWH trouxe Israel porque os egípcios o maltrataram. O texto, como visto acima, é de época tardia, ou seja, posterior a textos deuteronômicos como Dt 26, 3-8. Com o texto sacerdotal de Ex 6, 2-8 e o texto recente de Gn 15, 13-16, é um dos poucos textos do Tetrateuco que liga os "pais", a permanência no Egito e a permanência em uma narrativa sumário. no deserto e testemunha a atividade teológica e literária da era pós-exílica. Aqui teríamos uma das "pedras angulares" do atual Pentateuco. Também há muito poucas referências à teofania ou à legislação do Sinai. Como em outros casos, não se deve insistir muito no argumento do silêncio. Se as narrativas descrevem antes as rebeliões do povo e seu desejo de retornar ao Egito, não se pode falar de escravidão ao mesmo tempo. No entanto, Moisés nunca usa a opressão passada como argumento para desencorajar aqueles que querem retornar à terra de Faraó. Acrescente-se que existem vários traços particulares, como a estrutura, o estilo e a ambientação em lugares específicos do deserto que conferem a esses contos uma fisionomia distinta. A memória da permanência no deserto está viva nos livros proféticos, como em Os 2, 16-17; 12.10; Am 2,10; Jr 2,2-3; Ez 20, ainda que ocasionalmente se discuta a datação ou interpretação desses textos. Muitas dessas histórias são tradições locais, reutilizadas em um contexto diferente, o dos conflitos que opõem o povo a Moisés. É possível perceber nesses textos um eco da oposição à reforma de Ezequias ou à de Josias? Ou trata-se também de oposição aos profetas? No entanto, a atmosfera de muitos desses textos é tensa e pressupõe um contexto conflituoso amargo em que a fé e a autoridade política estão intimamente ligadas. É mais provável que o ambiente em que esses textos foram escritos e transmitidos deva ser buscado no Sul, pelas razões expostas acima e também porque o reino do Sul está mais próximo do deserto. As tradições sobre Balaão (Nm 22-24) têm uma história diferente, atestada nos documentos extra-bíblicos de Deir la. Concluindo, existem materiais que, com razoável grau de plausibilidade, podemos considerar como pré-exílicos. No entanto, continua sendo muito difícil, senão impossível, destacar a existência de grandes complexos narrativos antes do exílio. Os primeiros textos que podemos identificar são textos curtos, isolados e independentes ou “ciclos” que fazem parte da “memória coletiva” do povo e de suas autoridades civis e religiosas. As ligações explícitas e literais entre as diferentes tradições e os vários ciclos ou blocos narrativos são extremamente tardias, ou seja, pós-exílicas.

Bibliografia

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Crusemann, F. (1996). Human Solidarity and Ehtnic Identity. Ethnicity and the Bible, 57–76.

 

10ª Lição 20 de Maio: Pentateuco e pós-exílio

 

O PENTATEUCO E O ISRAEL POSTESÍLICO

Quando foi formado o actual Pentateuco? Quais foram os fatores que levaram a reunir e organizar todos os componentes narrativos e legislativos em uma única obra? Por que a obra não foi mais unificada e conservou tantos sinais de sua gênese literária?

Nesta lição queremos tentar responder às questões sobre o pano de fundo histórico - religioso e humano, político e social - da formação do Pentateuco. Várias teorias foram propostas.

Discuto apenas duas hipóteses, entre as mais importantes e interessantes, a da autorização imperial persa e a da comunidade de cidadãos, agrupados e organizados em torno do templo.

A. A AUTORIZAÇÃO IMPERIAL PERSA

Quando renasceu e começou a se organizar, a comunidade pós-exílica sentiu a necessidade de se dar uma base jurídica. Como Jerusalém fazia parte do império persa, certamente era necessário obter alguma aprovação oficial das autoridades persas para dar alguma configuração concreta à comunidade pós-exílica.

O empreendimento também tinha um lado político que não podia escapar da atenção da Pérsia. Recentemente, alguns estudiosos propuseram a esse respeito uma ideia que teve apreciável sucesso: a autorização imperial persa.

Apoiantes e adversários são numerosos. Aqui, como em tantos outros campos da exegese, o consenso não existe. Queremos oferecer neste parágrafo um breve resumo sobre o assunto.

1. A proposta do Pe. Frei

De acordo com a teoria proposta por P. Frei em 1985, o império persa havia introduzido uma política particular em relação aos numerosos povos submetidos à sua autoridade. Em vez de querer unificar e centralizar até o fim, os persas eram mais tolerantes, ou pelo menos mais inteligentes do que alguns de seus predecessores. Deixaram certa margem de autonomia política, cultural, religiosa e econômica, desde que respeitada a autoridade central e - mais importante - pagos impostos.

Este regime foi sancionado por documentos legais que Pe. Frei chama de 'autorizações imperiais'. Ilustre sua teoria com alguns exemplos. De acordo com essa hipótese, o governo central da Pérsia, concretamente o rei e a corte imperial, validou e selou algumas leis ou regulamentos locais com sua própria autoridade. Pode-se também falar de uma 'sanção' ou 'ratificação' imperial. Frei prefere falar de 'autorização', porque 'sanção' é um termo do direito penal e o termo 'ratificação' pertence mais ao direito internacional.

Mais tarde, a teoria foi assumida e defendida por F. Crusemann , E. Blum e R. Albertz . Segundo esses três representantes da 'escola de Heidelberg', há uma estreita ligação entre a autorização imperial persa e a formação do Pentateuco. Como era necessário, para obter essa “autorização”, poder apresentar às autoridades persas uma lei única, aceite por toda a população, os diversos grupos que formavam a comunidade pós-exílica foram obrigados a chegar a um acordo .

Os dois grupos principais eram as famílias sacerdotais de Jerusalém, por um lado, e, por outro, os anciãos, isto é, o poder leigo nas mãos dos grandes proprietários de terras de Judá. Cada um destes dois grupo tinha uma 'história de origem' de Israel que legitimava suas prerrogativas. No vocabulário de Blum são a composição P (KP) ou composição sacerdotal, e a composição D (KD), composição deuteronomística. As duas composições foram fundidas e soldadas em um único documento que essencialmente se tornou o nosso Pentateuco ou um documento muito semelhante. No texto final há apenas alguns acréscimos após a fusão das duas maciças 'Composições'. O Pentateuco daquela época seria, para esses autores, o documento fornecido pela comunidade pós-exílica de Jerusalém para se tornar lei persa para a província de Judéia e todos os judeus do império. Em outras palavras, o Pentateuco não seria outro senão o documento da autorização imperial persa. A teoria é certamente de grande interesse e conseguiu seduzir muitos exegetas. Encontramo-la, por exemplo, nas introduções de Blenkinsopp e Zenger . Não faltaram adversários, como você pode imaginar.

2. Avaliação da proposta

As questões que permanecem em aberto são inúmeras. Três pontos merecem uma importante atenção. Alguns autores contestam a existência de 'autorizações imperiais persas'. A documentação seria ambígua. O documento oficial era o Pentateuco ou outro documento legislativo? Quem fez o movimento decisivo para a formação do actual Pentateuco: foi a política persa ou as necessidades internas da comunidade que se reuniu em torno templo de Jerusalém?

- O problema da documentação

No que diz respeito à documentação, o Pe. Frei apoia-se em textos de diversas fontes: o texto básico é a inscrição trilíngue de Le-toon (Xantos, em Lieta); mais tarde, ele menciona a coleção de leis egípcias por Dario I; a carta da comunidade judaica de Elefantina, sobre a celebração da Páscoa; três textos bíblicos:

a) o 'decreto' de Artaxerxes em favor de Esdras (Esdras 7: 11-26),

b) a história de Daniel 6 (Daniel na cova dos leões) e o decreto do Est 8;

c) a inscrição de Sardi; um documento sobre um conflito de fronteira entre Mileto e Myus; alguns outros exemplos possíveis.

A discussão é longa e complexa. Os textos estão incompletos e a argumentação também se baseia no possível conteúdo das lacunas. A interpretação dos textos bíblicos não é fácil, especialmente em relação a Dan 6 ou Est 8, textos não históricos. Muitas vezes, o próprio Frei admite poder demonstrar apenas que a existência desta “autorização” é provável. Não chega a uma certeza devido à falta de documentos únicos. Depois de passar pela documentação e ouvir a opinião dos especialistas no assunto, algumas dúvidas permanecem. Todos os dados não concordam e existem algumas diferenças entre esses exemplos listados. Principalmente, pode-se dizer que o império persa reconhecia direitos particulares certas cidades ou regiões do império. Parece mais difícil encontrar argumentos suficientes para falar de uma política generalizada e unificada. Em vez disso, estamos lidando com casos particulares e cada caso deve ser analisado isoladamente.

Quanto à composição do Pentateuco, a teoria da autorização imperial Persa não é de importância primária. De facto, é certo que a reconstrução das paredes e do templo de Jerusalém não era possível sem a aprovação explícita do governo central da Pérsia.

Com toda a probabilidade, o actual Pentateuco nasceu nessas circunstâncias e, portanto, a tarefa de exegese é poder situar melhor o Pentateuco nesse quadro. Em termos concretos, é necessário investigar a ligação entre a composição do Pentateuco e a missão de Ezra. A interpretação de Esd 7: 12-26. Para dar um passo à frente, é preciso ler um texto do livro de Esdras que contém o documento mais importante sobre os direitos da comunidade pós-exílica de Jerusalém. As passagens mais relevantes da passagem são as seguintes (12):

«Artaxerxes, rei dos reis, a Esdras, sacerdote e escriba, versado na Lei do Deus do céu, saúde! 13Ordenei que deixassem partir contigo todos os do povo de Israel, os seus sacerdotes e os seus levitas, residentes no meu reino, que desejem ir a Jerusalém, 14*porque foste enviado pelo rei e os seus sete conselheiros para fazer uma inspecção em Judá e em Jerusalém e ver como está a ser observada a Lei do teu Deus, que tens nas tuas mãos. 15Levarás a prata e o ouro que o rei e os seus conselheiros ofereceram espontaneamente ao Deus de Israel, cuja morada está em Jerusalém. 16Além disso, levarás todo o ouro e prata que encontrares na província da Babilónia, com as ofertas voluntárias feitas generosamente pelo povo e pelos sacerdotes, para o templo de Deus em Jerusalém.

17*Por conseguinte, cuidarás de comprar, com esse dinheiro, novilhos, carneiros, cordeiros, as ofertas e as libações: oferecê-las-ás em Jerusalém sobre o altar do templo do vosso Deus. 18Com o resto do dinheiro e do ouro, farás o que te parecer melhor, a ti e aos teus irmãos, conforme a vontade do vosso Deus. 19*Os utensílios que te forem entregues para o serviço do templo do teu Deus depositá-los-ás diante do Deus de Jerusalém. 20Quanto às outras despesas necessárias para o templo do teu Deus, hás-de providenciar a elas por meio dos recursos que o tesouro real te fornecer. 21*Eu mesmo, o rei Artaxerxes, ordeno a todos os tesoureiros da outra margem do rio, que entreguem pontualmente a Esdras, sacerdote, escriba versado na Lei do Deus do céu, tudo o que ele solicitar, 22*até à soma de cem talentos de prata, cem coros de trigo, cem barris de vinho, cem barris de azeite, além de sal à discrição. 23Tudo o que prescreveu o Deus do céu para o seu templo seja observado a fim de que a cólera divina não se desencadeie sobre o nosso reino, sobre o rei e sobre os seus filhos.»  24*«Por fim, notificamo-vos de que não é permitido impor tributo nem imposto nem encargos sobre nenhum dos sacerdotes, levitas, cantores, porteiros, natineus e servos deste templo de Deus.

25*E tu, Esdras, segundo a sabedoria do teu Deus na qual és versado, estabelecerás juízes e magistrados para fazerem justiça a todo o povo da outra margem do rio e a todos aqueles que conhecem as leis do teu Deus; e hás-de ensiná-las aos que as ignoram. 26*Todo aquele que não observar a Lei do teu Deus e a lei do rei será castigado rigorosamente, ou com a morte, ou com o desterro, ou com uma multa ou, ao menos, com a prisão.».

Devemos observar algumas coisas neste 'decreto' do rei da Pérsia. Permissão para cada israelita para se estabelecer na Judéia. A lei de Moisés torna-se a lei do estado. Os direitos do templo de Jerusalém. A organização jurídica da Judéia está nas mãos de Esdras. O documento de Esd 7 fala de uma 'lei' que ele chama de 'lei do Deus do céu' (7:12); 'Lei do seu Deus' (Deus de Esdras; 7,14.25.26). No v. 26, a expressão “lei do rei'. Para alguns autores, teríamos aqui um dos argumentos mais fortes a favor da autorização imperial, pois a fórmula deve ser interpretada no sentido de uma identificação: ou «A lei de Deus, ou, a lei do rei». Neste caso, a lei de Deus que Esdras carrega consigo torna-se a lei real e tem a mesma força legal. Esta interpretação é apoiada por P Frei. Seu principal argumento é que o texto menciona apenas uma lei até o v. 26, a 'lei de Deus'. Quando aparece a expressão 'lei do rei', é normal, portanto, equiparar as duas expressões, se o texto quisesse introduzir uma distinção, fá-lo-ia de forma mais explícita. Para outros exegetas, no entanto, é necessário distinguir entre 'lei de Deus' e 'lei do rei'. Geralmente, esses exegetas afirmam que, ao lado da 'lei de Deus', que legislava sobretudo sobre o assunto religioso, o texto menciona a 'lei do rei' que tratava do direito civil. Em palavras simples, as duas 'leis' representam dois 'direitos', dois conjuntos de leis diferentes e, de acordo com o decreto do rei, a província do Além-Rio está sujeita a ambos. Existem alguns elementos que vão nessa direção. Por exemplo, o texto de 2 Cr 19:11 pode ser invocado como um texto que distingue entre os casos judiciais as causas que são da competência de JHWH, ou seja, tribunais religiosos, e aquelas que pertencem ao rei, ou seja, os tribunais civis. Essa segunda possibilidade, no entanto, não se enquadra bem no contexto. Na verdade, o que pode ser o significado da expressão 'lei' ou 'decreto do rei' (em aramaico: data 'dì malka'} em Esd 7.11-26? A solução mais simples é dizer que designa o decreto do rei entregue a Esdras e resumido em Esd 7: 11-26. O rei 'dá ordens' a Esdras (7:13) e aos tesoureiros Além Rio (7,21). Ezra também recebe ordens para organizar a administração do justiça (7.25) e, por fim, o rei prevê penas para quem não se submete à lei (7.26). Há, portanto, elementos suficientes no texto para fazer dele um 'decreto real' no qual o rei pede submeter-se à 'lei de Deus'. Esta nossa interpretação não está longe disso autorização imperial. No entanto, achamos que o significado jurídico da missão de Esdras e do decreto de Artaxerxes era limitado no espaço. As medidas eram válidas apenas para a cidade de Jerusalém e o território que dela dependia.

O Pentateuco e a 'lei do Deus do céu'.

Resta uma pergunta: é possível ver nesta «lei do Deus do céu» o nosso Pentateuco ou uma obra muito semelhante? Como mencionado, há alguns exegetas que não hesitam em identificar o documento de autorização imperial ou, mais simplesmente, a lei de Israel no período persa, com o nosso Pentateuco ou um de seus ancestral imediato. No entanto, esta hipótese se embate em algumas dificuldades.

Se admitirmos que a lei mencionada em Esd 7 é o Pentateuco, surge imediatamente primeira dificuldade jurídica. O Pentateuco contém muitas leis:

a) os três códigos principais, com outros menos importantes, por exemplo

b) o “decálogo cultual” de Ex 34 e

c) as leis do código sacerdotal em Ex 25-31.

Qual lei deveria ser aplicada? Para o governo persa, era necessária muita clareza para poder julgar em caso de conflito. Era necessário saber qual lei estava em vigor.

Uma segunda objecção vem do facto de que o Pentateuco contém muitos materiais narrativos que não têm peso jurídico em si mesmos. Por que desordenar um documento oficial com tantos elementos estranhos ao seu propósito principal? Não há exemplo análogo na documentação de autorização imperial de P. Frei.

Além disso, essas narrativas contêm vários elementos que podem causar alguma perplexidade na corte do rei da Pérsia. Por exemplo, as promessas de uma terra que vai do rio do Egito ao grande rio (Eufrate) (Gn 15,18) ou os contos da conquista da Transjordânia (Nm 21; 25; 31) não eram textos inofensivos. Embora nem todas as promessas patriarcais dessem à terra prometida dimensões tão generosas como a de Gn 15, esses textos podiam, no entanto, perturbar o poder que reivindicava este território como seu. E como os oficiais da corte real da Pérsia reagiram ou teriam reagido à leitura de capítulos como Dt 7 (Israel deve destruir completamente os povos que ocupam a terra), Dt 20 (as regras da guerra) ou o 'direito de o rei' (Dt 17, 14-20)? Que reação poderiam suscitar textos como Dt 26:19; 28.1, em que JHWH promete colocar Israel acima de todas as nações? Não é difícil imaginar e é mais provável que não fizessem parte da “lei” de Esdras, conhecida e aprovada pelo governo persa. Os oráculos de Balaam (Nm 22-24) nem sequer eram textos para serem lidos por um rei preocupado com a paz de seu império e a subjugação de seus súditos. Em suma, há boas razões para pensar que o documento era muito mais curto e mais unificado do que o actual Pentateuco.

Outra objeção: por que não temos uma cópia aramaica do Pentateuco para uso das autoridades persas? Temos apenas o texto, em aramaico, de Esd 7: 11-26 (16). Finalmente, de acordo com a hipótese de P. Frei, o Pentateuco tornou-se o documento oficial da autorização imperial e, portanto, 'lei' para todos os judeus do império persa. Como explicar, neste caso, a existência da comunidade judaica de Elefantina, no Egito, que manifestamente não observava a Torá em alguns pontos essenciais? Esta comunidade egípcia tinha, por exemplo, seu próprio templo e seu próprio culto. Além disso, a Judéia e o Egito estavam sob a autoridade do mesmo sátrapa que, portanto, deveria ter a lei respeitada pelos judeus em todo o território que lhe pertencia.

- Que lei foi aprovada pelas autoridades persas?

De que lei se tratava? A questão é complicada. O texto de Esdras, que não precisa ser completo, menciona apenas o dinheiro das ofertas do templo (7,15-16), os sacrifícios (7,17), a forma de encontrar o dinheiro necessário para as necessidades do santuário (7, 20 -22), isenção de impostos e taxas para seu pessoal (7:24) e organização da justiça no território da província de Além-Rio. O templo ocupa muito espaço neste decreto e, portanto, é natural pensar que a lei deveria tratar mais da organização do culto. Apenas a administração da justiça (7,25-26) não está explicitamente vinculada a ela. Por que não pensar em uma lei que regulasse acima de tudo o culto, como a legislação sacerdotal? Para a corte da Pérsia, tal legislação era amplamente suficiente. Esta é a opinião de K. Koch e temos boas razões para segui-la. O autor introduz uma distinção útil entre o actual complexo dos dois livros de Esdras e Neemias e o significado de Esdras 7: 11-26 como tal, ou seja, o decreto do rei Artaxerxes. Nos livros canônicos, as várias alusões aos mandamentos divinos referem-se, sem dúvida, à lei contida no Pentateuco. Se o fizermos, limitamo-nos ao decreto do rei Artaxerxes, no entanto, a coisa é menos clara. As alusões são todas, ou quase todas, a textos sacerdotais.

A distinção entre sacerdotes, levitas e leigos (Esd 7:13) é encontrada em Nm 1-10. A outra lista de escritórios, em Esd 7:24: sacerdotes, levitas, cantores, porteiros, oblatos e servos, não está presente no Pentateuco, mas nas Crônicas. A oferta voluntária (Esd 7,15-16) é uma expressão frequente nos textos sacerdotais, mas também nas leis de culto do Deut (12,6.7; 16,10; 23,24) (19).

Os animais a serem oferecidos: touros, carneiros, cordeiros (Ed 7:17), são os mencionados na legislação de Lv 1-7. Vinho, azeite e sal (7:22) fazem parte das ofertas em Lv 2. O vinho, o azeite e a farinha (7,22) para as libações reaparecem no mesmo contexto em Ex 29,40; Nm 15,4- 5,6-7,9-10; 28,4-7,12-14; 1 Cr 9:29, e estão ausentes das leis deuterônomicas. A organização jurídica de Esd 7.25 tem um correspondente em Dt 16.18 (20).

Em conclusão

O documento que surge após esta investigação é composto por uma série de regulamentos de culto de origem predominantemente sacerdotal. Não é exactamente sobre a Lei de santidade (Lv 17-26) ou de uma determinada legislação sacerdotal. Os textos mencionados se encontram agora em vários lugares no Pentateuco (Ex, Lv, Nm e Deut). Talvez fosse um 'Compêndio' ou coleção de leis essenciais para implementar o plano de Esdra e definir direitos e deveres da província do outro lado do rio.

A colecção continha apenas o necessário e, portanto, não poderia ser o Pentateuco, nem na sua forma actual nem de uma forma muito semelhante. No entanto, a elaboração deste 'compêndio' supõe a existência de alguns documentos - ou 'pergaminhos' - que continham várias leis ou colecções de leis, um material que um dia teria que entrar na composição do Pentateuco.

Não podemos entrar aqui nas questões muito complexas sobre a historicidade da narração de Esd 7 ou todos os problemas relacionados. Embora se assuma uma postura minimalista e se considere que o texto da Esd é, em parte ou totalmente, uma ficção, deve em qualquer caso corresponder à alguma realidade.

Por exemplo, a reconstrução dos muros e do templo de Jerusalém em uma província do império persa que controlava a passagem estratégica para o Egito, não poderia deixar de ter o aval do rei, o que significava um acto jurídico.

- Como nasceu o Pentateuco?

Se o actual Pentateuco não é o texto de uma autorização imperial persa, como explicar a sua formação? Achamos que sejam principalmente as necessidades internas da comunidade pós-exílica a explicar o facto. Quando a Judéia obteve relativa autonomia, especialmente na questão religiosa, tornou-se possível e mesmo necessário cimentar a unidade da comunidade em torno das suas novas instituições.

Portanto, a intervenção das autoridades persas criou uma situação favorável para a composição de um documento básico que delineava o ‘bilhete de identidade' da comunidade pós-exílica. No entanto o império persa não pretendia obter um único documento, fruto de um compromisso entre dois grupos, os sacerdotes e os anciãos. As verdadeiras razões que levaram à elaboração do Pentateuco se encontram em Israel, mais precisamente em Jerusalém e na província de Judá, na época das reformas de Esdras e Neemias (ou Neemias e Esdras). Uma razão fundamental apoia essa visão.

O objectivo principal do Pentateuco,

Para quem ele lê na íntegra, não se trata apenas de regular a vida de uma província do império persa. Mas se quer saber quais são as condições que permitam de pertencer a este povo. Essas condições são principalmente de dois tipos: laços de sangue e o 'contrato social'.

a) Os laços de sangue são estabelecidos pela genealogia e, portanto, pelo livro de Gênesis. Os descendentes de Abraão, Isaque e Jacó são membros de Israel.

b) O 'contrato social' é a aliança com tudo o que ela implica de direitos e deveres, sacrais e civis.

As motivações ad intra, portanto, prevalecem. Os textos, como mencionado acima, querem destacar as ligações com o passado. Portanto, existem três códigos que querem demonstrar a continuidade legal entre Israel pré-exilico e pós-exílico. Pela mesma razão, a legislação cultual e civil é colocada no passado de permanência no deserto. Em vez de se deixar assimilar ou querer se tornar uma qualquer província de um imenso império, o Israel pós-exílico quis salvaguardar sua identidade e a política persa lhe ofereceu a oportunidade de fazê-lo. Israel sobreviveu como uma comunidade de fé, unida principalmente por suas tradições e instituições religiosas, não como uma nação independente. Nesse contexto é que se explica o nascimento do Pentateuco.

B. A TEORIA DA COMUNIDADE DE CIDADÃOS RELACIONADA AO TEMPLO (BURGER-TEMPEL-GEMEINDE)

1. JOËL P. WEINBERG

Na década de 1970, um exegeta letão, J.P. Weinberg, propôs uma nova teoria sobre organização da comunidade pós-exílica de Jerusalém (25). De acordo com essa teoria, a comunidade pós-exílica de Jerusalém foi organizada em torno do templo. Os templos daquela época podiam ser o equivalente aos bancos e shopping centers de hoje. Eles gozavam de um estatuto oficial e reconhecido no império persa que lhes deu um status relativo de autonomia, especialmente no que diz respeito às finanças.

J.P. Weinberg ilustra sua teoria com exemplos da Ásia Menor, Babilônia e do Egito. J. Blenkinsopp retomou suas ideias e acrescentou outros exemplos. Algum factos falam a favor dessa hipótese. Na reforma de Esdras, o templo cumpre um papel de primeira ordem. O decreto de Artaxerxes, segundo a versão de Esd 7, contém algumas medidas financeiras que se enquadram na teoria: o templo recebe doações em ouro e prata (7,15-16) que são usadas para despesas culturais, especialmente para sacrifícios; o resto, no entanto, permanece à disposição de Esdras (7:18); os sacerdotes e o pessoal do santuário são isentos de impostos (7,24). Aqueles que não respeitam as regras da comunidade são 'excluídos', porém exemplo, no caso do casamento misto (Ed 10,8) (28).

