AA 2023

 

 

 

 

Quadro de Sumários

 

Plano de Sumários

 

 

I- INTRODUÇÃO
1. Principais paradigmas
2. Os contextos políticos e éticos da prática de investigação em ciências sociais.

II- A PREPARAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO
1. Recursos bibliográficos
2. A utilização dos computadores na investigação quantitativa e qualitativa
  

  

 

 

 


1. Técnicas de entrevista de investigação
2. Grupos focalizados
3. Observação participante
4. Inquérito por questionário
5. Arquivos
 

 

 

 

I ANÁLISE DE DADOS QUALITATIVOS
1. Análise de textos
1.1 Análise de conteúdo
1.2 Análise de discurso
1.3 Recursos informáticos na análise de dados qualitativos
2. Análise da imagem
2.1 Narrativas
2.2 Género

 

1ª Lição - 1 de Novembro: introdução

 

 

introdução

 

Métodos e Técnicas de investigação em Ciências Sociais

 

A investigação em ciências sociais segue um procedimento análogo ao do pesquisador de petróleo. Não é perfurando ao acaso que este encontrará o que procura. Pelo contrário, o sucesso de um programa de pesquisa petrolífera depende do procedimento seguido. Primeiro o estudo dos terrenos, depois a perfuração. Este procedimento implica a participação de numerosas competências diferentes. Os geólogos irão determinar as zonas geográficas onde é maior a probabilidade de encontrar petróleo; os engenheiros irão conceber processos de perfuração apropriados, que 'irão ser aplicados pelos técnicos.

Não pode exigir-se ao responsável do projecto que domine minuciosamente todas as técnicas necessárias. O seu papel específico será o de conceber o conjunto do projecto e coordenar as operações com o máximo de coerência e eficácia. É sobre ele que recairá a responsabilidade de levar a bom termo o dispositivo global de investigação.

No que respeita à investigação social, o processo é comparável. Importa, acima de tudo, que o investigador seja capaz de conceber e de pôr em prática um dispositivo para a elucidação do real, isto é, no seu sentido mais lato, um método de trabalho. Este nunca se apresentará como uma simples soma de técnicas que se trataria de aplicar tal e qual se apresentam, mas sim como um percurso global do espírito que exige ser reinventado para cada trabalho.

 

Quando, no decorrer de um trabalho de investigação social, o seu autor se vê confrontado com problemas graves que comprometem o prosseguimento do projecto, raramente isso acontece por razões de ordem estritamente técnica. É possível aprender variadíssimas técnicas de um modo bastante rápido, assim como, de qualquer forma, solicitar a colaboração ou, pelo menos, os conselhos de um especialista. Quando um investigador, profissional ou principiante, sente gran- I des dificuldades no seu trabalho, as razões são quase sempre de ordem

metodológica, no sentido que damos ao termo. Ouvimos então expressões invariavelmente idênticas: «Já não sei em que ponto estou», «tenho a impressão de já nem saber o que procuro», «não faço a mínima ideia do que hei-de fazer para continuar», «tenho muitos dados... mas não sei o que fazer com eles», ou até mesmo, logo de início, «não sei bem por onde começar».

Porém, e paradoxalmente, as numerosas obras que se dizem metodológicas não se preocupam muito com... o método, no seu sentido mais lato. Longe de contribuírem para formar os seus leitores num procedimento global de investigação, apresentam-se frequentemente

Pelos motivos acima expostos, pareceu-nos que esta obra só poderia desempenhar esta função se fosse inteiramente concebida como um suporte de formação metodológica, em sentido lato, isto é, como uma formação para conceber e aplicar um dispositivo de elucidação do real. , Significa isto que abordaremos numa ordem lógica temas como a formulação de um projecto de investigação, o trabalho exploratório, a i construção de um plano de pesquisa ou os critérios para a escolha das técnicas de recolha, tratamento e análise dos dados. Deste modo, cada um poderá, chegado o momento e com pleno conhecimento de causa, fazer sensatamente apelo a um ou a outro dos numerosos métodos e técnicas de investigação, em sentido restrito, para elaborar por si mesmo, a partir deles, procedimentos de trabalho correctamente adaptados ao seu projecto.

CONCEPÇÃO DIDÁCTICA

 

No plano didáctico, este curso é directamente utilizável. Isto significa que o estudante que o deseje poderá, logo a partir das primeiras aulas, aplicar ao seu trabalho as recomendações que lhe serão propostas. Apresenta-se, pois, como um manual cujas diferentes partes podem ser experimentadas, seja por investigadores principiantes isolados, seja em grupo ou na sala de aula, com o enquadr amento crítico de um docente formado em ciências sociais. No entanto, recomenda-se uma primeira leitura integral antes de iniciar os trabalhos de aplicação, de modo que a coerência global do procedimento seja bem apreendida e as sugestões sejam aplicadas de forma flexível, crítica e inventiva.

Uma tal ambição pode parecer uma aposta impossível: como é possível propor um manual metodológico num campo de investigação onde, como é sabido, os dispositivos de pesquisa variam consideravelmente com as investigações? Não existe aqui um enorme risco de impor uma imagem simplista e muito arbitrária da investigação social? Por várias razões, pensamos que este risco só poderia resultar de uma leitura extremamente superficial ou parcial deste livro.

Embora o conteúdo desta obra seja directamente aplicável, não se apresenta, no entanto, como uma simples colecção de receitas, mas como uma trama geral e muito aberta, no âmbito da qual (e fora da qual!) podem pôr-se em prática os mais variados procedimentos concretos. Se é verdade que contém numerosas sugestões práticas e exercícios de aplicação, nem aquelas nem estes arrastarão o leitor para uma via metodológica precisa e irrevogável. Este livro foi inteiramente redigido para ajudar o leitor a conceber por si próprio um processo de trabalho, e não para lhe impor um determinado processo a título de cânone universal. Não se trata, pois, de uin «modo de emprego» que implique qualquer aplicação mecânica das suas diferentes etapas. Propõe pontos de referência tão polivalentes quanto possível para que cada um possa elaborar com lucidez dispositivos metodológicos próprios em função dos seus objectives.

Com este propósito — e trata-se de uma segunda precaução —, estas aulas convidam constantemente ao recuo crítico, de modo que o leitor seja regularmente levado a reflectir com lucidez sobre o sentido do seu traballio, à medida que for progredindo. As reflexões que propomos ao leitor fundam-se na nossa experiência de investigadores em sociologia, de formadores de adultos e de docentes. São, portanto, forçosamente subjectivas e inacabadas. Partimos do pressuposto de que o leitor seguiu ou segue paralelamente uma formação teórica e goza da possibilidade de discutir e ser avaliado por um investigador ou um docente formado em ciências sociais. Veremos, por outro lado, no decurso deste curso, onde e como os recursos teóricos intervêm na elaboração do dispositivo metodológico.

Uma investigação social não é, pois, uma sucessão de métodos e técnicas estereotipadas que bastaria aplicar tal e qual se apresentam, numa ordem imutável. A escolha, a elaboração e a organização dos processos de trabalho variam com cada investigação específica. Por isso — e trata-se de uma terceira precaução —, a obra está elaborada com base em numerosos exemplos reais. Alguns deles serão várias vezes referidos, de modo a realçarem a coerência global de uma investigação. Não constituem ideais a atingir, mas sim balizas, a partir das quais cada um poderá distanciar-se e situar-se.

Finalmente — última precaução —, este curso apresenta-se, explicitamente, como um manual de formação. Está construído em ' função de uma ideia de progressão na aprendizagem. Por conseguinte, compreender-se-á imediatamente que o significado e o interesse destas diferentes etapas não podem ser correctamente avaliados se forem retiradas do seu contexto global. Umas são mais técnicas, outras mais críticas. Algumas ideias, pouco aprofundadas no início do curso, são retomadas e desenvolvidas posteriormente noutros contextos. Certas passagens contêm recomendações fundamentadas; outras apresentam simples sugestões ou um leque de possibilidades. Nenhuma delas dá, por si só, uma imagem do dispositivo global, mas cada uma ocupa nele um lugar necessário.

 

«INVESTIGAÇÃO» EM «CIÊNCIAS» SOCIAIS?

 

No domínio que aqui nos ocupa utilizam-se frequentemente — e somos forçados a incluir-nos neste «se» —- as palavras «investigação» ou «ciência» com uma certa ligeireza e nos sentidos mais elásticos. Fala-se, por exemplo, de «investigação científica» para qualificar as sondagens de opinião, os estudos de mercado ou os diagnósticos mais banais só porque foram efectuados por um serviço ou por um centro de investigação universitário. Dá-se a entender aos estudantes do primeiro nível do ensino superior, e mesmo aos dos últimos anos do ensino secundário, que as suas aulas de métodos e técnicas de investigação social os tomarão aptos a adoptar um «procedimento científico» e, desde logo, a produzir um «conhecimento científico», quando, na verdade, é muito difícil, mesmo para um investigador profissional e com experiência, produzir conhecimento verdadeiramente novo que faça progredir a sua disciplina.

O que é que, na melhor das hipóteses, se aprende de facto no fim daquilo que é geralmente qualificado como trabalho de «investigação em ciências sociais»? A compreender melhor os significados de um acontecimento ou de uma conduta, a fazer inteligentemente o ponto da situação, a captar com maior perspicácia as lógicas de funcionamento de uma organização, a reflectir acertada- mente sobre as implicações de uma decisão política, ou ainda a compreender com mais nitidez como determinadas pessoas apreendem um problema e a tornar visíveis alguns dos fundamentos das suas representações.

Tudo isto merece que nos detenhamos e que adquiramos essa formação; é principalmente a ela que o livro é consagrado. Mas raramente se trata de investigações que contribuam para fazer progredir os quadros conceptuais das ciências sociais, os seus modelos de análise ou os seus dispositivos metodológicos. Trata-se de estudos, análises ou exames, mais ou menos bem realizados, consoante a formação e a imaginação do «investigador» e as precauções de que se rodeia para levar a cabo as suas investigações. Este trabalho pode ser precioso e contribuir muito para a lucidez dos actores sociais acerca das práticas de que são autores, ou sobre os acontecimentos e os fenómenos que testemunham, mas não se deve atribuir-lhe um estatuto que não lhe é apropriado.

 

Este curso, embora possa apoiar determinados leitores empenhados em investigações de uma certa envergadura, visa sobretudo ajudar os que têm ambições mais modestas, mas que, pelo menos, estão decididos a estudar os fenómenos sociais com uma preocupação de autenticidade, de compreensão e de rigor metodológico.

Em ciências sociais temos de nos proteger de dois defeitos opostos: um cientismo ingénuo que consiste em crer na possibilidade de estabelecer verdades definitivas e de adoptar um rigor análogo ao dos físicos ou dos biólogos, ou, inversamente, um cepticismo que negaria a própria possibilidade de conhecimento científico. Sabemos simultaneamente mais e menos do que por vezes deixamos entender. Os nossos conhecimentos constroem-se com o apoio de quadros teóricos e metodológicos explícitos, lentamente elaborados, que constituem um campo pelo menos parcialmente estruturado, e esses conhecimentos são apoiados por uma observação dos factos concretos.

É a estas qualidades de autenticidade, de curiosidade e de rigor que queremos dar relevo nesta obra. Se utilizamos os termos «investigação», «investigador» e «ciências sociais» para falar tanto dos trabalhos mais modestos como dos mais ambiciosos, é por uma questão de facilidade, porque não vemos outros mais convenientes, mas é também com a consciência de que são frequentemente excessivos.

No seu trabalho de investigação cientifica, o antropólogo desenvolve um trabalho complexo de análise da realidade social que, ao obedecer a determinados procedimentos (o método ou estratégias de investigação), permitirá construir teorias.

Para tal, o investigador necessita de instrumentos que lhe permitam obter dados indispensáveis para a realização do seu trabalho no qual se dá o nome de técnicas.

Em primeiro lugar o que são métodos, o método é o conceito que resulta etimologicamente da junção de dois termos gregos, Meta + Odos. Meta significa fim, objectivo e Odos significa via, caminho meio.

Podemos concluir então que um método é um meio para atingir um fim.

O Método implica o recurso a técnicas próprias.

Def• Técnicas de Investigação : Etimologicamente, técnica significa acto, saber fazer. As técnicas são os processos práticos que têm por objectivo a pesquisa, a recolha e o tratamento da informação.

 

Etapas de investigação:

Etapa 1: Pergunta de partida

Etapa 2; Exploração: leituras e entrevistas exploratórias

Etapa 3: A problemática

Etapa 4: Construção do modelo de análise

Etapa 5: Observação

Etapa 6: Análise da informação

Etapa 7: Conclusões

Ernest Greenwood propôs uma classificação simples dos métodos de investigação, amplamente divulgada e usada no domínio das Ciências Sociais.

Classificação dos Métodos de Investigação de E. Greenwood:

 

- Método Experimental.

- Método de Medida ou Análise Extensiva.

- Estudo de Casos ou de Análise Intensiva.

 

Método experimental

O método experimental é um método fundamental na investigação científica. Jean Piaget e Paul Fraisse - "Tratado de Psicologia Experimental" - distinguem quatro fases, ou momentos, deste processo de investigação:

 

Método de Medida ou de Análise Extensiva:

Este método é muito utilizado para explicar um fenómeno que envolva uma população muito vasta. Devem privilegiar-se, na recolha de dados, as Técnicas de Entrevista e o Inquérito por Questionário. Deve calcular-se uma amostra, uma vez que, tratando-se de um estudo que envolve uma grande população, tornava-se impossível fazer entrevistas, ou inquéritos a toda a

Método: Conceito que resulta etimologicamente da junção de dois termos gregos, Meta + Odos. Meta significa fim, objectivo e Odos significa via, caminho, meio. Podemos então concluir que um método é um meío para atingir um firn.

O Método implica o recurso a Técnicas próprias.

- Técnicas de Investigação: Etimologicamente, Técnica significa acto, saber fazer.

As Técnicas são os processos práticos que tem por objective a pesquisa, a recolha e o tratamento da informação.

O investigador deve escolher o método e as técnicas que se demonstrem mais eficazes no desenvolvimento da investigação.

Ernest Greenwood propôs uma classificação simples dos métodos de investigação, amplamente divulgada e usada no domínio das Ciências Sociais.

 

Classificação dos Métodos de Investigação de E. Greenwood:

- Método Experimental,

- Método de Medida ou Análise Extensiva,

- Estudo de Casos ou de Análise Intensiva

 

Método Experimental:

O método experimental é um método fundamental na investigação científica. Jean Piaget e Paul Fraisse - "Tratado de Psicologia Experimental " - distinguem quatro fases, ou momentos, deste processo de investigação:

 

Método de Medida ou de Análise Extensiva:

Este método é muito utilizado para explicar um fenómeno que envolva uma população muito vasta. Devem privilegiar-se, na recolha de dados, as Técnicas de Entrevista e o Inquérito por Questionário. Deve calcular-se uma amostra, uma vez que, tratando-se de um estudo que envolve uma grande população, tornava-se impossível fazer entrevistas, ou inquéritos a toda a gente. Por isso selecciona-se um pequeno conjunto de elementos, representativo da população alvo.

A amostra é constituída por um pequeno número de pessoas que pertencem à população e deve haver correspondência entre a estrutura da amostra e a estrutura da população a estudar.

Recolhem-se os dados, directa ou indirectamente, através dos questionários e das entrevistas, analisa-se os dados e generaliza-se ao universo da população as conclusões tiradas de amostra.

 

A Pesquisa Social

Processo que, utilizando a metodologia científica, permite a obtenção de novos conhecimentos no campo da realidade social. Esta envolve todos os

aspectos relativos ao homem em seus múltiplos relacionamentos com outros homens e instituições sociais.

Finalidade da Pesquisa

A pesquisa pura busca o progresso da ciência, enquanto a aplicada, que depende da pura, apresenta o interesse na aplicação, utilização e consequências práticas do conhecimento.

 

Níveis de Pesquisa

Pesquisas Exploratórias - Com menor rigidez de planeamento, procuram desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, para a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. Proporcionam visão geral, do tipo aproximativo, de determinado fato. 0 produto final passa a ser um problema mais esclarecido.

Pesquisas Descritivas - Procuram descrever as características de determinada população ou fenómeno ou o estabelecimento de relações (e/ou de sua natureza) entre variáveis. Uma de suas características mais marcantes está na utilização de técnicas padronizadas de colecta de dados. Juntamente com as anteriores, as mais utilizadas no envolvimento prático.

Pesquisas Explicativas - Procuram identificar os factores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenómenos. É o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porque das coisas, sendo, por isso, o tipo mais complexo e delicado, já que o risco de erros é muito maior.

 

Envolvimento do Pesquisador na PesquisaSegundo a influência positivista, deve-se buscara objectividade na pesquisa, que não é facilmente obtida por causa de sua subtileza e implicações complexas. Para evitar problemas de subjectividade, os positivistas sugerem que se restrinja os fenómenos sociais ao que pode ser efectivamente observado com neutralidade.

As críticas concretas a esses procedimentos clássicos têm sido motivadas por razões de ordem prática ou ideológica. As primeiras afirmando que os resultados não levam a uma qualidade muito superior ao próprio senso comum, mas com grande gasto de recursos, inclusive de tempo. Já os argumentos ideológicos indicam tal forma de pesquisa como forma de controle social.

 

Como alternativas surgem:

Pesquisa Acção - Pesquisa social com base empírica concebida e realizada em estreita associação com uma acção ou com a resolução de um problema colectivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Pesquisa Participante - Responde especialmente às necessidades de populações que compreendem as classes mais carentes nas estruturas sociais contemporâneas, levando em conta suas aspirações e potencialidades de conhecer e agir. Metodologia que procura incentivar o desenvolvimento autónomo (autoconfiante) a partir das bases e uma relativa independência do exterior.

Formulação do Problema

Problema é qualquer questão não solvida e que é objectivo de discussão, em qualquer domínio do conhecimento. A pesquisa científica não pode dar respostas a questões de "engenharia" e de valor, porque sua correcção ou incorrecção não é

Problema é qualquer questão não solvida e que é objective de discussão, em qualquer domínio do conhecimento. A pesquisa científica não pode dar respostas a questões de "engenharia" e de valor, porque sua correcção ou incorrecção não é passível de verificação empírica. Um problema é testável cientificamente quando envolve variáveis que podem ser observadas ou manipuladas.

Escolha do Problema de Pesquisa

A escolha do problema decorre de grupos, instituições, comunidades ou ideologias em que o pesquisador se move, de modo que podem ser verificadas muitas implicações, tais como, relevância, oportunidade e comprometimento.

Relevância - Será relevante cientificamente à medida que conduzir à obtenção de novos conhecimentos. Sua relevância prática, em contrapartida, está nos benefícios que podem decorrer de sua solução.

 

Oportunidade - Dada por determinadas instituições, em termos de financiamento e/ou condições materiais, dependendo da capacidade de adequação do pesquisador.

Comprometimento - À organizações, ideológicos, culturais etc.

Modismo - Proveniente dos países desenvolvidos ou de assuntos da moda.

Regras para Adequada Formulação do Problema

Tarefa difícil:

Formulação como pergunta, tornando-o mais objective.

Dimensão viável (especificidade).

 

Clareza de conceitos e temos.

O papel fundamental da hipótese na pesquisa é sugerir explicações para os fatos, que podem ser a solução do problema e que bem elaboradas conduzem a uma verificação empírica. Normalmente se originam da observação de fatos, de outras pesquisas, de teorias e da intuição.

 

Tipos de Hipóteses

Casuística - Referem-se a algo que ocorre em determinado caso; afirmam que um objecto, ou uma pessoa, ou um fato específico tem determinada característica. São muito frequentes na pesquisa histórica, em que os fatos são tidos como "únicos”.

Que se Referem à Frequência de Acontecimentos - Antecipam que determinada característica ocorre, com menor ou maior intensidade, num grupo, sociedade ou cultura.

Que Estabelecem Relações entre Variáveis - Enunciado conjectural das relações entre duas ou mais variáveis (coisas que podem ser classificadas em duas ou mais categorias).

gente. Por isso selecciona-se um pequeno conjunto de de elementos, representativo da populaçãoalvo.

A amostra é constituída por um pequeno número de pessoas que pertencem à população e deve haver correspondência entre a estrutura da amostra e a estruturada população a estudar.

Recolhem-se os dados, directa ou indirectamente, através dos questionários e d as entrevistas, analisa-se os dados e generaliza-se ao universo da população as conclusões ti radas de amostra.

 

Método Intensivo

O método intensivo acaba por ser equivalente de análise qualitativa, porque se estudam em profundidade poucas observações:

Envolve a colecta e análise sistemática de materiais narrativos mais subjectivos;

Trabalha com realidades não quantificáveis, não utilizando instrumentos formais e estruturados, podendo usar roteiros e perguntas abertas na colecta de informações;

É globalizante, procurando captar a situação ou o fenómeno em toda a sua extensão.

 

Desvantagens :

Método extensivo:

•Superficialidade da informação recolhida;

•"Frieza" e dificuldade em captar o lado vivido dos fenómenos sócias.

•Propícia uma hipervalorização dos constrangimentos (de classe, de género, de idade ou fase de vida,de etnia...), esquecendo a "margem de liberdade"dos agentes sociais.

Método intensivo:

•Dificuldade na generalização da informação recolhida nos estudos de casos;

•Mai or tendência para a empatiaa identificação com os observados, com perdade objectividade.

•Propicia uma hipervalorização da "margem de liberdade"dos agentes sociais, esquecendo os constrangimentos (de classe, de género, de idade ou fase de vida, de etnia...).

Modos de produção de informação em antropologia

Em sociologia utilizam-se, basicamente, dois processos para obter informação sobre os fenómenos em estudo e para produzir nova informação

Obtenção da informação :

Partir da documentação já existente sobre o problema em causa

Partir da observação dos fenómenos a estudar

Epistemologia da pesquisa

Preliminares deveria ser tratado antes de tudo o problema da construção do objecto antropológico e mais tarde, apresentar um repertório crítico das ferramentas; tanto conceituais quanto técnicas, da pesquisa. É necessário lutar contra a inexistência de uma epistemologia das ciências sociais: impossibilitados de nos limitarmos, em um terreno tão manifestamente ocupado, devemos, na medida do possível, enfrentar a discussão moderada das teorias e conceitos antropológicos, cuja tradição estabelece as condições prévias de qualquer discussão teórica.

 

Assim, cada um dos princípios teria sido transformado em preceitos ou, pelo menos, em exercícios de interiorização da postura antropológica; por exemplo, para colocar em evidência todas as possibilidades que estão implicadas em um princípio tal como o método qualitativo, teria sido necessário demonstrar com trabalhos práticos - como é possível fazê-lo  a construção de uma amostra, a elaboração de um questionário ou a análise de uma série de quadros etnográficos - a maneira como esse princípio orienta as escolhas técnicas do trabalho de pesquisa (construção de séries de populações separadas por diferenças étnicas, elaboração das perguntas do questionário que, permitem situar o caso considerado.