A situação privilegiada de Jerusalém em relação à província de Judá poderia também explicar os conflitos que surgiram nesta época e dos quais alguns textos falam, também se de forma velada. O conflito entre o grupo góla e o 'povo do país' muitas vezes mencionado nos livros de Esdras e Neemias, pode ter se originado, em parte, na oposição do 'Povo do país' para a reconstrução do templo que deve necessariamente significar domínio econômico e político da região. Este centro estava nas mãos dos sacerdotes que regressavam de Babilônia.

Há, portanto, boas razões para pensar que a comunidade pós-exílica de Jerusalém possua um estatuto particular, com vantagens financeiras para todos os cidadãos que estivessem ao templo. Infelizmente, não há informações mais detalhadas que permitam descrever mais concretamente o estatuto desta comunidade e a sua organização interna.

2. O Bùrger-Tempel-Gemeinde e o Pentateuco

De qualquer forma, a teoria do Burger-Tempel-Gemeinde, ou comunidade de cidadãos agrupados ao redor do templo, está mais bem documentado que o da autorização imperial e tem maior concretude. O governo persa reconhece direitos e privilégios ao templo e à comunidade vive em conexão com ele. Este é o conteúdo da 'autorização' que concede um relativa autonomia local à província da Judéia. O decreto Esd 7 também apoia esta opinião porque em grande parte gira em torno da restauração e organização do culto no Templo de Jerusalém.

As duas versões do edito de Ciro (Ed 1,1-4; 2 Cr 26,22-23) também insistem em reconstrução do templo. Mesmo que o texto não seja 'histórico', permanece emblemático da mentalidade de momento. A leitura dos acontecimentos propostos por esses textos enfatiza a um elemento: depois do exílio, a comunidade de Israel reunida em torno do santuário de Jerusalém.

Portanto, é necessário buscar a origem do Pentateuco em sua forma atual, em Israel pós-exílico, na comunidade que se reuniu em torno do templo. Esta comunidade teve a seu 'lei', 'lei de Deus', que, de acordo com o decreto de Artaxerxes (Esd 7,12-26) foi aprovada oficialmente pelas autoridades persianas. O templo e a lei são as duas fundações de Israel pós-exílico. De acordo com esta hipótese, que é esta comunidade que é definida por Ex 19: 6 'nação santa' e 'povo sacerdotal', 'a prerrogativa de Deus.' A própria comunidade está consagrada pela aspersão do sangue no Ex 24: 3-8, quando ele promete para ver e ouvir a lei. Es 24,9-11, a 'visão de Deus' e a 'refeição' na presença da divindade e conclusão legitimar a autoridade dos sacerdotes e das pessoas idosas, os dois grupos que serão responsáveis pela comunidade.

Para os sacerdotes, e os anciãos, Moisés confiou a lei em Dt 31,9. São duas instituições que são quem sobreviveu ao exílio, e que eles tenham tomado a direção das operações para retornar para. O lugar central que ocupa a 'tenda' e o culto é explicado muito bem neste contexto. O pentateuco criou uma narrativa arco que une criação e tenda (Gn 1 e Es-40). De acordo com esta divisão de livros canônicos ou de rolos, é realizado em Ex 40 a primeira grande etapa da história do universo: o criador encontrou um lugar de habitação para a criação. Os livros de Gênesis e Êxodo descrever as várias etapas que levam a este objectivo. JAVÉ, o criador do universo, escolheu um povo, o assistente, e vem habitar no meio de ele (Ex 40: 34-35). Mais tarde, o SENHOR fala a partir deste lugar (Lv 1,1; Nm 1,1) e o acompanhamento durante suas viagens para a terra prometida (Es 40,36-38; Nm 9: 15 am-23; cf. Dt 31,14-15). Este 'segmento' da narrativa, que combina uma grande parte do Pentateuco, e destaca o aspecto que ele tinha que ter grande importância para a comunidade pós-exílica, porque a 'tenda' é o protótipo do templo.

Funções do Pentateuco

II Pentateuco também tinha duas funções dentro da comunidade pós-exilica. Primeiro, ele tinha que fornecer critérios para decidir quem pertencia à comunidade ou não. Segundo, tinha de estabelecer alguma clareza para o funcionamento dos órgãos de poder e posição respectivas dos diversos grupos que co-existiam neste período. As histórias do Gênesis e as genealogias definem a pertença do povo.

'Livros do legislativo' (Es - Dt), fornecem a base jurídica da comunidade. Um Israelita vai ser, portanto, um descendente de Abraão, de Isaque e de Jacó, de quem escuta e observa a lei de Moisés confiada aos sacerdotes e aos anciãos. Só isso é o cidadão da 'comunidade do templo' que pode tirar proveito dos privilégios concedidos pelo rei da Pérsia para o templo de Jerusalém e para a a província dalém do Rio. Você encontra as mesmas preocupações que os livros de Esdras e Neemias. As genealogias são muitos destes dois livros, como nas Crônicas (33). A insistência na pureza da comunidade é outra característica da comunidade pós-exílica: além da origem étnica, a observância certa regras de adoração pode decidir a participação da comunidade, por exemplo, o fato de que rejeitar a impureza do povo do país e, para comemorar a Páscoa (Esd 6,20-21). Por outro lado, aqueles que não observar as regras sobre casamentos mistos serão excluídos da comunidade (Esd O 10.8). Finalmente, os dois pilares da comunidade são o templo e a lei de Esd (3,1-13; 4,24 - 6,18; 8). Esta convergência entre as camadas recente do Pentateuco e algumas das faixas do Esd-Ne de mais peso a ideia de que o Pentateuco, o actual nasceu durante o período pós-exílico na comunidade que tinha sido reorganizada em torno do templo de Jerusalém.

Bibliografia

Crusemann, F. (2008). La torà. Teologia e storia sociale della legge nell1\ntico Testamento. Brescia: Paideia.

Blum, E. (1990). Studien zur Komposition des Pentateuch. Berlin,: De Gruyter.

Albertz, R. (1999). Historia de la religión de Israel en tiempos del Antiguo Testamento. Madrid: Trotta.

Blenkinsopp, J. (1996). Il Pentateuco. Brescia: Queriniana.

Zenger, E. (2011). Introduzione all’antico testamento. Brescia: Queriniana.

 

11ª Lição: 27 de Maio - Introdução aos cinco livros

Introdução aos cinco livros

O termo תּוֹרָה

A תּוֹרָה tem sido tradicionalmente recebida no sentido cristão no sentido de «lei» , encontrando-se assim oposta, das mais variadas formas, ao “evangelho” que essa oposição só foi possível deturpando a noção bíblica de tora. Na linguagem actual dos tempos do Antigo Testamento a palavra תּוֹרָה denota os conselhos e ensinamentos da mãe (Prov. r, 8; 6,2.0; cf. 3 r, 2.6) e do pai (Pv. 4,1 s.) Aos filhos para instruí-los sobre os assuntos da vida e adverti-los contra as armadilhas da morte, tanto quanto a história de solicitude amorosa da qual a palavra

Uso e conteudo

A palavra תּוֹרָה torna-se, portanto, pelo seu uso e conteúdo, um termo técnico que denota a formação dada pelo sacerdote ao profano. Mas não só: também denota as palavras do mestre de sabedoria (Prov. 7,2) ou do profeta (Is. 8, r6.2.0; 30,9) aos seus discípulos. o mais importante termo para indicar a única vontade de Deus, completa e fixada por escrito. O termo תּוֹרָה, portanto, abrange ambos os lados da única palavra de Deus. O que a linguagem da teologia sistemática separa em lei e evangelho, promessa e mandamento (e então muitas vezes opõe um ao outro) é, em vez disso, mantido unido no termo que denota a unidade da lei e do evangelho e, portanto, da unidade da palavra e da vontade de Deus.

 

Visão negativa Julius Wellhausen

Na história e na proclamação da igreja, uma das categorias bíblicas mais fundamentais se perde. Mas hoje  a visão exclusivamente negativa da lei do Antigo Testamento, que dominou por muito tempo, foi assim superada na sua raiz. Essa visão negativa foi expressa em sua forma mais efectiva por Julius Wellhausen que contrastou a antiga fé viva de Israel com a lei como uma forma petrificada do judaísmo, historicizando assim todos os julgamentos negativos sobre a lei e o judaísmo presentes no protestantismo e particularmente difundidos desde o Iluminismo em diante. Apesar de uma crítica radical a essa visão, até hoje ela ainda não desapareceu completamente. Entre os estudos do Antigo Testamento que demonstraram a ligação indissolúvel entre תּוֹרָה e aliança (בלית) de uma perspectiva histórica, o de Martin Noth sobre o leis do Pentateuco que datam de 1940.

 

Esquema evolucionistico

a) o esquema religioso evolutivo, no qual se baseia todo o sistema wellhauseniano, é inteiramente a priori. De facto, a etnologia moderna, graças sobretudo a P. W. Schmidt e sua escola, demonstrou irrefutavelmente que a religião de muitos primitivos apresenta formas de alto teísmo e que o politeísmo normalmente não representa o início da evolução religiosa, mas seu termo, seguindo uma degeneração da ideia primitiva de divindade. Além disso, a presença na história de Israel de quatro etapas religiosas espelha esquematismos evolucionistas:

1) religião pré-mosaica (a chamada "religião do deserto": animismo, fetichismo, totemismo e, imediatamente antes de Moisés, polidemonismo);

2) Religião mosaica (monolatria: adoração a Javé, o Deus de Israel, sem exclusão dos demais deuses);

3) religião profética (monoteísmo ético: adoração a Javé, o Deus único e universal, que exige a observância de leis morais);

4) religião pós-exílica (nomismo: preeminência do culto que leva progressivamente ao farisaísmo e ao desaparecimento da verdadeira religiosidade).

Basta observar que o próprio Oriente Próximo, na época de Moisés, apresenta apenas formas de religião politeísta, mas nenhum traço de animismo, fetichismo e totemismo; e que os estudiosos modernos reconhecem a Moisés o mérito de ter conhecido e anunciado a existência de um só Deus, como o criador invisível do universo. Também é fácil ver que o erro fundamental da escola de Wellhausen1

Embora admitindo que a religião de Israel sofreu uma profunda evolução ao longo de sua história milenar, é preciso concluir que não há antítese entre a religião patriarcal e a dos profetas e do período pós-exílico. A antítese, e verdadeiramente radical, é entre a religião dos patriarcas e a dos cananeus entre os quais viviam com seus descendentes. Dos Patriarcas à comunidade pós-exílica, o monoteismo ètico certamente evoluiu, mas sempre de forma linear e homogênea.

 

Reforma de Giosia

b) Não há elementos para provar que o livro da Lei, encontrado no tempo de Josias (Reis 22-23), abarcava apenas o Deuteronômio, e não outras partes do Pentateuco. O texto sagrado fala explicitamente da descoberta de um texto antigo, que é imediatamente reconhecido como antigo e autoritário (4 Reis 22, 8-13). Por sua vez, críticos não católicos, como G. von Rad, W. Eichrodt, E. Sellin e M. Noth, afirmam que o Deuteronômio foi composto muito antes de Josué e traçam o núcleo central da lei de Deuteronômio (cc. 12 - 26) até o tempo de Moisés e dos Juízes.

c) Actualmente ninguém pode argumentar que a lei judaica é posterior ao movimento profético. De facto, as descobertas arqueológicas nos levaram ao conhecimento de sete legislações do antigo Oriente Médio, muito anteriores aos profetas israelitas, que oferecem várias conexões com a lei de Israel, tanto que o estudioso é agora obrigado a admitir que a legislação civil e penal dos israelitas inspirou-se profundamente no direito consuetudinário do antigo Oriente, amplamente difundido e profundamente homogêneo. Portanto, a lei precedeu e não seguiu a profecia. Um desses textos é a estele de Hammurabi. O prólogo e o epílogo dos antigos repertórios jurídicos orientais indicam sua autoria régia : «(Estas são) as sentenças justas que Hammurapi, o bom rei, estabeleceu, pelas quais deu ao país costumes sólidos e boa governança»: Assim começa o conclusão do código de Hammurapi (CH 47.2.-8) .3 O rei repetidamente chama «minha estela»  os registros escritos da lei (CH 48.6 s.1 ou s.1 5 etc.). O facto de ele me dar o direito de escrever em tal medida faz parte do mandato e da função que os deuses lhe conferiram: da lei e da justiça do país2.

 

Teologia

A lei de Israel e a vontade do único Deus Na Torá trata-se da comunicação da única vontade do único Deus e criador de todos os homens a um povo, seu Israel. A תורה começa com a criação e a história das origens e nela há instruções certamente destinadas a todos os homens (espec. Gen. 9,1-7). Começando pelos patriarcas, porém, é um povo único, pois só por isso o pacto é válido e somente neste pacto a תורה tem seu lugar: no Sinai foi comunicada a Moisés por Israel e mesmo em suas normas, a história é repetida referido deste povo, especialmente o êxodo. Se, portanto, a תורה foi dada apenas a Israel e foi formulada especificamente para Israel,  certamente há nela espaço também para os ensinamentos de Deus para toda a humanidade por ele criada: a aliança e os mandamentos de Gn 9. são dirigidos à toda a humanidade após-Noé e o judaísmo extraiu deles o cânon dos sete mandamentos de Noé. É hora de que essas tradições sejam seriamente acolhidas e elaboradas também na teologia cristã, tanto mais que toda referência cristã à תורה sempre corre o risco de deserdar e defraudar Israel a causa do binómio lei-espírito.

Mas a תורה é a vontade eterna de Deus: é sustentada não só por Mateus, para quem "nem um iota ou um ápice da lei passará" (Mt 5, 1 7 ss.) E os discípulos de Jesus terão observá-lo completamente, mas também Paulo, 'para quem a תורה é «santa, justa e boa»  (Rom. 7,12.) e não é nem um pouco contradição com o evangelho que lhe foi confiado: pelo contrário, com o seu anúncio a תורה é finalmente confirmada (Rm 3,3 1) e torna-se possível a sua realização no amor (Rm I J, I O). Por outro lado, a fé no Deus de Israel não torna os pagãos judeus, e a observância da circuncisão que integraria os gentios ao povo judeu anularia até mesmo o Evangelho (carta aos Gálatas).

 

Gênesis

Em termos de conteúdo, Gênesis é claramente dividido em duas partes que abrangem cinco תוֹלְדוֹת cada: a pré-história bíblica (1, 1 - 11, 26) e a história dos patriarcas (11, 27 - 50, 26).

A) Primeira parte

A primeira parte ocorre em um horizonte universalista: toda a humanidade é objecto da providência divina. Após o prólogo, representado pelo Hexameron (1, 1-2, 4a), há cinco תוֹלְדוֹת

1) A história de Adão e Eva (2, 4b-4, 26) com a descrição de seu estado de inocência e de seu pecado;

2) A história dos adamitas (5, 1-6, 8) com a enumeração dos Setitas (5, 1-32), a descrição da corrupção universal (6, 1-4) e o propósito divino de destruir a humanidade ( 6, 5-8);

3) A história de Noé (6, 9-9, 29) caracterizada sobretudo pelo terrível evento do dilúvio;

4) A história dos descendentes de Noé (10, 1-11, 9) que inclui a mesa etnográfica (10, 1-32) e o episódio da torre de Babel, aqui está ligada à dispersão dos povos (11, 1-9); 5) A história dos semitas (11, 10-26) constituída por sua enumeração até Tara.

B) Segunda parte

A segunda parte apresenta a história dos patriarcas judeus em outros cinco תוֹלְדוֹת: 1) A história de Tare (11, 27-25, 11) que tem como episódios salientes a vocação de Abraão (12, 1-9), sua aliança com Deus (15, 1-21) e o sacrifício de Isaac (22, 1-19);

2) A história de Ismael (25, 12-18);

3) A história de Isaac (25, 19-35, 29) que narra principalmente a venda da primogenitura por Esaú (25, 29-34), o roubo da bênção paterna por Jacó (27, 1-29) e a casamento deste com as filhas de Labão no norte da Mesopotâmia (29, 1-35);

4) A história de Esaú (36, 1-43); 5) A história de Qiacobbe (37, 1-50, 26) que é praticamente a história de seu filho Joseph.

Camadas do Gêneseis

Os críticos que admitem a pluralidade de documentos ou tradições (são numerosos tanto no campo protestante quanto no católico) concordam em distinguir três camadas principais na formação do Gênesis: Yahwista, elohista e sacerdotal. Apenas alguns fragmentos erráticos resistem a qualquer tentativa de inseri-los nesse esquema tripartite.

 

A tradição javista

enucla a maior parte do Gênesis, com narrativas que se referem tanto à era pré-histórica quanto à era histórica ou patriarcal. É reconhecida com as seguintes características: gosto pela linguagem colorida e altamente imaginativa, de acordo com a mentalidade popular; abundância de antropomorfismos na descrição das relações de Deus com a humanidade, mas que sempre salvaguardam a noção de um Deus justo, providente e misericordioso; preocupação constante em fornecer explicações folclóricas de nomes pessoais e geográficos; preferência pela vida pastoral nômade. A redação definitiva dessa tradição deveria ter ocorrido na Judéia, nos primeiros anos da monarquia judaica.

 

A tradição eloísta

é mais fragmentária, pois começa apenas com a aliança de Deus com Abraão, negligenciando completamente a pré-história. Seu interesse é principalmente episódico, as descrições da divindade são menos antropomórficas do que na tradição javista. Para salvaguardar a transcendência divina, eliminam-se as teofanias; quando Deus se manifesta, ele o faz por meio de visões ou sonhos, ou por meio de anjos. Muitos críticos vêem aqui uma clara influência da pregação profética dos séculos IX-VIII. C., época à qual remonta a redação final da tradição elohísta.

 

A tradição sacerdotal (P)

teria conferido ao Pentateuco a divisão da vida religiosa do mundo em quatro eras (a da criação, de Noé, de Abraão e de Moisés), em conformidade com as quatro alianças de Deus com a humanidade ou com o povo eleito. Destes quatro períodos, três são descritos em Gênesis. A tradição sacerdotal tem um estilo seco, abstracto e estereotipado; prefere genealogias e datas cronológicas; designa a divindade, da qual ele enfatiza fortemente a transcendência, com os nomes de

a) Elohim (antes dos patriarcas),

b) El-Shadday (na história patriarcal) e

c) Yahweh (nas relações com Israel).

Seu rascunho final é atribuído à era do exílio babilônico.

 

Valor histórico  do Gênesis

 Os primeiros onze capítulos do Gênesis, relativos à pré-história, pertencem a um gênero literário histórico que não é igualado pelos historiadores antigos e, muito menos, pelos modernos. Por isso, não pode ser julgado à luz dos gêneros literários gregos ou modernos. No entanto, não podem ser confinados ao âmbito da lenda ou do mito, pois referem-se a episódios que estão na base das religiões judaica e cristã. Com a história de Abraão e dos outros patriarcas entramos no sólido campo da história. Todas as tentativas feitas no passado para reduzir ou mesmo anular a historicidade desta história falharam miseravelmente, graças à enorme contribuição da arqueologia oriental. Embora até agora faltem informações directas sobre os acontecimentos patriarcais, estes só podem ser perfeitamente enquadrados na história oriental do segundo milénio e estão de acordo com os costumes sociais e jurídicos da época.

 

A história de José

À luz da egiptologia, a história de José (Gen. 37-50) é apresentada com tal moldura e cores egípcias, bem informada sobre as instituições egípcias. Por outro lado, apesar da tendência, característica da ficção popular e encontrada em alguns episódios do Gênesis, de adaptar elementos históricos a esquemas convencionais, os personagens deste livro são tão vivos, reais, humanos e pintados com tanta imparcialidade que não pois nada autorizado a negar sua objectividade e historicidade.

Doutrina religiosa do Gênesis

 Os ensinamentos religiosos de todo o livro, que formam a base das religiões judaica e cristã podem ser assim resumidos:

1) Há apenas um Deus que criou todas as coisas, operando em conformidade com seus atributos de omnipotência, sabedoria, justiça, santidade e verdade.

2) Este Deus não se limitou a criar o homem, mas fez dele objecto de uma providência particular, colocando-o no "paraíso terrestre" e dando-lhe um companheiro semelhante em tudo a ele.

3) Tendo-o criado livre, Deus submeteu o homem a uma prova para experimentar a sua fidelidade e obediência.

4) Depois da queda, o homem não foi abandonado a si mesmo: com um oráculo deslumbrante, Deus lhe garantiu a reabilitação e o triunfo definitivo sobre o instigador do mal.

5) Mais tarde, a humanidade pecadora foi punida com o dilúvio, mas Deus reservou uma família de justos para cumprir sua promessa de salvação. A aliança feita com Noé é a garantia dada a toda a humanidade de que Deus não a abandonaria.

6) Esses desígnios salvíficos de Deus concretizaram-se na bênção de Sem e, sobretudo, na eleição de Abraão como pai de uma descendência na qual todos os povos seriam abençoados.

7) Relações particularmente mínimas surgem entre Deus e a humanidade através dos patriarcas judeus, que são os fundadores daquele povo que teve que transmitir as promessas divinas até os tempos messiânicos.

8) O Deus dos patriarcas continua sendo justo e misericordioso: pune Sodoma por suas aberrações morais, mas mostra-se disposto a perdoar a cidade amaldiçoada com a condição de que nela se encontrem apenas cinco justos.

9) Esse Deus também domina os outros povos, sempre pronto para punir as más ações e recompensar as boas. Nos patriarcas admiramos a fé inabalável nas promessas de Deus, a obediência cega às suas ordens (por exemplo, o sacrifício de Isaac), a gratidão pelos benefícios recebidos e um amplo senso de compreensão para com os outros. No entanto, sua vida também apresenta alguns aspectos que, à primeira vista, ofendem nossa sensibilidade cristã: basta lembrar a prática da poligamia que é muito difundida entre eles. No entanto, não devemos ficar desconcertados, pois a revelação, que Deus lhes comunicou e foi a norma de sua vida, não foi perfeita desde o início. Em vista de sua grosseria, Deus adoptou a táctica que todo bom mestre usa com seus jovens discípulos, aos quais propõe as verdades mais elementares antes de introduzi-los no conhecimento das doutrinas superiores. Sem esse dispositivo pedagógico, a formação moral dos patriarcas e dos israelitas, seus descendentes, talvez estivesse fadada ao fracasso, pois a experiência ensina que uma lei muito difícil permanece letra morta quando nem sequer se torna contraproducente.

 

Êxodo

Da história das famílias patriarcais (Gen. 12-50) passamos, com o Êxodo, à do povo de Israel. Este livro, no entanto, não retoma a história no ponto em que o Gênesis termina, mas remonta a um período mais recente e a um estado de coisas diferente. Além disso, o palco inicial dos eventos é sempre o Egipto: aqui os judeus são submetidos a trabalho duro, Moisés, o futuro libertador, nasce aqui e permanece lá até sua fuga para Midiã. A permanência nesta região é apresentada de forma muito sucinta, pois todo o interesse do narrador vai para a eleição do futuro líder, seu retorno ao Egipto e o trabalho realizado na corte em favor do conturbado povo judeu. A saída desse povo do Egipto, sob a liderança de Moisés, e os primeiros dias da marcha forçada da península sinaítica até o Sinai, são narrados de forma quase duma crônica. A majestosa teofania acontece no Sinai, a aliança entre o Deus revelador e o povo libertado é sancionada, as leis para a organização civil, social e religiosa do povo e para a organização do culto oficial são dadas. O centro para o qual convergem decisivamente as partes narrativa e legislativa do Êxodo e para o qual retornam constantemente é a pessoa e a actividade de Moisés. E isso porque sua idade é aquela em que Israel foi constituído e se tornou um povo; através dele a aliança foi sancionada e a primeira legislação dada ao povo. Moisés foi o primeiro legislador e organizador de Israel.

 

Valor histórico do Êxodo

Mais do que os outros livros do Pentateuco, o Êxodo se apresenta como uma história religiosa de carácter popular e épico; portanto, não devemos nos surpreender que os episódios individuais tenham sido um pouco "idealizados". muitas vezes o autor desconsidera causas secundárias para atribuir a Deus a responsabilidade directa de todos os acontecimentos. Esse expediente literário lhe permite destacar a obra providencial de Deus na libertação e constituição do povo eleito. Devemos também admitir que os milagres não são produzidos em série, por um período de 40 anos. No entanto, não podemos explicar adequadamente a libertação do Egipto e a permanência no deserto sem admitir intervenções sobrenaturais e milagrosas de Deus. E, em geral, as histórias sobre a permanência dos israelitas na terra de os faraós encontram sua confirmação nos documentos extra-bíblicos. As dez pragas são fenómenos que se repetem periodicamente no Egipto. O aspecto milagroso é constituído pela forma como foram produzidos, sob o comando de Moisés. O mesmo vale para o maná e as codornizes. A Arca da Aliança encontra seu paralelo nas arcas que os sacerdotes egípcios carregavam solenemente em procissão. A viagem pelo deserto do Sinai parece provável, porque se destinava a forjar a consciência nacional e religiosa do novo povo; por outro lado, a estrada que levava à Palestina, passando pelo Mediterrâneo, estava bloqueada por inúmeras fortalezas egípcias, difíceis de conquistar pelos israelitas. Para escapar do controle militar egípcio, Moisés não teve outro caminho senão a estepe do Sinai, que ele conhecia muito bem porque ali passara parte de sua vida.