 

Epistemologia e metodologia

 

"0 método, escreve Auguste Comte , não pode ser estudado separadamente das pesquisas nas quais é utilizado; ou, pelo menos, não passa de um estudo morto, incapaz de fecundar o espírito que se entrega a ele. Tudo o que se pode dizer de real, quando o consideramos abstratamente, reduz-se a generalidades de tal forma imprecisas que estas não poderiam exercer qualquer influência sobre o regime intelectual. Quando estabelecemos firmemente, como tese lógica, que todos os nossos conhecimentos devem ser baseados na observação, que devemos proceder a partir dos factos para chegar aos princípios ou a partir dos princípios para chegar aos fatos, e alguns outros aforismos semelhantes, ficamos conhecendo o método muito menos nitidamente do que aquele que, de maneira um pouco aprofundada, estudou uma única ciência positiva, mesmo sem intenção filosófica. É por ter desconhecido esse facto essencial que nossos psicólogos são levados a considerar seus devaneios como ciência, acreditando ter compreendido o método positivo por terem lido os preceitos de Bacon ou o Discours de Descartes. Ignoro se, mais tarde, será possível fazer a priori um verdadeiro curso de método completamente independente do estudo filosófico das ciências; mas, estou bem convencido de que, hoje, isso é inexequível, na medida em que os grandes procedimentos lógicos ainda não podem ser explicados com a precisão suficiente, separadamente de suas aplicações. Além disso, ouso acrescentar que, mesmo sendo possível realizar, posteriormente, tal empreendimento - o que, com efeito, é conceptível - é somente graças ao estudo das aplicações regulares dos procedimentos científicos que será possível chegar à formação de um bom sistema de hábitos intelectuais; aliás, esse é o objetivo essencial do método”.

Método e prática

Não há dissociação entre método e prática, mas há mesquinharias da rotina científica como atentados à dignidade do objeto que os antropólogos pretendem abordar ou do sujeito científico que pretendem encarnar -pois se fossem pedantes os pesquisadores, durante a vida, a ficariam presos aos bancos do catecismo metodológico, que pretende ensinar a arte de ser antropólogo ou a maneira científica de fazer o trabalho de fim do curso, e mais tarde tornam-se especialistas em dissociar  o método, ou a teoria, com o trabalho de campo. A metodologia sugere a necessidade de assistir a teoria com as técnicas de pesquisa, considerando todas as ferramentas conceituais ou técnicas que permitem operar no campo. A utilização de um método pressupõe que este seja, previamente, conhecido" (G. Canguilhem , 1967, p. 24).

Em particular, Paul F. Lazarsfeld - no sentido da racionalização da prática de pesquisa antropológica, sabemos que corremos o risco de sermos classificados ao lado daqueles que seguem modas estandardizadas que não respondem às necessidades da pesquisa antropológica.

Se é verdade que o ensino da metodologia de pesquisa requer - tanto dos seus professores, quanto dos seus estudantes - uma referência directa e constante uma experiencia em primeira pessoa, como explica Needham

“a metodologia em moda que multiplica os programas em favor de uma pesquisa sofisticada, mas hipotética, os exames críticos de pesquisas feitas por outros [...] ou os tais ditos metodológicos”

 Isto não poderia tomar o lugar de uma reflexão sobre a justa relação entre às técnicas antropológicas e o esforço da pesquisa etnográfica, tudo em função da transmissão de princípio para buscar as verdades. Além disso, se é verdade que os métodos se distinguem das técnicas, pelo menos, no sentido em que são “bastante gerais para terem valor em todas as ciências” , essa reflexão sobre o método ainda deve assumir o risco de encontrar, de novo, a seriedade das ciências da natureza como queria Radcliffe Brown; os estudantes de antropologia devem abandonar a anarquia conceptual à qual são condenados por sua indiferença em relação à reflexão metodológica. Na realidade,  no caso da antropologia: aqui, tudo se joga no ignorar tal conhecimento adquirido, desde o método das ciências humanas até às características do recrutamento e formação dos pesquisadores, passando pela existência de um conjunto de princípios metodológicos especializados na reinterpretação do saber das outras ciências. Portanto, é necessário uma atitude de vigilância que encontre no conhecimento da metodologia os mecanismos capazes de endireitar a ingenuidade etnográfica.

Metodologia

O ensino dos métodos da pesquisa tem como projecto expor os princípios de uma prática profissional e inculcar, simultaneamente, uma certa atitude em relação a essa prática, isto é, fornecer os instrumentos indispensáveis ao tratamento antropológico do objecto e, ao mesmo tempo, uma disposição activa para utilizá-los de forma adequada.

O critério reside na aplicação dos princípios fundamentais da teoria do conhecimento antropológico que, como tal, não estabelece qualquer separação entre os grandes antropólogos que, em princípio, estariam separados no terreno da teoria do sistema cultural. Se a maior parte dos autores foram levados a confundir com sua teoria particular do sistema social a teoria do conhecimento do social que utilizavam - pelo menos implicitamente - em sua prática sociológica, o projeto epistemologico pode servir-se dessa distinção prévia para aproximar autores cujas oposições doutrinais dissimulam o acordo epistemologico.

O receio de que o empreendimento leve a um amálgama de princípios extraídos de tradições teóricas diferentes (evolucionismo, particularismo histórico, funcionalismo, estruturalismo, interpretativismo) ou à constituição de um conjunto de fórmulas dissociadas dos princípios que as fundamentam (observação participante, método qualitativo) é uma forma de esquecer que a reconciliação opera-se realmente no exercício autêntico da profissão de antropólogo sendo um sistema de esquemas mais ou menos controlados na interiorização dos princípios da teoria do conhecimento sociológico. A tentação sempre renascente é de transformar os preceitos do método em receitas de cozinha científica ou em engenhocas de fazer bolos e pizza, devemos, pelo contrário assumir a constante vigilância epistemológica que, subordinando a utilização das técnicas e conceitos a uma verdadeira experiência etnográfica de campo que se interroga acerca dos limites e sobre a validade da aplicação ingénua dos métodos, proíbe assim a facilidades de uma aplicação automática de procedimentos, que já vimos nos numerosos trabalhos de fim do curso que aplicam uma modalidade rotineira ou rotinizada que seja, que deve ser seriamente repensada, tanto em si mesma quanto em função do caso particular. Devemos desconstrui a forma mágica das aplicações metodológicas que mesmo superestimadas não passam de litanias rituais e recuperar habilidades profissionais e,  utilizar com receio, ou nunca utilizar, instrumentos que apenas deveriam ser julgados pelo seu uso. É a obsessão que nos faz pensar ao estudante de antropologia como a um doente, mencionado por Freud, que passava seu tempo a limpar os óculos sem nunca colocá-los.

Trata-se de desmontar, as constatações e provas baseando-nos  no funcionamento real do espírito de pesquisa antropológica envés de condena-la a um bla bla da retórica da defesa do TFC. Gostaríamos, portanto, de fornecer os meios de adquirir uma disposição mental que é a condição de uma pesquisa séria.   "Não existe nada que se pareça com um método lógico para ter ideias ou com uma reconstituição lógica desse processo. Segundo a minha opinião, qualquer descoberta contém 'um elemento irracional’ ou uma ‘intuição criadora’ no sentido de Bergson’’ (K.R. Popper , A Lógica da Pesquisa Científica, 1992, p. 32). Pelo contrário, desde que, por exceção, tomamos explicitamente como objecto o “contexto da descoberta"  somos obrigados a romper com inúmeros esquemas rotineiros da tradição antropológica e metodológica, e, em particular, com a representação do procedimento da pesquisa como sucessão de etapas distintas e predeterminadas.

 

A correspondência entre a etapa e os actos do procedimento. Por razões didácticas, os actos e as etapas são apresentados como operações separadas e numa ordem sequencial. Na realidade, uma investigação científica não é tão mecânica, pelo que introduzimos no esquema circuitos de retroacção para simbolizar as interacções que realmente existem entre as diferentes fases da investigação.

 

Os três actos do procedimento

Para compreender a articulação das etapas de uma investigação com os três actos do procedimento científico é necessário examinar os princípios que estes três actos encerram e sobre a lógica que os une.

A ruptura

Em ciências sociais, a nossa bagagem supostamente «teórica» comporta numerosas armadilhas, dado que uma grande parte das nossas ideias se inspiram nas aparências imediatas ou em posições parciais. Frequentemente, não mais do que ilusões e preconceitos. Construir sobre tais premissas equivale a construir sobre areia. Daí a importância da ruptura, que consiste precisamente em romper com os preconceitos e as falsas evidências, que somente nos dão a ilusão de compreendermos as coisas. A ruptura é, portanto, o primeiro acto constitutivo do procedimento científico.

 

A construção

Esta ruptura só pode ser efectuada a partir de um sistema conceptual organizado, susceptível de exprimir a lógica que o investigador supõe estar na base do fenómeno. E graças a esta teoria que ele pode erguer as proposições explicativas do fenómeno a estudar e prever qual o plano de pesquisa a definir, as operações a aplicar e as consequências que logicamente devem esperar-se no termo da observação. Sem esta construção teórica não haveria experimentação válida. Não pode haver, em ciências sociais, verificação frutuosa sem construção de um quadro teórico de referência. Não se submete uma proposição qualquer ao teste dos factos. As proposições devem ser o produto de um trabalho racional, fundamentado na lógica e numa bagagem conceptual validamente constituída (J.-M. Berthelot, L’Intelligence du social, Paris, PUF, 1990, p. 39).

 

A verificação

Uma proposição só tem direito ao estatuto científico na medida em que pode ser verificada pelos factos. Este teste pelos factos é designado por verificação ou experimentação. Corresponde ao terceiro acto do processo.

 

As sete etapas do procedimento

 

Os três actos do procedimento científico não são independentes uns dos outros. Pelo contrário, constituem-se mutuamente. Assim, por exemplo, a ruptura não se realiza apenas no início da investigação; completa-se na e pela construção. Esta não pode, em contrapartida, passar sem as etapas iniciais, principalmente consagradas à ruptura. Por seu turno, a verificação vai buscar o seu valor à qualidade da construção.

No desenvolvimento concreto de uma investigação, os três actos do procedimento científico são realizados ao longo de uma sucessão de operações, que aqui são reagrupadas em sete etapas. Por razões didácticas, o esquema anterior distingue de forma precisa as etapas umas das outras. No entanto, circuitos de retroacção lembram-nos que estas diferentes etapas estão, na realidade, em permanente interacção. Não deixaremos, aliás, de mostrá-lo sempre que possível, uma vez que este manual dará especial relevo ao encadeamento das operações e à lógica que as liga

 

AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO

RUPTURA

CONSTRUÇÃO .

VERIFICAÇÃO

sociografia

Bibliografia

Bourdieu, P., Chamboredon, J.-C., & Passeron, J.-C. (2002). A profissão de sociólogo. Preliminares epistemológicas. Vozes.

Comte, A. (2008). Corso di filosofia positiva.  Vol. 1. Mondadori.

Canguilhem, G. (2005). Escritos sobre a Medicina. Forense Universitária.

Lazarsfeld, P. F. (1972). Qualitative Analysis. Allyn and Bacon.

Needham, R. (1962). Structure and Sentiment. The University of Chicago.

Popper, K. (1992). A lógica da pesquisa científica. Cultrix.

Quivy, R., & Van Campenhoudt, L. (2005). Manual de investigação em Ciências Sociais. Gradiva.

 

2ª Lição - O texto

 

O universo dos sujeitos em questão,

bem como o processo de definição da amostra que foi utilizada e a sua caracterização nas variáveis pertinentes para a sua dimensão e estratificação. Se for uma amostra representativa, deve indicar o seu grau de representatividade e como se minimizaram os erros de amostragem.

Instrumentos:

 Esta alínea deve conter a descrição dos instrumentos de recolha de dados que foram utilizados e a respectiva justificação. Há que indicar, sempre que possível, o grau de fiabilidade e validade dos instrumentos.

Procedimentos:

Devem ser apresentados os procedimentos para recolher os dados, bem como os constrangimentos e dificuldades encontrados, com especial destaque para os que possam ter impacto nos resultados. Importa indicar a data e os locais em que os dados foram recolhidos.

Análise de dados.

 Devem ser indicadas as técnicas, estatísticas ou outras, que foram utilizadas para tratar os dados.

O método que usa-se no campo onde somos chamados a pesquisar parte pelos seguintes pontos. Notamos que de 1 a 4 trata-se da primeira fase aquela etnográfica e os últimos dois dizem respeito à fase propriamente antropológica

 

Objectivos

 

Uma vez que nos encontramos no campo devemos

1     saber diferenciar os paradigmas da investigação

2      enumerar e caracterizar os tipos de investigação quantitativa

3      enumerar e caracterizar os tipos de investigação qualitativa

4     enunciar e definir os métodos de investigação

 

Desenho de investigação

Trata-se de um pré-projecto cuja função é orientar o pesquisador a abordar a alteridade tendo uma base teórica preestabelecida. Portanto definimos o desenho de investigação da seguinte forma:   Desenho de investigação refere-se à estrutura geral ou plano de investigação de um estudo, como seja se o estudo é experimental ou descritivo e qual o tipo de população. Definido o desenho, torna-se necessário especificar o método de estudo e de recolha de dados. Por método de investigação entende-se as técnicas e práticas utilizadas para recolher, processar e analisar os dados (Bowling, 1998)

  “Quando se pode medir o que se está falando e exprimir em números, quer dizer que se sabe algo sobre isso.  E quando  não se pode medi-lo, quando não puder expressar algo em números, seu conhecimento é de um tipo fraco e insatisfatório.  Pode ser o início do conhecimento, mas dificilmente no seu pensamento progredirá para o estágio da ciência.”

W. Thomson (Lord Kevin) (1894). Popular lectures and addresses by Sir William Thomson, 1891-1894. New York: Macmillan.

     Muitos anos antes de Kevin, Pitagoras afirmou mais sinteticamente, “As Matemáticas são o caminho para o conhecimento universal…os números são a medida de todas as coisas”

O texto era produzido segundo o esquema de uma narrativa impessoal, ligada a uma suposta objetividade e neutralidade do autor que usava um modelo etnográfico que reconstruía a sociedade 'tradicional' projectando uma imagem dela fixada, imóvel, desprovida de mudança e de história. A este propósito o historiador Thornton observa acerca do reino do Kongo:

«A causa desta metodologia assumiram necessariamente uma estrutura social estática, não conseguiram explicar as mudanças no Reino por meio de qualquer tipo de desenvolvimento interno» (Thornton 1983: XIX).

O resultado elaborado era 'objectivo' passava pela colecta de dados reais, submetidos a um trabalho complexo de descrição e processamento que mais tarde tornava-se material indispensável pelo teóricos da antropologia.

O resultado histórico desse modo de descrever as culturas produziu, a nível de objecto da antropologia, uma imagem estática das culturas individuais, fechadas na sua atemporalidade como se o seu presente etnográfico se tornasse histórico. Ao contrário de outros cientistas sociais, os antropólogos têm dedicado tradicionalmente pouco espaço para a análise e reflexão sobre os seus métodos de trabalho no campo.

A maneira como antropólogo leva a cabo o trabalho de campo, embora seja o fulcro da disciplina antropológica, e apesar de fazer parte duma literatura antropológica, era tido um elemento não necessário à elaboração analítica e teórica. O subalterno que a tradição antropológica chamou sempre “outro”, a partir do trabalho de campo tem finalmente a chance de se fazer ouvir. A memória fica descongelada e torna-se possível indagar e reconstruir nos seus múltiplos sentidos aquilo que o passado guardou (DALBERT 2010: 135).

Com estes pressupostos, o texto antropológico era fruto de um complexo resultado de escolha de métodos ad hoc, deixado comparência de sentimentos ambivalentes: dúvidas e dificuldades, tensões e intuições, astúcias e estratégias, amizades e conflitos. O texto produzido, portanto, pertencia a uma literatura paralela, informal, muitas vezes publicada usando pseudónimos. Agora as coisas mudaram com o conceito de etnografia multilocal aplicado a uma sociedade em continuo movimento :

«em cada terreno de estudo envolvido, aqueles elementos de contexto que, utilizados a nível comparativo, poderão, numa fase de análise sucessiva, admitir alguma generalização sobre as pistas teóricas e categorias de análise eficazes na compreensão das dinâmicas informais na sociedade angolana contemporânea» (GRASSI 2004: 10).

 

Como etnografar

O primeiro factor é que na antropologia, a cultura deve ser vista 'como um todo', onde o papel do etnógrafo é unir as peças que as culturas formaram um 'todo coerente'. Para alcançar este êxito, o etnógrafo não deve pertencer à cultura que estuda. Em estudos antropológicos domina a concepção da cultura como um todo e há a necessidade de o pesquisador não fazer parte da cultura que analisa.

Os fenómenos culturais podem ser analisados a segunda da perspectiva quantitativa ou qualitativa.

A etnografia, para analisar a cultura, se baseia sobre duas ferramentas

Depois de ter colectato os dados então se apresenta a questão do método a usar na sua análise.

Etnografia é a tarefa de descrever a cultura (Spradley 1979:3) e consiste

Objectivo da etnografia é aquele de entender a realidade vista do ponto daquele indivíduos que vivem imergidos nela.

A etnografia quer transformar em material cientifico tudo aquilo recolhe.

Em antropologia a cultura é considerada como um tudo: o papel do etnógrafo é aquele de juntar todas as peças para descrever a cultura e torna-la um tudo coerente.

Às vezes os informantes não admitem outras pessoas a não ser os familiares somente à eles comunicam, e o conhecimento do outro se torna uma quimera.

A  etnografia se serve dos pesquisadores para descrever e explicar as constantes e as mudanças do comportamento humano: a realidade deve ser descrita a partir dos elementos culturais que compõem o panorama do nativo.

A etnografia não significa estudar as pessoas mas apreender delas, não pretende recolher dados mas apreender tudo o que for possível tornando os informantes mestres.

A parte essencial da etnografia é conhecer o significado que as acções e os acontecimentos tem para a gente que estamos estudando.

Alguns destes significados estão contidos na língua, mas outros estão indirectamente comunicados através da palavra e da acção. Toda a sociedade faz uso desta complexa trama de significados para organizar o seu comportamento, para amar-se uns aos outros, e dar sentido ao mundo que rodeia.

Este sistema de significados compõem a cultura, portando a etnografia parte sempre duma teoria acerca da cultura.

A cultura é o conhecimento que as pessoas apreenderam enquanto membros pertencentes a um grupo e esta não pode ser observada directamente, mas através daqueles que a vivem portanto para conhecer a cultura de um povo devemos:

As sociedades fazem uso da linguagem para comunicar o conhecimento da sua cultura, e isso é muito fácil de interpretar para o etnógrafo. No entanto, sabe-se que muito do conhecimento e operação de uma cultura é tácita e não é expressada diretamente. É então, que o etnógrafo deve fazer inferências sobre o que as pessoas sabem, ouvindo atentamente o que elas dizem, observando o seu comportamento, e estudando artefactos e os seus usos da cultura material.  'A maior parte de uma cultura é codificada linguisticamente' (Spradley, 1979, p. 9), porque este é o principal meio para transmitir os seus conhecimento através das gerações.

Bem como a cultura, a etnografia, a linguagem é a principal ferramenta que é usada para estruturar as notas de campo e realizar análise de dados.

Como explica Spradley, a linguagem 'é uma ferramenta para construir a realidade'.

Embora informantes falam a mesma língua que o investigador, ele deve saber os termos que as pessoas usam na sua própria subcultura; Desta forma, se consegue uma melhor comunicação e compreensão entre etnógrafo e informantes.

Um dos objectivos da etnografia é entender o comportamento dos membros de diferentes culturas; esta ferramenta fornece ao pesquisador informações sobre a vida das pessoas em situações específicas. A análise etnográfica, é a técnica que vai permitir-me de saber como os agentes culturais são expostos aos fenómenos e acontecimentos culturais. Embora o objectivo principal é a utilização de objectos específicos, é necessário tomar em conta como muitos aspectos influenciam o comportamento. É, não se isola este comportamento mas;

está relacionado com a situação socioeconômica de cada informante, sexo, relacionamento com outros membros da família, suas tarefas diárias. Isto é o que Ien Ang chama de 'contextualismo radical'.

O Contextualismo radical

Como explicado um dos objectivos da etnografia é de compreender uma cultura a partir dos próprios termos que os membros dessa cultura usam. Para entender o comportamento dos indivíduos em certas actividades, o etnógrafo deve levar em conta todos os aspectos que podem influenciar o tema. A isto Ien Ang chama de 'contextualismo radical'. Ou seja como as pessoas interpretam, analisam e compreendem e elaboram. Tudo isto têm a que ver com os aspectos intrínsecos a si mesmos. Ao começara a trabalhar, deve-se considerar  dois contextos: o lugar local e o status. Os investigadores descobrirão que não se pode ter em conta apenas destes dois contextos e isolá-los dos outros fenômenos que ocorrem em torno a este evento. Como Ang explica 'o uso de um objecto não pode ser separado de tudo o que acontece ao seu redor portanto do seu contexto'. Isto é, a actividade descrita toma forma dentro do horizonte  e dum contexto mais amplo numa gama de práticas heterogêneas e indefinidas: a actividade não pode ser previamente determinada, mas depende da influência de uma pluralidade de contextos interagidos não é mais do que uma etiqueta que resume uma vasta variedade de comportamentos multidimensionais e experiências envolvidas na prática cultural.

Ao fazer etnografia tendo em conta do contextualismo radical, o pesquisador destina-se a abranger a 'pluralidade de contextos',  a que se refere a Ang. Porém, para o etnógrafo é impossível estar em todos os lugares ao mesmo tempo e cobrir simultaneamente todos esses cenários contextuais que influenciam a pratica cultural. Como Ang argumenta (1996), o pesquisador observa e analisa, necessariamente, de uma perspectiva, de um ponto de vista e isso torna impossível testemunhar todos os contextos e também, o pesquisador não sabe quando inicia e onde termina o trabalho etnográfico.

Etnografia da perspectiva de contextualismo radical são a base para realizar o trabalho de campo. Como irá ser levado a cabo? Através de duas ferramentas utilizadas nos estudos qualitativos. A observação participante e a entrevista requeridas para chegar a conclusões sobre o comportamento da cultura objecto de investigação.

Observação Participante

A observação participante é introduzir-se na uma cultura e observar comportamentos e interações dos personagens que ajudarão a realização da investigação. Esta observação não é feita remotamente, mas sim, misturando-se com as pessoas, às vezes até fazer perguntas de esclarecimento naquilo que se observou. As interpretações daquilo que foi observado são da responsabilidade do etnógrafo.

Geralmente, a observação participante é realizada antes de fazer entrevistas pois esta técnica ajuda o etnógrafo a descobrir a cultura analisando o comportamento. Para observar e participar na actividade executadas seus informantes, o etnógrafo tem uma ideia mais clara do que as pessoas dizem, o que eles fazem e os objetos que eles usam. Nesta fase da observação participante, o pesquisador pode conversar informalmente com o as pessoas e compreender as acções dos seus informantes..

Existem três posições que o pesquisador pode tomar no momento da conduta na observação participante pois indicam o grau de imersão do etnógrafo:

 1.  Pesquisadores como membros periféricos (pesquisador membro periférico) pesquisadores tendo esta postura durante a observação participante acreditam que eles podem analisar entrevistados de uma perspectiva distante, sem participarem em actividades-chave do grupo que estuda. 

 2.  Pesquisadores como membros ativos (pesquisador membro ativo).  Estes pesquisadores estão envolvidos com as actividades centrais do grupo que observaram e, em de vez em quando, assumem as responsabilidades.  No entanto, não se comprometem com os valores e objetivos do grupo.

3. Pesquisadores como membros plenos (pesquisador Complete-membro) este é o grau de imersão mais elevado do que os pesquisadores podem assumir durante observação participante.  O etnógrafo estudando os cenários se torna parte do grupo durante o processo da sua pesquisa. 

Embora está completamente imerso no grupo que analisa, não deverá alterar o fluxo de interações de informantes. 

Este grau de imersão que é o estágio de observação participante como membro activo, presume que o observador não permaneça tão distanciado dos informantes como os pesquisadores que são membros periféricos e nem fazem parte do grupo de uma forma total, como os membros integrados.

Nesta pesquisa, a observação participante será o primeiro passo para realizar o trabalho de campo. A observação vai ajudar a cumprir os seguintes objectivos:

A Realização da observação participante facilita a próxima fase porque, ao observar os informantes no seu ambiente natural, o desenvolvimento das perguntas será mais focado. O próximo passo na análise etnográfica é a entrevistas etnográfica, consiste em praticas  extensas e detalhadas com cada um dos actores sociais para obter informações adicionais sobre tema de pesquisa

Entrevista etnográfica

A parte etnógrafo do conhecimento adquirido pela observação participante questionando informantes sobre as suas actividades e comportamentos. Ao terminar o estágio de observação, o pesquisador pode desenvolver perguntas que irão ajudá-lo aprender mais sobre a cultura que você está analisando. Estas questões não devem incluir qualquer preconceito; é necessário notar que, como já mencionado, o etnógrafo é um estudante que aprende com os seus informantes para conhecer uma cultura. Para continuar com a aprendizagem desta cultura, exige-se por parte do pesquisador a entrevista etnográfica.

A entrevista etnográfica poderia ser definida como uma 'conversa amigável' com os informantes (Spradley, 1979, p. 58), como as questões não são num formato estruturado e podem ser amplamente respondidas pelo indivíduo. Claramente, será o etnógrafo a orientar o curso da conversa com os temas que lhe interessam cobrir. Esta técnica irá ajudar a expandir o conhecimento adquirido durante o estágio da observação participante. Às vezes será preciso fazer várias sessões de entrevistas com os informantes, caso surjam dúvidas durante o inquérito.

Quando o etnógrafo se reúne com o seu informante para a entrevista em profundidade é necessário explicar especificamente o que é o propósito da sua pesquisa de modo que o informante possa ensinar melhor. Os 'contos etnográficos' como chamado Spradley (1979, p. 59) devem estar presente em toda a investigação. Cada etapa do trabalho de campo deve ser explicado aos informantes, uma vez que,desta forma, eles entendem o rumo que a pesquisa està tomando pesquisa e a importância das perguntas do etnógrafo.

Para realizar uma entrevista etnográfica, o pesquisador deve formular diferentes tipos de perguntas que são são postas durante esses encontros a aquelas pessoas.  As perguntas etnográficas mais importante são as seguintes:

 • perguntas descritivas

Estas perguntas são usadas para o etnógrafo conhecer as actividades dos seus  informantes de forma detalhada.  Por exemplo o investigador pode perguntar sobre o etapas para realizar uma atividade.

 • Questões estruturais

Essas perguntas permitem situar o etnógrafo acerca da modalidade com a qual os informantes tem organizado o seu conhecimento.  Aqui o investigador pode perguntar sobre os tipos diferentes de actividades realizadas por um informante.

 • perguntas de Contraste

O etnógrafo quer entender o significado que o informante atribui usando os diferentes  termos da sua linguagem.  Perguntas de contraste permitem ao etnógrafo descobrir as dimensões do significado que os informantes usam para distinguir objectos e eventos pertencentes ao seu mundo.

 

Como se pode ver, os três tipos de perguntas são formulado para poder descobrir aspectos diferentes dos informantes. Estes resultados, juntamente com os três tipos de perguntas vão facilitar a aplicação de questionários apropriados para os informantes. 

 As entrevistas em profundidade serão conduzidas, na observação participante, em casas dos informantes, cada entrevista terá uma duração aproximadamente de uma ou duas horas

As respostas que eles dão, vão confirmar o que foi observado na  primeira etapa do trabalho.

 Enfim, as perguntas de contraste servem para estabelecer as diferenças entre os modos de ver dos actores e os significados que eles criam com esta actividade.

Nesta fase da investigação, as perguntas descritivas e estruturais irão ajudar a reforçar os objectivos da primeira fase. Devido ao curto espaço de tempo de observação, é possível que os objectivos definidos para esta fase não não sejam alcançados satisfatoriamente. É por esta razão que a execução dessas perguntas ajudam a saber o que pode ser observado na primeira fase de trabalho de campo. Perguntas de contraste cumprem com o objectivo de descobrir, através do discurso dos informantes, o que significa por eles um ou outro facto social.

 

 Depois de ter concluído a primeira secção de entrevistas o pesquisador irá analisar as informações obtidas; Se há alguma dúvida sobre as respostas  dos informantes, é pedir um encontro adicional com cada um deles.  Todas as informações obtidas, sejam nas entrevistas como na primeira fase de observação, são transcritas para uma posterior análise.  Para realizar este trabalho de campo é necessário localizar os informantes que ajudem a pesquisa. 

 OS INFORMANTES

Escolher informantes para pesquisa etnográfica é uma tarefa complicada já  é necessário que exista uma relação produtiva entre etnógrafo e informante e não se pode controlar todos os aspectos que levam a  manter um bom relacionamento entre os indivíduos.  Além disso, o facto de que o trabalho de campo, etnográfico requer uma coexistência entre informante e etnógrafo, limita a pesquisa porque torna-se desconfortável para algumas pessoas.

 

Historias de vida

A história, de vida não é um “dado” para a ciência social convencional embora tenha algumas de, suas características por se /constituir numa tentativa de reunir material útil para a forma- -, dação de teoria sociológica geral. Tampouco é ela uma autobiografía convencional, ainda que compartilhe com a autobiografia   (Becker, 1994, p. 101).

Certamente não é ficção, embora” os documentos de história de vida mais interessantes tenham uma sensibilidade, um ritmo e uma urgência dramática.

 

A fidelidade para com o mundo como ele existe é somente um dos muitos problemas para ele, e para muitos autores este é um aspecto de importância menor, pois o autor autobiográfico se propõe a explicar sua vida para nós, se comprometendo, assim, com a manuteção de uma estreita conexão entre a história que conta e aquilo que uma investigação objetiva poderia descobrir.

 

A história de vida se aproxima mais do terra-a-terra, se dedica mais as nossas propostas do que às do autor, e se interessa menos por valores artísticos do que por um relato fiel da experiência é a interpretação por parte do sujeitõ do mund no qual ele vive

O antropólogo que colecta uma historia de vida cumpre etapas "parar gárantir que ela abranja tudo o que quer conhecer, que nenhum facto ou acontecimento importante seja desconsiderad que o que parece real se ajuste a outras evidências disponíveis ê que a interpretação do sujeito seja apresentada honestamente. O antropologo mantém o sujeito orientado para os temas nos quais a antropologia está interessada, questiona-o sobre acontecimentos que exigem aprofundamento, tenta fazer com que a história contada acompanhe os assentos dos registros oficiais e os materiais fornecidos por outras pessoas familiarizadas com os indivíduos, acontecimentos ou lugares descritos. Ele garante para nós o cumprimento das regras do jogo.

Assim procedendo, ele dá sequência ao trabalho a partir de sua própria perspectiva, a qual enfatiza o valor da história própria da pessoa. Esta perspectiva difere daquela de alguns outros cientistas sociais por atribuir uma importância maior às interpretações que as pessoas fazem de sua própria experiência como explicação para o comportamento. Para entender porque alguém tem o comportamento que tem, é preciso compreender como lhe parecia tal comportamento, com o que pensava que tinha que confrontar, que alternativas via se abrirem para si; é possível entender os efeitos das estruturas de oportunidade, das sub-culturas delinquentes e das normas sociais, assim como de outras explicações comumente evocadas para explicar o comportamento, apenas encarando-as a partir do ponto de vista dos actores.

Há muitas pesquisas aplicadas a Luanda e o esquema que deveriam seguir seria o de Park  (1916) depois de ter acertado sobre uma visão ecológica, deveriamos ver a sucessão dos grupos étnicos, sobre a distribuição da delinquência juvenil, mercado informal, a natureza da cidade e o papel da comunicação na vida social. Tudo seria material para a antropologia do desenvolvimento como se fossem peças de um mosaico.

O enterro da grelha

 

Para entender porque houve no enterro da grelha toda aquela confusão, e os conseguintes actos de banditagem é preciso compreender como aos jovens que afluiram em massa parecia-lhes tal comportamento, quais eram os termos de comparação que lhes se ofereciam, que vias alternativas podiam abrir-se para eles; é possível entender os efeitos que o grande afluxo em massa de jovens pode ter provocado, para desabafar em actos de violência e roubo. Como as estruturas carentes provocaram nos delinquentes a ruptura das conveniências do obito e das normas sociais que regulam o comportamento no enterro, assim como de outras explicações comumente evocadas para explicar o comportamento, apenas encarando-o a partir do ponto de vista dos actores.

 

Bibliografia

Becker, H. S. (1994). Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. HUCITEC.

Kirlinger, F. N. (1980). Metodologia da pesquisa em ciências sociais: um tratamento conceptual. São Paulo: EPU/Edusp.

Rudio,F. V. (1985). Introdução ao projecto de pesquisa científica (9ª ed.). Petropolis: Vozes

Yin, R.K. (1989). Case study research: Design and methods. Newbury Park, CA: Sage

 

 

 

3ª Lição - Pergunta de Partida

 

 

OBJECTIVOS

O primeiro problema que se põe ao investigador é muito simplesmente o de saber como começar bem o seu trabalho. De facto, não é fácil conseguir traduzir o que vulgarmente se apresenta como um foco de interesse ou uma preocupação relativamente vaga num projecto de investigação operacional. O receio de iniciar mal o trabalho pode levar algumas pessoas a andarem às voltas durante bastante tempo, a procurarem uma segurança ilusória numa das formas de fuga para a frente que abordámos, ou. ainda a renunciarem pura e simplesmente ao projecto. Ao longo desta etapa mostraremos que existe uma outra solução para este problema do arranque do trabalho.

A dificuldade de começar de forma válida um trabalho tem, frequentemente, origem numa preocupação de fazê-lo demasiado bem e de formular desde logo um projecto de investigação de forma totalmente satisfatória. É um erro. Uma investigação é, por definição, algo que se procura. É um caminhar para um melhor conhecimento e deve ser aceite como tal, com todas as hesitações, desvios e incertezas que isso implica. Muitos vivem esta realidade como uma angústia paralisante; outros, pelo contrário, reconhecem-na como um fenómeno normal e, numa palavra, estimulante.

Por conseguinte, o investigador deve obrigar-se a escolher rapidamente um primeiro fio condutor tão claro quanto possível.

 

OS CRITÉRIOS DE UMA BOA PERGUNTA DE PARTIDA

Traduzir um projecto de investigação sob a forma de uma pergunta de partida só será útil se essa pergunta for correctamente formulada. Isto não é necessariamente fácil, pois urna boa pergunta de partida«deve preencher várias condições. Em vez de apresentar imedlatamente estas condições de forma abstracta, é preferível partir de exemplos concretos. Procederemos, assim, ao exame crítico de uma série de perguntas de partida, insatisfatórias, mas com formas correntes. Este exame permitir-nos-á reflectir sobre os critérios de uma boa pergunta e o significado profundo desses critérios. O enunciado de cada pergunta será seguido de um comentário crítico, mas seria preferível que cada um discutisse por si mesmo estas perguntas, se possível em grupo, antes de ler, mais ou menos passivamente, os nossos comentários.

Ainda que os exemplos de perguntas apresentados lhe pareçam muito claros, até mesmo demasiado claros, e que as recomendações propostas lhe pareçam evidentes e elementares, não deixe de levar a sério esta primeira etapa. Aquilo que pode ser fácil quando um critério é apresentado isoladamente sê-lo-á muito menos quando se tratar de respeitar o conjunto destes critérios para uma única pergunta de partida: a sua. Acrescentemos que estes exemplos não são puras invenções da nossa parte. Ouvimo-los todos, por vezes sob formas muito ligeiramente diferentes, da boca de estudantes. Se, das centenas de perguntas insatisfatórias sobre as quais trabalhámos com eles, acabámos por reter aqui apenas sete, é porque elas são bastante representativas das falhas mais correntes e porque, juntas, cobrem bem os objectives pretendidos.

Veremos progressivamente a que ponto este trabalho, longe de ser estritamente técnico e formal, obriga o investigador a uma clarificação, frequentemente muito útil, das suas intenções e perspective espontâneas. Neste sentido, a pergunta de partida constitui normalmente um primeiro meio para pôr em prática uma das dimensões essenciais do processo científico: a ruptura com os preconceitos e as noções prévias. Voltaremos a este ponto no fim do exercício,

O conjunto das qualidades requeridas pode resumir-se em algumas palavras: uma boa pergunta de partida deve poder ser tratada.

Isto significa que se deve poder trabalhar eficazmente a partir dela e, em particular, deve ser possível fornecer elementos para lhe responder. Estas qualidades têm de ser pormenorizadas. Para esse efeito, procedamos ao exame crítico de sete exemplos de perguntas.

AS QUALIDADES DE CLAREZA

 

As qualidades de clareza dizem essencialmente respeito à precisão e à concisão do modo de formular a pergunta de partida.

Pergunta 1

Qual é o impacto das mudanças na organização do espaço urbano sobre a vida dos habitantes?

Comentário

Esta pergunta é demasiado vaga. Em que tipos de mudanças se pensa? O que se entende por «vida dos habitantes»? Trata-se da sua vida profissional, familiar, social, cultural? Alude-se às suas facilidades de deslocação? Às suas disposições psicológicas? Poderíamos facilmente alongar a lista das interpretações possíveis desta pergunta demasiado vaga, que informa muito pouco acerca das intenções precisas do seu autor, se é que estas o são.

Convirá, portanto, formular uma pergunta precisa cujo sentido não se preste a confusões. Será muitas vezes indispensável definir claramente os termos da pergunta de partida, mas é preciso primeiro esforçar-se por ser o mais límpido possível na formulação da própria pergunta.

Existe um meio muito simples de se assegurar de que uma pergunta é bastante precisa. Consiste em formulá-la diante de um pequeno grupo de pessoas, evitando comentá-la ou expor o seu sentido. Cada pessoa do grupo é depois convidada a explicar como compreendeu a pergunta. A pergunta será precisa se as interpretações convergirem e corresponderem à intenção do seu autor.

 

Ao proceder a este pequeno teste em relação a várias perguntas diferentes, depressa observará que uma pergunta pode ser precisa e compreendida da mesma forma por todos sem estar por isso limitada a um problema insignificante ou muito marginal. Consideremos a seguinte pergunta: «Quais são as causas da diminuição dos empregos na indústria angolana no decurso dos anos 80?» Esta pergunta é precisa no sentido de que cada um a compreenderá da mesma forma, mas cobre, no entanto, um campo de análise muito vasto (o que, como veremos mais à frente, colocará outros problemas).

Uma pergunta precisa não é, assim, o contrário de uma pergunta ampla ou muito aberta, mas sim de uma pergunta vaga ou imprecisa. Não encerra imediatamente o trabalho numa perspectiva restritiva e sem possibilidades de generalização. Permite-nos simplesmente saber aonde nos dirigimos e comunicá-lo aos outros.

Resumindo, para poder ser tratada, uma boa pergunta de partida terá de ser precisa.

Pergunta 2

Em que medida o aumento das perdas de empregos no sector da construção explica a manutenção de grandes projectos de trabalhos públicos, destinados não só a manter este sector, mas também a diminuir os riscos de conflitos sociais inerentes a esta situação?

Comentário

Esta pergunta é demasiado longa e desordenada. Contém suposições e desdobra-se no fim, de tal forma que é difícil perceber bem o que se procura compreender prioritariamente. É preferível formular a pergunta de partida de uma forma unívoca e concisa para que possa ser compreendida sem dificuldade e ajudar o seu autor a perceber claramente o objective que persegue.

Resumindo, para poder ser tratada, uma boa pergunta de partida terá de ser unívoca e tão concisa quanto possível.

AS QUALIDADES DE EXECUÇÃO

 

As qualidades de exequibilidade estão essencialmente ligadas ao carácter realista ou irrealista do trabalho que a pergunta deixa entrever.

Pergunta 3

Os dirigentes empresariais dos diferentes países da Comunidade Europeia têm uma percepção idêntica da concorrência económica dos Estados Unidos e do Japão?

Comentário

Se puder dedicar pelo menos dois anos inteiros a esta investigação, se dispuser de um orçamento de vários milhões e de colaboradores competentes, eficazes e poliglotas, terá, sem dúvida, algumas hipóteses de realizar este tipo de projecto e de obter resultados suficientemente pormenorizados para terem alguma utilidade. Se não, é preferível restringir as suas ambições.

Ao formular uma pergunta de partida, um investigador deve assegurar-se de que os seus conhecimentos, mas também os seus recursos em tempo, dinheiro e meios logísticos, lhe permitirão obter elementos de resposta válidos. O que é concebível para um centro de investigação bem equipado e para investigadores com experiência não o é forçosamente para quem não dispõe de recursos comparáveis.

Os investigadores principiantes, mas por vezes também os profissionais, subestimam quase sempre as restrições materiais, particularmente as de tempo, que os seus projectos de investigação implicam. Realizar as iniciativas prévias a um inquérito ou a entrevistas, constituir uma amostra, decidir as pessoas-chave que podem dar apoio, organizar reuniões, encontrar documentos úteis, etc., podem devorar à partida uma grande parte do tempo e dos meios consagrados à investigação. Em consequência, uma boa parte das informações recolhidas é subexplorada e a investigação termina num sprint angustiante, durante o qual nos expomos a erros e negligências.

 

Resumindo, para poder ser tratada, uma boa pergunta de partida deve ser realista, isto é, adequada aos recursos pessoais, materiais e técnicos, em cuja necessidade podemos imediatamente pensar e com que podemos razoavelmente contar.

AS QUALIDADES DE PERTINÊNCIA

 

As qualidades de pertinência dizem respeito ao registo (explicativo, normativo, preditivo...) em que se enquadra a pergunta de partida.

Procedamos, também aqui, ao exame crítico de exemplos de perguntas semelhantes às que encontramos frequentemente no início de trabalhos de estudantes.

Pergunta 4

A forma como o fisco está organizado no nosso país é socialmente justa?

Comentário

Esta pergunta não tem, evidentemente, como objective analisar o funcionamento do sistema fiscal ou o impacto da maneira como ele é concebido ou levado a cabo, mas sim julgá-lo no plano moral, o que constitui um procedimento completamente diferente, que não diz respeito às ciências sociais. A confusão entre a análise e o juízo de valor é muito usual e nem sempre é fácil de detectar.

De uma maneira geral, podemos dizer que uma pergunta é moralizadora quando a resposta que lhe damos só tem sentido em relação ao sistema de valores de quem a formula. Assim, a resposta será radicalmente diferente consoante a pessoa que responde ache que a justiça consiste em fazer cada um pagar uma quota- -parte igual à dos outros, sejam quais forem os seus rendimentos (como é o caso dos impostos indirectos), uma quota-parte proporcional aos seus rendimentos ou uma quota-parte proporcionalmente mais importante à medida que forem aumentando os seus rendimentos (a taxa progressiva aplicada nos impostos directos).

Esta última fórmula, que alguns considerarão justa por contribuir para atenuar as desigualdades económicas, será julgada absolutamente injusta por quem considere que, assim, o fisco lhe extorque bastante mais do que aos outros do fruto do seu traballio ou da sua habilidade.

Os laços entre a investigação social e o julgamento moral são, evidentemente, mais estreitos e mais complexos do que este simples exemplo deixa supor, mas não é este o lugar para os aprofundar.

O facto de um projecto responder a uma preocupação de carácter ético e político (como contribuir para resolver problemas sociais, para instaurar mais justiça e menos desigualdades, para lutar contra a marginalidade ou contra a violência, para aumentar a motivação do pessoal de uma empresa, para ajudar a conceber um plano de renovação urbana...) não é, em si, um problema. Longe de dever ser evitada, esta preocupação de pertinência prática com uma intenção ética deve ser encorajada, sob pena de produzir investigações desprovidas de sentido e que constituiriam tão-somente «exercícios de estilo» mais ou menos brilhantes. Tal não impede a investigação de ser conduzida com rigor, pelo menos desde que o investigador saiba clarificar as opções subjacentes e controlar as implicações possíveis. Esse problema não é, aliás, próprio das ciências sociais, que, habitualmente, têm o mérito de o colocarem e de o enfrentarem mais explicitamente do que outras disciplinas.

Acresce que uma investigação realizada com rigor e cuja problemática é construída com inventividade (v. quatta etapa) evidencia os desafios éticos e normativos dos fenómenos estudados, de maneira análoga aos trabalhos dos biólogos, que podem revelar desafios ecológicos. Deste modo, a investigação social cumpre o seu verdadeiro papel e o conhecimento por ela produzido pode inscrever-se no processo mais englobante de um verdadeiro pensamento.

Enfim, tal como foi bem demonstrado por Marx (L‘Idéologie allemande), Durkheim (Les formes élémentaires de la vie religieuse) ou Weber (L’Ethique protestante et Γ esprit du capitalismo), os sistemas de valores e de normas fazem parte dos objectos privilegiados das ciências sociais, porquanto a vida colec- tiva é incompreensível fora deles.

Resumindo, se o investigador deve esforçar-se por pensar nos laços entre o conhecimento, o ético e o político, também deve evitar as confusões entre os registos e, durante o trabalho de investigação, abordar o real em termos de análise, e não de julgamento moral. Trata-se, aliás, de uma condição da sua credibilidade e, por conseguinte, em última análise, do impacto ético e político dos seus trabalhos.

Tal não é forçosamente simples, pois, tanto na vida corrente como em determinadas aulas do ensino secundário, esses registos são regularmente confundidos. Considera-se, por vezes, de bom tom terminar os trabalhos ou as dissertações com um pequeno toque moralizador, destinado tanto à edificação ética dos leitores como a convencê-los de que se tem bom coração. Também aqui a ruptura com os preconceitos e os valores pessoais é fundamental.

Resumindo, uma boa pergunta de partida não deverá ser mora- lizadora. Não procurará julgar, mas sim compreender.

Pergunta 5

Será que os patrões exploram os trabalhadores?

Comentário

Esta pergunta é, na realidade, uma «falsa pergunta», ou, por outras palavras, uma afirmação disfarçada de pergunta. É evidente que, na mente de quem a fez, a resposta é, a priori, «sim» (ou «não»). Será, aliás, sempre possível responder-lhe afirmativamente, como também é possível «provar» que, inversamente, os trabalhadores exploram os patrões. Basta para isso seleccionar cuidadosamente os critérios e os dados adequados e apresentá-los da forma que convém.

As más perguntas de partida deste tipo são abundantes. A que se segue é um exemplo suplementar, ainda que menos nítido: «Será a fraude fiscal uma das causas do défice orçamental do Estado?» Também aqui é fácil imaginar que o autor tem, à partida, uma ideia bastante precisa da resposta que, custe o que custar, tenciona dar a esta pergunta.