 

Doutrina religiosa do Êxodo

Antes da vinda de Cristo, poucos acontecimentos tiveram uma influência tão vasta e profunda na história da humanidade como a saída aparentemente insignificante de um grupo de escravos do Egipto. Isso não se deve à história do Êxodo como tal, mas aos altíssimos valores religiosos que permeiam toda a narrativa, constituem, por assim dizer, sua alma e revelam seu significado. É somente para eles que a história do Êxodo está indelevelmente gravada na alma de cada israelita e ainda está viva na consciência cristã. Aqui, em suma, estes ensinamentos:

1) O tema fundamental do Êxodo é a aliança sinaítica entre o único Deus e Israel: todos os eventos anteriores são orientados para ela e todas as disposições legais e culturais seguintes 

2) O Deus desta aliança, que se chama Yahweh, mostra-se tão zeloso que não tolera que seus adoradores associem os ídolos de outros povos em seu culto. Ao contrário dos deuses pagãos que exercem seu poder sobre um território específico, Ele é um Deus que domina todos os povos da terra: de fato, ele segura Faraó na mão e pune inexoravelmente o Egipto com terríveis pragas. Na qualidade de Senhor do universo, ele guia Israel pelo deserto e o introduz na terra de Canaã, depois de expulsar as populações de lá.

3) Este Deus Todo-Poderoso e Senhor de toda a terra é Providência especialmente para com o povo eleito. Os milagres ocorridos no Egipto, no momento da saída dos israelitas e durante sua permanência no deserto, são uma prova clara dessa providência divina sobre Israel.

4) Embora se manifeste familiarmente ao povo eleito, permanece o "Santo", isto é, o inacessível e o transcendente. Em virtude desta "santidade", que pressupõe uma separação rigorosa de tudo o que é profano, todo o povo eleito deve ser "santo". A tarefa de "santificar" o povo pertence a Moisés. Esta "santidade" é exigida sobretudo dos sacerdotes quando têm de entrar no divino Tabernáculo.

5) O Deus da aliança tem um caráter moral marcante, porque exerce seu domínio com sabedoria e justiça, promete sua proteção aos israelitas que observam seus mandamentos e ameaça punições aos que os transgridem. No Decálogo e no código da aliança são prescritas leis que visam proteger os direitos dos outros, especialmente os fracos.

6) Em virtude da Aliança Sinaítica, Israel é "adoptado" como povo "primogénito", torna-se propriedade de Deus e "reino sacerdotal". Todo o povo está revestido de carácter sacerdotal porque deve zelar pela honra de Deus, como os verdadeiros sacerdotes do santuário.

7) O símbolo da presença sensível de Deus é "a tenda da congregação" na qual se encontra a Arca da Aliança com as cláusulas da aliança solene: as tábuas da Lei. O sacerdócio levítico é organizado em torno deste santuário. A Arca da Aliança torna-se o paládio de Israel, que a acompanha na luta. Por causa desse rico tema teológico, o Êxodo teve grande influência em todas as gerações futuras. De fato, o evento do Êxodo foi retomado e aprofundado pelos profetas, salmistas e sapienciais do Antigo Testamento, de modo que bem podemos afirmar que o livro do Êxodo ocupa no Antigo Testamento o lugar que o Novo Testamento tem os Evangelhos . No entanto, caberá ao Novo Testamento aproveitar ao máximo o significado histórico-religioso do Êxodo e manifestar seu valor permanente e atual para os cristãos. De facto, São Paulo (1 Cor. 10, 1-13; 5, 7) viu um tipo de Baptismo na passagem do Mar Vermelho; na errância do deserto um tipo de nossa vida aqui na terra; no maná e na água, milagrosamente jorrados da rocha, um tipo de Eucaristia; na vítima pascal um tipo de Jesus Cristo que se imolou na Cruz. São João usa os fatos do Êxodo como contraponto ao seu Evangelho: em particular, ele insiste em comparar Jesus legislador com Moisés (1, 17) e Jesus, que morreu na cruz, com o cordeiro pascal (19, 36- 37). A carta aos Hebreus desenvolve, com particular empenho, a relação entre Moisés e Jesus, entre o povo judeu no deserto e o povo cristão, entre o sacerdócio e o culto em mosaico e o cristão, entre a aliança sinaítica e cristã, para destacar a superioridade das instituições cristâs sobre aquelas mosaicas. Os Evangelhos Sinópticos falam do êxodo de Jesus (Mt 2, 13-15) e do retiro de Jesus no deserto por 40 dias, certamente imitando os quarenta anos de permanência do povo israelita no deserto do Sinai. A importância deste livro será ainda mais evidente se refletirmos que o Decálogo ainda é válido e fundamental para todos os cristãos e os princípios de justiça e caridade, incutidos no código da Aliança, são sempre um compromisso social para os cristãos, tão logo à medida que são aprofundadas à luz do Novo Testamento.

Levítico

Este terceiro livro do Pentateuco está claramente ligado ao do Êxodo. A aliança entre Yahweh e Israel e a promulgação de leis civis e religiosas são agora um fato consumado. Agora é necessário regular o bom funcionamento do culto. Aqui está a tarefa de Levítico que contém, de fato, as regras para o culto ordinário e extraordinário, as normas relativas à classe sacerdotal e ao povo em suas relações com os sacerdotes, a comunidade e o templo.

 

Sumário do Levítico

 Com excepção das duas passagens históricas (8-10; 24, 10-23), Levítico é composto inteiramente de leis destinadas à santificação dos indivíduos e da nação, a fim de realizar a vontade de Deus : "sereis para mim um reino de sacerdotes, povo santo" (Ex. 19, 6). O livro pode ser dividido em cinco partes:

1) Leis sobre os sacrifícios (1-7). Cinco tipos de sacrifícios são descritos (1-5): holocausto, oferta de vegetais, sacrifício pacífico ou de comunhão, sacrifício expiatório e sacrifício de multa. Seguem-se os direitos e deveres dos sacerdotes nas espécies individuais de sacrifícios (6-7).

2) Ritos de consagração dos sacerdotes (8-10). Depois de descrever a consagração sacerdotal de Aarão e seus filhos e seus primeiros sacrifícios, o livro narra o castigo de Nadabe e Abiú, que usurparam um ofício sagrado (10, 1-7), e apresenta várias disposições a respeito sacerdotes (10, 8-20).

3) Leis para purificação legal (11-16). As leis dizem respeito à alimentação, puérpera, lepra de pessoas (13, 1-46; 14, 1-32), roupas (13, 47-59) e casas (14, 33-57), sujeira sexual. O rito do dia solene da expiação é descrito em detalhes.

4) Leis de santidade (17-23). O primeiro grupo é destinado ao povo (17-20): matança de animais, uso de sangue, unidade do santuário, pecados de natureza sexual, castigos aos transgressores. O segundo grupo de leis diz respeito aos padres (20-22): casamento e luto, irregularidades, impureza cerimonial, qualidade das vítimas. Por fim, o terceiro grupo trata dos feriados, ou seja, das solenidades anuais e dos sábados.

5) Várias prescrições (24-27). Referem-se às lâmpadas do santuário e aos pães da apresentação (24, 1-9), os blasfemos (24, 10-23), o ano sabático e o jubileu (25), a observância da lei (26), a votos e dízimos (27).

Aspecto literário do Levítico

A crítica independente à inspiração de Wellhausen nega à legislação levítica qualquer origem mosaica. Seria obra de uma escola sacerdotal influenciada pelo profeta Ezequiel na época do exílio babilônico. Os críticos católicos, por outro lado, tentam manter a autenticidade mosaica da escrita, de acordo com as afirmações da tradição judaico-cristã, mas não concordam em determinar o grau dessa autenticidade. Aliás, ainda hoje não faltam aqueles que também atribuem a Moisés a edição da obra. Outros, por outro lado (a maioria dos autores modernos) limitam-se a falar de autenticidade substancial, pois remontam os principais elementos do livro em questão na época dominado pela figura de Moisés, mas também admitem uma reformulação e posterior atualização. Os católicos que aceitam a teoria documental concordam em atribuir todo o livro (excepto alguns versos) à tradição sacerdotal, escrita durante o exílio e também depois dele. O Prof. H. Cazelles, do Instituto Católico de Paris, resume a questão da seguinte forma: «O autor reuniu muitos textos antigos que se contentou em completar, por exemplo, sobrepondo um antigo ritual de purificação a uma nova liturgia, inspirada por um conceito muito elaborado de pecado contra a lei. Essa síntese é mosaico em seu fundo religioso no entanto, seria difícil atribuir a redacção a Moisés. Supõe um amplo contacto com os cananeus e uma sedentarização prolongada que fez das festas agrícolas a base do ciclo litúrgico. A civilização é urbana de muitas maneiras. O material cultual nele incluído não corresponde ao que os livros históricos e proféticos que precederam Ezequiel nos informam».

 Para melhor avaliar a atitude da crítica moderna, são apropriados os esclarecimentos do Prof. L. Moraldi: «É geralmente consensual atribuir a actual redacção do livro ao período de exílio e pós-exílio; mas ainda concorda em sublinhar: que talvez nenhuma das tradições aqui consista em que o Pentateuco tenha material tão antigo quanto o nosso; que "pré-exílio ou pós-exílio" não é uma alternativa absoluta, pois cada livro e cada um de seus suplementos possuem material muito antigo e até pré-mosaico; que, mais do que em qualquer outra tradição, é preciso ter em mente a distinção entre o assunto apresentado e a forma literária: se esta geralmente é relativamente recente, é antiga... antiguidade do material e com a actualização contínua indispensável para o ritual mais do que para qualquer outra lei, que é o mesmo espírito que permeia toda a tradição sacerdotal, que as diferenças de ênfase e as diferentes nuances, se tiverem significado cronológico, pertencem sempre ao mesmo círculo sacerdotal e se inspiram no mesmo grande critério teológico-doutrinário».

Doutrina religiosa do Levítico

Críticos independentes assumiram que a legislação levítica representa um estágio religioso inferior à mensagem profética. Com efeito, aqui os elementos éticos do ensinamento profético teriam sido substituídos por um formalismo ritualístico que conduziria inevitavelmente às concepções farisaicas do tempo de Jesus. Nada poderia ser mais falso. A insistência de Levítico nos deveres religiosos deve-se unicamente ao facto de que o livro se destinava principalmente a ministros de culto. No entanto, pressupõe a exposição de verdades religiosas e éticas feitas em livros anteriores, como, por exemplo, em Deuteronômio, Toda legislação levítica é baseada na santidade de Yahweh. Exige essa qualidade em todos aqueles que se aproximam dele, principalmente no Povo israelita: "Sede santos porque eu, Javé vosso Deus, sou santo" (Lv. 19, 2; 20, 7,26; 21, 8). Na qualidade de povo consagrado a Deus, Israel não podia se comportar como as outras nações (Lv 20, 24.26), mas era obrigado a santificar-se pela observância dos preceitos divinos. Esta obrigação recaiu sobretudo sobre os sacerdotes, destinados a viver num ambiente de santidade ritual e moral. Ainda que algumas vezes as prescrições levíticas se refiram a um direito consuetudinário anterior a Moisés, como a distinção entre animais puros e impuros, todavia, o legislador lhes confere um novo sentido religioso, de acordo com a mentalidade de seu tempo. O autor pretende criar em Israel a consciência de uma nação sacerdotal: só assim o povo escolhido evitaria a mistura com os pagãos, arriscando-se a perder a missão histórica que lhe foi atribuída pela providência divina. No Levítico, porém, encontram-se também prescrições de natureza distintamente moral:

A) deveres para com o próximo, proibição de mentir, roubar e fraudar (Lv 19, 35.11.36).

B) O respeito pelos pais (19, 3), pelos idosos (19, 32), pelos enfermos (19, 14) é inculcado.

c) Há também um convite para mostrar bondade ao estrangeiro como se fosse um israelita (19, 33-34). Este código moral, digno da melhor tradição profética e deuteronômica, é suficiente para dissipar a acusação de nomismo formalista exclusivo lançada contra a legislação levítica. Mesmo os sacrifícios levíticos estão impregnados de um espírito religioso: para os israelitas, como para os semitas em geral, eles constituem o melhor meio de expressar os sentimentos de adoração, de gratidão pelos benefícios recebidos, de expiação e súplica. Para o autor de Levítico, os sacrifícios devem ser fonte de vida religiosa e moral para o povo. Infelizmente, ocorreu depois uma degeneração, pela qual os ofertantes se limitarão a realizar ações cúlticas completamente dissociadas do espírito interior e da conduta moral pessoal. Mas a voz condenatória da profecia se levantará contra este formalismo: "Porque Eu quero a misericórdia e não os sacrifícios," (Os 6, 6). Aqui estamos obviamente lidando com aqueles sacrifícios que se tornaram uma mera caricatura do verdadeiro sacrifício de culto. No passado, Levítico não era muito lido nem muito comentado. Isso é uma pena porque Jesus, Nossa Senhora e os Apóstolos seguiram as prescrições levíticas. A própria Igreja tirou muito deste livro: vários elementos na consagração dos sacerdotes, o altar e os vasos sagrados, o santuário, a bênção da mãe, a oferta das primícias e dízimos, a lâmpada diante do Santíssimo Sacramento, etc. . . Aqui temos a confirmação de que o livro em questão tem um significado religioso e um valor doutrinário válido para todas as épocas.

Números

O título não dá uma ideia adequada de todo o livro, pois os censos das tribos ocupam apenas alguns capítulos. Muito mais significativo aparece em vez do título das actuais Bíblias hebraicas "No deserto". De fato, o livro descreve a viagem do Sinai a Cades e desta região, onde os israelitas permaneceram 38 anos, até as estepes de Moabe, de frente para a Terra Prometida.

 

Sumário do livro dos Números

 Não é fácil estabelecer uma divisão clara do livro, pois os factos e as leis que o compõem estão frequentemente entrelaçados. No entanto, as indicações topográficas e cronológicas permitem dividi-lo em três seções:

1) Ao Sinai por vinte dias (1, 1-10, 10). Após o censo das tribos e a atribuição de seu lugar no acampamento, Moisés cuida do destino e do censo dos levitas, de sua divisão em famílias e cargos. Às leis precedentes são acrescentadas outras relativas à impureza, à restituição, ao ciúme, ao nazireu e à bênção litúrgica (5-6). Os últimos acontecimentos no Sinai são: as doações que alguns chefes tribais fazem ao santuário, a consagração dos levitas, a celebração da segunda Páscoa (9, 1-14), a fabricação dos dois trombetas (10, 1-10). Os sinais de partida e parada são fornecidos por uma nuvem, que à noite assume a aparência de um incêndio (9, 15-23). , 36

2) Viagem pelo deserto por 38 anos (10, 11-21, 35). Primeiro descreve-se a viagem do Sinai a Cades: partida e ordem de marcha (10, 11-36), murmuração do povo e codornizes (11), lepra de Maria, irmã de Moisés (12). Vários episódios referem-se à longa permanência de Cades: o envio dos 12 exploradores (13); as reclamações do povo (14); as leis sobre as oblações e as primícias, o sábado e as franjas (15); a sedição de Corá, Datã e Abirão, severamente punidos (16); a confirmação do sacerdócio à família de Arão (17). Aqui se regulam as relações entre sacerdotes e levitas, e se estabelecem os emolumentos que lhes são devidos (18). Para eliminar alguns tipos de lixo, principalmente o contraído pelo contato com um cadáver, Moisés manda preparar a água lustral com determinado rito (19). Também em Cadfes ocorre outra sedição por falta de água (20, 1-13). Depois de deixar Cades, os edomitas negam aos israelitas a passagem por seu país (20, 14-21); Arão morre (20, 22-29). O povo, cansado da longa peregrinação, reclama e Deus o castiga severamente, mas, ao mesmo tempo, assegura a salvação àqueles que demonstraram sua fé olhando para a serpente de bronze (21, 1-9). Seguem-se as vitórias sobre os amorreus e a conquista de Basã (21, 10-35).

3) Nas margens orientais do Jordão por cerca de 5 meses (22-36). Nesta seção, alternam-se episódios e disposições de leis, especialmente em vista da iminente conquista da Terra Prometida. Em primeiro lugar, os últimos contatos com os povos da Transjordânia: Balaão e seus vaticínios (22-24); prostituição em Baal-Peor (25); a guerra contra os midianitas e as leis relativas à presa (31); a lista das etapas abrangidas (33). As leis dizem respeito à herança (27, 1-11), festas e sacrifícios (28-29), votos (30). Na iminência da conquista, realiza-se um segundo censo (26); Josué é nomeado líder de Israel (27, 12-23). A Transjordânia está dividida entre as tribos de Ruben, Gad e Manasse (32). As regras para a ocupação e distribuição da Cisjordânia são dadas (33, 50-34, 12), as cidades levíticas e as cidades de refúgio são designadas (35) e são tomadas medidas para evitar que a distribuição primitiva seja alterada (36) .

 

Aspecto Literário

As referências geográficas conferem inquestionavelmente uma certa unidade ao livro, pois permitem enquadrar os episódios e as leis. No entanto, os críticos 37 concordam em negar a unidade literária da obra. Na verdade as histórias e as leis são desprovidas de vínculos, os fatos são relatados sem contornos geográficos, de modo que às vezes é difícil estabelecer a prioridade entre eles; depois há narrativas ou legislações paralelas, diferentes apenas nos detalhes, e também várias relações do mesmo fato que diferem consideravelmente umas das outras. Tudo isso sugere que o editor final utilizou vários documentos na redação do trabalho. A crítica moderna, fiel à teoria documental, atribui 3/4 do livro ao documento e à tradição sacerdotal. Lb. 'primeira parte (1, 1-10, 10) é comummente atribuída a esta tradição; na segunda parte (10, 11-21, 35) intervêm os documentos jahvista, elohísta e sacerdotal (1); na terceira parte (22, 1-36, 13) predomina a tradição sacerdotal (2). Assumindo esta composição, deparamo-nos com diferentes tradições que vão desde a época do deserto até à época de Esdras. Os críticos católicos, que seguem essa teoria, admitem um núcleo histórico-legislativo primitivo da época mosaica que teria sofrido mudanças e acréscimos na época da monarquia e mesmo após o exílio. § 20 - Valor histórico Não podemos negar que o número de israelitas e algumas vertentes de sua organização foram um pouco idealizados. Portanto, a isenção do evento reflete a era do deserto e a geografia da estepe. O fato de Moisés ter registrado por escrito as etapas individuais de sua jornada pode sugerir como as memórias desse período foram preservadas. Os vários incidentes do deserto, devido à impaciência do povo e sua nostalgia pelos produtos do Egito, se encaixam bem na era mosaica. A dura luta que Moisés teve que travar contra o povo torna-se perfeitamente plausível se pensarmos que a responsabilidade pela marcha no deserto recai inteiramente sobre os ombros do líder israelita.

 

Doutrina religiosa

Na impossibilidade de resumir todas as idéias religiosas do livro, detemo-nos em dois pontos de fundamental importância: o monoteísmo e o culto.

a) Monoteísmo.

Javé é o Senhor que guia Israel e castiga seus inimigos. A vitória sobre os reis amorreus é prova da proteção divina sobre seu povo. Os oráculos de Balaão provam que Yahweh estende seu domínio sobre os gentios também. Este Deus é santo: portanto, o acampamento dos israelitas deve ser convenientemente dividido para que, ao lado do tabernáculo, haja apenas os sacerdotes e os levitas; por sua vez, o povo deve observar escrupulosamente as leis da pureza para entrar em relação com a divindade.

 

b) O culto está no centro dos interesses do livro.

Estão listados os privilégios da classe sacerdotal, composta de sacerdotes e levitas; vários sacrifícios são enumerados, incluindo o diário, que não é mencionado em Levítico. Somente este livro lembra a festa da "lua nova" (Nm 28, 11-15) e a oferta de farinha e azeite nos sacrifícios (Nm 15, 1-16). A primeira reflecte a vida nômade do deserto e a segunda encontra sua confirmação na Babilônia. Este fato nos obriga mais uma vez a reconhecer que a legislação mosaica não é uma criação completamente original, mas, muitas vezes, uma adaptação de ritos ancestrais das tribos.

Deuteronômio

O nome deste livro é uma simples transliteração italiana do grego Deuteronomon que significa "segunda lei". Deve sua origem a uma interpretação errônea da expressão hebraica misnëh fiottorãh hazzôt (Dt 17, 18): em vez de "cópia desta lei", a versão grega da Septuaginta traduziu "este deuteronômio". No entanto, o título acaba por ser perfeitamente adequado porque o livro contém, de facto, uma segunda legislação que repete em grande medida a primeira lei, contida nos livros anteriores do Pentateuco.

 

Sumário do Deuteronômio

O livro é composto de discursos dirigidos por Moisés aos israelitas às vésperas de sua morte: neles alternam-se invectivas com estímulos e convites à observância da Lei e, em particular, dos grandes princípios morais.

1) O primeiro discurso (1, 1-4, 40) faz um olhar retrospectivo sobre os eventos que ocorreram desde a saída do Sinai até as conquistas transjordanianas, a fim de sublinhar a fidelidade de. Deus às suas promessas e inculcar a fiel observância da Lei.

2) O segundo discurso (4, 41-26, 19) constitui a parte central do livro. Em primeiro lugar, são propostos os princípios gerais: o Decálogo (5), o culto e o amor ao único Deus (6), a guerra contra a idolatria (7). São então enumeradas as muitas infidelidades 40 de Israel (8-11). Seguem as leis especiais sobre religião: unidade do santuário (12, 1-28), contra a apostasia (12, 29-13, 19), pensão alimentícia e dízimos (14), ano de remissão (15), as três grandes solenidades anuais (16, 1-17). Depois vêm as leis relativas ao direito público: as disposições para juízes (16, 18-17, 13), reis (17, 14-20), sacerdotes (18, 1-8), profetas (18, 9 -22), homicídio involuntário (19), guerra (20), homicídio sem confesso (21, 1-9). Finalmente, existem várias leis relativas ao direito de família e direito privado: entre elas as sobre casamento (21, 10-14; 22, 13-23, 1), filhos (21, 15-21), divórcio (24, 1-4) , levirato (25, 5-10), deveres da humanidade (22, 1-12; 23, 16-21; 24, 6-25, 4), votos (23, 22-24), primícias e dízimos ( 26 ).

3) O terceiro discurso (27, 1-28, 68) contém a ordem de promulgar a lei em Siquém, logo que os israelitas tivessem entrado em Canaã, com maldições aos transgressores, ameaças e promessas.

4) O quarto discurso (28, 69-30, 20) renova a exortação à observância da Lei, lembrando fatos históricos, promessas e ameaças.

5) O apêndice histórico (31-34) apresenta os últimos acontecimentos de Moisés: a eleição de Josué como seu sucessor (31), o cântico de Moisés (32), a bênção das doze tribos (33) e a morte de Moisés (34).

 

Aspecto literário Deuteronômio

não se limita a enumerar, de maneira fria e nua, leis e regulamentos, como fazem as demais partes jurídicas do Pentateuco. É animado por um tom de oratória ardente que lhe confere uma marca característica. Graças a esse propósito parenético, o estilo é muitas vezes enfático, redundante e cheio de repetições. Seu vocabulário não é muito rico, poucos são os termos e frases usados exclusivamente; no entanto, alguns deles se encontram com tanta frequência que acabam por conferir ao livro uma de suas características inconfundíveis. Numerosos críticos modernos sustentam que o núcleo primitivo do livro, devido a uma única pessoa, é constituído pelo cc. 5-26. A falta de repetições e contradições provaria a unidade de composição desses capítulos. Vice-versa o cc. 1-4 são considerados pela maioria dos críticos como uma adição posterior; o C. 28 seria a conclusão de todo o complexo legislativo. Em reação aberta à tradição judaico-cristã, que atribuiu todo o livro a Moisés, os críticos independentes do século. XIX lançou a ideia de que Deuteronômio era composto pelos sacerdotes de Jerusalém, Javé é a fonte de todo poder, de toda autoridade, de toda criação. É ele quem recompensa o justo, pune o malfeitor; nada escapa à sua justiça. Sua natureza é diferente da de qualquer ser; portanto, não pode ser representado por nenhum ser criado. Nenhum lugar pode ser o centro legítimo de seu culto se ele mesmo não o escolheu. Qualquer forma de adivinhação é proibida, pois Yahweh dá a conhecer o seu pensamento e vontade 'através dos profetas'. A eleição divina é a base do relacionamento entre Yahweh e Israel. Como a aliança, ela se baseia não em relações jurídicas, mas na misericórdia e no amor de Deus.Toda a história de Israel repousa sobre esse amor. Daí resulta que o preceito fundamental do Deuteronômio é o amor: para com Deus e para com os homens. O amor total existente por Deus é expresso na adoração e observância da lei; o amor ao próximo não requer apenas que evitemos o que prejudica a família e a sociedade, mas que façamos o que faz os outros felizes, especialmente os deficientes como o órfão, a viúva, o estrangeiro, o levita e o escravo. Deste amor a Deus e ao homem deriva aquele pathos que permeia todas as leis do livro, aquele sentido marcado de liberalidade e filantropia, em suma de humanidade, que nos obriga a colocar a legislação deuteronômica acima de todas as leis do antigo Oriente.