O exame de uma pergunta de partida deve, portanto, incluir uma reflexão sobre a motivação e as intenções do autor, ainda que não possam ser detectadas no enunciado da pergunta, como é o caso do

nosso exemplo. Convirá, nomeadamente, definir se o seu objective é de conhecimento ou, pelo contrário, de demonstração. O esforço a despender para evitar formulações tendenciosas da pergunta de partida, tal como os debates que poder ter sobre este assunto, podem contribuir de um modo eficaz para um recuo das ideias preconcebidas.

Uma boa pergunta de partida será, portanto, uma «verdadeira pergunta», ou seja, uma pergunta «aberta», o que significa que devem poder ser encaradas a priori várias respostas diferentes e que não se tem a certeza de uma resposta preconcebida.

Pergunta 6

Que mudanças afectarão a organização do ensino nos próximos vinte anos?

Comentário

O autor de uma pergunta como esta tem, na realidade, como projecto proceder a um conjunto de previsões sobre a evolução de um sector da vida social. Alimenta, assim, as mais ingénuas ilusões sobre o alcance de um trabalho de investigação social. Um astrónomo pode prever com muita antecedência a passagem de um cometa nas proximidades do sistema solar, porque a sua trajectória responde a leis estáveis, às quais não pode furtar-se por si próprio. Isto não acontece no que respeita às actividades humanas, cujas orientações nunca podem ser previstas com certeza.

Podemos, sem dúvida, afirmar, sem grande risco de nos enganarmos, que as novas tecnologias ocuparão um lugar cada vez maior na organização das escolas e no conteúdo dos programas, mas somos incapazes de formular previsões seguras que transcendam este tipo de banalidades.

Alguns cientistas particularmente clarividentes e informados conseguem antecipar os acontecimentos e pressagiar o sentido provável de transformações próximas melhor do que o faria o comum dos mortais. Mas estes pressentimentos raramente se referem a acontecimentos precisos e apenas são concebidos como eventualidades. Baseiam-se no seu profundo conhecimento da sociedade, tal como hoje funciona, e nao em prognósticos fantasistas que nunca se verificam, a não ser por acaso.

Significará isto que a investigação em ciências sociais nada tem a dizer quanto ao futuro? Certamente que não, mas o que ela tem a dizer depende de outro registo. Com efeito, uma investigação bem conduzida permite captar os constrangimentos e as lógicas que determinam uma situação ou um problema, assim como discernir a margem de manobra dos «actores sociais», e evidencia os desafios das suas decisões e relações sociais. É nisso que ela interpela directamente o futuro e adquire uma dimensão prospec- tiva, embora não se trate de previsão no sentido estrito do termo.

Essa dimensão prospectiva enraiza-se no exame rigoroso do que existe e funciona aqui e agora e, em particular, das tendências perceptíveis quando se observa o presente à luz do passado. Fora desta perspective as previsões feitas com ligeireza arriscam-se fortemente a ter pouco interesse e consistência. Deixam os seus autores desarmados perante interlocutores que, por seu lado, não sonham mas conhecem os seus dossiers.

Resumindo, uma boa pergunta de partida abordara o estudo do que existe ou existiu, e não o daquilo que ainda não existe. Não estudará a mudança sem se apoiar no exame do funcionamento. Não visa prever o futuro, mas captar um campo de constrangimentos e de possibilidades, bem como os desafios que esse campo define.

Pergunta 7

Os jovens são mais afectados pelo desemprego do que os adultos?

Comentário

Em primeiro lugar, podemos temer que esta pergunta exija apenas uma resposta puramente descritiva, que teria como único objective conhecer melhor os dados de uma situação. Se a intenção de quem a fonnula se limita, com efeito, a juntar e a exibir os dados oficiais ou produzidos pelo próprio, pouco importa neste caso —, sem procurar compreender melhor, a partir deles, o fenómeno do desemprego e as lógicas da sua distribuição nas diferentes categorias da população, teremos de reconhecer que é «um pouco curta».

Em contrapartida, numerosas questões que se apresentam, à primeira vista, como descritivas nem por isso deixam de implicar uma finalidade de compreensão dos fenómenos sociais estudados. Descrever as relações de poder numa organização, ou situações socialmente problemáticas que mostrem precisamente em que são «problemáticas», ou a evolução das condições de vida de uma parte da população, ou os modos de ocupação de um espaço público e as actividades nele desenvolvidas... implica uma reflexão acerca do que é essencial salientar, uma selecção das informações a recolher, uma classificação dessas informações com o objective de descobrir linhas de força e ensinamentos pertinentes.

A despeito das aparências, trata-se de algo diferente de uma «simples descrição», ou seja, no mínimo, de uma «descrição construída» que tem o seu lugar na investigação social e que requer a concepção e a realização de um verdadeiro dispositivo conceptual e metodológico. Uma «descrição» assim concebida pode constituir uma excelente investigação em ciências sociais e uma boa maneira de a iniciar. Aliás, muitas investigações conhecidas apresentam-se, de certo modo, como descrições construídas a partir de critérios que rompem com as categorias de pensamento geralmente admitidas e que, por isso, conduzem a reconsiderar os fenómenos estudados sob um olhar novo. La distinction, critique social du jugement, de Pierre Bourdieu (Paris, Editions de Minuit, 1979), é um bom exemplo: a descrição de práticas e disposições culturais é realizada a partir do ponto de vista do hábito e de um sistema de desvios entre as diferentes classes sociais.

Estamos, porém, muito longe de uma simples intenção de agrupamento não crítico de dados e de informações existentes ou produzidas pelo próprio. É desejável que essa intenção de ultrapassar esse estádio transpareça na pergunta de partida.

Resumindo, uma boa pergunta de partida visará um melhor conhecimento dos fenómenos estudados e não apenas a sua descrição.

No fundo, estas boas perguntas de partida são, portanto, aquelas através das quais o investigador tenta destacar os processos sociais, económicos, políticos ou culturais que permitem compreender melhor os fenómenos e os acontecimentos observáveis e interpretá-los mais acertadamente. Estas perguntas requerem respostas em termos de estratégias, de modos de funcionamento, de relações e de conflitos sociais, de relações de poder, de invenção, de difusão ou de integração cultural, para citar apenas alguns exemplos clássicos de pontos de vista, entre muitos outros pertinentes para a análise em ciências sociais, e aos quais teremos ocasião de voltar.

Poderíamos ainda discutir muitos outros casos exemplares e salientar outros defeitos e qualidades, mas o que foi dito até aqui é mais do que suficiente para fazer perceber claramente os três níveis de exigência que uma boa pergunta de partida deve respeitar: primeiro, exigências de clareza; segundo, exigências de exequibili- dade; terceiro, exigências de pertinência, de modo a servir de primeiro fio condutor a um trabalho do domínio da investigação em ciências sociais.

RESUMO DA PRIMEIRA ETAPA

A PERGUNTA DE PARTIDA

A melhor fornia de começar um trabalho de investigação em ciências sociais consiste em esforçar-se por enunciar o projecto sob a forma de uma pergunta de partida. Com esta pergunta, o investigador tenta exprimir o mais exactamente possível aquilo que procura saber, elucidar, compreender melhor. A pergunta de partida servirá de primeiro fio condutor da investigação.

Para desempenhar correctamente a sua função, a pergunta de partida deve apresentar qualidades de clareza, de exequibilidade e de pertinência:

As qualidades de clareza:

 

ser precisa;

ser concisa e unívoca;

 

As qualidades de exequibilidade:

 

ser realista;

 

As qualidades de pertinência:

 

ser uma verdadeira pergunta;

 

-— abordar o estudo do que existe, basear o estudo da mudança no do funcionamento;

ter uma intenção de compreensão dos fenómenos estudados.

 

TRABALHO DE APLICAÇÃO N.° 1 FORMULAÇÃO DE UMA PERGUNTA DE PARTIDA

Se vai iniciar um trabalho de investigação social sozinho ou em grupo, ou se tenciona começá-lo em breve, pode considerar este exercício a primeira etapa desse trabalho. Mesmo no caso de o seu estudo já estar iniciado, este exercício pode ajudá-lo a enfocar melhor as suas preocupações.

Para quem começa uma investigação seria muito imprudente cumprir atabalhoadamente esta etapa. Dedique-lhe uma hora, um dia ou uma semana de trabalho. Realize este exercício sozinho ou em grupo, com a ajuda crítica de colegas, amigos, professores ou formadores. Vá trabalhando a sua pergunta de partida até obter uma formulação satisfatória e correda. Efectue este exercício com todo o cuidado que merece. Despachar rapidamente esta etapa do trabalho seria o seu primeiro erro, e o mais caro, pois nenhum trabalho pode ser bem sucedido se for incapaz de decidir à partida e com clareza, mesmo que provisoriamente, aquilo que deseja conhecer melhor.

O resultado deste precioso exercício não ocupará inais ele duas a três linhas numa folha de papel, mas constituirá o verdadeiro ponto de partida do seu trabalho.

Para levar este a bom termo pode proceder do seguinte modo:

— Formule um projecto de pergunta de partida;

— Teste esta pergunta de partida junto das pessoas que o rodeiam, de modo a assegurar-se de que ela é clara e precisa e, portanto, compreendida da mesma forma por todas;

— Verifique se ela possui igualmente as outras qualidades acima recordadas;

— Reformule-a, caso não seja satisfatória, e recomece todo o processo.

E SE AINDA TIVER DÚVIDAS

Talvez ainda tenha reticências. Conhecemos as mais frequentes.

• O meu projecto ainda não está suficientemente afinado para proceder a este exercício.

Neste caso, ele convém-lhe perfeitamente, porque tem precisa- mente como objective ajudá-lo — e obrigá-lo — a tomar o seu projecto mais preciso.

 

A problemática ainda só está no início. Apenas poderia formular uma pergunta banal.

 

Isto não tem importância porque a pergunta não é definitiva. Por outro lado, que pretende «problematizar», se é incapaz de formular claramente o seu objective de partida? Pelo contrário, este exercício ajudá-lo-á a organizar melhor as suas reflexões, que de momento se dispersam em demasiadas direcções diferentes.

 

Uma formulação tão lacónica do meu projecto de trabalho não passaria de uma grosseira redução das minhas interrogações e das minhas reflexões teóricas.

 

Sem dúvida, mas as suas reflexões não se perderão por isso. Irão reaparecer mais tarde e serão exploradas mais depressa do que pensa. O que é necessário neste momento é uma primeira chave que permita canalizar o seu trabalho e evite dispersar as suas preciosas reflexões.

 

Não me interessa apenas uma coisa. Desejo abordar várias facetas do meu objecto de estudo.

 

Se é essa a sua intenção, ela é respeitável, mas já está a pensar em «problemática». Passou por cima da pergunta de partida.

O exercício de tentar precisar o que poderia constituir a pergunta central do seu trabalho vai fazer-lhe muito bem, porque qualquer investigação coerente possui uma pergunta que lhe assegura unidade.

Se insistimos na pergunta de partida, é porque a evitamos com demasiada frequência, seja porque parece evidente (implicitamente!) ao investigador, seja porque este pensa que verá mais claro à medida que avança. É um erro. Ao desempenhar as funções de primeiro fio condutor, a pergunta de partida deve ajudá-lo a progredir nas suas leituras e nas suas entrevistas exploratórias, Quanto mais preciso for este «guia», melhor progredirá o investigador. Além disso, é «moldando» a sua pergunta de partida que o investigador inicia a ruptura com os preconceitos e com a ilusão da transparência. Finalmente, existe uma última razão decisiva para efectuar cuidadosamente este exercício: as hipóteses de trabalho, que constituem os eixos centrais de uma investigação, apresentam- -se como proposições que respondem à pergunta de partida.

 

 

 

4ª Lição - As entrevistas

 

 

OBJECTIVOS DA PESQUISA

 

Antes aprendemos a formular um pro-jecto de investigação sob a forma de uma pergunta de partida apropriada. Até nova ordem, esta constitui o fio condútor do trabalho. O problema é agora o de saber como proceder para conseguir uma certa qualidade de informação; como explorar o terreno para conceber uma problemática de investigação. E este o objecto deste capítulo. A exploração comporta as operações de leitura, as entrevistas exploratórias e alguns métodos de exploração complementares. As operações de leitura visam essencialmente assegurar a qualidade da problematização, ao passo que as entrevistas e os métodos complementares ajudam especialmente o investigador a ter um contacto com a realidade vivida pelos actores sociais.

hemos aqui estudar métodos de trabalho precisos e directa-mente aplicáveis por todos, qualquer que seja o tipo de trabalho em que se empenhem. Estes métodos são concebidos para ajudarem o investigador a adoptar uma abordagem penetrante do seu objecto de estudo e, assim, encontrar ideias e pistas de reflexão esclarecedoras.

A LEITURA

 

O que é válido para a sociologia deveria sê-lo para qualquer traballio intelectual; ultrapassar as interpretações estabelecidas, que contribuem para reproduzir a ordem das coisas, a fim de fazer aparecer novas significações dos fenómenos estudados, mais esclarecedoras e mais perspicazes do que as precedentes. É sobre este ponto que queríamos começar por insistir.

Esta capacidade de ultrapassagem não cai do céu. Depende, em certa medida, da formação teórica do investigador e, de uma maneira mais ampla, daquilo a que poderíamos chamar a sua cultura intelectual, seja ela principalmente sociológica, económica, política, histórica ou outra. Um longo convívio com o pensamento sociológico antigo e actual, por exemplo, contribui consideravelmente para alargar o campo das ideias e ultrapassar as interpretações já gastas. Predispõe a colocar boas questões, a adivinhar o que não é evidente e a produzir ideias inconcebíveis para um investigador que se contente com os magros conhecimentos teóricos que adquiriu no passado.

Muitos pensadores são investigadores medíocres, mas em ciências sociais não existe um único investigador que não seja também um pensador. Desiludam-se, pois, os que crêem poderem aprender a fazer investigação social contentando-se com o estudo das técnicas de investigação: terão também de explorar as teorias, de ler e reler as investigações exemplares (será proposta uma lista no seguimento deste livro) e de adquirir o hábito de reflectir antes de se precipitarem sobre o terreno ou sobre os dados, ainda que seja com as técnicas de análise mais sofisticadas.

Quando um investigador inicia um trabalho, é pouco provável que o assunto tratado nunca tenha sido abordado por outra pessoa, pelo menos em parte ou de forma indirecta. Tem-se frequentemente a impressão de que não há «nada sobre o assunto», mas esta opinião resulta, em regra, de uma má informação. Todo o trabalho de investigação se inscreve num continuum e pode ser situado dentro de, ou em relação a, correntes de pensamento que o precedem e influenciam. E, portanto, normal que um investigador tome conhecimento dos trabalhos anteriores que se debruçam sobre objectos comparáveis e que explicite o que aproxima ou distingue o seu trabalho destas correntes de pensamento. É importante insistir desde o início na exigência de situar claramente o trabalho em relação a quadios conceptuais reconhecidos. Esta exigência tem um nome que exprime bem aquilo que deve exprimir: a validade externa. Falaremos novamente disto no âmbito da etapa intitulada «Problemática». H d

Ainda que a sua preocupação não seja fazer investigação cientifica em Sentido estrito, mas sim apresentar um estudo honesto sobie uma questão particular, continua a ser indispensável tomar conhecimento de um mínimo de trabalhos de referência sobre o mesmo tema ou, de modo mais geral, sobre problemáticas que lhe estão ligadas. Sena ao mesmo tempo absurdo e presunçoso acreditar que podemos pura e simplesmente passar sem esses contributos como se estivéssemos em condições de reinventar tudo por nós propnos. Na maior parte dos casos, porém, o estudante que inicia uma dissertação de fim de curso, o trabalhador que deseja realizar um trabalho de dimensão modesta ou o investigador a quem é pedida uma análise rápida não dispõem do tempo necessário para abordarem a leitura de dezenas de obras diferentes. Além disso como já vimos, a bulimia livresca é uma forma muito má de iniciar uma investigação. Como proceder nestas situações? '

Tratar-se-á, concretizando, de seleccionar muito cuidadosamente um pequeno número de leituras e de se organizar para delas tetiiai o máximo proveito, o que implica um método de trabalho correctamente elaborado. E, portanto, um método de organização de reahzaçao e de tratamento das leituras que começaremos por estudar. Este e indicado para qualquer tipo de trabalho, seja qual for o seu nível. Já foi experimentado com sucesso em múltiplas ocasioes por dezenas de estudantes que nele confiaram. Inscreve- -se na nossa política geral do menor esforço, que visa obter os melhores resultados com o menor custo em meios de todo o tipo, a começar pelo nosso precioso tempo.

A ESCOLHA E A ORGANIZAÇÃO DAS LEITURAS

 

Os critérios de escolha

 

A escolha das leituras deve ser realizada com muito cuidado. Qualquei que seja o tipo e a amplitude do trabalho, um investigador dispõe sempre de um tempo de leitura limitado. Há quem só possa consagrar-lhe algumas dezenas de horas, outros várias centenas, mas, para uns corno para outros, este tempo será sempre de certa forma demasiado curto em relação às suas ambições. Não ha então nada mais desesperante do que verificar, após várias semanas de leitura, que não se está muito mais avançado do que no micio. O objective é, portanto, fazer o ponto da situação acerca dos conhecimentos que interessam para a pergunta de partida, explorando ao máximo cada minuto de leituia.

Como proceder? Que critérios reter? Só podemos aqui propor, bem entendido, princípios e critérios gerais, que cada um devera adaptar com flexibilidade e pertinência.

Primeiro princípio:

começar pela pergunta de partida. A melhor forma de não se perder na escolha das leituras é, com efeito, ter uma boa pergunta de partida. Todo o trabalho deve ter um fio condutor e, até nova ordem, é a pergunta de partida que desempenha esta função. Será, sem dúvida, levado a modifica-la no hm do trabalho exploratório e tentará formula la de uma maneira mais judiciosa, mas, por enquanto, é dela que deve partir.

Segundo princípio:

evitar sobrecarregar o programa, seleccio- nando as leituras. Não é necessário — nem, aliás, na maior parte das vezes, possível - ler tudo sobre um assunto, pois, em certa medida, as obras e os artigos de referência repetem-se mutuamente e um leitor assíduo depressa se dá conta destas repetições. Assim, num primeiro momento, evitar-se-á o mais possível começar logo a ler calhamaços enormes e indigestos antes de se ter a certeza de não poder passar sem eles. Orientar-nos-emos mais para as obras que apresentam uma reflexão de síntese, ou para artigos de algumas dezenas de páginas. É preferível, com efeito, ler de modo aprofundado e crítico alguns textos bem escolhidos a ler superficialmente milhares de páginas.

Terceiro princípio:

procurar, na medida do possível, documentos cujos autores não se limitem a apresentar dados, mas incluam também elementos de análise e de interpretação. São textos que levam a reflectir e que não se apresentam simplesmente como insípidas descrições pretensamente objectivas do fenómeno estudado. Abordaremos muito em breve a análise de um texto.

Veremos que este texto inclui dados que, neste caso, até são dados estatísticos. No entanto, não são apresentados isoladamente. A análise de Durkheim dá-lhes sentido e permite ao leitor apreciar melhor o seu significado.

Ainda que estudemos um problema que, a priori, exigirá a utilização de abundantes dados estatísticos, tal como as causas do aumento do desemprego ou a evolução demográfica de uma região, é, mesmo assim, preferível procurar textos de análise, em vez de listas de números, que nunca querem dizer grande coisa por si mesmos. A maior parte dos textos que incitam à reflexão contêm dados suficientes, numéricos ou não, para nos permitirem tomar consciência da amplitude, da distribuição ou da evolução do fenómeno a que se referem. Mas, além disso, permitem «ler» inteligentemente estes dados e estimulam a reflexão crítica e a imaginação do investigador. No estado presente do trabalho, isto chega perfeitamente. Se for útil uma grande quantidade de dados, haverá sempre oportunidade de os recolher mais tarde, quando ο investigador tiver delimitado pistas mais precisas.

Quarto princípio:

ter o cuidado de recolher textos que apresentem abordagens diversificadas do fenómeno estudado. Não só não serve de nada ler dez vezes a mesma coisa, como, além disso, a preocupação de abordar o objecto de estudo de um ponto de vista esclarecedor implica que possam confrontar-se perspectivas diferentes. Esta preocupação deve incluir, pelo menos nas investigações de um certo nível, a consideração de textos mais teóricos que, não se debruçando necessariamente, de forma directa, sobre o fenómeno estudado, apresentem modelos de análise susceptíveis de inspirarem hipóteses particularmente interessantes. (Voltaremos à frente aos modelos de análise e às hipóteses.)

Quinto princípio:

oferecer-se, a intervalos regulares, períodos de tempo consagrados à reflexão pessoal e às trocas de pontos de vista com colegas ou com pessoas experientes. Um espirito atulhado nunca é criativo.

As sugestões anteriores dizem principalmente respeito às primeiras fases do trabalho de leitura. À medida que for avançando, impor-se-ão progressivamente por si mesmos critérios mais precisos e específicos, na condição, precisamente, de que a leitura seja entrecortada de períodos de reflexão e, se possível, de debate e discussões.

 

Uma forma de se organizar consiste em ler «levas» sucessivas de dois ou três textos (obras ou artigos) de cada vez. Após cada leva nára-se de ler durante algum tempo para reflectir, tomar notas e falar com pessoas conhecidas que se julga poderem ajudar-nos a progredir. É só após esta pausa nas leituras que se decídua o conteúdo exacto da leva seguinte, estando as orientações gerais que se tinham fixado no início sempre sujeitas a correcçoes.

Decidir de uma só vez o conteúdo preciso de um programa de leitura importante é geralmente um erro: a amplitude do trabalho depressa desencoraja; a rigidez do programa presta-se mal _à sua função exploratória e os eventuais erros iniciais de orientalo seriam mais difíceis de corrigir. Por outro lado, este dispositivo poi levas sucessivas adequa-se tanto aos trabalhos modestos como as investigações de grande envergadura: os primeiros porão fim ao trabalho de leitura preparatória após duas ou tres levas; as segundas, após uma dezena ou mais.

Em suma, respeite os seguintes critérios de escolha:

__ Ligações com a pergunta de partida;

__ Dimensão razoável do programa de leitura;

__ Elementos de análise e de interpretação;

__ Abordagens diversificadas.

Leia por «salvas» sucessivas, entrecortadas por pausas consagradas à reflexão pessoal e às trocas de pontos de vista.

Onde encontrar estes textos?

Antes de se precipitar para as bibliotecas é necessàrio saber o que se procura. As bibliotecas de ciências sociais dignas deste nome possuem milhares de obras. É inútil esperar descobrir por «acaso» ao sabor de um passeio por entre as estantes ou de uma olhadela pelos ficheiros o livro ideal que responde exactamente as nossas expectatívas Também aqui é preciso um método de trabalho, cuja primeira etapa consiste em precisar claramente o tipo de textos procuiado. Neste domínio, como em outros, a precipitação pode custar muito caro. Por ter querido poupar algumas horas de reflexão, depois de vários dias, até várias semanas de trabalho.