 

 

 Bibliografia

 

1 Rolla, A. (1965). Il Messaggio della Salvezza. Torino: LDC

2 Crusemann, F. (2009). La Torà. Teologia e storia sociale della legge nell’Antico Testamento. Brescia: Paideia

12ª Lição: 4 de Junho Gn 1-11

I. HISTÓRIA DAS ORIGENS (1-11)

א א בְּרֵאשִׁית, בָּרָא אֱלֹהִים, אֵת הַשָּׁמַיִם, וְאֵת הָאָרֶץ

 Gn 1-11

Gênesis 1-11: a história básica

Segundo a cronologia bíblica, a história das origens e a história inicial da humanidade em Gn 1: 11-26 (por conveniência, Gn 1-11), desde a criação até Abraão, o primeiro judeu, abrange 1946 anos. Inclui estes episódios:

  • a criação do mundo (céu e terra) e seus habitantes (Gn 1,1-2,4);
  • o primeiro homem e a primeira mulher no jardim do Éden (Gn 2,4-3,24);
  • sua história familiar após serem expulsos do jardim; o primeiro assassinato;
  • as famílias de Caim e Set, filhos sobreviventes de seus antepassados ​​(Gn 4: 1-26);
  • as dez gerações de Adão a Noé; a união entre 'os filhos de Deus' e 'as filhas dos homens';
  • os gigantes nascidos de sua união;
  • o anúncio da catástrofe iminente (Gn 5.1-6.8);
  • a destruição pelo dilúvio de toda a vida na terra, poupando apenas Noé, sua família - esposa, três filhos, três nora - e os animais que entraram na arca com ele (Gn 6: 9-8,22).
  • O dilúvio é a ruptura decisiva da história, o divisor de águas a partir do qual uma nova humanidade com uma nova ordem mundial começa com os três filhos de Noé (Gn 9, 1-28).

a) O Livro

A) O livro de Gênesis é chamado em hebraico בְּרֵאשִׁית

 da palavra inicial do livro, 'no princípio'. O nome que atualmente leva nas traduções ocidentais é o da Bíblia grega, a tradução da LXX. É, novamente, o primeiro livro do Pentateuco, em hebraico תּוֹרָה, termo que neste contexto significa 'ensino (por excelência)': é de fato a parte normativa da Bíblia para o judaísmo, uma espécie de cânone no cânone.

O livro está dividido em duas ou três seções, conforme separamos ou não a narração de José das tradições patriarcais:

1) a narração das origens, caps. 1-11 (ao qual lição é dedicada);

2) as lendas sobre as migrações dos patriarcas, caps. 12-48, do qual podemos separar precisamente

3) a história de José, caps. 37 e 39-48.

4) Por fim, em apêndice temos o cap. 49, na maior parte uma coleção de ditos patriarcais que classificamos na época como 'poesia hebraica antiga';

5) e o cap. 50, uma espécie de epílogo às tradições patriarcais.

B) A narrativa das origens

começa com a criação do universo segundo “P”, para chegar à tabela genealógica de Abraão, uma composição mista “P” e “J”. As narrativas patriarcais tratam sucessivamente de Abraão, Isaac e Jacó e seus filhos, e são compostas pelas fontes 'J', 'E' e 'P', com inserções aqui e ali que foram classificadas como dtn. ou dtr. A história de José finalmente conta as desventuras e aventuras deste filho de Jacó, desde sua suprema humilhação até sua brilhante carreira que o leva ao cargo de vizir na corte do faraó e perde apenas para estes. Nele, foram encontradas as fontes tradicionais 'J', 'E' e 'P', ainda que cada vez mais autores vejam na história um apêndice independente das fontes, provavelmente de origem tardia, talvez datado ainda no tempo helenístico; suas principais funções são conectar o motivo das migrações patriarcais com o do Êxodo. Em outras palavras, Gênesis vai desde as origens do universo até o início da permanência de Israel no Egito.

C) os Mitos

A narrativa das origens é em grande parte composta por mitos, elemento que inevitavelmente pertence ao género literário. O termo não deve causar escândalos desnecessários: se é verdade, de facto, que no passado havia insistência no caráter histórico dos relatos bíblicos, elemento que excluía o mito, é claro que esse tipo de discurso é inaplicável a o tipo de narrativas em questão; quando falamos de uma idade de ouro em que ninguém, homem ou animal, precisava matar ou pecar de forma alguma, de homens que pecam e caem, de outros que inventam artes e ofícios, de um dilúvio como punição pelas faltas cometidas, da construção de uma cidade e de uma torre como elemento que atrai o ódio da divindade nos construtores porque é feita com hybris e talvez para derrubar o mesmo Deus, estamos lidando com gêneros narrativos para os quais apenas o termo 'Mito' parece adequado. E esse seu caráter explica também a resistência de inúmeros paralelos no campo histórico-religioso, especialmente nas religiões do antigo Oriente Próximo: afinal, os mitos das origens tratam todos do mesmo tema!

 

D) Desmitificar

 Mas, se falamos de mito, devemos também lembrar o trabalho de desmitificação realizado pelos escritores bíblicos. Como veremos novamente, não há uma abordagem politeísta dos problemas, o que significa que os autores nunca remontam as situações de crise a conflitos metafísicos, dentro de um 'panteão'. O conflito entre Deus e a humanidade agora surge apenas do caráter rebelde e pecaminoso por parte da humanidade. Faltam também outros elementos típicos dos mitos das origens: por exemplo, a geração divina como elemento da criação (o termo תוֹלְדוֹת típico de 'P', etimologicamente ligado à raiz יָלַד  'gerar', agora sempre adquiriu o significado técnico derivado de 'Origem' ou 'história'), ou criação como luta e vitória do demiurgo contra e sobre outras forças, divinas ou não, pessoais ou não; em vez disso, somos confrontados com a Divindade que em 'P' dá ordens que são imediatamente executadas, ou que, em 'J', molda com o barro do oleiro ou forma criaturas. Os textos do Gênesis já não conhecem a presença de monstros caóticos atestados em outros textos bíblicos, especialmente poéticos, como רָהַב, lewjãtãn, b^hëmôt, tannîn (apenas em 1,21, como seres criados), nãhãs e jãm, todos mencionados , ainda que de forma poética, quando se faz referência às obras gloriosas de Deus no passado.

e) Lendas Patriarcais

A situação é diferente para as narrativas patriarcais: trata-se de lendas (o 'sábio alemão') e só excepcionalmente encontramos materiais míticos. Apesar de sua redação quase sempre tardia 3, existe a possibilidade, ainda que puramente teórica, de que nos tenham transmitido tradições antigas e, portanto, guardem a memória de povos e acontecimentos da pré-história de Israel e de Judá. Aqui, porém, é preciso proceder com a máxima cautela: mesmo onde foi possível demonstrar a antiguidade de uma tradição (e é um trabalho quase inteiramente a ser feito: até agora temos apenas o trabalho fundamental e pioneiro de M. Noth ), esses materiais estão agora fora de seu contexto original, tendo sido inseridos pela equipe editorial em contextos completamente novos. Em outras palavras: mesmo aqueles materiais cuja antiguidade pudemos provar hoje dizem coisas diferentes do que originalmente significavam. Se e possivelmente em que medida as figuras dos patriarcas e seus filhos podem ser conectadas com a pré-história de certas tribos de Israel e Judá, portanto, permanece um problema em aberto e a ser explorado; no estado atual da pesquisa, qualquer conexão desse tipo parece improvável, e pesquisas realizadas no passado nessa direção não produziram resultados apreciáveis.

2. Vocação de Abraham

Como bem apontou Westermann , uma tradição hoje milenar produziu, sobretudo nas Igrejas cristãs, uma leitura e estudo de nossos textos com uma hierarquia de valores. Ainda em tempos recentes é possível encontrar obras teológicas que falam de “Criação e Queda”, separando assim os três primeiros capítulos da narrativa das origens do resto das histórias. Essa pré-compreensão dos textos, se corresponde às intenções do Novo Testamento e depois da dogmática cristã, deturpa as intenções tanto de 'J' quanto de 'P': a primeira dessas duas fontes, se tudo não engana nós, pretende dar uma explicação do fato, longe de ser óbvio, de que Deus escolheu um único povo, em vez de continuar uma relação sem soluções de continuidade com toda a humanidade; e assim chega à eleição e vocação de Abraão como o início pré-histórico deste povo. As genealogias que em 'P' conduzem à vocação de Abraão e à sua migração, sustentam a mesma tese. Em nenhum caso estes elementos devem ser ignorados, como acontece muitas vezes na pregação, na catequese e na doutrina das Igrejas. E é justamente o mérito de um comentário agora clássico, o de Jacob, por ter demonstrado o caráter ideologicamente unitário, voltado para a finalidade, desses textos, ainda que não pareça ter razão quando certamente rejeita a hipótese documental. Toda hierarquia de valores, portanto, existe nos textos de Gênesis apenas como uma contribuição externa e, portanto, de validade exegética duvidosa. Portanto, Westermann  tem razão, quando aponta que também através das genealogias de 'P', que vão do primeiro casal a Abraão, estes, e por meio dele todos os eleitos que virão, estão incluídos em um plano histórico (ou I diria, melhor, mítico-narrativa) de dimensões universalistas. Constituem, portanto, a espinha dorsal dessas narrativas.

3) mitos de origem  

a narração das origens é maioritariamente constituída por mitos; e isso também explica a abundância de paralelos no plano histórico-religioso, especialmente no que diz respeito ao antigo Oriente Próximo, especialmente a Mesopotâmia temos o Enuma Elish. São paralelos que foram descobertos à medida que, a partir do último quartel do século passado, a escrita egípcia foi decifrada, a escrita cuneiforme começou a ser decifrada, fundando assim a Acadologia (ou Assiriologia), a Sumerologia e a Hittiologia.

Décadas depois foi a vez do ugarítico e do semita ocidental dos semi-nômades que gravitavam em torno da cidade-estado de Mari no final da primeira metade do segundo milênio a. pleno andamento.

A) comparação com as culturas e religiões do vizinho Oriente

Desses paralelos, à medida que começaram a surgir desde as primeiras publicações, surgiu um elemento sem sombra de dúvida: que as histórias bíblicas das origens são, 'mutatis mutandis', parte integrante do pensamento e da literatura do antigo Próximo Oriente, só que se originam em um ambiente agora monoteísta como o israelita na virada do exílio e depois. Os estudos sobre o assunto são inúmeros e iremos propor apenas alguns deles, no início do exame dos próprios textos, dentre aqueles que consideramos relevantes para o estudo do texto bíblico. Em outras palavras, Gn 1-11 pertence antes de tudo, antes de qualquer outro tipo de literatura ou da Sinagoga e da Igreja, ao mundo do antigo Oriente Próximo, e neste contexto os textos serão examinados de forma preferencial maneiras.

b) carácter apologético 

Essa situação não deixou de suscitar perplexidade em alguns autores que foram os primeiros a enfrentá-la, nem alguns de nossos contemporâneos gostam dela. O resultado é uma série de trabalhos comparativos, sim, mas que não escondem fundamentalmente seu caráter apologético: demonstrar que por várias razões (inspiração verbal e, portanto, inerência das Sagradas Escrituras, diversidade fundamental de Israel para com os povos vizinhos e suas religiões, altura e espiritualidade únicas de seu pensamento e mais) os escritos de Israel, descontando alguma analogia formal, eles são fundamentalmente diferentes em configuração e conteúdo. Bem, aqui é o lugar para declarar que, além da bondade das intenções, essa apologética se baseia em uma série de mal-entendidos e, portanto, produz resultados enganosos; prometemos demonstrar isso em detalhes assim que chegarmos aos textos.

C) Israel politeísta

Existem, é claro, diferenças, como existem entre as várias literaturas antigas: a principal é o monoteísmo de Israel; mas tocam apenas uma pequena parte do conteúdo e muito pouco da forma. E para o monoteísmo deve-se notar acima de tudo que Israel nem sempre foi monoteísta, mas tornou-se assim através de um trabalho de séculos; além disso, que ele chegou lá quase sozinho (e digo quase, porque certas influências iranianas nesse sentido não devem ser descartadas!), de modo que uma comparação sinóptica com as outras culturas e religiões do Oriente Próximo e, além disso, polémica, sem levar em conta a antiguidade muito maior dessa documentação, não é intelectualmente honesto. Mais uma vez, Israel conseguiu adaptar alguns textos que já existiam à nova fé, e essas operações às vezes são claramente visíveis visível (por exemplo Sal 29 e 104 e outros).

Outra característica comum entre os materiais hebraicos e os antigos orientais é que eles não estão tão preocupados em explicar intelectualmente por que certas coisas acontecem de certas maneiras; eles estão bastante preocupados com a segurança das coisas que são, e apenas secundariamente com seu próprio porquê, como Westermann corretamente aponta.

4. Exegese da sinagoga e da igreja

A Sinagoga e as Igrejas cristãs utilizaram estes textos na sua dogmática, na sua catequese e na sua pregação; tal exegese, que durou milhares de anos, não poderia deixar de deixar traços notáveis, às vezes inevitáveis, na pré-compreensão com que o estudioso moderno, crescido na tradição judaico-cristã, os aborda. A legitimidade desta abordagem não pode ser negada, especialmente para aqueles que fazem uma exegese espiritual da Escritura, para ser servido como norma dentro de uma comunidade religiosa. Por outro lado, o crente deve também interessar-se por uma correcta compreensão do texto, condição necessária para uma exegese espiritual que não seja arbitrária, sinagógal ou eclesiástica. Ele também terá que fazer o máximo esforço para ser objectivo e, portanto, tratar esses textos em primeiro lugar como qualquer texto oriental, acadiano, ugarítico ou egípcio antigo trataria, pelo menos em uma primeira fase de estudo. Só assim poderá estabelecer qual é o seu significado original, o que é o 'intendo auctoris', um ponto fixo a partir do qual toda exegese deve necessariamente partir. Uma teologia que quiser ignorar esses critérios e continuar trabalhando apenas com a tradição, fará um desserviço à própria Palavra da qual preferiria ser fiel servidora.

5. Redacção quiástica

Um estudo recente de G.A. Rendsburg propôs aplicar os métodos da crítica literária a Gn 1-11, dando continuidade a um discurso iniciado por Cassuto e, mais recentemente, por Fokkelman, Alter, Sarna, Weiss, Sasson e outros. Esses critérios, principalmente estéticos, se aplicados à narração das origens, demonstram, em sua opinião, que ela foi composta pela redação seguindo uma estrutura quiástica; para ele é a prova de uma redação unitária e coerente, que pode desconsiderar as fontes da hipótese documental. Gn 1-11 está estruturado em dez episódios paralelos e ordenados da seguinte forma:

A - Criação, Palavra de Deus ao primeiro homem, 1,1-3,24

A '- Dilúvio, Palavra de Deus a Noé, 6,9-9,17

B - Filhos do primeiro homem, 4,1-16

B' - Filhos de Noé , 9.18-28

C - Desenvolvimento tecnológico, 4,17-26

C’ - Desenvolvimento técnico da humanidade, 10.1-32

D - Dez gerações de Adão a Noé, 5,1-32

E '- Queda: a torre de Babel, 11.1-9

E - Queda: i ntfìlìm, 6,1-8

D'- Dez gerações de Noé a Terah, 11.10-26

 

Através da primeira parte do estudo, ele tenta demonstrar o paralelismo existente entre as duas secções, apontando em detalhes a fusão de palavras e conceitos iguais. Mas isso nem sempre é convincente: palavras e expressões idênticas podem depender do fato de estarmos lidando com o mesmo género literário; além disso, trata-se sempre de palavras e expressões de alta frequência e, portanto, atípicas. Em D’ o número dez é obtido tomando o texto da LXX que adiciona Κοαναν. Em E ele traz o episódio dos gigantes/heróis para o v. 8 em vez de v. 4 (assim já Jacob, mas não Cassuto, portanto não é uma característica da exegese judaica tradicional), vinculando a observação da maldade dos homens, causadores do dilúvio, com essa narrativa, que é no mínimo problemática. Apesar dessas objeções, o argumento de Rendsburg tem seu próprio peso: é evidente que os materiais de Gn 1-11, independentemente de sua procedência original (são estudados de acordo com a hipótese documental, ou são examinados de acordo com os ciclos tradicionais), , como os demais do Pentateuco, a uma redação final unitária, à qual devemos sua estrutura atual. O que, no entanto, não nos exime de examinar se na base do texto atual não há elementos prévios que possamos identificar e depois estudar. Em alguns casos o método de Rendsburg pode servir para explicar certos pontos obscuros do texto sobre o base do texto paralelo: cf. por exemplo 4,8 22

6. O texto massorético tradicional e fontes colaterais 

um verdadeiro 'textus receptus' do qual até agora só foram produzidas edições manuais e diplomáticas (as várias edições do BH), não é, como se sabe, o único que temos.

a) A tradução grega da LXX e as que conhecemos apenas através de fragmentos hexaplares de Ά, Σ e Θ nasceram no ambiente hebraico;

b) os targumìm aramaicos também nasceram em um ambiente judaico.

c) O Pentateuco Samaritano nasceu no ambiente judaico samaritano;

d) a Vulgata e

e) a Pesitta, a tradução siríaca 23, nasceram em círculos cristãos.

São textos a serem constantemente lembrados em suas edições críticas,

 

Gn l,l-2,4a a Criação

1. Unidade autónoma

O relato sacerdotal da criação do universo constitui uma unidade autônoma no plano narrativo, como é geralmente aceite mesmo por quem não trabalha com a hipótese documental, devendo, portanto, ser tratado como tal. Vamos, portanto, dividi-lo de acordo com os vários dias e as várias obras da criação, como aliás neste texto.

O início solene de 1,1 בְּרֵאשִׁית, בָּרָא אֱלֹהִים, אֵת הַשָּׁמַיִם

 poderia levar o leitor a acreditar, como já aconteceu várias vezes no passado, que a criação é ao mesmo tempo uma dos temas mais antigos e mais centrais do que a mensagem bíblica. Mas as aparências enganam: o fato de as duas narrativas da criação terem sido colocadas no início do Gênesis não indica sua antiguidade, nem sua centralidade, mas aconteceu apenas por razões cronológicas.

a) Luta do Criador contra o caos

De facto, a Bíblia hebraica sabe relativamente pouco sobre esse tema, como fica claro pela escassez de passagens que tratam dele: 1 Reis 8:12 na tradução da LXX (v. 53: ήλιον εγνώρισεν εν ούρανω Κύριος, onde o tradutor provavelmente leu hëbîn, 'Entendido', por hëkîn, 'estabelecido'); Am 4: 13-17 e 5: 8-9; Sai 8,1 m²; 19-A e 104,1 ss.; Jó 38 e segs., O Deutero-Isaías e algumas outras passagens são aquelas que falam especificamente de Deus o criador. Outros textos falam das lutas travadas pelo Criador contra as forças do caos (e foram sistematicamente recolhidos e comentados por Gunkel em sua primeira obra) l. Até poucos anos atrás eram considerados elementos sobreviventes de antigos mitos da criação, nos quais prevalecia o motivo da luta contra as forças caóticas; e tais elementos teriam sido eliminados dos dois relatos da criação que aparecem em Gênesis. Mas, entretanto, ganha terreno a noção de que mais do que textos que falam da criação, trata-se mais da razão da conservação do universo, portanto da providência divina, como parece aparecer nos textos de Ugarit e fragmentos dos fenícios; só na Mesopotâmia o motivo da criação como luta contra as forças do caos parece solidamente enraizado, cf. o texto, que nos chegou em edições relativamente tardias, chamado enüma élis desde suas primeiras palavras.

b) Criação cananea  

Em Canaã, porém, e especialmente na Fenícia, a criação parece ter sido produto da síntese entre escuridão, vento e desejo, enquanto a divindade suprema, V/, agora ociosa, é o criador em Ugarit. A divindade que luta contra o caos é ba'al, que, em seu papel de divindade garantindo a sobrevivência do cosmos, o defende da ameaça de forças do caos, derrotado, sim, no curso da criação, mas ainda ameaçador à espreita e, portanto, perigoso. Todos os anos ba'al fertiliza os elementos constitutivos da criação: o solo, o rebanho e o rebanho, a família. Agora, no momento em que 'P' elaborou sua própria obra, as funções que em Canaã eram atribuídas a W e a um ba'al foram incorporadas à figura do todo-poderoso JHWH; no entanto, o trabalho de criação e o de conservação não estão necessariamente ligados, mesmo que agora sejam atribuídos à mesma divindade. Em todo caso, em Gn 1.1 ss. há talvez a presença de um texto fenício reutilizado por Israel. Nele, a criação e a conservação do universo em relação ao caos são apresentadas como dois momentos distintos e cronologicamente sucessivos, embora agora atribuídos à mesma pessoa divina, originalmente provavelmente W, mas agora identificada com JHWH. Assim, os textos que falam das lutas contra os elementos do caos referem-se mais ao motivo da providência divina do que ao da criação.

2. Confissões de fé do antigo Israel 

É interessante notar outro fato, conhecido há algumas décadas: que as chamadas 'confissões de fé' do antigo Israel: Dt 6, 21-23; 26: 5-10 e Js 24: 2-13 não contêm a razão da criação; e o mesmo acontece com a narração da dádiva do tôrãh no Sinai. Estas confissões de fé, que a princípio pareciam antigas ao seu descobridor (G. von Rad, em 1938), não o são, nem podem realmente sê-lo: de facto, ao contrário do que se pensava, não são um ponto de partida, mas antes um ponto de chegada da tradição bíblica, produto de um trabalho de síntese e reflexão realizado pelo dtn. e do dtr. Somente em um período posterior, no mínimo no final do exílio babilônico, Judas se interessou pela criação divina do universo, como evidenciado pelos escritos de Deutero-Isaías, bem como Sai 136 e Ne 9,6, depois 'P'

3. A afirmação de que Deus criou o universo

repetida no texto de forma 'quase obsessiva' , dirige-se sobretudo de forma polêmica ao mundo politeísta do antigo Oriente Próximo; e essa polêmica pressupõe o total desapego de Israel dessas religiões, elemento que sabemos que foi aperfeiçoado o mais rápido possível no final do exílio e na antiga era pós-exílica.

A) Deportação babilónica

O povo passou por décadas de experiência de deportação para a Babilônia, onde viveu, pela primeira vez em sua existência, como minoria étnica e religiosa, em um contexto estrangeiro. E não devemos imaginar este contexto como necessariamente hostil e intolerante (cf. Sai 137,3); mas com seu peso cultural e numérico tendia necessariamente a esmagar qualquer estranho. Tanto mais que os deportados se assimilaram rapidamente ao ambiente, do qual já haviam assumido a língua (como se depreende da quantidade de nomes babilônicos) e não poucos elementos, como o calendário, por exemplo. E é justamente no decorrer dessa experiência que os deportados de Judas resistem à assimilação no plano religioso e passam ao monoteísmo absoluto, eliminando qualquer forma de sincretismo anterior.

B) O άρχη da filosofia grega

Mas também é possível pensar (e as duas coisas não se excluem mutuamente) em uma postura em relação aos primeiros filósofos gregos, os chamados pré-socráticos, que em suas reflexões cosmogônicas derivavam o universo de um άρχή; isso aparece de maneira especial na escola de Mileto, que floresceu na Ásia Menor entre a sé. VII e VI a.C. Portanto, não parece coincidência que nosso texto comece com a expressão בְּרֵאשִׁית, que a LXX traduz pertinentemente com έν άρχη; mas isso não para nomear uma matéria primordial, caótica, a origem de tudo (um dos significados que a expressão pode ter, especialmente em grego), mas como uma indicação cronológica pura e simples: o universo teve um começo, não é o produto da ordenação do demiurgo de uma matéria primordial.

C) cosmogonia babilónica

Um terceiro elemento aparece implícito no conceito de criação: a matéria, como criada, é qualitativamente diferente de seu criador. No mito cosmogônico babilônico que acabamos de mencionar, enüma eliì, uma escrita que, como vimos, nos foi transmitida em uma versão bastante tardia, o caos é personificado pela divindade Tiamat e após a morte deste pelo deus criador Marduk, patrono da Babilônia (mas temos textos assírios em que este trabalho é realizado por Assur, patrono da Assíria), o cadáver é dividido em duas partes, uma constituindo o céu, a outra a terra (e o O termo hebraico תְהוֹם, que examinaremos em breve, no v. 2, quase certamente ecoa Tiamat). Portanto, o universo, produto da divisão de uma divindade, também é divino. Na tradição sacerdotal, porém, isso não acontece: o céu e a terra são criados, portanto, substancialmente diferentes de seu criador, que, conforme sua existência decretou, também pode estabelecer seu fim, o que acontece, segundo 'P' e 'J ', no dilúvio, caps. 6-8. É nesta ocasião que o cosmos é sacrificado, ainda que temporariamente, ao caos. Veja também, fora do Pentateuco, as catástrofes escatológicas que levarão o cosmos como o conhecemos ao seu fim violento. Desta abordagem deriva o que tem sido chamado de uma primeira tentativa de secularização do universo: além do único Deus de Israel, não há outros deuses ou forças divinas com os quais o homem deve enfrentar. Como afirma com razão Garbini: 'Em última análise, foi realizado um processo radical de desmitificação da cosmogonia fenícia, a fim de obter uma visão cosmogônica, por assim dizer, neutra, na qual inserir a ação protagonista de Deus'.

Cap.1

1 בְּרֵאשִׁ֖ית בָּרָ֣א אֱלֹהִ֑ים אֵ֥ת הַשָּׁמַ֖יִם וְאֵ֥ת הָאָֽרֶץ׃ 2 וְהָאָ֗רֶץ הָיְתָ֥ה תֹ֙הוּ֙ וָבֹ֔הוּ וְחֹ֖שֶׁךְ עַל־פְּנֵ֣י תְה֑וֹם וְר֣וּחַ אֱלֹהִ֔ים מְרַחֶ֖פֶת עַל־פְּנֵ֥י הַמָּֽיִם׃ 3 וַיֹּ֥אמֶר אֱלֹהִ֖ים יְהִ֣י א֑וֹר וַֽיְהִי־אֽוֹר׃ 4 וַיַּ֧רְא אֱלֹהִ֛ים אֶת־הָא֖וֹר כִּי־ט֑וֹב וַיַּבְדֵּ֣ל אֱלֹהִ֔ים בֵּ֥ין הָא֖וֹר וּבֵ֥ין הַחֹֽשֶׁךְ׃ 5 וַיִּקְרָ֨א אֱלֹהִ֤ים ׀ לָאוֹר֙ י֔וֹם וְלַחֹ֖שֶׁךְ קָ֣רָא לָ֑יְלָה וַֽיְהִי־עֶ֥רֶב וַֽיְהִי־בֹ֖קֶר י֥וֹם אֶחָֽד׃ פ 

6 וַיֹּ֣אמֶר אֱלֹהִ֔ים יְהִ֥י רָקִ֖יעַ בְּת֣וֹךְ הַמָּ֑יִם וִיהִ֣י מַבְדִּ֔יל בֵּ֥ין מַ֖יִם לָמָֽיִם׃ 7 וַיַּ֣עַשׂ אֱלֹהִים֮ אֶת־הָרָקִיעַ֒ וַיַּבְדֵּ֗ל בֵּ֤ין הַמַּ֙יִם֙ אֲשֶׁר֙ מִתַּ֣חַת לָרָקִ֔יעַ וּבֵ֣ין הַמַּ֔יִם אֲשֶׁ֖ר מֵעַ֣ל לָרָקִ֑יעַ וַֽיְהִי־כֵֽן׃ 8 וַיִּקְרָ֧א אֱלֹהִ֛ים לָֽרָקִ֖יעַ שָׁמָ֑יִם וַֽיְהִי־עֶ֥רֶב וַֽיְהִי־בֹ֖קֶר י֥וֹם שֵׁנִֽי׃ פ 

9 וַיֹּ֣אמֶר אֱלֹהִ֗ים יִקָּו֨וּ הַמַּ֜יִם מִתַּ֤חַת הַשָּׁמַ֙יִם֙ אֶל־מָק֣וֹם אֶחָ֔ד וְתֵרָאֶ֖ה הַיַּבָּשָׁ֑ה וַֽיְהִי־כֵֽן׃ 10 וַיִּקְרָ֨א אֱלֹהִ֤ים ׀ לַיַּבָּשָׁה֙ אֶ֔רֶץ וּלְמִקְוֵ֥ה הַמַּ֖יִם קָרָ֣א יַמִּ֑ים וַיַּ֥רְא אֱלֹהִ֖ים כִּי־טֽוֹב׃ 11 וַיֹּ֣אמֶר אֱלֹהִ֗ים תַּֽדְשֵׁ֤א הָאָ֙רֶץ֙ דֶּ֔שֶׁא עֵ֚שֶׂב מַזְרִ֣יעַ זֶ֔רַע עֵ֣ץ פְּרִ֞י עֹ֤שֶׂה פְּרִי֙ לְמִינ֔וֹ אֲשֶׁ֥ר זַרְעוֹ־ב֖וֹ עַל־הָאָ֑רֶץ וַֽיְהִי־כֵֽן׃ 12 וַתּוֹצֵ֨א הָאָ֜רֶץ דֶּ֠שֶׁא עֵ֣שֶׂב מַזְרִ֤יעַ זֶ֙רַע֙ לְמִינֵ֔הוּ וְעֵ֧ץ עֹֽשֶׂה־פְּרִ֛יc,p אֲשֶׁ֥ר זַרְעוֹ־ב֖וֹ לְמִינֵ֑הוּ וַיַּ֥רְא אֱלֹהִ֖ים כִּי־טֽוֹב׃ 13 וַֽיְהִי־עֶ֥רֶב וַֽיְהִי־בֹ֖קֶר י֥וֹם שְׁלִישִֽׁי׃ פ 

14 וַיֹּ֣אמֶר אֱלֹהִ֗ים יְהִ֤י מְאֹרֹת֙ בִּרְקִ֣יעַ הַשָּׁמַ֔יִם לְהַבְדִּ֕יל בֵּ֥ין הַיּ֖וֹם וּבֵ֣ין הַלָּ֑יְלָה וְהָי֤וּ לְאֹתֹת֙ וּלְמ֣וֹעֲדִ֔ים וּלְיָמִ֖ים וְשָׁנִֽים׃ 15 וְהָי֤וּ לִמְאוֹרֹת֙ בִּרְקִ֣יעַ הַשָּׁמַ֔יִם לְהָאִ֖יר עַל־הָאָ֑רֶץ וַֽיְהִי־כֵֽן׃ 16 וַיַּ֣עַשׂ אֱלֹהִ֔ים אֶת־שְׁנֵ֥י הַמְּאֹרֹ֖ת הַגְּדֹלִ֑ים אֶת־הַמָּא֤וֹר הַגָּדֹל֙ לְמֶמְשֶׁ֣לֶת הַיּ֔וֹם וְאֶת־הַמָּא֤וֹר הַקָּטֹן֙ לְמֶמְשֶׁ֣לֶת הַלַּ֔יְלָה וְאֵ֖ת הַכּוֹכָבִֽים׃ 17 וַיִּתֵּ֥ן אֹתָ֛ם אֱלֹהִ֖ים בִּרְקִ֣יעַ הַשָּׁמָ֑יִם לְהָאִ֖יר עַל־הָאָֽרֶץ׃ 18 וְלִמְשֹׁל֙ בַּיּ֣וֹם וּבַלַּ֔יְלָה וּֽלֲהַבְדִּ֔יל בֵּ֥ין הָא֖וֹר וּבֵ֣ין הַחֹ֑שֶׁךְ וַיַּ֥רְא אֱלֹהִ֖ים כִּי־טֽוֹב׃ 19 וַֽיְהִי־עֶ֥רֶב וַֽיְהִי־בֹ֖קֶר י֥וֹם רְבִיעִֽי׃ פ 

20 וַיֹּ֣אמֶר אֱלֹהִ֔ים יִשְׁרְצ֣וּ הַמַּ֔יִם שֶׁ֖רֶץ נֶ֣פֶשׁ חַיָּ֑ה וְעוֹף֙ יְעוֹפֵ֣ף עַל־הָאָ֔רֶץ עַל־פְּנֵ֖י רְקִ֥יעַ הַשָּׁמָֽיִם׃ 21 וַיִּבְרָ֣א אֱלֹהִ֔ים אֶת־הַתַּנִּינִ֖ם הַגְּדֹלִ֑ים וְאֵ֣ת כָּל־נֶ֣פֶשׁ הַֽחַיָּ֣ה ׀ הָֽרֹמֶ֡שֶׂת אֲשֶׁר֩ שָׁרְצ֨וּ הַמַּ֜יִם לְמִֽינֵהֶ֗ם וְאֵ֨ת כָּל־ע֤וֹף כָּנָף֙ לְמִינֵ֔הוּ וַיַּ֥רְא אֱלֹהִ֖ים כִּי־טֽוֹב׃ 22 וַיְבָ֧רֶךְ אֹתָ֛ם אֱלֹהִ֖ים לֵאמֹ֑ר פְּר֣וּ וּרְב֗וּ וּמִלְא֤וּ אֶת־הַמַּ֙יִם֙ בַּיַּמִּ֔ים וְהָע֖וֹף יִ֥רֶב בָּאָֽרֶץ׃ 23 וַֽיְהִי־עֶ֥רֶב וַֽיְהִי־בֹ֖קֶר י֥וֹם חֲמִישִֽׁי׃ פ 

24 וַיֹּ֣אמֶר אֱלֹהִ֗ים תּוֹצֵ֨א הָאָ֜רֶץ נֶ֤פֶשׁ חַיָּה֙ לְמִינָ֔הּ בְּהֵמָ֥ה וָרֶ֛מֶשׂ וְחַֽיְתוֹ־אֶ֖רֶץ לְמִינָ֑הּ וַֽיְהִי־כֵֽן׃ 25 וַיַּ֣עַשׂ אֱלֹהִים֩ אֶת־חַיַּ֨ת הָאָ֜רֶץ לְמִינָ֗הּ וְאֶת־הַבְּהֵמָה֙ לְמִינָ֔הּ וְאֵ֛ת כָּל־רֶ֥מֶשׂ הָֽאֲדָמָ֖ה לְמִינֵ֑הוּ וַיַּ֥רְא אֱלֹהִ֖ים כִּי־טֽוֹב׃ 26 וַיֹּ֣אמֶר אֱלֹהִ֔ים נַֽעֲשֶׂ֥ה אָדָ֛ם בְּצַלְמֵ֖נוּ כִּדְמוּתֵ֑נוּ וְיִרְדּוּ֩ בִדְגַ֨ת הַיָּ֜ם וּבְע֣וֹף הַשָּׁמַ֗יִם וּבַבְּהֵמָה֙ וּבְכָל־הָאָ֔רֶץ וּבְכָל־הָרֶ֖מֶשׂ הָֽרֹמֵ֥שׂ עַל־הָאָֽרֶץ׃ 27 וַיִּבְרָ֨א אֱלֹהִ֤ים ׀ אֶת־הָֽאָדָם֙ בְּצַלְמ֔וֹ בְּצֶ֥לֶם אֱלֹהִ֖ים בָּרָ֣א אֹת֑וֹ זָכָ֥ר וּנְקֵבָ֖ה בָּרָ֥א אֹתָֽם׃ 28 וַיְבָ֣רֶךְ אֹתָם֮ אֱלֹהִים֒ וַיֹּ֨אמֶר לָהֶ֜ם אֱלֹהִ֗ים פְּר֥וּ וּרְב֛וּ וּמִלְא֥וּ אֶת־הָאָ֖רֶץ וְכִבְשֻׁ֑הָ וּרְד֞וּ בִּדְגַ֤ת הַיָּם֙ וּבְע֣וֹף הַשָּׁמַ֔יִם וּבְכָל־חַיָּ֖ה הָֽרֹמֶ֥שֶׂת עַל־הָאָֽרֶץ׃ 29 וַיֹּ֣אמֶר אֱלֹהִ֗ים הִנֵּה֩ נָתַ֨תִּי לָכֶ֜ם אֶת־כָּל־עֵ֣שֶׂב ׀ זֹרֵ֣עַ זֶ֗רַע אֲשֶׁר֙ עַל־פְּנֵ֣י כָל־הָאָ֔רֶץ וְאֶת־כָּל־הָעֵ֛ץ אֲשֶׁר־בּ֥וֹ פְרִי־עֵ֖ץ זֹרֵ֣עַ זָ֑רַע לָכֶ֥ם יִֽהְיֶ֖ה לְאָכְלָֽה׃ 30 וּֽלְכָל־חַיַּ֣ת הָ֠אָרֶץ וּלְכָל־ע֨וֹף הַשָּׁמַ֜יִם וּלְכֹ֣ל ׀ רוֹמֵ֣שׂ עַל־הָאָ֗רֶץ אֲשֶׁר־בּוֹ֙ נֶ֣פֶשׁ חַיָּ֔ה אֶת־כָּל־יֶ֥רֶק עֵ֖שֶׂב לְאָכְלָ֑ה וַֽיְהִי־כֵֽן׃ 31 וַיַּ֤רְא אֱלֹהִים֙ אֶת־כָּל־אֲשֶׁ֣ר עָשָׂ֔ה וְהִנֵּה־ט֖וֹב מְאֹ֑ד וַֽיְהִי־עֶ֥רֶב וַֽיְהִי־בֹ֖קֶר י֥וֹם הַשִּׁשִּֽׁי׃ פ

Cap.2

1 וַיְכֻלּ֛וּ הַשָּׁמַ֥יִם וְהָאָ֖רֶץ וְכָל־צְבָאָֽם׃ 2 וַיְכַ֤ל אֱלֹהִים֙ בַּיּ֣וֹם הַשְּׁבִיעִ֔י מְלַאכְתּ֖וֹ אֲשֶׁ֣ר עָשָׂ֑ה וַיִּשְׁבֹּת֙ בַּיּ֣וֹם הַשְּׁבִיעִ֔י מִכָּל־מְלַאכְתּ֖וֹ אֲשֶׁ֥ר עָשָֽׂה׃ 3 וַיְבָ֤רֶךְ אֱלֹהִים֙ אֶת־י֣וֹם הַשְּׁבִיעִ֔י וַיְקַדֵּ֖שׁ אֹת֑וֹ כִּ֣י ב֤וֹ שָׁבַת֙ מִכָּל־מְלַאכְתּ֔וֹ אֲשֶׁר־בָּרָ֥א אֱלֹהִ֖ים לַעֲשֽׂוֹת׃ פ 

4 אֵ֣לֶּה תוֹלְד֧וֹת הַשָּׁמַ֛יִם וְהָאָ֖רֶץ בְּהִבָּֽרְאָ֑ם בְּי֗וֹם עֲשׂ֛וֹת יְהוָ֥ה אֱלֹהִ֖ים אֶ֥רֶץ וְשָׁמָֽיִם׃

 

1 Criação do mundo (2,4b-25; Jb 38-39; Sl 8; 104; Jo 1,1-3) -

1*No princípio, quando Deus criou os céus e a terra, 2*a terra era informe e vazia, as trevas cobriam o abismo e o espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas.
3*Deus disse: «Faça-se a luz.» E a luz foi feita. 4Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. 5*Deus chamou dia à luz, e às trevas, noite. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o primeiro dia.
6*Deus disse: «Haja um firmamento entre as águas, para as manter separadas umas das outras.»
E assim aconteceu. 7Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam sob o firmamento das que estavam por cima do firmamento. 8Deus chamou céus ao firmamento. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o segundo dia.
9*Deus disse: «Reúnam-se as águas que estão debaixo dos céus, num único lugar, a fim de aparecer a terra seca.» E assim aconteceu. 10Deus chamou terra à parte sólida, e mar, ao conjunto das águas. E Deus viu que isto era bom.
11*Deus disse: «Que a terra produza verdura, erva com semente, árvores frutíferas que dêem fruto sobre a terra, segundo as suas espécies, e contendo semente.» E assim aconteceu. 12A terra produziu verdura, erva com semente, segundo a sua espécie, e árvores de fruto, segundo as suas espécies, com a respectiva semente. Deus viu que isto era bom. 13Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o terceiro dia.
14*Deus disse: «Haja luzeiros no firmamento dos céus, para separar o dia da noite e servirem de sinais, determinando as estações, os dias e os anos; 15servirão também de luzeiros no firmamento dos céus, para iluminarem a Terra.» E assim aconteceu. 16Deus fez dois grandes luzeiros: o maior para presidir ao dia, e o menor para presidir à noite; fez também as estrelas. 17Deus colocou-os no firmamento dos céus para iluminarem a Terra, 18para presidirem ao dia e à noite, e para separarem a luz das trevas. E Deus viu que isto era bom. 19Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o quarto dia.
20*Deus disse: «Que as águas sejam povoadas de inúmeros seres vivos, e que por cima da terra voem aves, sob o firmamento dos céus.» 21Deus criou, segundo as suas espécies, os monstros marinhos e todos os seres vivos que se movem nas águas, e todas as aves aladas, segundo as suas espécies. E Deus viu que isto era bom. 22Deus abençoou-os, dizendo: «Crescei e multiplicai-vos e enchei as águas do mar e multipliquem-se as aves sobre a terra.» 23Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o quinto dia.
24Deus disse: «Que a terra produza seres vivos, segundo as suas espécies, animais domésticos, répteis e animais ferozes, segundo as suas espécies.» E assim aconteceu. 25Deus fez os animais ferozes, segundo as suas espécies, os animais domésticos, segundo as suas espécies, e todos os répteis da terra, segundo as suas espécies. E Deus viu que isto era bom.

O ser humano -

26*Depois, Deus disse: «Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.» 27*Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher. 28*Abençoando-os, Deus disse-lhes: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra.» 29*Deus disse: «Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento. 30E a todos os animais da terra, a todas as aves dos céus e a todos os seres vivos que existem e se movem sobre a terra, igualmente dou por alimento toda a erva verde que a terra produzir.» E assim aconteceu. 31*Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o sexto dia.

2 1*Foram assim terminados os céus e a Terra e todo o seu conjunto. 2*Concluída, no sétimo dia, toda a obra que tinha feito, Deus repousou, no sétimo dia, de todo o trabalho por Ele realizado.
3Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o, visto ter sido nesse dia que Ele repousou de toda a obra da criação. 4*Esta é a origem da criação dos céus e da Terra.

 

 

Universo eticamente neutro

Em quarto lugar, nossos textos nos mostram um universo eticamente neutro por ser despersonalizado: quando o texto afirma que uma coisa criada é 'bom' (uma vez, no v. 31, afirma-se que era 'muito bom'), a referência é à sua funcionalidade, à correspondência entre o objecto criado e o fim pretendido, um pouco como hoje podemos usar o mesmo termo para qualificar máquinas ou ferramentas que funcionam bem. O texto, portanto, não fala de elementos espirituais (considerados superiores) e materiais (considerados inferiores), muito menos de elementos divinos inerentes à criação, como acontece no dualismo platônico, neoplatônico e estóico e, portanto, às vezes passado para a fé cristã tradicional . E esta falta na criação de elementos superiores porque estão mais próximos de Deus, e inferiores, porque são materiais, um prelúdio da antropologia bíblica, onde alma e corpo aparecem unidos em uma única realidade, sem que o primeiro seja em nenhum caso superior (porque mais espiritual ou mais próximo de Deus) do segundo. E este elemento passa sem modificações substanciais da Bíblia hebraica para o N.T.

2.  existência autônoma da criação

Quando o texto afirma a criação divina, nega implicitamente qualquer forma de existência autônoma da criação e das criaturas: ambas existem apenas como criadas e em uma relação positiva com o Criador. Somente nele podem viver e se desenvolver, pois é a providência divina que zela pelo cosmos e o protege do caos que está sempre à espreita. Aqui está um limite óbvio para o que acabamos de chamar de secularização do cosmos. E veremos nos capítulos. 2 e 3 ('J'), pois a própria recusa dessa posição de dependência é a essência do pecado do primeiro casal humano, totalmente decidido a tornar-se independente de seu Criador. Aqui não temos uma falha que se manifesta na transgressão de projetos concretos, mas justamente no fim que se propõe, algo essencialmente semelhante à arrogância do mundo grego. Mas, segundo os escritores bíblicos, essa aspiração à autonomia e à independência não leva o homem à divindade ou à liberdade, mas à ruína e à morte.

 

3. cenário na vida quotidiana, o «Sitz im Leben»

Deixando de lado essas considerações histórico-religiosas e teológicas, voltemos aos nossos textos. Perguntemo-nos agora qual era o seu cenário na vida quotidiana, o «Sitz im Leben» de Gunkel. Em outras palavras, para quem e com que propósito, para quais usos esses textos foram primeiramente compostos e depois transmitidos? É um problema que teve uma primeira tentativa de solução no estudo de Humbert de 1933. O estudioso suíço parte da observação, óbvia para qualquer leitor atento ao texto, de que oito obras foram compactadas em seis dias, seguidas de sábado, quando todos , até mesmo o próprio Deus, descansa. Por fim, ver Garbini : 'A cosmogonia judaica... nada mais é do que o mito da fundação do sábado...' nega a validade, argumentando que estamos falando de dias, não de obras: 'As obras de Deus não podem ser contadas'. Em que sentido essa afirmação corresponde à 'intenção do capítulo', como ele coloca, não é muito clara: o facto é que oito obras foram compactadas na Antiguidade, a finalidade dessa festa teria sido celebrar e atualizar para a comunidade crente a obra criadora e providencial de Deus. Na liturgia, a comunidade reviveria, portanto, a experiência de Deus, criador e conservador do universo, uma liturgia que foi então organizada em uma semana que culminou no sábado. A tese de Humbert foi entretanto reiterada e aperfeiçoada por M. Weinfeld, que liga a criação e o 'descanso' sabático de 2,2 com o descanso divino no santuário celestial. A conclusão do santuário no deserto aparece claramente paralela à do santuário do universo: cf. 2,1-3 com Ex 39,32-33 e 40,9-43, onde, nos dois casos, o sábado constitui o ápice de ambos. E isso também tem paralelos interessantes com a religião babilônica, onde a criação e construção de um templo aparecem intimamente associadas à entronização divina. E este último elemento não poucos acreditavam encontrar na Bíblia hebraica, também relacionado ao festival de outono, enquanto na liturgia judaica a realeza divina está ligada à celebração do sábado. Parece, portanto, uma hipótese de trabalho válida admitir que nosso texto era originalmente parte integrante da liturgia do segundo templo, uma liturgia na qual, entre outras coisas, se celebrava a criação e a providência do Deus de Israel.

4. Ex nihilo

A Igreja cristã tem acreditado reconhecer em nossos textos os extremos para confessar a fé no que foi chamado de 'creatio ex nihilo'.

O propósito dessa doutrina parece ser o de declarar solenemente que Deus na criação não usou uma matéria preexistente e, portanto, eterna, caótica ou não, mas criou o cosmos precisamente 'do nada'. Nesse contexto, porém, não fica claro quais são as relações entre o conceito mítico de caos, conceito claramente presente nos textos, como veremos, apesar das afirmações em contrário, e o conceito filosófico de 'nada'. No entanto, deve-se afirmar que o conceito de uma 'criação do nada' não aparece nesses textos, pois está ausente, aliás, dos demais textos bíblicos. Nem mesmo um texto muitas vezes invocado em apoio a esta tese, 2 Mac 7,28 trata de uma 'creatio ex nihilo', pois diz que Deus criou o universo ούκ έξ οντων, portanto 'não de coisas que eram' ou 'que existiam ' , que evidentemente não é uma criação do nada, mas apenas a afirmação de que Deus não usou os materiais presentes no caos.

 

1. O primeiro dia da criação (1,1-5)

 

בְּרֵאשִׁ֖ית בָּרָ֣א אֱלֹהִ֑ים אֵ֥ת הַשָּׁמַ֖יִם וְאֵ֥ת הָאָֽרֶץ׃ 2 וְהָאָ֗רֶץ הָיְתָ֥ה תֹ֙הוּ֙ וָבֹ֔הוּ וְחֹ֖שֶׁךְ עַל־פְּנֵ֣י תְה֑וֹם וְר֣וּחַ אֱלֹהִ֔ים מְרַחֶ֖פֶת עַל־פְּנֵ֥י הַמָּֽיִם׃ 3 וַיֹּ֥אמֶר אֱלֹהִ֖ים יְהִ֣י א֑וֹר וַֽיְהִי־אֽוֹר׃ 4 וַיַּ֧רְא אֱלֹהִ֛ים אֶת־הָא֖וֹר כִּי־ט֑וֹב וַיַּבְדֵּ֣ל אֱלֹהִ֔ים בֵּ֥ין הָא֖וֹר וּבֵ֥ין הַחֹֽשֶׁךְ׃ 5 וַיִּקְרָ֨א אֱלֹהִ֤ים ׀ לָאוֹר֙ י֔וֹם וְלַחֹ֖שֶׁךְ קָ֣רָא לָ֑יְלָה וַֽיְהִי־עֶ֥רֶב וַֽיְהִי־בֹ֖קֶר י֥וֹם אֶחָֽד׃ פ 

 

V. 1 - בְּרֵאשִׁ֖ית é um substantivo semelhante a jfc'èr / r, 'residual', 'sobrevivente / s'; atualmente indica os 'primeiros frutos' de um produto agrícola, considerado a parte mais nobre. Também pode indicar, como aqui, categorias temporais como 'início', 'início'. Destinado de forma absoluta, o termo se encontra no início da proposição, portanto em posição enfática, portanto indica o começo, o começo em sentido absoluto e realmente antes da criação só pode haver o nada (cf. v. 2). . As várias transcrições gregas têm βρησιθ, uma forma que confirma a vocalização massorética; variantes 'esporádicas' (Skinner), no entanto, também possuem βαρησηθ e βαρησεθ, semelhantemente ao Pent, um samaritano que possui bãrãsít, assumindo assim a presença do artigo e o estado absoluto. Por outro lado, a LXX, Σ e Θ traduzem έν άρχη, enquanto Ά traduz έν κεφαλοιω; todas essas autoridades, portanto, pressupõem um original hebraico sem o artigo. Além disso, na Bíblia hebraica, incluindo Sir 15:14 (veja abaixo), a expressão sempre aparece sem o artigo, então parece que a lição com bã- não é tanto uma variante textual, mas sim um refinamento do tipo teológico, tendendo a sugerir a tradução tradicional (veja abaixo).