Não abordaremos aqui o trabalho de pesquisa bibliográfica propriamente dito, visto que isso nos levaria demasiado longe e não faríamos mais do que repetir o que qualquer um pode ler em várias obras especializadas neste domínio. Eis, no entanto, algumas ideias que podem ajudar a encontrar facilmente os textos adequados sem gastar demasiado tempo:

. peça conselhos a especialistas que conheçam bem o seu campo de pesquisa: investigadores, docentes, responsáveis de organizações, etc. Antes de se lhes dirigir, prepare com precisão o seu pedido de informação, de forma que o compreendam imediatamente e possam recomendar-lhe o que, segundo eles, mais lhe convém. Compare as sugestões de uns e de outros e faça, finalmente, a sua escolha em função dos critérios que tiver definido;

As revistas

 Não negligencie os artigos de revistas, os dossiers de síntese e as entrevistas de especialistas publicadas na imprensa para um grande público instruído, as publicações de organismos especializados e muitos outros documentos que, não sendo relatórios científicos em sentido estrito, não deixam por isso de conter elementos de reflexão e informação que podem ser preciosos para si;

As revistas especializadas no seu campo de investigação são particularmente interessantes, por duas razões. Primeiio, porque o seu conteúdo traz os conhecimentos mais recentes na matéria ou um olhar crítico sobre os conhecimentos anteriormente adquiridos. Num e noutro caso, os artigos fazem frequentemente o balanço da questão que tratam e, assim, citam publicações a ter em consideração. A segunda razão é que as revistas publicam comentários bibliográficos sobre as obras mais recentes, graças aos quais poderá fazer uma escolha acertada de leituras;

As bibliotecas científicas comportam repertórios bibliográficos especializados. Nestes repertórios encontra-se uma grande quantidade de publicações científicas (obras e/ou artigos), organizada segundo um índice temático e muitas vezes resumida em poucas linhas;

As obras comportam sempre uma bibliografia final que retoma os textos a que os autores se referem. Como nela só se encontram forçosamente referências anteriores à própria obra, essa fonte só terá interesse se a obra for recente.

Se consultar estas diferentes fontes, cobrirá rapidamente um campo de publicações bastante vasto e poderá considerar que abarcou o problema a partir do momento em que volte sistematicamente a referências já conhecidas;

Não se assuste demasiado depressa com a espessura de alguns livros. Nem sempre é indispensável lê-los integralmente. Aliás, muitos são obras colectivas que retomam os contributos de vários autores diferentes sobre um mesmo tema. Outros são apenas meras miscelâneas de textos relativamente diferentes que o autor reuniu para fazer uma obra à qual se empenha em dar uma aparência de unidade. Consulte os índices e os sumários, quando existam. Na sua ausência, leia as primeiras e as últimas linhas de cada capítulo para ver de que tratam as obras. E, mais uma vez, se tiver dúvidas, nada o impede de pedir conselhos;

Tenha ainda em conta que as bibliotecas se modernizam e oferecem aos seus utilizadores técnicas de pesquisa bibliográfica cada vez mais eficazes: classificação por palavras- -chave (que, no melhor dos casos, podem tomar-se duas a duas e, portanto, cruzar-se), mas também catalogação sistemática do conteúdo das principais revistas, listas informatizadas de bibliografias especializadas, catálogos em CD-Rom, etc. Também neste caso, antes de procurar as obras, é muitas vezes rendível consagrar algumas horas a informar-se correctamente acerca do modo de utilização de uma biblioteca e dos serviços que oferece. Muitas pessoas que quiseram queimar esta etapa erraram horas a fio, sem encontrarem aquilo que procuravam, em bibliotecas perfeitamente equipadas para satisfazerem rapidamente os utilizadores informados.

A regra é sempre a mesma: antes de se lançar num trabalho, ganha-se muito em questionar-se o que dele se espera exactamente e qual a melhor forma de proceder.

TRABALHO DE APLICAÇÃO N.° 2

Escolha a leitura de obras para acompanhar a realização de um trabalho, bastam dois ou três textos que constituirão a sua primeira leva dé leituras. Para o conseguir, proceda do seguinte modo:

Comece pela sua pergunta de partida;

Lembre-se dos critérios de escolha das leituras acima enunciados; :

Identifique em conformidade os temas de leitura que lhe parecem mais relacionados com a pergunta de partida,

Consulte algumas pessoas informadas;

Proceda à pesquisa de documentos, valendo-se das técnicas de pesquisa bibliográfica disponíveis nas bibliotecas. .. ,

COMO LER?

O principal objectivo da leitura é retirar dela ideias para o próprio traballio. Isto implica que o leitor seja capaz de fazer surgir essas ideias, de as compreender em profundidade e de as articular entre si de forma coerente. Com a experiência, isto não levanta geralmente muitos problemas. Mas este exercício pode colocar grandes dificuldades àqueles cuja formação técnica seja fraca e que não estejam habituados ao vocabulário das ciências sociais.

Ler um texto é uma coisa, compreendê-lo e reter o essencial é outra. Saber encurtar um texto não é um dom do céu, mas uma capacidade que só se adquire com o exercício. Para ser totalmente rendível, esta aprendizagem precisa de ser sustentada por um método de leitura. Infelizmente, poucas vezes isto se realiza. Os neófitos são geralmente abandonados a si mesmos e leem muitas vezes de qualquer maneira, isto é, com prejuízo. O resultado é invariavelmente o desânimo, acompanhado de um sentimento de incapacidade.

Com a finalidade de progredir na aprendizagem da leitura e dela retirar o máximo proveito, há um método de leitura muito rigoroso e preciso, mas que cada um poderá depois tornar mais flexível durante a sua formação e em função das suas exigências para alcançar etapas indissociáveis: o emprego de um método.

O resumo

Fazer o resumo de um texto consiste em destacar as suas principais ideias e articulações, de modo a fazer surgir a unidade do pensamento do autor. E o objective principal das leituras exploratórias, sendo, portanto, o resultado normal do trabalho de leitura.

Ouve-se por vezes dizer que há quem tenha «espírito de síntese», como se se tratasse de uma qualidade inata. E, evidentemente, absurdo. A capacidade para redigir bons resumos é, também ela, uma questão de formação e de trabalho e, uma vez mais, esta aprendizagem pode ser muito facilitada e acelerada poi um bom enquadramento e por conselhos adequados. A qualidade de um resumo está directamente ligada à qualidade da leitura que o precedeu. E, o que é mais importante, o método de realização de um resumo deveria constituir a sequência lógica do método de leituia. Será desta forma que iremos aqui proceder.

Voltemos então à nossa grelha de leitura e voltemos a ler o conteúdo da coluna da esquerda, que se refere às ideias do texto. Postos em sequência, estes nove pequenos textos formam um resumo fiel do texto de Durkheim. Mas, neste resumo, as ideias centrais do texto não se distinguem das outras. Qualquer que seja a sua importância relativa, cada uma beneficia, por assim dizei, do mesmo estatuto que as suas vizinhas. Além disso, as articulações que Durkheim estabelece entre elas não aparecem claramente. Em suma, falta uma estruturação das ideias, imprescindível para reconstituir a unidade do pensamento do autor e a coerência do seu raciocínio. O verdadeiro trabalho de resumo consiste precisamente em restituir esta unidade, acentuando as ideias mais importantes e mostrando as principais ligações que o autor estabelece entre elas.

Para o conseguir é preciso considerar igualmente o conteúdo da coluna da direita, onde anotámos explicitamente informações relativas à importância e à articulação das ideias, como, por exemplo. «Projecto: ...»; «Estabelecimento dos factos»; «Primeira explicação possível»; etc. A partir destas indicações, estamos em condições de distinguir imediatamente as secções do texto onde se encontram as ideias centrais das que contêm as ideias secundárias, os dados ilustrativos ou os desenvolvimentos da argumentação. Além disso, essas ideias podem ser facilmente encontradas e ordenadas graças ao conteúdo da coluna da esquerda, onde são retomadas numa forma condensada.

Qualquer um pode fazer este trabalho por si próprio sem grandes dificuldades, visto que a grelha de leitura fornece os meios para tanto e obriga, ao mesmo tempo, a assimilar verdadeiramente o texto estudado. Falta apenas redigir o resumo de forma suficientemente clara para poder ter dele uma boa ideia global pela simples leitura do resultado do seu trabalho. Mesmo que não tenha qualquer intenção de o comunicar, este esforço de clareza é importante. Constitui simultaneamente um exercício e um teste de compreensão, dado que, se não conseguir tornar o seu texto compreensível para os outros, é muito provável que ainda não o seja totalmente para si.

Eis um exemplo de resumo deste texto, redigido no seguimento do exercício de leitura;

Neste texto, Durkheim analisa a influência das religiões sobre o suicídio. Graças ao exame de dados estatísticos que se referem principalmente à taxa de suicídio de diferentes populações europeias de religião protestante ou católica, chega à conclusão de que, quanto mais fraca é a coesão religiosa, mais forte é a tendência para o suicídio.

De facto, uma religião fortemente integrada, como o catolicismo, cujos fiéis partilham numerosas práticas e crenças comuns, protege-os mais do suicídio do que uma religião fracamente integrada, como o protestantismo, que dá grande importância ao livre exame.

Uma tal síntese literária pode ser vantajosamente completada por um esquema que, neste caso, representa as relações causais que Durkheim estabelece entre os diferentes fenómenos considerados:

 

No fim deste exemplo de trabalho de leitura e de resumo apercebemo-nos, sem dúvida, mais facilmente do proveito que dele podemos esperar. E claro que quem leva até ao fim este trabalho melhora as suas aptidões para a leitura, para a compreensão dos textos e para a realização de resumos, o que é útil para qualquer trabalho intelectual. Mas o mais importante é que, pelo seu trabalho activo, inscreve profundamente as ideias do texto no seu espírito. Graças ao resumo, poderá comparar muito mais facilmente dois textos diferentes e salientar as suas convergências e as suas divergências. O que lhe parecia uma tarefa impossível toma-se um trabalho de facto sério, até mesmo difícil, mas, no fim de contas, acessível.

É claro que o modelo de grelha de leitura apresentado é particularmente preciso e rigoroso. Exige que se lhe consagre tempo e, portanto, que os textos não sejam demasiado longos nem demasiado numerosos. Por conseguinte, em muitos casos devem poder ser imaginadas outras grelhas de leitura mais flexíveis e mais adaptadas a cada projecto particular. No entanto, é necessário desconfiar das falsas economias de tempo. Ler mal 2000 páginas não serve rigorosamente para nada; ler bem um bom texto de 10 páginas pode ajudar a fazer arrancar verdadeiramente uma investigação ou um trabalho. Aqui, mais do que em qualquer outro caso, é verdade que devagar se vai ao longe, e não devemos deixar-nos iludir pelas intermináveis bibliografias que encontramos no fim de algumas obras.

Sem dúvida, um longo hábito de trabalho intelectual convida à dispensa de uma grelha de leitura explícita, ainda que os leitores experimentados raramente leiam ao acaso. Quando as suas leituras se enquadram numa investigação, têm sempre uma ideia clara dos seus objectives e leem, de facto, com método, ainda que isso não seja formalmente viável. Em compensação, estamos convencidos de que muitos leitores menos formados têm todo o interesse em modificar os seus hábitos e em ler melhor textos mais cuidadosamente escolhidos.

Será o método acima apresentado para extractos também indicado para obras inteiras? Sim, com ligeiras adaptações. Por um lado, as secções de leitura podem ser muito mais longas quando o texto está «diluído» e inclui numerosos dados e múltiplos exemplos. Por outro lado, raramente é necessário proceder a uma leitura sistemática de todos os capítulos do livro. Tendo em conta os seus objectivos precisos, é muito provável que só algumas partes tenham de ser aprofundadas e que uma simples leitura atenta chegue para o resto.

TRABALHO DE APLICAÇÃO N.° 4

RESUMOS DE TEXTOS

O exercício completo de resumo sobre os dois ou três textos que tinha escolhido para constituir a primeira leva do seu programa de leitura. F. um trabalho de grande fôlego que lhe exigirá algumas horas ou alguns dias, dependendo de ter escolhido artigos ou livros inteiros. Ao longo do seu trabalho de resumo não esqueça a sua pergunta de partida e seja particularmente preciso quanto i às ideias que estão àcciamente relacionadas com ela. Não lê os autores gratuitamente, mas sim para progredir no seu trabalho. Tenha, portanto, os seus objectivos bem presentes no espírito,

Efectue este duplo ou triplo exercício com muito cuidado. Talvez : venha a decidir abandonar o método. Mas faça a si mesmo o favor de o tentar seriamente a partir de, pelo menos, dois ou três textos diferentes. Só depois decidirá abandoná-lo, adaptá-lo de forma pessoal aos seus projectos ou passar a aplicá-lo sistematicamente. Neste últimos caso, se não se deixar desencorajar pela dificuldade inicial, avançará a passos de gigante. Mais cedo do que julga, utilizará esta grelha sem esforço e sem praticamente dar por isso. Terá, alem disso, adquirido esse famoso «espírito de síntese»; que nunca fez tanta falta como neste período em que todos somos bombardeados com um sem-número de mensagens fragmentárias.

TRABALHO DE APLICAÇÃO N." 5

COMPARAÇÃO DE TEXTOS

Após ter feito os resumos dos dois ou três textos escolhidos, é necessário compará-los atentamente para deles retirar os elementos dé reflexão e as pistas de trabalho mais interessantes.'

Para levar este trabalho a bom termo pode trabalhar em duas fases: primeiro, comparar os diferentes textos; depois, destacar pistas para o prosseguimento da investigação.

 Comparação dos textos

Trata-se de confrontar os textos de acordo com dois critérios principais, cada,um dos quais dividido cm três critérios.

 I.° critério: os pontos de vista adoptados

Como vimos, os fenómenos sociais podem ser considerados de diversos pontos de vista. Por exemplo, o problema cio desemprego pode ser abordado numa perspective mais histórica, mais macrocconómica ou mais sociológica. Da mesma forma, no âmbito de uma mesma disciplina, podem ainda perspectivar-se várias abordagens diferentes. O sociólogo pode, nomeadamente, estudar o lugar do desempregado na sociedade ou as relações de poder em volta da questão do emprego. Quais são, portanto, os pontos de vista adoptados pelos autores escolhidos e comoxse situam uns em relação, aos’outros?

Subcritérios:

Para confrontar os pontos de vista estabelecer com evidência:

 

 

II° critério: os conteúdos

 

Quer adoptem, quer não, pontos de vista comparáveis, os autores podem defender teses conciliáveis ou inconciliáveis. Mais ainda, por vezes criticam se alienamente entro si.

Subcritérios:

Para confrontar os conteúdos com ordem e clareza sublinhe:

 A) As concordâncias manifestas entre eles (caso existam);

B) Os desacordos manifestos entre eles (casò existam);

C) As complementaridades.

 

2º, Destacar pistas para o prosseguimento da investigação

Trata-se aqui de responder às duas perguntas seguintes:

Aqui o objectivo é escolher o mais criteriosamente possível os textos da segunda leva de leituras. Poderá, assim, decidir, por exemplo, procurar novos textos que aprofundem um ponto de vista que lhe interessa, que tratem em profundidade um problema sobre o qual houve desacordo ou que abordem o seu objccto de investigação sob um ângulo totalmente diferente que faltava ha primeira leva.

No fim destes exercícios será bom interromper provisoriamente a leitura de textos e dar-se algum tempo para a reflexão e troca de pontos de vista. Esta pausa poder constituir a ocasião para rever a sua pergunta de partida e, eventualmente, reformulá-la de um modo mais ponde- rado, à luz dos ensinamentos dc trabalho de leitura.

AS ENTREVISTAS EXPLORATÓRIAS

 

Leituras e entrevistas exploratórias devem ajudar a constituir a problemática de investigação. As leituras ajudam a fazer o balanço dos conhecimentos relativos ao problema de partida; as entrevistas contribuem para descobrir os aspectos a ter em conta e alargam ou rectificam o campo de investigação das leituras. Umas e outras são complementares e enriquecem-se mutuamente. As leituras dão um enquadramento às entrevistas exploratórias e estas esclarecem-nos quanto à pertinência desse enquadramento. A entreyista exploratória visa economizar perdas inúteis de energia e de tempo na leitura, na construção de hipóteses e na observação. Trata-se, de certa fornia, de uma primeira «volta à pista», antes de pôr em jogo meios mais importantes.

As entrevistas exploratórias têm, portanto, como função principal revelar determinados aspectos do fenómeno estudado em que o investigador não teria espontaneamente pensado por si mesmo e, assim, completar as pistas de trabalho sugeridas pelas suas leituras. Por esta razão, é essencial que a entrevista decorra de uma forma muito aberta e flexível e que o investigador evite fazer perguntas demasiado numerosas e demasiado precisas. Como proceder?

De uma maneira geral, os métodos muito formais e estruturados, como os inquéritos por questionário ou certas técnicas sofisticadas de análise de conteúdo, não são tão adequados ao trabalho exploratório como os que apresentam uma grande maleabilidade de aplicação, como, por exemplo, as entrevistas pouco directivas ou os métodos de observação que deixam um elevado grau de liberdade ao observador. A razão é muito simples: as entrevistas exploratórias servem para encontrar pistas de reflexão, ideias e hipóteses de trabalho, e não para verificar hipóteses preestabelecidas. Trata-se, portanto, de abrir o espírito, de ouvir, e não de fazer perguntas precisas, de descobrir novas maneiras de colocar o problema, e não de testar a validade dos nossos esquemas.

A entrevista exploratória é uma técnica surpreendentemente preciosa para uma grande variedade de trabalhos de investigação social. No entanto, os investigadores utilizam-na pouco e mal. Teremos, pois, aqui oportunidade de a reabilitar, dado que, bem utilizada, pode prestar serviços inestimáveis. Cada vez que, pressionados pelo tempo, julgámos dever saltar esta etapa exploratória arrependemo-nos depois amargamente. Permite sempre ganho de tempo e economia de meios. Além disso, e não é o menor dos seus atractivos, constitui, para nós, uma das fases mais agradáveis da investigação: a da descoberta, a das ideias que surgem e dos contactos humanos mais ricos para o investigador.

Fase interessante e útil, portanto, mas também muito perigosa, se o investigador principiante a empreender à laia de turista. O contacto com o terreno, a expressão do vivido e a aparente convergência dos discursos (produtos dos estereótipos sócio-culturais) levá-lo-ão, muito provavelmente, a acreditar que percebe tudo muito melhor assim do que com as suas leituras e que as ideias mais ou menos inconscientes que tinha da questão correspondem de facto àquilo que descobre no terreno. É uma tentação frequente. Muitos principiantes não lhe resistem, negligenciam as leituras e orientam o seguimento da sua investigação por impressões semelhantes às de um turista que passou alguns dias num país estrangeiro. Levado pela ilusão da transparência, afunda-se na armadilha da confirmação superficial de ideias preconcebidas. A sua investigação não poderá deixar de fracassar, dado que a exploração foi desviada da sua função primordial — a ruptura com a especulação gratuita e com os preconceitos. Um exemplo concreto de investigação, apresentado no final da obra, permitirá uma melhor

Para desempenharem esta função de ruptura, as entrevistas exploratórias devem preencher certas condições, que são apresentadas sob a forma de respostas às três perguntas seguintes:

Com quem é útil ter uma entrevista?

Em que consistem as entrevistas e como realizá-las?

 

Como explorá-las para que permitam uma verdadeira ruptura com os preconceitos, as pré-noções e as ilusões de transparência?

COM QUEM É ÚTIL TER UMA ENTREVISTA?

 

Há três categorias de pessoas que podem ser interlocutores válidos.

Primeiro, docentes, investigadores especializados e peritos no domínio de investigação implicado pela pergunta de partida. Já evocámos a sua utilidade a propósito da escolha das leituras. Podem também ajudar-nos a melhorar o nosso conhecimento do terreno, expondo-nos não só os resultados dos seus trabalhos, mas também os procedimentos que utilizaram, os problemas que encontraram e os escolhos a evitar. Este tipo de entrevista não exige uma técnica específica, mas será tanto mais frutuosa quanto mais bem formulada estiver a pergunta de partida, permitindo ao seu interlocutor delimitar com precisão o que lhe interessa.

Para aquele cuja pergunta de partida esteja ainda hesitante, este tipo de entrevista também pode ajudar a clarificá-la, na condição de o interlocutor estar disposto a ajudá-lo, o que não é frequente.

A segunda categoria de interlocutores recomendados para as entrevistas exploratórias é a das testemunhas privilegiadas. Trata-se de pessoas que, pela sua posição, acção ou responsabilidades, têm um bom conhecimento do problema. Essas testemunhas podem pertencer ao público sobre que incide o estudo ou ser-lhe exteriores, mas muito relacionadas com esse público. Assim, num estudo sobre os valores dos jovens tanto podemos encontrar jovens responsáveis por organizações de juventude como adultos (educadores, docentes, padres, trabalhadores sociais, juízes de menores) cuja actividade profissional os põe directamente em contacto com os pontos alvos.

 

Finalmente, terceira categoria de interlocutores úteis: os que constituem o público a que o estudo diz directamente respeito, ou seja, no exemplo anterior, os próprios jovens. Neste caso é importante que as entrevistas cubram a diversidade do público envolvido.

As entrevistas com os interlocutores da segunda e da terceira categorias são as que oferecem os maiores riscos de desvio devido à ilusão de transparência. Directamente envolvidos na acção, tanto uns como outros são geralmente levados a explicar as suas acções, justificando-as. A subjectividade, a falta de distância, a visão parcelar e parcial, são inerentes a este tipo de entrevista. É indispensável uma boa dose de espírito crítico e um mínimo de técnica para evitar as armadilhas que encerram.

EM QUE CONSISTEM AS ENTREVISTAS E COMO REALIZÁ-LAS?

Os fundamentos metodológicos da entrevista exploratória devem ser procurados principalmente na obra de Carl Rogers sobre psicoterapia. Começaremos por dizer algumas palavras acerca dela, para apreendermos bem os princípios e o espírito des,e método, e depois abordaremos apenas os problemas da sua aplicação à investigação social.

O que se segue aplica-se principalmente às entrevistas com as duas últimas categorias de interlocutores acima apresentadas.

Os fundamentos do método

O método centrado na não- -directividade

O princípio deste processo consiste em deixar ao entrevistado a escolha do tema das entrevistas, tal como o domínio do seu desenvolvimento. A tarefa do antropólogo ou do «ajudante» não é, no entanto, simples.

Consiste esta em ajudar o entrevistado a aceder a um melhor conhecimento e a uma melhor compreensão da cultura, funcionando de certa forma como um espelho que lhe reenvia sem parar a sua própria imagem e lhe permite, assim, aprofundá-la e assumi-la.

A aplicação em investigação social

«Há contradição entre a entrevista não directa e o emprego de entrevistas não directivas como instrumento de investigação social» da seguinte forma: «É fácil revelá-la. Num caso, o objectivo da entrevista é fixado pelo próprio entrevistado e o antropólogo não procura influenciá-lo. No outro é o entrevistador que fixa o objectivo, seja ele qual for: fornecer informações a um determinado grupo, cooperar numa investigação, favorecer o desenvolvimento comercial de uma empresa, a propaganda de um governo, etc.»