בָּרָא

bãrã 'é um termo técnico, usado exclusivamente para a obra divina da criação; foi sugerido que seu significado original era 'separar'. Além do 'P' ainda aparece apenas em Ezequiel e no Deutero-Isaías e em textos posteriores. Em nosso capítulo também encontramos ãsãh, «fazer», enquanto 2,4b ss. eles têm apenas * ãsãh e jãsar, 'formando (do oleiro)' (cf. ibid). Em nosso capítulo tsh aparece, portanto, sinônimo de br  apenas que para este último sujeito ou agente é sempre Deus. Ao contrário da opinião de P. Humbert 2, o termo técnico-teológico não pode ser antigo; e, de fato, não é atestado em Israel antes do exílio ou em outro lugar. Além disso, o uso de um termo técnico desse tipo pressupõe uma fase avançada de reflexão, uma reflexão que chegou à conclusão de que a criação, como obra da divindade , constitui algo substancialmente diferente de outras atividades criativas não divinas (hoje, por exemplo, arte, ciência, moda).

'Céu e terra', respectivamente, indicam os mundos terrestres superior e inferior, onde reside a humanidade. Juntos eles formam o universo, o cosmos. O submundo, terceiro elemento de um universo de três andares miticamente concebido, não é mencionado, provavelmente por ser considerado a região situada fora da soberania direta de Deus. Temos aqui um exemplo primordial do uso de uma forma literária especial, o 'merismo: Por meio disso, a totalidade é indicada com o uso de termos contrários; 'Céu e terra' indicam, portanto, o universo ordenado, completo em todas as suas partes. Portanto, não se pode dizer que Deus se limitou a criar matéria amorfa contendo os ingredientes, deixando-a então em estado de caos, esperando ser rearranjada; também Is 45:18 aponta corretamente a contradição que seria inerente ao conceito da criação do caos. Outros elementos do v. 2.

A única dificuldade real com que o estudioso do w. 1-3 é comparado é o da ordem sintática a ser atribuída aos seus vários componentes. Acima, na primeira linha, ofereço a tradução tradicional: v. 1 aparece então como uma frase programática, como uma espécie de resumo do conteúdo de todo o capítulo, a ser claramente separado de w. 2 ss. Sua formulação é lapidar, e a palavra inicial deve ser lida em seu estado absoluto. Tal foi a tradução de todas as traduções antigas: LXX, Ά, Σ, Θ e Vg., Confirmado pelas variantes em bã-e por Sam. O acento massorético tifhà1 também nos leva nessa direção, indicando a separação de seu contexto da palavra assim destacada 4; da mesma forma também a referência implícita ao nosso versículo em Jo 1:1 no Novo Testamento. Essa rendição, portanto, tem uma longa e autorizada tradição a seu favor. O problema que ele deixa sem solução, porém, é o das relações entre o w. 1 e 2, e a proposta de que o v. 2 reproduziria, ainda que de forma altamente desmitificada, os vestígios de antigos conceitos míticos relativos à cosmogonia, seria então colocada de forma antagônica em relação à afirmação programática do v. 1

Bibliografia

Blenkinsopp, J. (2013). Creazione, de-creazione, nuova creazione Introduzione e commento a Genesi 1-11. Bologna: EDB.

Soggin, A. (1991). Genesi 1-11. Torino: Marietti.

Noth, M. (1966). Historia de Israel. Barcelona: Garriga.

Westermann, C. (1989). Genesi. Casale Monferrato: Piemme.

Garbini, G. (2011). Dio della terra, Dio del cielo. Brescia: Paideia.

 

10 de Junho 13ª Lição: exegese

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1) Resumo (1.1)

Gênesis 1

1 בְּרֵאשִׁית בָּרָא אֱלֹהִים אֵת הַשָּׁמַיִם וְאֵת הָאָרֶץ ׃

2 וְהָאָרֶץ הָיְתָה תֹהוּ וָבֹהוּ וְחֹשֶׁךְ עַל־פְּנֵי תְהוֹם וְרוּחַ אֱלֹהִים מְרַחֶפֶת עַל־פְּנֵי הַמָּיִם ׃

3 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים יְהִי אוֹר וַיְהִי־אוֹר ׃

4 וַיַּרְא אֱלֹהִים אֶת־הָאוֹר כִּי־טוֹב וַיַּבְדֵּל אֱלֹהִים בֵּין הָאוֹר וּבֵין הַחֹשֶׁךְ ׃

5 וַיִּקְרָא אֱלֹהִים לָאוֹר יוֹם וְלַחֹשֶׁךְ קָרָא לָיְלָה וַיְהִי־עֶרֶב וַיְהִי־בֹקֶר יוֹם אֶחָד ׃ פ

6 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים יְהִי רָקִיעַ בְּתוֹךְ הַמָּיִם וִיהִי מַבְדִּיל בֵּין מַיִם לָמָיִם ׃

7 וַיַּעַשׂ אֱלֹהִים אֶת־הָרָקִיעַ וַיַּבְדֵּל בֵּין הַמַּיִם אֲשֶׁר מִתַּחַת לָרָקִיעַ וּבֵין הַמַּיִם אֲשֶׁר מֵעַל לָרָקִיעַ וַיְהִי־כֵן ׃

8 וַיִּקְרָא אֱלֹהִים לָרָקִיעַ שָׁמָיִם וַיְהִי־עֶרֶב וַיְהִי־בֹקֶר יוֹם שֵׁנִי ׃ פ

9 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים יִקָּווּ הַמַּיִם מִתַּחַת הַשָּׁמַיִם אֶל־מָקוֹם אֶחָד וְתֵרָאֶה הַיַּבָּשָׁה וַיְהִי־כֵן ׃

10 וַיִּקְרָא אֱלֹהִים לַיַּבָּשָׁה אֶרֶץ וּלְמִקְוֵה הַמַּיִם קָרָא יַמִּים וַיַּרְא אֱלֹהִים כִּי־טוֹב ׃

11 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים תַּדְשֵׁא הָאָרֶץ דֶּשֶׁא עֵשֶׂב מַזְרִיעַ זֶרַע עֵץ פְּרִי עֹשֶׂה פְּרִי לְמִינוֹ אֲשֶׁר זַרְעוֹ־בוֹ עַל־הָאָרֶץ וַיְהִי־כֵן ׃

12 וַתּוֹצֵא הָאָרֶץ דֶּשֶׁא עֵשֶׂב מַזְרִיעַ זֶרַע לְמִינֵהוּ וְעֵץ עֹשֶׂה־פְּרִי אֲשֶׁר זַרְעוֹ־בוֹ לְמִינֵהוּ וַיַּרְא אֱלֹהִים כִּי־טוֹב ׃

13 וַיְהִי־עֶרֶב וַיְהִי־בֹקֶר יוֹם שְׁלִישִׁי ׃ פ

14 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים יְהִי מְאֹרֹת בִּרְקִיעַ הַשָּׁמַיִם לְהַבְדִּיל בֵּין הַיּוֹם וּבֵין הַלָּיְלָה וְהָיוּ לְאֹתֹת וּלְמוֹעֲדִים וּלְיָמִים וְשָׁנִים ׃

15 וְהָיוּ לִמְאוֹרֹת בִּרְקִיעַ הַשָּׁמַיִם לְהָאִיר עַל־הָאָרֶץ וַיְהִי־כֵן ׃

16 וַיַּעַשׂ אֱלֹהִים אֶת־שְׁנֵי הַמְּאֹרֹת הַגְּדֹלִים אֶת־הַמָּאוֹר הַגָּדֹל לְמֶמְשֶׁלֶת הַיּוֹם וְאֶת־הַמָּאוֹר הַקָּטֹן לְמֶמְשֶׁלֶת הַלַּיְלָה וְאֵת הַכּוֹכָבִים ׃

17 וַיִּתֵּן אֹתָם אֱלֹהִים בִּרְקִיעַ הַשָּׁמָיִם לְהָאִיר עַל־הָאָרֶץ ׃

18 וְלִמְשֹׁל בַּיּוֹם וּבַלַּיְלָה וּלֲהַבְדִּיל בֵּין הָאוֹר וּבֵין הַחֹשֶׁךְ וַיַּרְא אֱלֹהִים כִּי־טוֹב ׃

19 וַיְהִי־עֶרֶב וַיְהִי־בֹקֶר יוֹם רְבִיעִי ׃ פ

20 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים יִשְׁרְצוּ הַמַּיִם שֶׁרֶץ נֶפֶשׁ חַיָּה וְעוֹף יְעוֹפֵף עַל־הָאָרֶץ עַל־פְּנֵי רְקִיעַ הַשָּׁמָיִם ׃

21 וַיִּבְרָא אֱלֹהִים אֶת־הַתַּנִּינִם הַגְּדֹלִים וְאֵת כָּל־נֶפֶשׁ הַחַיָּה הָרֹמֶשֶׂת אֲשֶׁר שָׁרְצוּ הַמַּיִם לְמִינֵהֶם וְאֵת כָּל־עוֹף כָּנָף לְמִינֵהוּ וַיַּרְא אֱלֹהִים כִּי־טוֹב ׃

22 וַיְבָרֶךְ אֹתָם אֱלֹהִים לֵאמֹר פְּרוּ וּרְבוּ וּמִלְאוּ אֶת־הַמַּיִם בַּיַּמִּים וְהָעוֹף יִרֶב בָּאָרֶץ ׃

23 וַיְהִי־עֶרֶב וַיְהִי־בֹקֶר יוֹם חֲמִישִׁי ׃ פ

24 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים תּוֹצֵא הָאָרֶץ נֶפֶשׁ חַיָּה לְמִינָהּ בְּהֵמָה וָרֶמֶשׂ וְחַיְתוֹ־אֶרֶץ לְמִינָהּ וַיְהִי־כֵן ׃

25 וַיַּעַשׂ אֱלֹהִים אֶת־חַיַּת הָאָרֶץ לְמִינָהּ וְאֶת־הַבְּהֵמָה לְמִינָהּ וְאֵת כָּל־רֶמֶשׂ הָאֲדָמָה לְמִינֵהוּ וַיַּרְא אֱלֹהִים כִּי־טוֹב ׃

26 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים נַעֲשֶׂה אָדָם בְּצַלְמֵנוּ כִּדְמוּתֵנוּ וְיִרְדּוּ בִדְגַת הַיָּם וּבְעוֹף הַשָּׁמַיִם וּבַבְּהֵמָה וּבְכָל־הָאָרֶץ וּבְכָל־הָרֶמֶשׂ הָרֹמֵשׂ עַל־הָאָרֶץ ׃

27 וַיִּבְרָא אֱלֹהִים אֶת־הָאָדָם בְּצַלְמוֹ בְּצֶלֶם אֱלֹהִים בָּרָא אֹתוֹ זָכָר וּנְקֵבָה בָּרָא אֹתָם ׃

28 וַיְבָרֶךְ אֹתָם אֱלֹהִים וַיֹּאמֶר לָהֶם אֱלֹהִים פְּרוּ וּרְבוּ וּמִלְאוּ אֶת־הָאָרֶץ וְכִבְשֻׁהָ וּרְדוּ בִּדְגַת הַיָּם וּבְעוֹף הַשָּׁמַיִם וּבְכָל־חַיָּה הָרֹמֶשֶׂת עַל־הָאָרֶץ ׃

29 וַיֹּאמֶר אֱלֹהִים הִנֵּה נָתַתִּי לָכֶם אֶת־כָּל־עֵשֶׂב זֹרֵעַ זֶרַע אֲשֶׁר עַל־פְּנֵי כָל־הָאָרֶץ וְאֶת־כָּל־הָעֵץ אֲשֶׁר־בּוֹ פְרִי־עֵץ זֹרֵעַ זָרַע לָכֶם יִהְיֶה לְאָכְלָה ׃

30 וּלְכָל־חַיַּת הָאָרֶץ וּלְכָל־עוֹף הַשָּׁמַיִם וּלְכֹל רוֹמֵשׂ עַל־הָאָרֶץ אֲשֶׁר־בּוֹ נֶפֶשׁ חַיָּה אֶת־כָּל־יֶרֶק עֵשֶׂב לְאָכְלָה וַיְהִי־כֵן ׃

31 וַיַּרְא אֱלֹהִים אֶת־כָּל־אֲשֶׁר עָשָׂה וְהִנֵּה־טוֹב מְאֹד וַיְהִי־עֶרֶב וַיְהִי־בֹקֶר יוֹם הַשִּׁשִּׁי ׃ פ1 בְּרֵאשִׁית בָּרָא אֱלֹהִים אֵת הַשָּׁמַיִם וְאֵת הָאָרֶץ ׃

 

O primeiro verso pode ser considerado um resumo ou título da narrativa seguinte. Traduzido literalmente soa: 'No princípio Elohim criou o céu e a terra'

'No princípio' designa o momento da criação, que coincide com o início dos tempos. É um início temporal associado a um ponto espacial. Deus é concebido antes e fora dele. “Ele criou” (בָּרָא). Este verbo, que pertence ao vocabulário do sagrado, denota uma ação sempre divina, mas que nem sempre é uma criação do nada, porque Deus às vezes se limita a modificar uma matéria preexistente. No entanto, o contexto aponta definitivamente para uma criação do nada, no sentido entendido por 2 Mac 7,28. De facto, ao contrário do que acontece nas cosmogonias orientais (cf. Enuma elis), aqui não se fala de elementos pré-existentes à operação do demiurgo, quando Deus é apresentado como o único Ser existente; além disso, os elementos que Deus usa são completamente inertes e passivos. Deus cria o universo inteiro, portanto, nada preexistia. Aqui Deus não depende da matéria, como nos mitos cosmogônicos orientais; pelo contrário, é matéria que depende de Deus.

«אֱלֹהִים». Este nome, usado ao longo do primeiro capítulo do Gênesis, designa o único Deus dos israelitas. É um plural, que provavelmente deriva do singular אֱלֹ , tão frequente nas línguas semíticas, e que provavelmente expressa a ideia de poder e autoridade. No passado pensava-se que este plural Elohim era um resíduo politeísta. Hoje esta opinião está completamente abandonada. De facto, os textos do antigo Oriente revelaram que mesmo nas línguas semíticas existe o costume de indicar uma pessoa ou uma única divindade com o plural desse nome. Nas cartas de El-Amarna, o faraó egípcio é chamado ilani; nos textos de Boghazkõy, as divindades individuais recebem uma denominação idêntica; na Fenícia o deus Nergal é chamado elim Nergal, da mesma forma em Ras Shamra o deus Mot. 'É um dos plurais de abstração de que o hebraico e as outras línguas semíticas fornecem vários exemplos, e seu uso atual com verbos e adjetivos no singular deve ser suficiente para evitar ver um índice de politeísmo'.

אֵת הַשָּׁמַיִם וְאֵת הָאָרֶץ indicam tudo acima e abaixo, todo o universo (o cosmo dos gregos) como se apresenta hoje. A expressão 'céu e terra' indica a totalidade do mundo: esta interpretação é exigida pelo contexto imediato e remoto e, em particular, pela linguística dos povos do antigo - Oriente que expressam a totalidade com o uso de termos opostos.

2) Descrição do mundo primordial (1,2)

Antes de apresentar a obra ordenadora e criadora de Deus, o hagiógrafo enumera, sem descrevê-los extensivamente, os elementos que compunham o universo primordial. São os materiais que Deus usará para construir o mundo, usando-os como mestre soberano. Até um trabalhador, antes de começar a trabalhar, recolhe o material necessário para o seu trabalho! A descrição bíblica obedece à concepção geocêntrica, típica do ambiente em que o autor viveu, e também utiliza imagens mitológicas que lhe são fornecidas por antigas tradições.

O hagiógrafo imagina este universo primordial como uma grande massa composta por três elementos: a partir do exterior, encontra-se primeiro a escuridão que envolve tudo, depois o oceano aquático (תְהוֹםe mayim) e finalmente a terra. grande plataforma, completamente imersa nas 'águas do oceano primordial. Seu estado é descrito com dois adjetivos: deserto (תֹהוּ) e vazio (וָבֹהוּ). Os dois termos hebraicos וָבֹהוּ תֹהוּconstituem uma aliteração e designam respectivamente o deserto (Dt 32.10; Sal 107.40) e o vazio (Ger 4.23; Is 34.11). Essa aliteração sugere a ideia do nada, que os antigos orientais não podiam conceber, como a escuridão sobre o abismo e as águas primordiais.

Mais do que um estado caótico, que não parece familiar aos autores bíblicos, eles indicam que a terra, - já totalmente formada, com suas montanhas e vales (Sal 104,6), é desprovida de vegetação e habitantes. Aqui o mundo primordial é imaginado como o duplo do cosmos sobre o qual é modelado.

Acima das escuras águas primordiais, e bem distinto da criação, pairava וְרוּחַ o espírito de Elohìm. Sua intenção era estabelecer a ordem e comunicar a vida. No A. T. o espírito ou respiração (é o No A. T. o espírito ou sopro (esta é a dupla tradução possível do hebraico רוּחַ) de Deus é uma força que brota de Deus, dá vida e força, ilumina e conduz ao bem. Não difere em significado da 'palavra de Deus'. De fato, em Gn 1 o espírito de Elohim não é mais mencionado em outro lugar, mas é dito que tudo é trazido à existência através da palavra criadora. Referindo-se então a este capítulo, o salmista diz: 'Com a palavra de Yahweh foi criado o céu e com o sopro (רוּחַ) de sua boca todos os astrosa (Sal 33,6 Jdt 16,14).

3) Trabalho do primeiro dia: criação da luz (1,3-5)

O primeiro elemento do universo primordial, que se apresenta a quem o considera de fora, é constituído de trevas, que os antigos consideravam uma realidade física, e não pura falta de luz. Portanto, Deus, que está fora e acima deste mundo primordial, atua primeiro nas trevas, às quais limita o tempo de permanência delas no mundo, através da introdução da luz. Embora alguns exegetas (F. Ceuppens, etc.) tenham pensado na existência de uma luz independente do sol, não pode haver dúvida de que aqui é a verdadeira luz solar, porque é apenas a luz solar que determina a alternância de dia e noite (ver v. 5). A criação da luz, como todas as outras coisas mencionadas neste capítulo, é realizada pela palavra. Em todo o Oriente antigo, a palavra não é um simples som, mas o início da ação: é a expressão mais clara da vontade dos homens e não da divindade.

A aprovação divina, repetida sete vezes neste capítulo após cada criação, significa que a nova criatura responde ao ideal divino e executa o decreto de sua vontade. Este antropomorfismo sublinha lindamente a perfeição das diferentes coisas criadas e a bondade original da criação.

Mesmo a imposição do nome, mencionada três vezes neste capítulo, é um antropomorfismo muito significativo: no A.T. na verdade, quem dá o nome a uma pessoa ou coisa, é o proprietário e pode dispor dela à vontade. -

A actividade divina é modelada na actividade humana também em termos de duração. Como o judeu, de fato, trabalha durante o dia, interrompe sua atividade à noite e depois a retoma ao amanhecer, e isso por seis dias consecutivos, assim o artesão divino trabalha durante o dia, ele interrompe o trabalho à noite e depois o retoma. durante o dia seguinte, e isso por seis dias. No sétimo dia, tanto o judeu quanto Deus descansam.

O dia de Gênesis (יוֹם) é, portanto, o dia natural que vai da manhã, ao amanhecer da luz, até a tarde. 'Noite' pode ser entendida como o limite de um dia e o início da noite, cujo fim deve ser esperado para que o novo dia indicado em 'manhã' comece, ou seja, 'A manhã seguinte'.

4) Trabalho do segundo dia: criação do firmamento (1,6-8)

A terra ainda está completamente submersa pela água primordial. Para que se torne visível, é necessário antes de tudo reduzir o volume dessa água. Portanto, Deus cria uma camada sólida, o firmamento, que ele penetra na água primordial para separá-la em duas grandes massas aquosas: a acima do firmamento, composta pelas águas dos vários fenômenos atmosféricos, e a abaixo do firmamento. A ideia de uma 'abóbada' celeste, uma espécie de camada sólida com aberturas (as comportas) por onde filtram as águas superiores suportadas pela mesma camada, é comum aos antigos semitas e deve-se a uma ilusão de ótica. Faz parte da concepção popular sobre a constituição do universo, que emerge em inúmeras passagens bíblicas.

5) Primeiro trabalho do terceiro dia: separação da terra e da água (1,9-10)

Para tornar a terra habitável, Deus reúne as águas que ainda estão ali. eles cobriam em lugares especiais, constituindo assim os mares e o oceano.

Finalmente, a terra aparece como imaginava a concepção cosmográfica do antigo Oriente: uma grande plataforma ancorada na vasta extensão do mar. E é em vista dessa vastidão que se utiliza o plural intensivo 'mares', em vez do singular.

6) Segundo trabalho do terceiro dia: produção de vegetação (1.11-13)

O solo terrestre, completamente liberto da água que o cobria, está agora em condições de se cobrir de vegetação. Portanto, 'por ordem divina, produz no mesmo dia vegetação abundante e variada, eliminando assim sua 'deserticidade' inicial (תֹהוּ). O autor menciona três categorias de hortaliças: hortaliças, que os antigos acreditavam serem produzidas espontaneamente do solo, sem necessidade de sementes (2 Sm 23,4; Jb 38,27); plantas herbáceas, silvestres e comestíveis, que se reproduzem através das sementes que produzem ao ar livre (por exemplo, forragens e leguminosas); finalmente árvores frutíferas com a semente incluída no fruto '. Deus não deixou nada indeterminado: todos os tipos ou variedades (min) desses vegetais também foram estabelecidos imutavelmente pelo Criador.

7) Trabalho do quarto dia: criação do sol, da lua e das estrelas (1: 14-19)

Depois de ter preparado os ambientes, Deus pensa em povoá-los com seres que, por sua mobilidade, quase constituem um exército pronto para comandar o Criador. Assim começa o trabalho de ornamentação. A parte clara do dia, criada no primeiro dia, é adornada com o sol; a parte escura, também formada no primeiro dia, é adornada com a lua e as estrelas. Mas o sol e a lua não são chamados pelo nome, que era considerado sagrado por todos os povos do antigo Oriente: são simples lâmpadas penduradas na abóbada celeste, a serviço do cara. Reação efetiva contra a astrolatria predominante fora de Israel!

O papel atribuído a esses luminares é triplo: em primeiro lugar, eles servem para distinguir o dia da noite, porque o dia é o tempo do sol e a noite o da lua; servem também para estabelecer o calendário, permitindo a fixação de estações, dias e anos; enfim, devem iluminar a terra em diferentes graus, garantindo assim a luz, que é condição indispensável para a vida dos seres vivos.

O autor chama o sol e a lua de luminares 'grandes', o sol então luminar 'maior' e a lua luminar 'menor' porque está de acordo com a aparência empírica.

8) Trabalho do quinto dia: criação de peixes e aves (1,20-23)

A água que, antes de ser recolhida nos mares, se localizava abaixo do firmamento, e o ar que agora ocupa seu lugar, são povoados por peixes e pássaros respectivamente. O ar, reservado às aves, é indicado com o estranho circunlóquio 'na terra em frente à abóbada do céu': isso se deve ao facto de o vocabulário do autor não conter a palavra 'ar'. Entre os peixes, destaque para os grandes animais aquáticos (הַתַּנִּינִם) que os. os antigos orientais eram vistos com prazer como monstros mitológicos. Peixes e pássaros são apresentados como os primeiros seres vivos: de fato, diferentemente das plantas, eles receberam o elemento vital (הַמַּיִם) diretamente de Deus (v. 21). Deus os torna objeto de sua bênção - infalivelmente eficaz segundo a mentalidade semítica - em vista de sua reprodução, que os antigos semitas consideravam uma função profundamente misteriosa. As hortaliças não precisam dessa benção provavelmente porque, segundo o modo de pensar dos antigos, não traziam em si os meios de reprodução.

9) Primeira obra do sexto dia: criação dos animais terrestres (1,24-25)

Pela ordem de Deus, a terra produz três categorias de animais terrestres: animais domésticos, animais selvagens e animais rastejantes, como cobras, lagartos, insetos e outros animais. Deus não dá a bênção aos animais terrestres provavelmente porque a bênção conferida ao homem (v. 28) também se aplica aos animais terrestres, criados no mesmo dia, ou porque a difusão excessiva de animais teria prejudicado o homem, a quem está reservado o domínio da Terra. Os animais também, como peixes e pássaros, são seres vivos, porque receberam o elemento vital diretamente de Deus (v. 25).

10) Segunda obra do sexto dia: criação do homem (1: 26-31)

A criação do homem representa o culminar da semana criativa. Enquanto para as plantas e animais da terra se diz: 'a terra produz...' e os elementos surgiram simplesmente dizendo: 'eles existem', ao contrário, a criação do homem é precedida por uma resolução divina. É fácil perceber que até mesmo o tom da história se torna mais solene, como que para se adaptar à importância do momento.

' façamos '. Os exegetas chegaram a um acordo justo sobre o significado deste verbo no plural, precedido por outro verbo no singular: 'E disse Elohim'. O plural também é encontrado nas expressões 'nossa imagem' e 'nossa semelhança'. Tendo descartado a interpretação não-católica (K. Budde, H. Gunkel, W. Eichrodt) que vê nele um resíduo politeísta, os exegetas comummente consideram o plural como deliberativo: conscientes do grande trabalho que está prestes a ser feito , Deus se recolhe em si e se consulta, como muitos fariam, aqui na terra, prestes a empreender algo importante; ou ele consulta com sua corte celestial. Cfr. Reis 22.19-22; Jb 2.1; etc.).

'Homem' אָדָם). “Homem” é um singular coletivo (cf o plural “e têm poder” referindo-se a אָדָם): designa a espécie humana, mas não implica a criação de vários casais. A etimologia do termo é controversa: Josefo propôs uma raiz hebraica que significa 'ser vermelho' e a justificou com a cor vermelha da terra da qual Adão foi tirado ou com a de sua pele; S. Landerdorfer reconecta o hebraico אָדָם com o sumério ada-mu ('meu pai'), nome atribuído ao primeiro homem como progenitor da humanidade; O. Procksch pensa no nome sabeano e fenício ãdãm, que significa 'servo', 'vassalo', especialmente em relação à divindade. No entanto, é provável que o nome אָדָם deriva simplesmente de’ הָאֲדָמָה (“terra”), de onde o homem foi tirado conforme Gn 3.23 (19): neste caso significaria “terrestre”.

'À nossa imagem, conforme a nossa semelhança.' Os dois termos não são sinônimos: o primeiro ('imagem') indica a relação entre Deus e o homem: o homem é a reprodução de Deus, assim como a imagem é da realidade; a segunda ('semelhança') especifica a primeira, pois afirma que não se trata de reprodução idêntica, mas apenas semelhante -. Os exegetas argumentam em que consiste essa semelhança. Tendo abandonado completamente a opinião dos Padres segundo a qual seria uma semelhança sobrenatural (= graça), alguns falam de uma semelhança física no sentido de Gn 5,3 ('Adão deu à luz um filho à sua imagem e semelhança' ), apelando para o facto de que os israelitas nem sempre conceberam Deus e os seres celestiais como entidades incorpóreas; as outras significam uma semelhança espiritual, pelo facto de o homem ser dotado de uma inteligência e uma vontade semelhantes à de Deus. Esta última interpretação, que remonta a Santo Agostinho, goza da preferência dos exegetas e parece mais afinada com o contexto. Com a criação dos animais e do homem, o 'vazio' inicial (וָבֹהוּ) da terra é finalmente removido.

11) Conclusão e consagração do sétimo dia (2, l-4a)

Imitando os antigos sumérios e semitas, que de bom grado consideravam o que aconteceu na terra como uma réplica do que aconteceu no céu, o autor bíblico imagina que Deus, após seis dias de trabalho, repousa no sétimo, como era obrigado a fazer. .todo israelita. Sendo um dia especial, Deus o honra com uma bênção particular e o separa dos outros dias (este é o significado primitivo da consagração) reservando-o todo para si. O antropomorfismo do descanso divino é retomado de forma mais acentuada em Ex 31.17: 'Em seis dias fez o Senhor o céu e a terra; e no sétimo descansou e respirou.' Note-se que para o sétimo dia, o dia do descanso divino, o autor não acrescentou as indicações: 'E foi tarde e foi manhã': Deus voltou definitivamente à paz de onde saiu para formar o mundo!

Os exegetas não concordam sobre como conectar a primeira parte do v. 4: 'Estas são as origens (tóledòt) do céu e da terra quando foram criados'. Alguns consideram esta primeira parte como o título da história que se segue e, portanto, ligam-na a ela; outros vêem nele a conclusão da história anterior. Há boas razões para ambas as visões. Adotamos a segunda, apoiada por numerosos católicos e protestantes, sobretudo pelo fato de tôledôt em Gn 5,1 designar as origens, e o autor descrever as origens do céu e da terra precisamente em Gn 1,1-2,3 (26).

MOMENTO HERMENÊUTICO E DOUTRINA TEOLÓGICA

Caráter artificial da narrativa

Com a maioria dos exegetas modernos deve-se sustentar que o quadro do primeiro relato do Gênesis é artificial, sem valor objetivo e, portanto, a ordem em que aparecem as regiões do universo e seus habitantes é, no pensamento do autor, puramente lógica e não cronológica. É o resultado da invenção humana e não da revelação. A cosmogonia bíblica é logicamente deduzida da cosmografia semítica.

Do relato do Gênesis derivamos apenas o fato de que Deus deu origem ao universo com um acto criativo (Gn 1,1), mas não a forma como o mundo atual foi formado.

Aqui está o diagrama do c. 1:

 

Elementos

Dia

Obras

Dia

Obras

Trevas

I

1) Criação da luz: distinção entre luz e escuridão (dia e noite) (w. 3-5)

IV

5) Criação do sol (serviço diurno); da lua e das estrelas (serviço noturno) (vv. 14-19)

Águas

 

II

2) Criação do firmamento: separação dos dois abismos (ar e água) (vv. 6-8)

V

6) Criação de pássaros (ar) e peixes (água) (vv. 20-23)

Terra submersa pela água

III

3) Distinção entre terra e água (w. 9-10)

VI

7) Criação de animais terrestres (vv. 24-25)

 

 

4) Produção de plantas (3) (vv. 11-13)

 

 

8) Criação do homem ao qual se destinam as plantas (vv. 26-31)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A artificialidade com que as obras se sucedem é confirmada pelos paralelismos das fórmulas. Na história ocorrem fórmulas idênticas, estereotipadas, que se sucedem em intervalos regulares e numa ordem aparentemente intencional. Eles dão ao texto o ritmo de uma prosa rítmica, cadenciada e, ao mesmo tempo, de caráter esquemático. As fórmulas que entram na estrutura dos trabalhos criativos são sete:

a) fórmula introdutória (E Elohim disse);

b) fórmula de comando (ex. Haja luz);

c) fórmula de execução (E assim aconteceu);

d) fórmula de descrição (p. ex. E Elohim separou a luz da escuridão);

e) fórmula de bênção (E Elohim abençou) ou denominação (por exemplo, Elohim chamou à luz 'dia')

f) fórmula de louvor (E Elohim viu que isso era bom);

g) fórmula de conclusão (por ex. E era tarde e era manhã, um dia). Ora, essas fórmulas se repetem de tal maneira nas obras criativas individuais que constituem para o número ou para a sucessão um claro paralelismo entre a primeira e a segunda seções do Hexameron.

 

Quanto ao número de fórmulas, o primeiro trabalho responde ao último: ambos os trabalhos contêm o maior número de fórmulas, um período de sete anos. A segunda Obra também tem o mesmo número de fórmulas da sexta e a terceira da sétima: aqui teremos a confirmação daquele paralelismo já encontrado em termos de substância. A quarta e a quinta obras, que formam a dobradiça do díptico, não só têm o mesmo número de fórmulas, como se sucedem da mesma maneira. É difícil dizer se o autor da história queria todo esse artifício. Mas uma coisa é certa: mesmo que o paralelismo das fórmulas fosse em parte fortuito, a história tem um caráter muito artificial e esse paralelismo, em perfeita sintonia com o gosto dos semitas, favoreceu a preservação mnemônica mais segura da passagem.

2) Duração artificial da criação

O trabalho criativo de Deus está contido em seis dias de trabalho, seguidos de um de descanso. Esta distribuição é um processo artístico simples, nada inspirado na realidade. Prova disso é sobretudo a preocupação litúrgica de apresentar a semana operativa do homem modelada na divina. Mas o que nos faz falar de artifício é sobretudo a frequência do número 7, o número de perfeição e completude com seus múltiplos e, em particular, a presença da sucessão numérica 6 + 1, muito difundida no mundo semítico para significar que uma obra, que durou um certo período de tempo indefinido, então terminou. Vamos começar com a frequência do número 7 com seus múltiplos. Além dos sete dias da semana criativa, temos as sete fórmulas já mencionadas, que se repetem no todo ou em parte em atos criativos individuais. O primeiro verso consiste em sete palavras; o segundo de quatorze (7 X 2). A frase laudatória "E Elohim viu que era bom" ocorre sete vezes; Elohim 35 vezes (7 X 5). Os dois termos terra e céu (הַשָּׁמַיִם וְאֵת הָאָרֶץ) são encontrados 21 vezes (7 X 3) cada. Gn 2,2-3a, em que a expressão "sétimo dia" ocorre três vezes, é composta de três stichi de sete palavras cada. É difícil provar que todas essas combinações são intencionais; no entanto, quem sente a frequência do número "sete" e a estrutura procurada do capítulo. A sucessão numérica 6 + 1 é inspirada em um clichê literário muito difundido no mundo semítico. As antigas literaturas orientais, trazidas à luz neste último século, são amplamente acreditadas. Eis alguns exemplos:

Aqui está um dia e um segundo,

o fogo devora na casa, a chama no palácio;

um terceiro, um quarto dia,

o fogo devora na casa, a chama nos palácios;

um quinto, um sexto dia,

o fogo devora na casa, a chama no palácio;

mas no sétimo dia o fogo se apagou da casa e a chama do palácio.

(Poema de Baal: texto 51, VI, 22-33 - Ras Shamra)

 

Em direção ao Monte Nisir o navio chegou,

o Monte Nisir segurou o navio, não o deixou se mover;

um dia, um segundo dia,

o monte Nisir deteve o navio, não o deixou se mover;

um terceiro, um quarto dia,

o Monte Nisir deteve o navio, não o deixou se mover;

um quinto, um sexto dia,

o Monte Nisir deteve o navio, não o deixou se mover;

na chegada do sétimo dia

soltei a pomba, soltei-a.

(Épico de Gilgames XI, 141-147)

 

Negar que o autor de Gn 1 tenha adotado o velho clichê literário, particularmente adequado ao seu propósito litúrgico, não é fácil. Para entender o valor desses jogos numéricos, deve-se ter em mente que a mentalidade semítica é profundamente diferente da moderna ocidental. Para nós, ocidentais, nada é mais realista do que o número; para o semita, por outro lado, o número é um elemento extremamente poético e artístico. Não há dúvida de que nesta concepção artística de número os autores da Bíblia são filhos de seu tempo e de seu ambiente.

3) Concepções naturais conforme a idade do hagiógrafo

 Se refletirmos que são precisamente essas concepções, unanimemente reconhecidas como não "científicas", que comandam a distribuição de obras criativas, não deve haver dificuldade em admitir o caráter subjetivo do quadro. A concepção que os antigos semitas tinham do mundo era tipicamente geocêntrica. Eles pensavam que a terra estava no centro do universo, e que estava, como uma imensa plataforma, na superfície do abismo, de onde vinha a água dos rios. O oceano estendia-se à sua volta, no limite extremo do qual se erguia a sólida abóbada do firmamento. Com a sua robusta abóbada o firmamento sustentava as águas superiores que, em caso de chuva, filtravam-se pelas estantes, abertas ao céu. Numerosas estrelas pendiam do firmamento, enquanto o sol e a lua se moviam por caminhos especialmente marcados. A terra ocupava o centro do mundo mesmo quando este estava em estado caótico. Já estava totalmente formado, só que completamente coberto pelas águas primordiais. Evidentemente, essa concepção do mundo caótico dependia daquela do mundo organizado, em grande parte devido à experiência cotidiana comum. Os conceitos biológicos e físicos também eram fruto da experiência cotidiana elementar. O autor de Gn 1 pensava que as plantas germinavam da terra (1.11); que os animais aquáticos vinham das águas e fauna terrestre da terra (1,24) (9). No entanto, como os animais, além do elemento material derivado da água ou da terra, também possuem um elemento vital - (rù "h) vindo diretamente de Deus, o autor refere sua criação também a uma intervenção direta de Deus ( w. 21.25) . Descrevendo a criação das plantas, o autor supõe que a grama nos prados germina espontaneamente do solo sem sementes (ver 11ss.) E que as plantas não são dotadas de vida: na verdade para ele os primeiros seres vivos, a quem Deus infundido diretamente o elemento vital (tüa (i), são peixes e pássaros. Não devemos nos surpreender que os semitas atribuíssem uma fecundidade natural à terra ou à água, porque mesmo além da Idade Média acreditava-se no nascimento de animais como as enguias , peixes e plantas, da terra ou da água. Até a escuridão era considerada uma realidade física real, criada diretamente por Deus (v. 2), que era compartilhada com a luz durante as 24 horas do dia.

4) Distinção artificial entre e criação indireta

É um facto estabelecido que o autor do Hexameron não faz todas as obras virem de Deus da mesma maneira: de facto, em alguns casos, ele omite qualquer concorrência de segunda causa para lembrar apenas a actividade divina (criação direta), enquanto em outros casos m nosso Deus agindo por causas secundárias (criação indireta). Deus cria o firmamento e as estrelas diretamente, sem ajuda de causas materiais ou secundárias cria também os animais; terrestres e aquáticos e coloca neles  o espirito vital, mas,para o corpo usa a terra e a água como causas secundárias. Parece que as aves foram feitas derivar da água, como os peixes com os quais estão ligados. As várias espécies de plantas provêm exclusivamente da terra, dócil segunda causa nas mãos do Criador. O homem, pelo menos segundo Gn 1, foi criado directamente por Deus, sem a intervenção de causas secundárias, como o firmamento e as estrelas. Que esta distinção entre criação directa e indirecta não deva ser considerada responsiva à realidade surge do simples fato de que Gn 2 faz o homem também vir da terra, no que diz respeito ao corpo. Além disso, as causas secundárias são constituídas por aqueles elementos que o autor, de acordo com a experiência empírica de sua época, considerou fecundos em si mesmos, não havendo, portanto, preocupação científica. Com a distinção entre criação directa e indirecta, o autor só queria vincular mais estreitamente a Deus aqueles seres que, em sua concepção cosmogônica, lhe pareciam os mais importantes.

Cosmogonia bíblica e cosmogonias do antigo Oriente

 A comparação entre essas cosmogonias é duplamente vantajosa: por um lado, mostra-nos que a cosmogonia bíblica está inserida na tradição do antigo Oriente no que diz respeito aos conceitos cosmogônicos e cosmológicos, desde o por outro lado, mostra-nos que transcende em muito as cosmogonias orientais sob o aspecto doutrinário. Diante desses achados, deve-se reconhecer que, se a cosmogonia bíblica deve ao antigo Oriente por seu arcabouço, não se deve de modo algum a a doutrina Esta doutrina, que representa a alma da história, só pode ser fruto de uma revelação divina.

1) Cosmogonia babilônica

O Enuma elis é a cosmogonia babilônica mais completa: por isso relatamos suas linhas essenciais. No início há dois elementos primordiais, incriados e eternos: o princípio masculino, Apsu, imaginado como o oceano primordial de água doce, e o princípio feminino, Mummu-Tiamat,

representando o mar de água salgada:

não (ainda) nomeou o céu,

sob a firme (terra) não tinha (ainda) um nome,

o Apsu primeiro, seu gerador,

Mummu (e) Tiamat, o gerador de todos eles,

'suas águas misturadas,

habitações (para os deuses) não foram (ainda) construídos,

e os juncos dos pântanos não eram (ainda) visíveis,

quando (ainda) nenhum dos deuses havia sido criado,

 e eles não tinham (ainda) um nome,

e o os destinos não foram destinados,

os deuses foram procriados no meio deles. (I, 1-9)

 

Os vários deuses nascem da união desses dois elementos primordiais divinizados, que começam a irritar os deuses primordiais com suas gargalhadas, tanto que um deles, Apsu, decide destruí-los. Com esta decisão os jovens deuses estão consternados; mas o deus Ea recita um feitiço contra Apsu, o coloca para dormir e o mata. Com o assassinato de Apsu, o primeiro elemento caótico foi derrotado. Mas Tiamat, esposa de Apsu, para vingar seu marido morto, prepara uma horda de monstros, sob o comando de Qingu, e se move para a batalha. Contra Tiamat o deus Marduk toma partido, a quem os deuses confiaram o comando da guerra. Armado com flecha, arco, aljava e uma grande rede, e auxiliado por todos os ventos, ele atrapalha a formação de Tiamat e enfrenta o monstro primordial em um único duelo. Tendo-o envolto em sua rede, ele rasga sua barriga, rasga suas entranhas e rasga seu coração em pedaços. Os partidários de Tiamat e, em particular, o Duce Qingu, são feitos prisioneiros. Tomando o corpo do morto Tiamat, Marduk o divide em dois, como uma concha se parte. Com uma metade ele constrói o firmamento para separar as águas superiores das inferiores:

 

Ele o divide em duas partes como uma ostra.

Metade dela se levantou e cobriu o céu com ela.

Ele puxou um trinco e guardiões do estábulo,

ordenou que não deixassem sua água sair,

caminhou pelo céu, observou os lugares,

colocou a morada de Nudimmud em frente ao Apsu,

  • o Senhor mediu a morada do Apsu –

uma grande morada, ele colocou como aquela Esarra,

a grande morada Esarra que ele construiu como céu. (IV, 137-145)

 

Depois de narrar a criação do firmamento, a quinta tábua deveria narrar a do mundo e seus elementos; infelizmente até agora só foram encontradas algumas linhas que falam da construção do céu estrelado. Particular atenção é dada à lua (Sin), que na Babilônia era mais importante que o sol Samas. Depois de colocá-la como ornamento da noite, Marduk determina seu destino prescrevendo o que ela deve fazer a cada mês:

 

Todo mês sem descanso você sai com a coroa;

no início do mês, quando você se eleva brilhantemente acima da terra

você vai brilhar com seus chifres para estabelecer seis dias,

e no sétimo dia metade da coroa.

Na lua cheia (Sapattu) você estará em oposição, no meio de cada mês.

Quando SamaS na fundação do céu chegar até você,

divida as nuvens e brilhe de volta (diminua)!

No trigésimo dia você se oporá a Samas pela segunda vez. (V, 13-21)

 

Após a criação do cosmos, a assembléia dos deuses decide libertar os aliados de Tiamat que tinham sido presos. Mas seu líder,' Qingu, deve ser punido pela rebelião : ele é, portanto, morto no lugar dos outros deuses rebeldes. Por sua vez, Marduk propõe criar a humanidade ("quatro cabeças negras"; VII, 113) e designá-la para servir às divindades, no lugar dos rebeldes deixados na natureza. )

 

sangue eu ligarei, osso farei existir.

Estabelecerei Lullu: na verdade, seu nome será Amedu;'

Eu quero construir Lullu, homem.

(Os ritos dos deuses são impostos a eles, eles gozam (portanto) de paz!... (VI, 5-8)

 

O conselho de Marduk é aceite: a humanidade é formada com o sangue do deus morto Qingu (provavelmente misturado com terra):

 Quando eles o amarraram e o trouxeram diante de Ea,

eles impuseram a punição sobre ele e cortaram seu sangue.

Com seu sangue ele (Marduk) construiu a humanidade,

impôs (a eles) o serviço (de os deuses) e libertou os deuses. (VI, 31-34)

 

Mais tarde Marduk divide os deuses em dois grupos que, por gratidão, constroem uma cidade celestial com seu próprio templo. O poeta a chama de Babel, pois trata do celestial protótipo da Babel terrena. Em seguida, os deuses acumulam seus próprios nomes em Marduk, para que ele centralize todo o divino em si mesmo. A sétima tábua celebra 50 nomes de Marduk. Este mito babilônico funda a origem do mundo e da humanidade em um teogonia e em uma teomaquia, ocorridos in ilio tempore, que fornecem a explicação transcendente das realidades cósmicas e humanas. Os componentes de nossa experiência espaço-tempo são o resultado e o reflexo da história divina contada pelo mito: a luta permanente da Ordem contra o Caos, do Bem contra o Mal prolonga e reproduz a de Marduk contra Tiamat. Mais ainda, o mito justifica a condição atual do homem apelando para a forma como ele surgiu (sangue de um deus rebelde misturado com a terra). Aqui temos uma verdadeira metafísica dualista na qual não há lugar para a responsabilidade humana e a prova de sua liberdade. A formação do homem também é descrita pelo mito de Atrahasis, cujos achados afortunados de tabuletas cuneiformes permitiram reconstruir quatro quintos a partir de 1965 (cf L. Cagni, The Babylonian myth of Atrahasis, RivBibl 23 [1975] 225-259). ). Nesse mito, o homem é formado para poder substituir os deuses no cansativo trabalho de transportar os cestos para ativar os canais. Enquanto no Enuma elis o deus morto para formar o homem é o rebelde Qingu, no Atrahasis é PE/WE-E-i-la, “deus dotado de sabedoria/conselhos”. a deusa -vasaia Nintu também usa argila fornecida a ele pelo deus Enki. Por sua vez, os Igigi participam fisicamente do ato criativo salivando (lit. "cuspir") o barro (I, 194-234). I 2)

Cosmogonia fenícia

As idéias cosmogônicas dos fenícios não diferiram substancialmente; mente dos habitantes da Mesopotâmia. Eles também pensavam que no início do mundo havia o caos primitivo a partir do qual deuses e homens se desenvolveram. Esse caos, concebido como uma massa lamacenta e escura, sacudida pelo vento, gerou o deus Mot, que continha em si os germes de todos os seres. A forma de Mot era a de um grande ovo lamacento que, partindo-se em dois, deu origem ao céu e à terra. A esposa do caos original chamava-se Baau, nome que lembra o tõhâ wãbõhâ do Gênesis. Da união de Baau com Kolpia, nasceram os primeiros homens Azon e Protogonos, que comiam os frutos das árvores. 3) Semelhanças entre cosmogonia bíblica e oriental (especialmente "Enuma elis") (16) Ambas cosmogonias admitem no início um elemento primordial aquoso, chamado com o mesmo nome (tehdm na Bíblia, Tamtu e Tiamat nos documentos babilônicos). A primeira obra em Gn 1 é a criação da luz; também no Enuma elis a luz é criada primeiro, representada pelo deus Lahmu. A segunda obra do Gênesis é o firmamento, que tem por finalidade separar as águas superiores das inferiores; também no Enuma elis o deus Marduk, depois de ter dividido a orquestra Tiamat em duas, constrói a sólida abóbada do céu com metade dela, - que tem o objetivo de separar as águas superiores das inferiores. No conto do Gênesis, o sol, a lua e as estrelas são criados apenas no quarto dia; também em Enuma elis o deus solar Samas e o deus lunar Sin recebem suas atribuições não no início, mas durante a formação do mundo: sua tarefa é regular o tempo para os homens, indicando os anos, meses e dias. Mesmo o Enuma elis apresenta a formação de u <3fhó “como um trabalho particularmente exigente para a divindade, tanto que é necessária uma consulta entre os deuses. Também neste poema, o sangue de uma divindade imolada é usado para formar o homem: mesmo que o texto não mencione a terra, podemos supor que o sangue do deus morto foi misturado com ela. Desta forma, reconhece-se que o homem é semelhante à divindade. A epopeia de Gilgames (II, 33) afirma expressamente que a deusa Aruru cria o selvagem Enkidu "à imagem do deus Anu". Outra tradição diz que a deusa Marni modela o homem à "sua imagem". Mesmo Adão, segundo Gn 1,26, foi criado "à imagem e semelhança" de Deus.