 

Neste sentido nunca podemos dizer que as entrevistas exploratorias em mvestigação social são rigorosamente não directivas o objectivo é sempre fixado pelo investígador e não pelo interlocutor. Refere-se mais ou menos directamente ao tema imposto mas objectivo está ligado aos objectivos da investigação, nao ao desenvolvimento pessoal da pessoa entrevistada.  É por isso que se fala, cada vez mais de entrevista semidirectiva ou semiestruturada.

Na prática, os principais traços desta atitude são os seguintes:

1. O entrevistador deve esforçar-se por fazer o menor número possível de perguntas. A entrevista não é um interrogatório nem um inquérito por questionário. O excesso de perguntas conduz sempre ao mesmo resultado: o entrevistado depressa adquire a impressão de que lhe é simplesmente pedido que responda a uma série de perguntas precisas e dispensar-se-a de comunicar o mais fundo do seu pensamento e da sua experiença, As respostas tomar-se-ão cada vez mais breves e menos interessantes. Após ter sumariamente respondido a anterior, esperará pura e simplesmente a seguinte como se esperasse uma nova instrução. Uma breve exposição introdutória acerca dos objectives da entrevista e do que dela se espera basta geralmente para lhe dar o tom geral da conversa, livre e muito aberta;

2. Na medida em que um mínimo de intervenções é, contudo necessario para reconduzir a entrevista aos seus objectivos para recuperar a sua dinâmica ou para incitar o entrevistado a aprofundar certos aspectos particularmente importantes do tema abordado, o entrevistador deve esforçar-se por formular as suas intervenções da forma mais aberta possível Ao longo das entrevistas exploratórias é importante que o entrevistado possa exprimir a própria «realidade» na sua lingua de referencia. Com intervenções demasiado precisas e autoritarias, o entrevistador impõe as suas categorias com sua função exploratoria, dado que o interlocutor já não tem outra escolha senão responder no interior dessas categorias, ou seja, confirmar as ideias em que o investigador já tinha Não interlocutor rejeitar a forma como o problema lhe é proposto,  impressionado com estatuto do investigador ou com a situação de entrevista, há porém intervenções feitas de maneira a facilitarem a livre expressão do entrevistado. Por esta razão designam-se frequentemente por «empurrões»;

«Se bem percebo, quer dizer que...»

«Hum., sim...» (para manifestar a atenção e o interesse pelo que diz o entrevistado)

«Dizia há pouco que...» «Pode especificar...?» (para retomar um ponto que merece ser aprofundado).

«O que quer exactamente dizer com isso?»

«Referiu a existência de dois aspectos deste problema. Desenvolveu o primeiro. Qual é o segun- do.» (par-a voltar a um «esquecimento»)

«Ainda não falámos de...; pode dizer-me como vê...?» (para abordar um outro aspecto do assunto).

 

Na mesma ordem de ideias, não devem temer-se os silêncios. Estes assustam sempre o entrevistador principiante, igumas pequenas pausas numa entrevista podem permitir ao entrevistado mflectir mais calmamente, munir recordações e, sobretudo, aperceber-se de que dispõe de uma importante margem de «liberdade. Querer freneticamente preencher o mais pequeno silêncio é um medo e uma tentação tão frequente como perigosa, pois incita a multiplicar as perguntas e a abafar a livre expressão. Ao longo destes silêncios passam-se muitas coisas na cabeça da pessoa que interrogamos. Muitas vezes hesita em dizer mais. Encoraje-a então com um sorriso, ou qualquer outra atitude muito receptiva, porque o que ela dirá pode ser fundamenta ,

3. Por maioria de razão, o entrevistador deve abster-se de se ’ implicar no conteúdo da entrevista, nomeadamente envolvendo-se em debates de ideias ou tomando posição sobre afirmações do entrevistado. Mesmo a aquiescência deve ser evitada, dado que, se o interlocutor se habitua a ela e lhe toma o gosto, interpretará depois qualquer atitude de reserva como um sinal de desaprovação;

4. Por outro lado, é preciso procurar que a entrevista se desenrole num ambiente e num contexto adequados. E inútil esperar uma entrevista aprofundada e autêntica se esta se desenrolar na presença de outras pessoas, num ambiente barulhento e desconfortável, onde o telefone toca todos os cinco minutos, ou ainda quando o entrevistado esta sempre a consultar o relógio para não faltar a outro encontro. O entrevistado deve ser avisado da duraçao provável da entrevista (geralmente cerca de uma hora), sem prejuízo de, na altura, apaixonado pelo assunto, ele poder aceitar ou manifestar directamente o seu desejo de prolongá-la para além do limite combinado. Esta hipótese favorável é, na realidade, muito frequente e obriga o entrevistador a prever uma margem de segurança relativamente grande;

5. Finalmente, do ponto de vista técnico, é indispensável gravar a entrevista. Existem actualmente pequenos gravadores com microfone incorporado, que trabalham a pilhas e podem facilmente ser introduzidos no bolso de um casaco. Estes aparelhos discretos impressionam pouco os entrevistados, que, após alguns minutos, deixam geralmente de lhes prestar atenção. É claro que a gravação está subordinada à autorização prévia dos interlocutores. Mas esta é geralmente dada sem reticências quando os objectivos da entrevista são claramente apresentados e o entrevistador se compromete, a respeitar a privacy, custodir num lugar próprio as fitas magnéticas e, terceiro, a apagar as gravações logo que tenham sido analisadas.

Tomar sistematicamente notas durante a entrevista parece-nos, pelo contrário, ser de evitar tanto quanto possível. Distraem não só o entrevistador, como o entrevistado, que não pode deixar de considerar a intensidade da anotação como um indicador do interesse que o interlocutor atribui às suas palavras. Pelo contrário, é muito útil e não apresenta inconvenientes anotar, de tempos a tempos, algumas palavras destinadas simplesmente a estruturar a entrevista: pontos a esclarecer, questões a que é preciso voltar a debater, temas que falta abordar, etc.

Traços da entrevista exploratória

Resumindo, os principais traços da atitude a adoptar ao longo de uma entrevista exploratória são os seguintes:

— Fazer o mínimo de perguntas possível;

— Intervir da forma mais aberta possível;

__ Abster-se de se implicar a si mesmo no conteúdo;

__ Procurar que a entrevista se desenrole num ambiente e num contexto adequados;

— Gravar as entrevistas.

Trata-se, portanto, de um método que não tem rigorosamente nada a ver quer com a troca de pontos de vista ente duas pessoas, quer com a sondagem de opinião. O investigador fixa simplesmente, com antecedência, os temas sobre os quais deseja que o seu interlocutor exprima, o mais livremente possível, a riqueza da sua experiência ou o fundo do seu pensamento e dos seus sentimentos. Para ajudar o investigador a utilizar conecta e frutuosamente este método não existe nenhum «truque», nenhum dispositivo preciso que bastasse aplicar como uma receita. O sucesso e aqui uma questão de experiencia.

c) A aprendizagem da entrevista exploratória

A aprendizagem da técnica da entrevista exploratória deve, com efeito, passar obrigatoriamente pela experiência concreta. Se é sua intenção utilizar esta técnica e nela adquirir formação, a melhor maneira é analisar minuciosamente as suas primeiras entrevistas, tendo a referência com alguns colegas, que terão sobre o seu trabalho um olhar menos parcial do que o seu. Eis uma forma de proceder a esta auto-avaliação:

Oiça a gravação e interrompa-a após cada uma das suas intervenções.

Anote cada intervenção e analise-a. Era indispensável? Não terá interrompido o seu interlocutor sem qualquer motivo importante quando este estava bastante animado com a entrevista? Não terá procurado pôr termo um pouco depressa de mais a um silêncio de apenas alguns segundos?

Após ter discutido cada intervenção, prossiga a audição da fita para examinar a forma como o seu interlocutor reagiu a cada uma das suas intervenções. Terão estas contribuído para ele aprofundar as suas reflexões ou o seu testemunho, ou levaram, pelo contrário, a uma resposta curta e técnica? As suas intervenções não terão suscitado um debate de ideias entre o seu interlocutor e você mesmo e, assim, comprometido as hipóteses de uma reflexão e de um testemunho autênticos da parte do seu interlocutor?

No fim da audição avalie o seu comportamento geral. As suas intervenções não terão sido demasiado frequentes ou demasiado estruturantes? Fica com a impressão de uma entrevista flexível, aberta e rica de conteúdo? Qual é, finalmente, o seu balanço global e quais são, na prática, os pontos fracos que é preciso corrigir?

 

Depressa observará que o mesmo comportamento da sua parte perante interlocutores diferentes não conduz forçosamente ao mesmo resultado. O sucesso de uma entrevista depende da maneira como funciona a interacção entre os dois parceiros. Num dia, o seu interlocutor será muito reservado; no dia seguinte será particularmente falador e ser-lhe-á extremamente difícil impedi-lo de falai' sobre tudo e mais alguma coisa. Noutro dia terá muita sorte e, talvez sem razão, pensará que a entrevista exploratória é uma técnica que domina bem. Seja como for, não se apresse a atribuir ao seu interlocutor a responsabilidade do sucesso ou do fracasso da entrevista.

As recomendações anteriores são regras gerais que deve esforçar-se por respeitar. Mas cada entrevista não deixa por isso de ser um caso específico e, enquanto decorre, o entrevistador deve adaptar o seu comportamento com flexibilidade e pertinência. Só a prática pode trazer o «faro» e a sensibilidade que fazem o bom entrevistador. Finalmente, deve sublinhar-se que uma atitude de bloqueamento sistemático ou selective por parte do seu interlocutor constitui frequentemente, em si mesma, uma indicação que deve ser interpretada como tal.

A EXPLORAÇÃO DAS ENTREVISTAS EXPLORATÓRIAS

 

Devem ser aqui tidos em consideração dois pontos de vista: o discurso enquanto dado, fonte de informação, e o discurso enquanto processo.

1) O discurso enquanto fonte de informação

 

As entrevistas exploratórias não têm como função verificar hipóteses nem recolher ou analisar dados específicos, mas sim abrir pistas de leflexão, alargar e precisar- os horizontes de leitura, tomar consciência das dimensões e dos aspectos de um dado problema, nos quais o investigador não teria decerto pensado espontaneamente. Permitem também não nos lançarmos em falsos problemas, produtos inconscientes dos nossos pressupostos e pré-noções. As divergências de pontos de vista entre os interlocutores são fáceis de detectar. Podem fazer surgir questões insuspeitadas no início e, portanto, ajudar o investigador a alargar o seu horizonte e a colocar o problema da forma mais correcta possível As divergências e contradições impõem-se-nos como dados objectives. Não somos nós que as inventamos.

Por conseguinte, compreender-se-á que a exploração das entrevistas exploratórias possa ser conduzida de forma muito aberta, sem utilização de uma grelha de análise precisa. A melhor forma de actuar é, sem dúvida, ouvir repetidamente as gravações, umas após outras, anotar as pistas e as ideias, pôr em evidência as contradições internas e as divergências de pontos de vista e reflectir sobre o que podem revelar. Ao longo deste trabalho é preciso estar atento ao mais pequeno pormenor que, relacionado com outros, possa revelar aspectos ocultos, mas importantes, do problema.

 

2) O discurso enquanto processo

A entrevista não directiva visa levar o interlocutor a exprimir a sua vivência ou a percepção que tem do problema que interessa ao investigador. Frequentemente, é a primeira vez que é levado a exprimir-se acerca desse assunto. Terá, portanto, de reflectir, de reunir as suas ideias, de as pôr em ordem e de encontrar as palavras (mais ou menos) adequadas para, finalmente, exprimir o seu ponto de vista. Há quem consiga fazê-lo com bastante facilidade, por estar habituado a este tipo de exercício; para outros será mais difícil. Começarão frases que ficarão incompletas por múltiplas razões: falta de vocabulário, pontos de vista contraditórios que se confrontam no seu espírito, informações cuja revelação julgam ser perigosa, etc. Neste caso, a resposta será caótica, desconexa e, por vezes, marcada por viragens que a lógica tem dificuldade em seguir, mas que podem ser reveladoras. Isto leva-nos a considerar a comunicação resultante da entrevista como um processo (mais ou menos penoso) de elaboração de um pensamento e não como um simples dado. ,

«O discurso não é a transposição transparente de opinions, de atitudes, de representações existentes de maneira acabada antes de a linguagem lhes dar forma. O discurso é um momento num processo de elaboração, com tudo o que isso implica de contradições, incoerências e lacunas. O discurso é a palavra em acto... Em qualquer comunicação (entrevista não directiva) a produção da palavra ordena-se a partir de três pólos: o locutor, o seu objecto de referência e o terceiro, que põe a pergunta-problema. O locutor exprime-se com toda a sua ambivalência, os seus conflitos, a incoerência do seu inconsciente, mas, na presença de um terceiro, a sua palavra deve submeter-se à exigência da lógica socializada. Torna- se discurso ‘melhor ou pior’, e é a partir dos esforços de domínio da palavra, das suas lacunas e das suas doutrinas que o analista pode reconstruir os investimentos, as atitudes, as representações reais.» Como analisar o material coletado em pesquisas, entrevistas e outros meios de comunicação? Quais métodos utilizar? Existe uma técnica para isso? Laurence Bardin responde a essas e outras perguntas em seu Análise de conteúdo. Resultado de anos de estudo e pesquisa, o livro aborda do surgimento do tema às técnicas de análise, explorando amplamente o assunto de maneira didática e detalhada. A obra apresenta também uma parte exclusiva de exemplos práticos, que auxiliará o leitor na compreensão e aplicação dessa metodologia, essencial para as ciências sociais e humanas (Bardin , 1991, p. 171).

 

Por conseguinte, mesmo na fase exploratória de uma investigação, pode ser útil completar a análise muito aberta do «discurso enquanto informação» com um exame do «discurso enquanto processo». Tal exame recorre então a um método mais penetrante do que o precedente, que se limitava a um simples inventário do conteúdo.

Na fase exploratória de uma investigação, a análise de conteúdo tem, portanto, uma função essencialmente heurística, isto é, serve para a descoberta de ideias e de pistas de trabalho (que virão a ser concretizadas pelas hipóteses). Ajuda o investigador a evitar as armadilhas da ilusão de transparência e a descobrir o que se diz por detrás das palavras, entre as linhas e para lá dos estereótipos. Permite ultrapassar, pelo menos em certa medida, a subjectividade das nossas interpretações.

Nem todas as investigações exploratórias necessitam de uma análise de conteúdo, longe disso. Para mais, não há nenhum método de análise de conteúdo adequado a todos os tipos de investigação. Dependendo do objecto de estudo, a entrevista produzirá discursos ou comunicações cujos conteúdos podem ser de tal modo diferentes que a sua exploração exigirá métodos igualmente diferentes. O essencial aqui é não esquecer que propomos as entrevistas como meio de ruptura, mas que estas também podem conduzir ao reforço das ilusões e dos preconceitos, se forem .efectuadas «à turista» e exploradas superficialmente. É, portanto, vital para a investigação fecundar as entrevistas com leituras, e vice-versa, dado que é da sua interacção que resultará a problemática de investigação.

A título de indicação, Bardin propõe um método de análise de conteúdo (análise da enunciação) que tem a vantagem de ser operatório, flexível a maleável e que é acessível sem grande formação específica. Aplica-se especialmente bem à entrevista não directiva. ( L. Bardin, A Análise de Conteúdo, cit., pp. 169-184.)

 

 

TRABALHO DE APLICAÇÃO: OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE

 

Opõe-se frequentemente a observação participante, em que o investigador participa na vida do grupo estudado, como o fazem, em princípio, os etnólogos, à observação não participante, em que o investigador observa «do exterior» os comportamentos dos actores em questão. A distinção nem sempre é nítida em investigação social. Existem diferentes graus de participação na vida de um grupo, sendo raro um investigador participar totalmente nela. No entanto, a observação participante, sem dúvida mais rica e mais profunda, põe, em contrapartida, problemas práticos que o investigador deve prever.

Antes de mais, há que ser aceite pelo grupo. A menos que lenita sido o próprio grupo a solicitar a presença do investigador, este último deve-lhe, desde o início, uma explicação sobre as razões da sua presença, sobre a natureza do trabalho que deseja empreender e sobre o que fará com os resultados. Mesmo que estejamos cheios das melhores intenções, não é nada fácil explicar a um grupo os objectives de um trabalho ou de uma investigação. Duas preocupações dominam, geralmente, os sentimentos dos interlocutores do investigador: o receio de servirem de cobaias e o de verem as suas condutas avaliadas e, portanto, julgadas pela investigação. Durante a fase exploratória de uma investigação sobre as práticas culturais, um de nós teve grandes dificuldades para convencer alguns responsáveis locais de que não estava a fazer um relatório sobre a gestão dos subsídios anuais que a cidade recebia. Felizmente, nem sempre a situação é tão ambígua do ponto de vista institucional.

Em todo o caso, e qualquer que seja a diversidade das condições concretas, importa sobretudo não fazer batota com os interlocutores. A sua suspeita é legítima e, se se confirmar que é fundada, só restará ao investigador fazer as malas, Finalmente, é preciso saber que o acolhimento de que o investigador beneficiará está directamente relacionado com a forma como ele próprio aceita e respeita os seus interlocutores pelo que são e evita julgá-los ou comportai-se com indiscrição. Um investigador não é um jornalista de escândalos; não procura os pequenos mexericos e as bisbilhotices picantes. Tenta apreender as dinâmicas sociais. Em si mesmos, os indicadores com os quais alimenta a sua reflexão são frequentemente banais e conhecidos de toda a gente. É antes a sua forma de os dispor e de os «compreender» (tomar em conjunto) que caracteriza o seu trabalho e lhe dá interesse. A compreensão que faculta não provém dos novos factos que revela, mas sim das novas relações que estabelece entre os factos e que dá a factos conhecidos um significado mais esclarecedor.

Depois, uma longa participação na vida de um grupo pode desgastar a lucidez do investigador. Deixa de notar o que deveria ou seja os Sentlmentos que ligam a alguns membros do grupo podem comprometer o seu espírito crítico. Para evitar estes inconvenientes, a melhor solução é ler as suas notas de observação e contar regularmente as suas experiências «etnológicas» a alguns colegas que nao participem no trabalho sobre o terreno.

As leituras preparatórias servem, antes de mais, para obter informação sobre as investigações já levadas a cabo sobre o tema do trabalho. Graças a estas leituras o investigador poderá, além disso, fazer ressaltar a perspectiva que lhe parece mais pertinente para abordar o seu objecto de investi- ; gaçao. A escolha das leituras deve ser feita em função de critérios bem precisos: ligações com a pergunta de partida, dimensão razoável do progra, elementos de análise e de interpretação, abordagens diversidade de modo e de tempo consagrados â reflexão pessoal e as trocas de pontos de vista

As entrevistas exploratórias completam utilmente ás leituras Permitem ao investigador tomar consciência de aspectos da questão para ser sensibilizado. As entrevistas exploratórias só podem preencher està função se forem pòtico directivas, dado que o objectivo não consiste em validar as Ideias preconcebidas do investigador, mas sim em imaginar novas ideias. Os fundamentos do mètodo devem ser procurados nos princípios, da não-directividadc de Carl Rogers, mas adaptados a uma aplicação em ciências sociais. Três tipos de interlocutores interessam aqui o investigador: os: especialistas científicos do objecto estudado, as testemunhas piivilegiadas c as pessoas directamcnte interessadas,

A exploração das entrevistas é dupla. Por um lado, as conversas podem ser abordadas directamente enquanto fonte de informação; por outro lado, cada entrevista pode ser descodificada como um processo ao longo do qual o interlocutor exprime sobre si mesmo uma verdade mais profunda do que a imedialamente perceptível.

As entrevistas exploratórias são frequentemente usadas em conjunto i com outros métodos complementares, corno a observação e a análise de documentos.

No final desta etapa, o investigador pode ser levado a reformular a sua pergunta de partida, de forma a ter em conta os ensinamentos do trabalho exploratório.

 

TRABALHO DE APLICAÇÃO 7 REFORMULAÇÀO DA PERGUNTA DE PARTIDA

Este exercício consiste em rever a pergunta de partida, adaptando-a eventualmente ao desenvolvimento da sua reflexão e às características principais da sua problerriatização. Proceda dó seguinte modo:

Será que a primeira formulação da Sua pergunta de partida traduz tem a sua intenção, tal como lhe aparece no termo de um trabalho exploratôrio? Poderá continuar a servir-lhe de fio condutor: Se sim, porquê? De não porquê?

Sé não, reveja e corrija o seu projecto, formulando uma nova pergunta de partida, faça com que esta pergunta responda aos critérios' apresentados na primeira etapa. Sc é importante que ela traduza  mais precisamente possível as suas intenções, não deve, no entanto, perder as qualidades que a tornam operacional. Não procure, portanto, exprimir nela toda a profundidade e todos os matrizes do seu pensamento. Um itinerário nãõ é um guia turístico, ainda que se inspire directamente nele. Este exercício deve, evidentemente, ser recomeçado após cada leva de trabalho exploratório.

 

Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.

 

5ª Lição - A leitura do texto

 

 

Ao longo da aula anterior aprendemos a formular um projecto de investigação sob a forma de uma pergunta de partida apropriada. Até nova ordem, esta constitui o fio condutor do trabalho. O problema é agora o de saber como proceder para conseguir uma certa qualidade de informação; como explorar o terreno para conceber uma problemática de investigação.

Objecto

A exploração comporta as operações de leitura, as entrevistas exploratórias e alguns métodos de exploração complementares. As operações de leitura visam essencialmente assegurar a qualidade da problemática, ao passo que as entrevistas e os métodos complementares ajudam especialmente o investigador a ter um contacto com a realidade vivida pelos actores sociais.

Devemos aqui estudar métodos de trabalho precisos e directamente aplicáveis por todos, qualquer que seja o tipo de trabalho em que nos empenhamos. Estes métodos são concebidos para ajudarem o investigador a adoptar uma abordagem penetrante do seu objecto de estudo e, assim, encontrar ideias e pistas de reflexão esclarecedoras.

 

O que é válido para a antropologia deveria sê-lo para qualquer trabalho intelectual; ultrapassar as interpretações estabelecidas, que

contribuem para reproduzir a ordem das coisas, a fim de fazer aparecer novas significações dos fenómenos estudados, mais esclarecedoras e mais perspicazes do que as precedentes. É sobre este ponto que queríamos começar por insistir.

Esta capacidade de ultrapassagem não cai do céu. Depende, em certa medida, da formação teórica do investigador e, de uma maneira mais ampla, daquilo a que poderíamos chamar a sua cultura intelectual, seja ela principalmente sociológica, económica, política, histórica ou outra. Um longo convívio com o pensamento sociológico antigo e actual, por exemplo, contribui consideravelmente para alargar o campo das ideias e ultrapassar as interpretações já gastas. Predispõe a colocar boas questões, a adivinhar o que não é evidente e a produzir ideias inconcebíveis para um investigador que se contente com os magros conhecimentos teóricos que adquiriu no passado.

Muitos pensadores são investigadores medíocres, mas em ciências sociais não existe um único investigador que não seja também um pensador. Desiludam-se, pois, os que crêem poderem aprender a fazer investigação social contentando-se com o estudo das técnicas de investigação: terão também de explorar as teorias, de ler e reler as investigações exemplares (será proposta uma lista no seguimento deste livro) e de adquirir o hábito de reflectir antes de se precipitarem sobre o terreno ou sobre os dados, ainda que seja com as técnicas de análise mais sofisticadas.