4) Divergências entre cosmogonia bíblica e oriental

As divergências são mais notáveis do que as semelhanças. Na cosmogonia oriental o caótico mjssa não teve origem porque existe ab aeterno; os próprios criadores do cosmos extraem seu origem motor dele. Em Gn 1, por outro lado, os elementos primordiais são criados por Deus, existindo eternamente. Na Babilônia distinguem-se Apsu e Tiamat, água doce e água salgada; em vez disso, em Gn 1 há apenas תְהוֹם, o conjunto de todas as águas. O caos dos babilônios é personificado e diferenciado sexualmente; em Gn 1 os elementos primordiais são completamente sem vida. Para os babilônios o caos é um poder hostil aos deuses e estes, antes de formar o mundo, devem vencê-lo em uma dura batalha; em vez disso, em Gênesis, os elementos primordiais são instrumentos dóceis nas mãos de Deus que os usa à vontade "Segundo os babilônios as estrelas são divindades, de acordo com Gn 1 são antes simples luminares criados por Deus. A cosmogonia babilônica ignora a unidade do raça humana, tão claramente declarada na Bíblia; os deuses babilônicos criam mais homens para promover a adoração dos deuses. Mas as diferenças mais notáveis são encontradas na forma como a divindade é concebida. A Bíblia reconhece um só Deus, eterno, preexistente a todos os outros seres, transcendente, não dependente de outros, pacífico, onipotente porque é capaz de criar com um único ato de sua vontade, governante de todos os elementos. Em vez disso, as cosmogonias orientais reconhecem mais divindades que não são eternas, porque extraem sua origem do caos pré-existente. Seu domínio é muito limitado e reduzido, pois para introduzir a ordem no mundo eles devem primeiro enfrentar uma terrível luta com os elementos primordiais. Marduk é um deus orgulhoso porque, para guerrear contra Tiamat, ele exige que os outros deuses lhe concedam o poder supremo. Ea é uma divindade feroz, pois afirma que um deus é morto para que o homem possa ser formado. Na criação do homem, os deuses são guiados pelo amor interesseiro; na verdade, eles o treinam para assegurar-lhes o devido culto ou substituí-los no trabalho pesado (Atrahasis). Finalmente, nenhum texto oriental apresenta o trabalho criativo em seis dias de 24 horas ou menciona descanso; mesmo que o Enuma elis consista em sete tabuinhas, o trabalho criativo é narrado apenas a partir do final da quarta tabuinha. Cosmogonia bíblica e ciências naturais \ Após os exegetas reconhecerem quase unanimemente que Gn 1 apresenta uma distribuição fictícia, nada correspondendo à realidade, das obras criativas, a tentativa foi definitivamente abandonada. harmonizar a cosmogonia bíblica e as ciências naturais no que diz respeito à forma como o universo se originou. No entanto, há uma verdade fundamental que o primeiro capítulo de Gênesis ensina com particular ênfase: é a origem do universo por meio da intervenção de Deus criador. Ora, o exegeta tem todo o direito de se perguntar se isso corresponde ou não ao que a ciência ensina. Sobre esta questão em particular, a ciência mudou radicalmente sua atitude desde o final do outro século até hoje. No século passado, a matéria, da qual são feitos os céus e a terra, o mundo inteiro e as estrelas, era considerada como existindo "desde a eternidade": dar ao mundo físico um começo, como dar-lhe um fim, era algo indigno de um estudioso sério. Hoje, graças ao enorme progresso da astronomia e da física atômica, os especialistas falam de um "ponto de partida" do universo, de uma incessante "nova criação". Embora ainda existam várias teorias sobre a origem do universo, os cientistas concordam que o cosmos é um complexo temporalmente limitado, que surgiu há alguns bilhões de anos na forma de nêutrons, após a materialização de Jell'Jmondera. Como se vê, a ciência, mesmo que nem sempre use a palavra "criação", concorda com a Bíblia ao admiti-la. Doutrina teológica Exegetas de qualquer tendência reconhecem que neste capítulo o hagiógrafo pretendeu principalmente ensinar que todo o universo vem de Deus. Este é o ensinamento perenemente válido de Gn 1. 1. Deus é o criador do universo Deus deu origem ao universo, sozinho, sem demiurgos, com um simples ato criativo de sua vontade; portanto, o universo não saiu nem emanou dele e, portanto, não é de sua própria natureza. "Não seria possível sublinhar suficientemente em Gn 1 o caráter acentuado da reflexão teológica, das referências monoteístas e da vontade de neutralizar todos os poderes rivais de Deus". «O autor de Gn 1 parece-nos quase profanar demais o cosmos; parece quase demasiado próximo dos físicos da Jônia, onde os piedosos pagãos viam os ateus. Mas é verdade que esta sacralização do cosmos foi a fonte do politeísmo”. A demonstração dessa verdade, fundamental na teologia de Israel, muitas vezes toma a forma de uma sutil polêmica contra as antigas cosmogonias orientais, certamente conhecidas dos israelitas, que apresentavam a formação do mundo como efeito de uma luta cotidiana ... entre o demiurgo e os deuses primordiais. O Deus criador da Bíblia não tem divindade que possa se opor ao seu domínio. Por esta razão, a Ochess Tiamat do mito babilônico Enuma elis, que personificava o insondável abismo aquoso, é aqui reduzida ao status de uma simples criatura, toda dócil nas mãos do Criador: ela se torna a água primordial (תְהוֹם) da qual Deus tira a terra que estava inicialmente imersa nela. O sol, a lua e as estrelas, aos quais os egípcios semitas e quase todos os outros povos da antiguidade concederam honras divinas, são aqui considerados meras criaturas, colocadas a serviço exclusivo do homem e em parte nem sequer são chamadas pelo seu nome próprio. Os grandes cetáceos, que nos lembram os monstros mitológicos que a Ogra Tiamat criou para auxiliá-la em sua luta contra o demiurgo, são lembrados aqui como os únicos exemplares de peixes criados no quinto dia, aqui sim para enfatizar que eles também são meras criaturas. Ao contrário do deus babilônico Marduk, que só consegue formar o mundo visível depois de ter travado uma longa e sangrenta luta com os deuses primordiais, o Deus dos israelitas cria o universo sem nenhum esforço, com a simples manifestação de sua vontade: portanto, ele é onipotente. Deus impõe um nome às suas criaturas: isso indica que ele constituiu sua essência imutável e é seu governante absoluto. Deus é o único senhor da criação e, consequentemente, fora dele não há outro ser que mereça o culto divino. Embora não seja explicitamente afirmado, pressupõe-se a eternidade de Deus: de fato, enquanto as cosmogonias dos antigos povos orientais sempre começam com uma teogonia onde se narra o nascimento e a genealogia dos deuses, o relato do Gênesis não faz a menor menção disso. A ideia do nascimento de Deus é absolutamente absurda para um israelita. Deus está antes do mundo, ele é eterno, enquanto o mundo teve um começo.

2) Primazia do homem

'Esta ideia é claramente destacada no cenário adotado pelo autor sagrado. Em sua obra criadora, Deus procede do menos perfeito ao mais perfeito. O homem, criado por último, é a glória suprema de todo o universo, ele é a meta para a qual lutam as criaturas inferiores (25). Além disso, antes de criar o homem, Deus sente a necessidade de consultar. Há algo divino no homem. Trata-se de uma semelhança com Deus, que consiste, com toda probabilidade, no fato de que o homem tem uma inteligência e uma vontade semelhantes à de Deus, exercendo sobre eles o seu domínio No homem, a distinção dos sexos é querida por Deus e a procriação é o cumprimento de um plano providencial. 3) A bondade original da criação J1 refrão "E Deus viu que era bom" (para o homem é mesmo dito "muito bom": v. 31), repetido sete vezes de oito obras (27), proclama a criação um " bom" (tób), destinado a trazer utilidade ao homem. A obra de Deus não contém nada de ruim. O mal físico fez sua primeira entrada na rede criada somente após o mal moral, cometido pelos ancestrais no paraíso terrestre. 4) Importância da semana judaica Ao inserir as oito obras criativas no esquema hebdomadário, o autor pretende ensinar que o homem, depois de ter trabalhado por seis dias como Deus, deve abster-se de qualquer trabalho material no sétimo, para dedicar este dia, consagrado a Deus, ao culto e à busca das verdades religiosas (28). Desta forma, a semana humana é modelada na divina. Esta intenção, mencionada em Gn 2,3, é claramente expressa em Ex 31.17 e 20.11 onde a obrigação do descanso sabático é baseada no conto do Gênesis. No entanto, deve-se notar que não é a semana judaica, sancionada por lei, que se baseia na semana divina de Gn 1, mas o contrário. Devido ao fato de os judeus considerarem a semana e o sábado como uma instituição divina (29), o autor do primeiro capítulo de Gênesis, desejando apresentar sentindo que a obra criativa de Deus foi inspirada pela já existente semana judaica (30). A instituição do sábado assume particular importância doutrinária, à qual Israel atribuiu várias razões. Dt 5,15 o reconecta com a libertação do Egito: deve lembrar a Israel que cada vez que lhe é permitido viver surge do evento de sua libertação. Êx 23:12 e Dt 5:14 visam assegurar refrigério para a força de trabalho dependente. Assim se abre uma perspectiva de igualdade de todos os homens diante de Deus.A tradição sacerdotal só liga o sábado com a criação divina. Ex 31.17 não se limita a dizer que Deus "deixou de trabalhar", como faz Gn 2, 2, mas acrescenta "e soprou". Com esta afirmação fortemente antropomórfica, o autor quer dizer que Deus pode descansar porque tudo o que é necessário para o homem foi realizado. A bênção dada por Deus no sábado (Gn 2,3; Ex 20,11) tem a finalidade de enriquecer o dia de descanso com uma força vital, para que o tempo do homem possa receber frescor e fecundidade deste dia. Finalmente, com a santificação, isto é, com a distinção do sábado dos demais dias de trabalho, Deus opera um benefício semelhante à divisão entre a luz e a escuridão.

 

A HISTÓRIA IAHVISTA DA FORMAÇÃO DO HOMEM E DO SEU PECADO

(Gn 2,4b-3,24

 É fácil perceber que do ponto de vista literário esta história merece ser considerada a "pérola do livro do Gênesis pela seriedade, delicadeza e sobriedade" com que é tratado um tema original cheio de ressonâncias religiosas e sociais. Mas sua relevância está em outro lugar. Está no conteúdo e na mensagem. Uma mensagem que o cristão não deixou de se aprofundar e repensar sem parar. Nunca antes o pensamento cristão voltou a estas primeiras páginas da Bíblia para obter uma resposta mais credível e convincente a um dos problemas que mais atormentam, o mal: o mal em todos os perfis e em todos os níveis. Analisando e interpretando este texto, não pretenderemos resolver o grande problema do homem, mas tentaremos iluminar uma página da Palavra de Deus que, juntamente com outras e muito numerosas páginas, dão sua visão do m cerveja do homem e a maneira de remediá-lo. Acreditamos ser oportuno abordar o texto em dois momentos, o analítico e o hermenêutico. Com o primeiro, teremos o cuidado de examiná-lo no seu aspecto literário através da filologia e da crítica literária, com esta última interessar-nos-emos pelo sentido e alcance do seu conteúdo e mensagem doutrinal e existencial.

Exegese de Gn 2,4b-25

Os críticos situam o início do relato javista da formação do homem em 2.4b. Quanto à dinâmica interna, todo o capítulo pode ser dividido nas seguintes seções: vv. 4b-7: formação humana; vv. 8-17: formação do jardim no Éden e atribuição ao homem; vv. 18-24: formação da mulher,

  • Formação do homem (2,4b-7)

Ao contrário do período bíblico, simples e linear, esta seção é complexa, mas suficientemente clara em sua estrutura. Apresentamo-lo de forma esquemática:

        - Momento inicial da criação: "No dia em que Jahvè Elohìm fez a terra e o céu" (v. 4b).

        - Situação da terra naquele momento: "Nenhuma sarça havia sobre a terra, nenhuma erva do campo havia brotado" (a terra é árida e inculta) (v. 5a).

        - Razões dessa situação telúrica: a) «Javé não tinha feito chover sobre a terra; b) nenhum homem trabalhou o solo ou fez a água dos canais subir da terra para irrigar o solo "(vv. 5b-6)

        - Ação principal neste contexto:" (Exatamente) então Jahvè Elorici um sopro de vida e ele se tornou um vivente o ser” (v. 7).

Com esta forma de estruturar o período, o autor alcançou um duplo propósito que é evidente: a) deixa claro que o homem é o ser mais importante da criação: vem imediatamente após o e ainda criação caótica e antes da criação de todos os outros seres (5b-6). ele moldou o homem com o pó da terra e soprou em suas narinas, seres vivos, eb) o homem é criado para trazer ordem e "fazer a criação" crescer.

v. 4b

"No dia". Traduzimos literalmente o hebraico yóm; na realidade é uma expressão adverbial equivalente a "quando", "no tempo em que" (cf. Nm 3,1; 7,84; 2 Sam 22,1; etc.): indica o momento inicial e indeterminado de criação... em seu estado caótico e sem forma (1). "Jahvè Elohim". É a primeira vez que os dois nomes ocorrem emparelhados e assim permanecerão ao longo da história (com exceção de 3, lb-5). Será possível rastreá-los apenas em algum outro texto isolado (cf Ex 9:20; 2 Sam 7,22.25; Sai 72,18). A origem do acoplamento parece editorial. O último editor do Pentateuco, combinando as duas histórias da criação (Gn l, l-2,4a e 2,4bss.) Quis deixar claro que o Elohìm da primeira história é o mesmo que o lahvè da segunda: o lahvè que se revela na história de Israel é o Elohim que se revela na criação do cosmos (2). "Ele fez a terra e o céu." Da tradição iahvista, o mais genérico 'ãsãh ("fazer") é usado em vez de bãrã', o verbo técnico dçjja criação (cf Cn 1,1; 2,4a; Is 40,26; Sai 89,13; etc. ). A sequência dos ambientes criados prevê a terra antes do céu ao contrário de Gn 1,1 e 2,4a e em outros lugares onde o céu a precede. É lógico pensar que o autor iahvista reserva mais interesse e importância na criação da terra, no teatro da vida e na ação humana.

vv. 5-6

A passagem ilustra a situação da terra sem chuva, ainda não enviada por Deus (v. 5b), e do cultivo do homem (v. 5c). É árido sem mesmo "plantas silvestres" ou arbustos de campo (siali has'sadeh); é inculta porque não produz as “ervas dos campos” plantadas pelo homem (‘êseb haésãdeh), às quais atinge a água dos rios ou nascentes com densa canalização (v. 6). Este tipo de descrição da terra corresponde à situação do homem mediterrâneo em geral e da mesopotâmia em particular. Somente com chuvas sazonais pode-se superar a secura natural do solo; a irrigação por canais é comum à região entre os dois grandes rios do Oriente Médio. A terra mencionada várias vezes nestes dois vv. é expressa em hebraico por três termos: sãdeh (é a estepe que produz espontaneamente quando molhada pela água da chuva), 'ãdãmãh (é a terra arável, diríamos "solo" ou "terra"),' eres (é a toda a superfície da Terra). Em 6a, a palavra 'èd foi entendida de várias maneiras. De algumas «névoas ou vapores», de outras «fonte» (LXX, Vg.), outras ainda «onda» (von Rad). Se for derivado do id sumério (= canal), o significado fica mais claro. Na ausência de canais, não é possível trazer água dos rios para o solo. A partir desses relevos só se começa a entender os objetivos para os quais se orienta a história de Ihavis. Passa de uma terra desértica (sãdeh) para uma terra cultivada (הָאֲדָמָה), - o ambiente em que o homem terá que se deslocar (אָדָם). O "אָדָם -הָאֲדָמָה " é o tema subjacente a esta história. O que precede (o Sacerdote) passa da situação do caos (fhòm) à do cosmos, na qual o cosmo ordenado homem tem seu lugar como o grande vizir do  Criador (1:26).

v. 7

"Então ele formou Jahwe Elohim o homem com o pó da terra." É a primeira ação de Deus para com o homem: uma ação "manual". De fato, Deus é apresentado como um oleiro que mistura o barro para modelar o vaso. O verbo usado para indicar a ação divina (yãsar) é aquele usado para a ação do oleiro (yõsêr). O homem é indicado com o termo אָדָם precedido do artigo definido (4). O homem é moldado com pó de terra (הָאֲדָמָה). Ao comparar o nome do homem (אָדָם) ao do solo (הָאֲדָמָה), o autor bíblico consegue fazer compreender o vínculo muito estreito que une o homem em seu aspecto corpóreo à terra, ele é um terráqueo. A mesma força vital que percorre o universo material alimenta o הָאֲדָמָה del P'ñdñm. Há um detalhe: o homem foi moldado com o pó ('ãphãr) da terra. O ’ãphãr é a parte mais fina e superficial do solo. Isso foi para deixar claro que a corporalidade do homem tem algo mais evoluído do que a corporalidade dos animais que é composta do ãdãmãh simpliciter, sem maiores especificações? (cf. 2:19).

Jahve Elohim soprou um sopro de vida em suas narinas e o homem se tornou um ser vivo". A ação "manual" de Deus é seguida por uma ação mais participativa: ele comunica ao homem algo próprio, o espírito ou fôlego de vida (nismat hayyim), em virtude do qual 1 "ãdãm se torna um ser vivo (nephes hayya). A ação de comunicar é dada pelo "sopro" (de nãphaly. Verbo que normalmente é usado para indicar a ação de atiçar ou reacender o fogo, cf Is 54.16; Jer 1.13; Ez 22.20; Jb 20.26). O que se sopra é o sopro (nismat hayyim), certamente tomado em sua materialidade de ar que passa pelas narinas, mas como sinal e veículo de vida para o homem. Mais tarde será indicado como ruah hayyim (Qn 6,17; 7,15), "espírito" da vida. Em virtude desse sopro vivificante, o ãdãm se torna um nephes hayya: um ser cheio de vida. Nephes é um dos termos com semântica rica. Compare qualquer vocabulário (Zorell, por exemplo) e você verá que a partir de um sentido original de "respiração, respiração" conseguimos identificar o nephes com o próprio homem: o homem como vivo é um nephes. Em essência, é um poder divino que, quando introduzido nos corpos, individualiza e personifica: faz um ser vivo (Panimal, 1 homem) ou, mais especificamente, uma pessoa (homem). Estamos diante de um dos textos clássicos da antropologia bíblica. A visão antropológica do autor bíblico, apesar de sua marcada antropomorfização da ação criadora de Deus, distancia-se consideravelmente da concepção dualista (corpo e alma) da cultura grega. O autor bíblico está muito próximo da visão unitária do ser humano que as ciências antropológicas modernas redescobriram.

Formação do jardim no Éden (2,8-17)

A estrutura desta passagem não é tão linear quanto a da anterior. Na verdade, existem duplicatas e interpolações. é uma dupla a "localização" do homem no jardim do v.15 quando a mesma coisa já foi dito em 8b. A vegetação do v. 9 parece uma duplicata do v. 8, onde se diz que Yahweh "plantou" um jardim (8). Uma interpolação é considerada a passagem relativa aos quatro rios (w. 10-14) (9). Tinha o objetivo de localizar o jardim especificando o local entre os quatro rios, mas não conseguiu devido à real impossibilidade de identificar os quatro rios como fluindo de apenas um (10). No entanto, parece haver três elementos estruturais desta passagem:

        - Plantação do jardim com vegetação luxuriante e a presença de duas árvores particulares (vv. 8a.9).

        -  Colocação do homem no jardim com a finalidade de "guardá-lo" (v. 15).

        - O mandamento de Deus quanto ao uso das duas árvores, sob pena de morte (vv. 16-17). Com a mesma ação anlrapomorfizada da passagem anterior, Iahvè Elohìm preside a formação do jardim, a colocação do homem nele, a determinação de sua tarefa em relação ao próprio jardim e seu comportamento em relação às duas árvores.

2) Jardim (vv. 8a.9).  

Tem as seguintes características: "É um" gan "," uma horta, um jardim "; na língua suméria o gan significava um lugar fechado, fértil, bem irrigado, luxuriante. O nome "paraíso" "(Vg. Paradisum ; LXX cmoáôeiooç) provavelmente vem do termo persa pairi daeza, que significa "cerca" e uma do que "horta com muros ou sebes circundantes". Este termo persa é então também passado para o hebraico pós-hexil sob a forma paráis, que se encontra em Ct 4,13; Jo 2,5 e Ne 2,8. Ele está no Éden. Etimologicamente Éden, correspondendo ao edin sumério e ao edinu babilônico, designa a "estepe": portanto, o paraíso terrestre é concebido como um oásis no meio do deserto oriental. No entanto, alguns consideram Éden como o nome de uma localidade (Bit-Adinu dos textos assírios, perto de Edessa). E para o leste. Embora a expressão hebraica miqqedem seja suscetível de duas interpretações: "no oriente" (noção espacial) e "desde os tempos antigos" (noção temporal), a primeira é preferível. Com essa noção espacial os palestinos indicavam todas as regiões que ficavam além do Jordão, sem maiores especificações. É rica em vegetação. Sob o sol implacável do verão oriental, um local, protegido por árvores frondosas, é uma verdadeira delícia. Por isso, Deus adorna o jardim que preparou para o homem com muitas árvores. Tem a árvore da vida, destinada a proporcionar ao homem um tipo de vida que só a presença no gan garante ao homem. Tem a árvore do conhecimento do bem e do mal, assim chamada porque deu ao homem, com o pecado, o conhecimento do bem e do mal. Este conhecimento é um privilégio que Deus reservou para si (e provavelmente para os seres celestiais que compõem a sua corte: Gn 3,5.22) e que o homem usurpou por causa do pecado (Gn 3,5.22). Mais para frente será dada a interpretação do simbolismo desta árvore, da outra árvore e de toda a seção referente ao jardim. É rico em água. A fertilidade de uma terra, especialmente no Oriente, depende da irrigação. Por isso, o jardim do Éden é atravessado por um rio tão rico em água que, depois de tê-lo irrigado abundantemente, ainda é capaz de alimentar outros quatro grandes rios que têm sua "boca" ou "nascente" na saída do jardim. O rio que irriga o jardim não tem nome. Dois dos quatro emissários têm nomes conhecidos: o Tigre que flui a leste de Assur, a antiga capital do reino assírio, recentemente encontrada em Kalaat Shergate; e o Eufrates. Os nomes dos outros dois emissários, Pisón e Qihón, não estão refletidos nos mapas geográficos do Oriente Médio; nem mesmo a região de Havilah, cercada pelo Pisón e rica em camadas de ouro, resina e pedras preciosas, e a de Kus, cercada pelo Qihón, podem ser identificadas com certeza.

b) Localização do homem no jardim (v. 15).

"Jahwe Elohim tomou o homem e o colocou no jardim do Éden." O V. 15 retoma a ação já iniciada em 8b enriquecendo-a com a finalidade atribuída ao homem colocado no jardim. De particular importância é o fato de que o homem que saiu do "ãáãmãh" é transferido para o gan: a condição inicial não coincide com aquela em que ele é posteriormente introduzido. A iniciativa da formação do homem e de sua introdução no gan é. tudo de Deus.” “Para que ele possa cultivá-lo e guardá-lo”. Ao homem introduzido no gan Iahvè ele atribui uma tarefa precisa delineada por dois verbos: "trabalhar" (le'obhdàh) e "guardá-lo" (âlsomrâh). O primeiro verbo é aquele normalmente usado para indicar trabalho servil: o homem deveria ter trabalhado no campo de seu senhor, daquele que o fez. Em dessa forma ela teria demonstrado sua dependência real, obediente, mas livre dele. Nada da situação de ociosidade feliz e irresponsável neste trabalho! O outro verbo lembra a ideia de cuidados assíduos e cuidadosos para preservar o gan de possíveis ataques ou deterioração. O jardim não foi conquistado de uma vez por todas. Poderia ter sido perdido. Na marca d'água é possível vislumbrar uma sombra nessa situação: dependia do homem guardá-la ou transformá-la em tempestade. O apelo à responsabilidade e à decisão já é evidente.

c) O mandamento de Deus (w. 16-17).

A passagem inclui três elementos: a comunicação da imposição divina; o conteúdo do mesmo; a sanção punitiva em caso de transgressão. - Comunicação: "Yahweh Elohim deu esta ordem ao homem". É a consequência lógica e jurídica da premissa: se Deus é o senhor do homem por tê-lo criado e introduzido em sua terra, pode impor-lhe sua vontade. • - "- Conteúdo:" Você poderá comer de todos ... exceto um ... ". É a primeira palavra que Deus dirige ao homem: Deus em diálogo com o homem. É uma palavra de graça e benevolência: Deus lhe dá amplo poder sobre sua propriedade, com uma reserva. Permitirá, por um lado, o exercício da liberdade como escolha, ficar ou não no comando; por outro lado, o exercício de uma submissão real a Deus: a virtude da obediência não deveria permanecer uma realidade puramente teórica. - Sanção: "No dia em que você comesse, você certamente morreria." Aqui encontramos a mesma indicação temporal com a qual 4b começa: b '-' yóm, "no dia em que, quando". É uma indicação genérica de tempo: poderíamos traduzi-la também “a partir do momento em que” a ordem é violada, inicia-se o processo de sanção (17). Isso é indicado como "uma irrupção da morte na existência do homem". Estudaremos o alcance desta sanção mais adiante. Mas a partir de agora já podemos dizer que se dá em função da estrutura do pacto: é a “maldição” que recai sobre o transgressor. Com a transgressão Deus retira sua "bênção" (o gan neste caso) pelo homem, ele o deixa sem sua ajuda, ele é vítima de elementos adversos, ele está sujeito à maldição, à morte!

A formação da mulher (2,18-24)

O BJ acredita, pelo menos de forma duvidosa, que a história vem de uma tradição independente. A razão seria encontrada no v. 15 segundos. onde o homem, em sua totalidade de macho e fêmea, foi introduzido no jardim e recebeu o comando. Também em 3.1-3 falamos de uma mulher e um homem introduzidos no jardim e ambos sujeitos à sanção de 2.17 (18). em outras palavras, se você pular 2: 18-24, a discussão prossegue logicamente e sem lacunas. No contexto atual 18-24 obedece a outra necessidade, a de preencher a solidão do homem. O autor iahvista pode ter criado sua história - como bom contador de histórias e psicólogo que é - de forma a apresentar o homem inicialmente apenas porque a necessidade e necessidade da mulher como parte coadjuvante e integradora do homem é mais evidente . i 'A estrutura apresenta uma dinâmica dialética orientada para um clímax e uma síntese: 1. Parte de um princípio que vale como tese: o homem precisa de ajuda semelhante a ela (v. 18). A palavra significativa está aqui e em toda a ajuda de perícope (vv. 18.20b e em 23 de outra forma) (19). 2. Uma primeira antítese se opõe à tese: os animais (w. 19-20). Eles não são a ajuda digna do homem: a antítese se mostra ineficaz. Uma segunda se opõe: a mulher é tirada do mesmo homem (vv. 21-23). “Desta vez” sim, a mulher é a ajuda digna do homem porque ela é a carne da sua carne, etc. 3. Da tese e da antítese vem a síntese, a unidade dos dois seres na união determinada pelo casamento: a ajuda prestada repropõe e recria a unidade integral e radical do ser humano \ v. 24). Toda a história está orientada para esta unidade que realiza plenamente o homem, estabelece-o na síntese do seu ser bissexual.

 

 

10ª Lição do dia 18 de Outubro

 

 

11ª Lição

 

 

12ª Lição

 

 

13ª Lição