Quando um investigador inicia um trabalho, é pouco provável que o assunto tratado nunca tenha sido abordado por outra pessoa, pelo menos em parte ou de forma indirecta. Tem-se frequentemente a impressão de que não há «nada sobre o assunto», mas esta opinião resulta, em regra, de uma má informação. Todo o trabalho de investigação se inscreve num continuum e pode ser situado dentro de, ou em relação a, correntes de pensamento que o precedem e influenciam. E, portanto, normal que um investigador tome conhecimento dos trabalhos anteriores que se debruçam sobre objectos comparáveis e que explicite o que aproxima ou distingue o seu trabalho destas correntes de pensamento. É importante insistir desde o início na exigência de situar claramente o trabalho em relação a quadros conceptuais reconhecidos. Esta exigência tem um nome que exprime bem aquilo que deve exprimir: a validade

externa. Falaremos novamente disto no âmbito da etapa intitulada «Problemática». H d

Ainda que a sua preocupação não seja fazer investigação cientifica em Sentido estrito, mas sim apresentar um estudo honesto sobre uma questão particular, continua a ser indispensável tomar conhecimento de um mínimo de trabalhos de referência sobre o mesmo tema ou, de modo mais geral, sobre problemáticas que lhe estão ligadas. Sena ao mesmo tempo absurdo e presunçoso acreditar que podemos pura e simplesmente passar sem esses contributos como se estivéssemos em condições de reinventar tudo por nós próprios. Na maior parte dos casos, porém, o estudante que inicia uma dissertação de fim de curso, o trabalhador que deseja realizar um trabalho de dimensão modesta ou o investigador a quem é pedida uma análise rápida não dispõem do tempo necessário para abordarem a leitura de dezenas de obras diferentes. Além disso como já vimos, a bulimia livresca é uma forma muito má de iniciar uma investigação. Como proceder nestas situações? '

Tratar-se-á, concretizando, de seleccionar muito cuidadosamente um pequeno número de leituras e de se organizar para delas tirar o máximo proveito, o que implica um método de trabalho correctamente elaborado. E, portanto, um método de organização de realização e de tratamento das leituras que começaremos por estudar. Este é indicado para qualquer tipo de trabalho, seja qual for o seu nível. Já foi experimentado com sucesso em múltiplas ocasiões por dezenas de estudantes que nele confiaram. Inscreve- -se na nossa política geral do menor esforço, que visa obter os melhores resultados com o menor custo em meios de todo o tipo, a começar pelo nosso precioso tempo.

A ESCOLHA E A ORGANIZAÇÃO DAS LEITURAS

 

Os critérios de escolha

 

A escolha das leituras deve ser realizada com muito cuidado. Qualquer que seja o tipo e a amplitude do trabalho, um investigador dispõe sempre de um tempo de leitura limitado. Há quem só possa consagrar-lhe algumas dezenas de horas, outros várias centenas, mas, para uns corno para outros, este tempo será sempre de certa forma demasiado curto em relação às suas ambições. Não ha então nada mais desesperante do que verificar, após várias semanas de leitura, que não se está muito mais avançados do que no inicio. O objective é, portanto, fazer o ponto da situação acerca dos conhecimentos que interessam para a pergunta de partida, explorando ao máximo cada minuto de leitura.

Como proceder? Que critérios reter? Só podemos aqui propor, bem entendido, princípios e critérios gerais, que cada um devera adaptar com flexibilidade e pertinência.

Primeiro princípio: começar pela pergunta de partida. A melhor forma de não se perder na escolha das leituras é, com efeito, ter uma boa pergunta de partida. Todo o trabalho deve ter um fio condutor e, até nova ordem, é a pergunta de partida que desempenha esta função. Será, sem dúvida, levado a modifica-la no hm do trabalho exploratório e tentará formula la de uma maneira mais judiciosa, mas, por enquanto, é dela que deve partir.

Segundo princípio: evitar sobrecarregar o programa, seleccionando as leituras. Não é necessário — nem, aliás, na maior parte das vezes, possível - ler tudo sobre um assunto, pois, em certa medida, as obras e os artigos de referência repetem-se mutuamente e um leitor assíduo depressa se dá conta destas repetições. Assim, num primeiro momento, evitar-se-á o mais possível começar logo a ler calhamaços enormes e indigestos antes de se ter a certeza de não poder passar sem eles. Orientar-nos-emos mais para as obras que apresentam uma reflexão de síntese, ou para artigos de algumas dezenas de páginas. É preferível, com efeito, ler de modo aprofundado e crítico alguns textos bem escolhidos a ler superficialmente milhares de páginas.

Terceiro princípio: procurar, na medida do possível, documentos cujos autores não se limitem a apresentar dados, mas incluam também elementos de análise e de interpretação. São textos que levam a reflectir e que não se apresentam simplesmente como insípidas descrições que pretendem ser objectivas do fenómeno estudado.

Ainda que estudemos um problema que, a priori, exigirá a utilização de abundantes dados estatísticos, tal como as causas do aumento do desemprego ou a evolução demográfica de uma região, é, mesmo assim, preferível procurar textos de análise, em vez de listas de números, que nunca querem dizer grande coisa por si mesmos. A maior parte dos textos que incitam à reflexão contêm dados suficientes, numéricos ou não, para nos permitirem tomar consciência da amplitude, da distribuição ou da evolução do fenómeno a que se referem. Mas, além disso, permitem «ler» inteligentemente estes dados e estimulam a reflexão crítica e a imaginação do investigador. No estado presente do trabalho, isto chega perfeitamente. Se for útil uma grande quantidade de dados, haverá sempre oportunidade de os recolher mais tarde, quando ο investigador tiver delimitado pistas mais precisas.

Quarto princípio: ter o cuidado de recolher textos que apresentem abordagens diversificadas do fenómeno estudado. Não só não serve de nada ler dez vezes a mesma coisa, como, além disso, a preocupação de abordar o objecto de estudo de um ponto de vista esclarecedor implica que possam confrontar-se perspectivas diferentes. Esta preocupação deve incluir, pelo menos nas investigações de um certo nível, a consideração de textos mais teóricos que, não se debruçando necessariamente, de forma directa, sobre o fenómeno estudado, apresentem modelos de análise susceptíveis de inspirarem hipóteses particularmente interessantes. (Voltaremos à frente aos modelos de análise e às hipóteses.)

Quinto princípio: oferecer-se, a intervalos regulares, períodos de tempo consagrados à reflexão pessoal e às trocas de pontos de vista com colegas ou com pessoas experientes. Um espirito atulhado nunca é criativo.

As sugestões anteriores dizem principalmente respeito às primeiras fases do trabalho de leitura. À medida que for avançando, impor-se-ão progressivamente por si mesmos critérios mais precisos e específicos, na condição, precisamente, de que a leitura seja entrecortada de períodos de reflexão e, se possível, de debate e discussões.

 

Uma forma de se organizar consiste em ler «levas» sucessivas de dois ou três textos (obras ou artigos) de cada vez. Após cada leva para-se de ler durante algum tempo para reflectir, tomar notas e falar com pessoas conhecidas que se julga poderem ajudar-nos a progredir. É só após esta pausa nas leituras que se decide acerca do conteúdo exacto da leva seguinte, estando as orientações gerais que se tinham fixado no início sempre sujeitas a correcções.

Decidir de uma só vez o conteúdo preciso de um programa de leitura importante é geralmente um erro: a amplitude do trabalho depressa desencoraja; a rigidez do programa presta-se mal à sua função exploratória e os eventuais erros iniciais seriam mais difíceis de corrigir. Por outro lado, este dispositivo por levas sucessivas adequa-se tanto aos trabalhos modestos como as investigações de grande envergadura: os primeiros porão fim ao trabalho de leitura preparatória após duas ou três levas; as segundas, após uma dezena ou mais.

Em suma, respeite os seguintes critérios de escolha:

__ Ligações com a pergunta de partida;

__ Dimensão razoável do programa de leitura;

__ Elementos de análise e de interpretação;

__ Abordagens diversificadas.

Leia por «salvas» sucessivas, entrecortadas por pausas consagradas à reflexão pessoal e às trocas de pontos de vista.

&) Onde encontrar estes textos?

Antes de se precipitar para as bibliotecas é necessário saber o que se procura. As bibliotecas de ciências sociais dignas deste nome possuem milhares de obras. B inútil esperar descobrir por «ca» ao sabor de um passeio por entre as estantes ou de uma olhadela pelos ficheiros o livro ideal que responde exactamente as nossas expectativas Também aqui é preciso um método de trabalho, cuja primeira etapa consiste em precisar claramente o tipo de textos procurado. Neste domínio, como em outros, a precipitação pode custar muito caro. Por ter querido poupar algumas horas de reflexão, o trabalho aumentou de vários dias, até várias semanas de trabalho.

Não abordaremos aqui o trabalho de pesquisa bibliográfica propriamente dito, visto que isso nos levaria demasiado longe e não faríamos mais do que repetir o que qualquer um pode ler em várias obras especializadas neste domínio. Eis, no entanto, algumas ideias que podem ajudar a encontrar facilmente os textos adequados sem gastar demasiado tempo:

. peça conselhos a especialistas que conheçam bem o seu campo de pesquisa: investigadores, docentes, responsáveis de organizações, etc. Antes de se lhes dirigir, prepare com precisão o seu pedido de informação, de forma que o compreendam imediatamente e possam recomendar-lhe o que, segundo eles, mais lhe convém. Compare as sugestões de uns e de outros e faça, finalmente, a sua escolha em função dos critérios que tiver definido;

Não negligencie os artigos de revistas, os dossiers de síntese e as entrevistas de especialistas publicadas na imprensa para um grande público instruído, as publicações de organismos especializados e muitos outros documentos que, não sendo relatórios científicos em sentido estrito, não deixam por isso de conter elementos de reflexão e informação que podem ser preciosos para si;

As revistas especializadas no seu campo de investigação são particularmente interessantes, por duas razões. Primeiro, porque o seu conteúdo traz os conhecimentos mais recentes na matéria ou um olhar crítico sobre os conhecimentos anteriormente adquiridos. Num e noutro caso, os artigos fazem frequentemente o balanço da questão que tratam e, assim, citam publicações a ter em consideração. A segunda razão é que as revistas publicam comentários bibliográficos sobre as obras mais recentes, graças aos quais poderá fazer uma escolha acertada de leituras;

As bibliotecas científicas comportam repertórios especializados, como a Bibliographic internationale des sciences sociales (Londres e Nova Iorque, Routledge) e o Bulletin signalétique do Centro de Documentação do CNRS (Paris). Nestes repertórios encontra-se uma grande quantidade de publicações científicas (obras e/ou artigos), organizada segundo um índice temático e muitas vezes resumida em poucas linhas;

As obras comportam sempre uma bibliografia final que retoma os textos a que os autores se referem. Como nela só se encontram forçosamente referências anteriores à própria obra, essa fonte só terá interesse se a obra for recente.

Se consultar estas diferentes fontes, cobrirá rapidamente um campo de publicações bastante vasto e poderá considerar que abarcou o problema a partir do momento em que volte sistematicamente a referências já conhecidas;

Não se assuste demasiado depressa com a espessura de alguns livros. Nem sempre é indispensável lê-los integralmente. Aliás, muitos são obras colectivas que retomam os contributos de vários autores diferentes sobre um mesmo tema. Outros são apenas meras miscelâneas de textos relativamente diferentes que o autor reuniu para fazer uma obra à qual se empenha em dar uma aparência de unidade. Consulte os índices e os sumários, quando existam. Na sua ausência, leia as primeiras e as últimas linhas de cada capítulo para ver de que tratam as obras. E, mais uma vez, se tiver dúvidas, nada o impede de pedir conselhos;

Tenha ainda em conta que as bibliotecas se modernizam e oferecem aos seus utilizadores técnicas de pesquisa bibliográfica cada vez mais eficazes: classificação por palavras- -chave (que, no melhor dos casos, podem tomar-se duas a duas e, portanto, cruzar-se), mas também catalogação sistemática do conteúdo das principais revistas, listas informatizadas de bibliografias especializadas, catálogos em CD-Rom, etc. Também neste caso, antes de procurar as obras, é muitas vezes rendível consagrar algumas horas a informar-se correctamente acerca do modo de utilização de uma biblioteca e dos serviços que oferece. Muitas pessoas que quiseram queimar esta etapa erraram horas a fio, sem encontrarem aquilo que procuravam, em bibliotecas perfeitamente equipadas para satisfazerem rapidamente os utilizadores informados.

A regra é sempre a mesma: antes de se lançar num trabalho, ganha-se muito em questionar-se o que dele se espera exactamente e qual a melhor forma de proceder.

 

COMO LER?

 

O principal objective) da leitura é retirar dela ideias para o nosso próprio trabalho. Isto implica que o leitor seja capaz de fazer surgir essas ideias, de as compreender em profundidade e de as articular entre si de forma coerente. Com a experiência, isto não levanta geralmente muitos problemas. Mas este exercício pode colocar grandes dificuldades àqueles cuja formação técnica seja fraca e que não estejam habituados ao vocabulário (há quem diga à gíria) das ciências sociais. É a eles que são destinadas as páginas que se seguem.

Ler um texto é uma coisa, compreendê-lo e reter o essencial é outra. Saber encurtar um texto não é um dom do céu, mas uma capacidade que só se adquire com o exercício. Para ser totalmente rendível, esta aprendizagem precisa de ser sustentada por um método de leitura. Infelizmente, poucas vezes é este o caso. Os neófitos são geralmente abandonados a si mesmos e leem muitas vezes de qualquer maneira, isto é, com prejuízo. O resultado é invariavelmente o desânimo, acompanhado de um sentimento de incapacidade.

Com a finalidade de progredir na aprendizagem da leitura e dela retirar o máximo proveito, propomos que seja adoptado, de início, um método de leitura muito rigoroso e preciso, mas que cada um poderá depois tornar mais flexível durante a sua formação em função das suas exigências, Este método é composto por duas etapas indissociáveis: o emprego de uma grelha de leitura (para ler em profundidade e com ordem) e a redacção de um resumo (para destacar as ideias principais que merecem ser retidas).

á) A grelha de leitura

Para tomar consciência do seu modo de utilização, propomos- -lhe que a aplique desde já a um texto de Durkheim sobre o suicidio e compare o seu trabalho com o que nós próprios realizámos. As indicações para o uso desta grelha de leitura são apresentadas no trabalho de aplicação que se segue:

 

Ouve-se por vezes dizer que há quem tenha «espírito de síntese», como se se tratasse de uma qualidade inata. É, evidentemente, absurdo. A capacidade para redigir bons resumos é, também ela, uma questão de formação e de trabalho e, uma vez mais, esta aprendizagem pode ser muito facilitada e acelerada por um bom enquadramento e por conselhos adequados. A qualidade de um resumo está directamente ligada à qualidade da leitura que o precedeu. E, o que é mais importante, o método de realização de um resumo deveria constituir a sequência lógica do método de leitura. Será desta forma que iremos aqui proceder.

Voltemos então à nossa grelha de leitura e voltemos a ler o conteúdo da coluna da esquerda, que se refere às ideias do texto. Postos em sequência, estes nove pequenos textos formam um resumo fiel do texto de Durkheim. Mas, neste resumo, as ideias centrais do texto não se distinguem das outras. Qualquer que seja a sua importância relativa, cada uma beneficia, por assim dizer, do mesmo estatuto que as suas vizinhas. Além disso, as articulações que Durkheim estabelece entre elas não aparecem claramente. Em suma, falta uma estruturação das ideias, imprescindível para reconstituir a unidade do pensamento do autor e a coerência do seu raciocínio. O verdadeiro trabalho de resumo consiste precisamente em restituir esta unidade, acentuando as ideias mais importantes e mostrando as principais ligações que o autor estabelece entre elas.

Para o conseguir é preciso considerar igualmente o conteúdo da coluna da direita, onde anotámos explicitamente informações relativas à importância e à articulação das ideias, como, por exemplo: «Projecto: ...»; «Estabelecimento dos factos»; «Primeira explicação possível»; etc. A partir destas indicações, estamos em condições de distinguir imediatamente as secções do texto onde se encontram as ideias centrais das que contêm as ideias secundárias, os dados ilustrativos ou os desenvolvimentos da argumentação. Além disso, essas ideias podem ser facilmente encontradas e ordenadas graças ao conteúdo da coluna da esquerda, onde são retomadas numa forma condensada.

Qualquer um pode fazer este trabalho por si próprio sem grandes dificuldades, visto que a grelha de leitura fornece os meios para tanto e obriga, ao mesmo tempo, a assimilar verdadeiramente

o texto estudado. Falta apenas redigir o resumo de forma suficientemente clara para que alguém que não tenha lido o texto de Durkheim possa ter dele uma boa ideia global pela simples leitura do resultado do seu trabalho. Mesmo que não tenha qualquer intenção de o comunicai-, este esforço de clareza é importante. Constitui simultaneamente um exercício e um teste de compreensão, dado que, se não conseguir tornar o seu texto compreensível para os outros, é muito provável que ainda não o seja totalmente para si.

No fim deste exemplo de trabalho de leitura e de resumo aper-cebemo-nos, sem dúvida, mais facilmente do proveito que dele podemos esperar. É claro que quem leva até ao fim este trabalho melhora as suas aptidões para a leitura, para a compreensão dos textos e para a realização de resumos, o que é útil para qualquer

trabalho intelectual. Mas o mais importante é que, pelo seu trabalho adivo, inscreve profundamente as ideias do texto no seu espírito. Graças ao resumo, poderá comparar muito mais facilmente dois textos diferentes e salientar as suas convergências e as suas divergências. O que lhe parecia uma tarefa impossível toma-se um trabalho de facto sério, até mesmo difícil, mas, no fim de contas, acessível.

É claro que o modelo de grelha de leitura apresentado é particolarmente preciso e rigoroso. Exige que se lhe consagre tempo e, portanto, que os textos não sejam demasiado longos nem demasiado numerosos. Por conseguinte, em muitos casos devem poder ser imaginadas outras grelhas de leitura mais flexíveis e mais adaptadas a cada projecto particular. No entanto, é necessário desconfiai- das falsas economias de tempo. Ler mal 2000 páginas não serve rigorosamente para nada; ler bem um bom texto de 10 páginas pode ajudar a fazer arrancar verdadeiramente uma investigação ou um trabalho. Aqui, mais do que em qualquer outro caso, é verdade que devagar se vai ao longe, e não devemos deixar-nos iludir pelas intermináveis bibliografias que encontramos no fim de algumas obras.

Sem dúvida, um longo hábito de trabalho intelectual convida à dispensa de uma grelha de leitura explícita, ainda que os leitores experimentados raramente leiam ao acaso. Quando as suas leituras se enquadram numa investigação, têm sempre uma ideia clara dos seus objectives e lêern, de facto, com método, ainda que isso não seja formalmente viável. Em compensação, estamos convencidos de que muitos leitores menos formados têm todo o interesse em modificar os seus hábitos e em ler melhor textos mais cuidadosamente escolhidos.

Será o método acima apresentado para extractos também indicado para obras inteiras? Sim, com ligeiras adaptações. Por um lado, as secções de leitura podem ser muito mais longas quando o texto está «diluído» e inclui numerosos dados e múltiplos exemplos. Por outro lado, raramente é necessário proceder a uma leitura sistemática de todos os capítulos do livro. Tendo em conta os seus objectives precisos, é muito provável que só algumas partes tenham de ser aprofundadas e que uma simples leitura atenta chegue para o resto.

 

6ª Lição - A teoria e a prática

 

Teoria e prática

 

 

Quais são as Preliminares epistemológicas para construir  o  objecto antropológico e quai são as ferramentas; tanto conceituais quanto técnicas, da pesquisa.

Quais os princípios os preceitos ou, pelo menos, os exercícios de interiorização da abordagem antropológica; como é possível em um grupo de pesquisa,  examinar a construção de uma amostra, a elaboração de um questionário ou a análise dos dados - a  elaboração das perguntas num guião sobre a própria população, que permitem situar o caso de estudo onde se aplica a pesquisa antropológica que permita apreender, de forma sinóptica e exaustiva, o sistema das relações que existem entre a teoria e a prática da pesquisa.

Inúteis preceitos são canonizados e mais tarde banalizados por uma nova metodologia e por uma nova tradição teórica. Na tradição da pesquisa da nossa universidade andava de moda o difusionismo, que actualmente é insustentável, outros queriam recuperar conceitos da antropologia física que nos últimos anos do 1800 e primeira década do 1900 serviu de base para o racismo, enfim é importante fixar um caminho metodológico seja nas ciências sociais mas sobretudo por aquilo que me compete na antropologia.

 

 

“Para construir um método, escreve Auguste Comte ,(2008, p. 72) precisa de contextualizá-lo dentro dos princípios da antropologia nas quais é utilizado; doutra forma seria um estudo morto, que não chega lá aonde a etnografia queria. A tentativa de definir a realidade etnográfica, reduzida a considerações abstractas, corre o risco de ser reduzida a superficialidade imprecisa que não fornecem nenhum resultado na analise dos dados. Todos os nossos conhecimentos devem ser baseados na observação participante, que baseia-se na pesquisa do campo de modo que a pesquisa seja qualitativa e indutiva chegando aos princípios a partir dos factos, e nesta senda, conhecemos o método e a abordagem mais adapta nitidamente sem cair na superficialidade. Apesar dos procedimentos lógicos ainda não serem explicados com a precisão suficiente, como nos ensina Comte, podemos abrir a nossa visão e usufruir do aporte das ciências sociais e das aplicações regulares dos procedimentos científicos que nos permitem de chegar à formação de um bom sistema que cientificamente atinge ao objetivo essencial que é o método”

Dissociar o método da praxes etnográfica?

 

Não há como dissociar o método da prática etnográfica, doutra forma seria difícil o trabalho científico. Há segundo princípios filosóficos o conceito da impureza original da empiria (Platone, 2007, p. 56) mas não podemos admitir que a abordagem científica seja um atentado à dignidade do objeto que a antropologia pretende abordar ou do sujeito científico que pretendem encarnar. Então apresenta-se um dilema - ou nos tornamos sumos sacerdotes do método   presos aos bancos do catecismo metodológico, ou decidimos de enfrentar o trabalho de campo como indispensável para averiguar e formular hipóteses cientificas (Bourdieu, 2002, p. 10). Devemos portanto recorrer a todas as ferramentas conceituais ou técnicas que nos permitem à verificação experimental das ideias que nos construímos acerca da cultura. A verdadeira antropologia deve sempre antes ou depois elaborar os dados que a etnografia lhe fornece, só assim poderá reformular a realidade cultural traduzindo-a num testo.

 

O antropólogo não acredita se não experimenta por primeiro, “a metodologia que se refere hipotéticamente aos exames críticos feitos por outros não cessa de ser antropologia de mesa”, quem não busca a verdade graças às técnicas e ao esforço, até mesmo arriscado no campo, para transmitir princípios que ele próprio confirmou serem validos não é acreditável.  Talvez seja necessário que os antropólogos  abandonem a anarquia conceitual à qual são condenados alimentando a relação entre teoria e pratica graças à reflexão epistemologica da verdadeira antropologia. Na verdade, o esforço para interrogar as ciências sociais com a ajuda dos princípios gerais, justifica-se e impõe-se, em particular, no caso da antropologia. É necessario não ignorar o conhecimento adquirido, das ciências humanas onde os pesquisadores formam-se, para passar a uma metodologia de campo especializada na reinterpretação do saber obtido em base à experiência adquirida. Portanto, é necessário inculcar uma atitude de vigilância para evitar o erro e especializar-se nos mecanismos capazes elaborar os dados etnográficos obtidos com uma analise e interpretação objectiva. 

Por uma epistemologia antropológica

Segundo a epistemologia de Gaston Bachelard , há que distinguir urna metodologia abstrata da lògica da descoberta da verdade no esforço de submeter as verdades adquiridas no estudo retificando- permanentemente segundo a análise das condições sociais nas quais são produzidos os conhecimentos antropológicos: o antropólogo encontra um instrumento privilegiado na sociologia dos processos culturais. A antropologia que apela à sociologia dos processos culturais tem menos condições do que qualquer outra de cometer erros. O esforço é aquele de compreender completamente apenas no trabalho de campo o que as ciências sociais afirmam.

Como educar-se à pesquisa científica

 

O objetivo da metodologia na sua forma e conteúdo é estabelece os princípios da abordagem antropológica profissional e inculcar, a atitude correcta em relação à prática etnográfica, isto é, fornecer os instrumentos indispensáveis ao tratamento dos dados que a etnografia fornece em quanto objectos da disposição analítica e reflexiva para utilizá-los de forma adequada sem submeter-se a catecismos ideológicos que desviam o antropólogo da verdade. Em seguida após uma reflexão adequada, sistematizar os dados, e propor um texto que possa conter as qualidades exigidas pela antropologia.

 

Quais são as condições para aplicar os esquemas teóricos necessários à antropologia para construir o seu objecto sem ter pretensões de conhecimento antropológico objectivo para escapar de um lado ao empirismo, e doutro lado a teorizações excessivas. Em seguida, possuir ferramentas que sejam validas  para novas utilizações. O esforço que deve caracterizar o antropólogo é de não reduzir o saber antropológico a uma soma de técnicas o a um conjunto de conceitos, separados separados da pesquisa etnográfica.

Pergunta de partida

Quais são as razões que fundamentam os princípios teóricos da antropologia? Quais são os procedimentos técnicos elaborados pelos antropólogos ao longo da história da antropologia, que se enquadram na história das teorias antropológicas? Como fixar os conceitos consagrados pela tradição antropológica, num sistema de princípios que definem as condições e a possibilidade da pesquisa propriamente antropológica. A questão de adoptar o método de Tylor, Malinowski ou Lévi-Strauss - é sempre secundária em relação à questão de saber se a nossa pesquisa tem o carisma da ciência antropológica.

 

Trata-se de aplicar os princípios fundamentais das teorias antropológicas que, mesmo na separação entre autores pertencentes ao evolucionismo, comparativismo, particularismo, funcionalismo, relativismo, configuracionismo, difusionismo, materialismo cultural, estruturalismo, interpretativismo constroem uma teoria do sistema antropológico. A nós que estamos fora das circumstancias que levaram cada um com sua teoria antropológica particular a formular e interpretar a cultura, parece que haja o risco de confundir o sistema social  e a teoria do conhecimento antropológico que eles utilizavam mas a prática etnográfica, relativiza o projeto epistemologico que os animava de tal modo a aproximar autores cujas oposições doutrinais não impediram um consenso básico na abordagem propriamente antropológica à realidade que eles efectuaram.

Há portanto um conjunto de fórmulas que sem dissociar-se dos princípios antropológicos que as fundamentam reconciliam a diversificação e permitem, a nós pobres mortais, a interiorização dos princípios da teoria do conhecimento antropológico. O que devemos absolutamente evitar é ‹‹À tentação sempre renascente de transformar os preceitos do método em receitas de cozinha científica ou em engenhocas de laboratório›› (Bourdieu, 2002, p. 14) Devemos sempre perguntar-nos se a utilização das técnicas e métodos antropológicos responde à questão de partida e convalida ou invalida as hipóteses comprometendo sua validade. Evitar absolutamente a aplicação automática de procedimentos rotineiros que impedem de colher o significado da realidade cultural que a etnografia descreve. Não podemos trocar pirilampos por lanternas, mesmo tendo adquirido habilidades profissionais a prudência metodológica e a humildade em tomar sempre como referencia o ponto de vista do nativo, com receio de não possuir a chave interpretativa, com receio, de utilizar, instrumentos que apenas manipulam a realidade. ‹‹Os que levam a preocupação metodológica até a obsessão nos fazem pensar nesse doente, mencionado por Freud, que passava seu tempo a limpar os óculos sem nunca colocá-los›› (Bourdieu, 2002, p. 14).

Devemos seriamente chegar a compor um texto e transmitir metodicamente os resultados analisados e obtidos pelos dados etnográficos descer da percepção traiçoeira da realidade etnográfica como fosse já sabida e dar-nos conta daquilo que é completamente diferente e que pela sua alteridade confunde a lógica mecânica, das constatações formuladas e nos dar conta do funcionamento real desmontando a nossa percepção, pois existe uma grande diferença entre o que nós percebemos e o que o nativo intende.

 

Seja para descobrir como para inventar temos que reconciliar a infinidade de métodos e técnicas, se renunciassemos ao trabalho de pesquisa estaríamos  à mercê de de tantos metodólogos e tantas metodologias (MTPA, MPCISH, ICSH), a procura de milagres para descobrir científicamente os mistérios da antropologia. A descoberta antropológica não é fruto de automatismos nem cega aplicação de mecanismos programados na tal dita metodologia que confina a antropólogo a submeter-se cegamente a programas que impedem a fase reflexiva da antropologia. No entanto, se é inútil esperar descobrir a ciência antropológica fazendo-a depender da lógica formal justificada no Organum de Aristoteles serve validar a ciência antropológica na invenção etnográfica e nos seus dados fornecidos no campo.

Ciências humanas e ciências da natureza

 

Radcliffe-Brown considerava a antropologia social um ramo das ciências naturais. O método da antropologia social era indutivo e consistia antes de tudo em identificar os mecanismos que operavam nas sociedades e permitiam seu funcionamento; depois na comparação desses mecanismos; era finalmente possível a sua generalização em lei. Este método orientou o investigador para uma recolha exaustiva de dados e para a sua colocação sistemática num todo que, pelo destaque das suas relações, se tornou significativo. As funções atribuídas a cada elemento individual, que compunha o sistema social, permitiram a formulação de novas hipóteses de pesquisa e sua verificação. Mas temos que confirmar que a maior parte dos erros da actividade antropológica a nível da reflexão encontra sua raiz numa falsa representação das ciências da natureza e colocada em relação com as ciências do homem. A Antropologia nasceu no berço do positivismo de tal forma que não deveria ter dificuldades a imitar uma imagem da ciência natural com a filosofia das ciências exatas. Mas aplaudindo ingenuamente à racionalidade e supervalorizando positivisticamente a forma duma ciência escolar, se fez estrada uma imagem redutora da experiência como cópia do real (Fabietti, 2011, p, 119).

Demitizando o positivismo se afirmou uma caricatura do método das ciências exactas que não coincidia com o das ciências do homem. Contra o mecanismo das ciências exactas se afirmou o carácter subjectivo dos factos sociais sem reduzi-los com os métodos rigorosos da ciência. Os factos socio-culturais diferem “dos factos analisados pelas ciências exactas  porque são empastados de crenças ou opiniões individuais” e portanto devem ser definidos a partir do que a pessoa que age pensa e acredita seu respeito". A antropologia social inglês reivindicou pela antropologia um lugar que imitasse aquele das ciências da natureza mas essa transposição do saber das ciências da natureza para as ciências do homem, contribuiu a reafirmar os direitos da subjetividade contra a objectividade do facto social total.

Bibliografia

Comte, A. (2008). Corso di filosofia positiva. In Vol. 1. Mondadori.

Platone. (2007). Fedone. Armando.

Bourdieu, P., Chamboredon, J.-C., & Passeron, J.-C. (2002). A profissão de sociólogo. Preliminares epistemológicas. Vozes.

Bachelard, G. (2006). A Epistemologia. Edições 70.

Fabietti, U. (2011). Storia dell’Antropologia. Zanichelli.

 

7ª Lição - Não pretender de saber já

 

Sem se gabar de conhecer já

Nas ciências do homem devemos manter a separação entre a opinião comum e o discurso científico. A antropologia não pode ceder face à preocupação de reformar politicamente e moralmente a sociedade onde o antropólogo opera pois isto significa abandonar, á neutralidade Científica . A antropologia deve permanecer isenta de contaminações ideológicas doutro lado a familiaridade com o universo cultural constitui, para o antropólogo, o obstáculo maior e o risco de cair em concepções ou sistematizações fictícias que põem em risco a sua credibilidade. O antropólogo luta contra os pré-conhecimentos e as formas de abordagem espontânea e se mantém incessantemente crítico face as evidências que ofuscam e dão a ilusão do saber imediato. Há preconceitos e há ciência, cuja separação  exprime uma oposição nítida entre a análise científica e a vida quotidiana onde abundam as noções comuns.

 

 Durkheim   define o objecto como construção teórica “provisória" destinada, antes de tudo, a “substituir as noções do senso comum por uma primeira noção científica"

 

Primeira fase: observar

 

O antropólogo estabelece uma relação social com o objeto de estudo através da observação que permite aos dados de se apresentarem como configurações vivas, singulares e, onde se impõem as estruturas do objecto. A análise estatística, mesmo sendo de natureza quantitativa, verifica a construção de novas relações, que servem a justificar as características dos factos sociais.

 

A participação aos factos culturais fornece uma simples leitura da realidade que pressupõe sempre o destaque do observador com os mesmos e com as configurações que se propõe durante a percepção. A observação deve quebrar as relações mais aparentes, e coloca em evidência um novo sistema de relações entre os elementos que constituem a complexidade da cultura.

Segunda fase: não iludir-se

 

Não existe uma antropologia espontânea que inventa o conhecimento dos factos socioculturais. A antropologia só pode se constituir como ciência quando se separa doa resultados fictícios da abordagem superficial inspirada ao senso comum. A verdadeira antropologia recusar as pré-noções, por serem preconceitos que impedem o conhecimento científico dos factos culturais que são compreendidos e explicados “unicamente pelo esforço da fase reflexiva“, pois na abordagem científica que os antropólogos actuam não há ciência infusa como se tudo fosse familiar.

 

Como Durkheim ensina há três erros que o antropólogo deve evitar

1 o artificialismo,

2 o psicologismo

3 o moralismo

A analise dos resultados obtidos pela etnografia não depende da arbitrariedade individual como se existissem relações necessárias. Os antropólogos estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade” e das intenções subjectivas dos actores. Por isso não nos devemos iludir: “Julgamos ser fecunda a ideia de que a vida social deve ser explicada, não pela concepção que têm a seu respeito os que participam nela, mas por causas profundas que escapam à consciência” e que  somente a reflexão antropológica coloca em evidencia. A pergunta que se põe é a seguinte: é ilusória a pretensão dos antropólogos de estabelecer uma síntese após ter analisado os resultados fornecidos pela etnografia?

 

Quando iniciamos com um projecto científico não podemos perder tempo em defender a verdade vivida na experiência etnográfica. A acção que a etnografia propõe é aquela de uma experiência imediata sem privilégios gnosiológicos pois se trata de praxe humana inspirada na antropologia que, serve-se de conceitos como, por exemplo, o de “motivação" ou dedica-se às questões de partida, pretende de possuir a sua própria verdade, e foca nas ações mais pessoais e mais “transparentes" sem atribuí-las ao sujeito que as realiza, mas ao contexto das relações sociais. O funcionalismo que foca nas “satisfações” das necessidades individuais - impede, o contexto das funções sociais.

As relações sociais não podem ser reduzidas a relações entre indivíduos animadas por necessidades a satisfazer.

Terceira fase: aplicar

A aplicação do método científico a um problema envolve os seguintes passos:

- primeiro: o problema é definido;

- segundo: o problema é formulado em termos de um quadro técnico particular;

- terceiro: imagina-se uma ou mais hipóteses relativas ao problema, utilizando os princípios teóricos já aceitos;

- quarto: o procedimento a ser usado na coleta de dados para testar a hipótese é determinado;

- quinto: os dados são coletados;

- sexto: os dados são analisados para verificar se a hipótese é verificada ou rejeitada.

Por fim, as conclusões do estudo são vinculadas ao corpo teórico anterior, que é modificado para corresponder às novas descobertas

Bibliografia

Bourdieu, Pierre, Jean-Claude Chamboredon, and Jean-Claude Passeron. 2002. A Profissão de Sociólogo. Preliminares Epistemológicas. Petrópolis: Vozes.

Durkheim, Emile. 1909. “Sociologie et Sciences Sociales.” Pp. 260–67 in De la méthode dans les sciences. Paris: Félix Alcan.

 

8ª Lição dia 14 de Julho - Tradições orais e identidade angolana

 

Tradições orais e cultura angolana

Um dia a Nzeto me disseram que um velho de Kindeje tinha escrito quadernos com provérbios em Kikongo e que me esperava para poder conversar juntos. O conhecimento tradicional da língua Kikongo chegou primeiro a Mbanza Kongo como preservado em um código acessível a invasores dependentes da escrita. Enquanto isso, sob o o controle dos velhos, a tradição oral dos Bakongo continuou a registrar e transmitir essa história de maneiras habituais. A coexistência de formas escritas e orais paralelas atesta a sobrevivência do ponto de vista Kongo tanto para as comunidades zairenses ou maquelenses quanto para as indígenas. A interpretação, em um contexto tão recíproco e colaborativo, torna-se uma propriedade emergente do diálogo, sendo a reflexividade uma consequência inevitável, embora não necessariamente pretendida. Falando com meu próprio método tanto no trabalho de campo quanto no ensino acadêmico, fui catalogado pelos meus colegas como adepto do etnocentrismo crítico do antropólogo italiano De Martino. Eu nunca pensei possuir atributos identitários dessa forma. Precisamos de reflectir mais um pouco.

Combinando percepções derivadas da epistemologia do ponto de vista antropológico com a atenção cuidadosa ao posicionamento e autoridade dos velhos e actores conhecidos no campo, que aprendi a respeitar por meio do envolvimento com as culturas locais e nativas angolanas, eu aderi à afirmação de Hayden White de que a “história” vai além da dados primários de anais e crónicas apenas quando pelo menos duas interpretações potenciais podem ser pesadas uma contra a outra (White 1980). Qualquer interpretação, neste contexto, é parcial e contingente.

Etnohistória

Há problemas em abordar a questão se a história da tradição oral – é “história” de alguma forma, e ainda mais marginalizam-na como uma forma inequivocamente secundária. Mas apreendemos com Balandier quando trata do reino do Kongo que a tradição oral  é fonte verdadeiramente histórica. No entanto, se alguma coisa mudou nos relacionamentos entre a história e a Etnohistoria, certamente foi o surgimento de uma compulsão cada vez mais poderosa para representar o que Franz Boas chamou de “o ponto de vista nativo” – para transcender a pretensão do investigador de saber tudo e a ausência de fontes escritas convencionais e envés  o outro lado da pesquisa ou seja daquela que os estranhos contam a si mesmos.

Os céticos entre nós, e eles incluem tanto antropólogos quanto historiadores, afirmam que a evidência da tradição oral é útil apenas quando confirma e dá corpo a interpretações baseadas em registros de arquivo.

Nesse caso, vamos nos parabenizar por honrar os dois lados de nosso mandato social – o “etno” e o “histórico”.

Todos os Bakongo possuem um senso do passado, por mais estranho e excepcional que esse passado possa parecer de nossa própria perspectiva literalmente condicionada. A cultura angolana  requer não apenas a geração de documentos e uma concepção expandida do que constitui documentação, mas também um esforço determinado para tentar compreender a alteridade cultural no próprio trabalho de campo.

As tradições orais, em comum com todas as formas de empreendimento qualitativo, têm seus próprios padrões de confiabilidade e validade e não devem ser avaliadas em termos totalmente transpostos de modos estranhos e alienantes de imaginação histórica.

A confiabilidade é garantida pela repetição de tradições históricas orais, conservadas como fontes e transmitidas no contexto de uma comunidade interpretativa que celebra a sua memória histórica. Por exemplo, o ancião Hogotemneli que enfatiza a cosmologia dogon negociada com Marcel Griaule e Michel Leiris. A fusão de suas histórias em uma única narrativa constitui a história de uma comunidade em termos da experiência de seus membros mais estimados. Esta história situa revisitações contemporâneas de entendimentos de tratados em relação dinâmica às reivindicações de terra em andamento.

Histórias de vida

Modelos do conhecimento tradicional também organizam e localizam narrativas individuais dentro da narrativa maior que é a história de um povo, uma meta-história por assim dizer. O método das histórias de vida estabelece paralelos entre a experiência pessoal única dos informantes e a experiência codificada nas histórias documentadas para estabelecer uma cadeia de continuidade histórica e cosmológica que se estende a todos os membros de uma etnia. Um exemplo é dado pela mudança das práticas de reclusão da puberdade. Como as jovens de hoje têm uma experiência muito diferente, as anciãs aceitaram a responsabilidade de transmitir sua própria experiência do que consideravam ser a experiência compartilhada pelas mulheres de sua geração. Histórias tradicionais de noivas são justapostas para dar forma à experiência da jovem que se conforma a um casamento combinado no alombamento. Essas histórias são pessoais e únicas. Outro tipo do que chamo de narrativa genérica ocorre quando os falantes enfatizam suas próprias experiências difíceis e exortam os membros mais jovens da comunidade a seguir seu exemplo na superação dos obstáculos do vício e da discriminação. A historia é fidedigna quando a sua repetição, fruto de uma construção independente, viaja em caminhos paralelos, mas não idênticos, onde cada narrador escolhe  na sua partilha a sua versão que se destaca e enriquece a história coletiva. Cada história confirma as outras. Como as tradições orais, as histórias escritas da etnografia colonial têm seus próprios tropos e metanarrativas: terra nullius, domínio eminente, fardo do homem branco, e do nobre selvagem. Tais tropos são amplamente compartilhados e facilmente interpretáveis, mesmo que não sejam precisos. Eles são repetidos várias vezes por falantes diferentes e escritores, em diferentes contextos e em diferentes ocasiões.

Geolocalizações e identidade

Os Bakongo, onde agora se encontram em Mbanza Kongo, no Bairro Palanca e no Uije, passaram por uma mudança geocultural significativa no final dos séculos XVIII e XIX, que coincidiu com uma dramática convulsão social resultante da exploração europeia, das guerras de independência e do aumento das viagens e do comércio com os povos e culturas limítrofes. Os europeus trouxeram consigo várias concepções da cultura, da natureza e da dimensão espiritual como um recurso para o progresso humano. As populações bacongo foram sujeitas a investigação e medição empíricas. As histórias das tradições orais locais, por outro lado, descreviam as suas características identitárias como  respondentes ao comportamento humano. Em cada caso, porém, o mundo das crenças e ideias sobre as entidades espirituais que o povoavam foram incorporadas às interpretações das relações sociais. Concentrando-nos nessas visões contrastantes desenvolvidas durante séculos demonstramos como o conhecimento local é produzido, em vez de descoberto, por meio de encontros e diálogos que muitas vezes combinam processos sociais e comunicativos. Há que combinar visões divergentes que produzem debates sobre significados culturais, bem como discussões sobre os bens culturais, que compõem o novo local do Patrimônio Mundial da Humanidade. No alcance temporal da tradição oral transmitida diretamente, contam-se histórias de como as pessoas e os animais se moviam em relação uns aos outros e ao movimento das linhagens. Curiosamente, os povos bacongo e os primeiros exploradores identificam praticamente as mesmas características interactivas do Kikongo, embora cada um com histórias diferentes e culturalmente específicas sobre os porquês e os motivos de sua experiência. Criticamente, no entanto, as tradições populares não estão tão distantes quanto a das observações do cientista contemporâneo treinado para reconhecer apenas as características materiais “objetivas” das culturas. Cada narrativa fornece seu próprio modo de historicizar a co-presença de comunidades humanas que pertencem à alteridade cultural e estudiosos que pretendem estudar-las. As opiniões e pontos de vistas dos estudiosos divergem, por possuir diferentes metodologias de analise. Da perspectiva de vários observadores então contemporâneos, no entanto, a ciência antropológica tida como certa hoje corre o risco de tornar-se atípica face a intervéntos que ainda não foram sustentados por nenhum observador em um momento anterior.

Repetita juvant

A validade é assegurada na tradição oral porque o público presente em cada amostra sempre já tem uma história  e nunca se cansa de ouvi-la apesar de múltiplas narrativas em múltiplas ocasiões. Além disso, por mais surpreendente que seja para aqueles dentro do processo de escritura e leitura, a memória pode ser delineada e fixada, e aqueles que ainda vivem e labutam na tradição principalmente oral aprendem a lembrar-se com precisão e a celebrar nos diferentes momentos da vida sua memória histórica. Eles prevêem a possibilidade de que outros os interpelem sobre licenças interpretativas azaradas e descontextualizadas. Saber interpretar é possuir exegese, que destacando-se dos dados brutos que são os “factos sociais” fornecidos pela etnografia os teatraliza e transmite segundo refuncionalizações legítimas. Quem ouvir os velhos incumbidos por sua responsabilidade traçar paralelos através do inextricável continuum entre passado, presente e futuro da conta duma maestria que nós chamamos sabedoria em aplicar o princípio eternamente valido herdado do passado à realidade multiforme, liquida e com muitas facetas do presente. Essa profundidade adquirida entre o tempo da tradição oral herdada e transmitida por ancestrais estende o alcance direto e gradual que aplica e transforma os ensinamentos transmitidos em lições do cotidiano. Se os Bakongo falam é a partir de sua própria experiência – o que inclui o conhecimento transmitido e educação cultivada directamente por meio da tradição oral. Enquanto o fluxo de conhecimentos percorre a cadeia de transmissão sem interrupções, a experiência torna-se corporificada no aluno através de um ensinamento ou narração que, ao recebê-lo, assume também a responsabilidade de transmiti-lo. A persistência do Conhecimento Tradicional que esses ancestrais - conhecidos e desconhecidos - transmitiram atesta sua importância e validade contínua para a comunidade Kongo, como também pelo universo das outras etnias angolanas como um todo. A identidade, que não cessa de ser uma atribuição social coletiva, com seus vínculos de continuidade, persiste e sobrevive em mundos sempre mais globais, e é a chave para celebrar a memória histórica.

Oral ou escrita?

Uma cultura transmitida dessa maneira carrega consigo um um mundo povoado de presenças que a antropologia estuda com interesse. Além disso, o processo não é estranho à cultura ocidental: que nos diferentes campos atesta as limitações da palavra escrita e evidencia a necessidade de fundamentar princípios semióticos de crenças e tradições nos processos culturais que os tornam manifestos. Tal história cultural dos Bakongo é emergente e contingente; constitui uma poderosa construção tanto de identidades pessoais quanto de comunidades de pertença. É semelhante à intimidade evocativa do presente etnográfico do antropólogo que não cessa de ser uma exigência que o faz cair em erros de avaliação.

A desconfiança que leva à separação dos métodos da história dos estudos escritos e da “pré-história” da tradição oral não escrita atormenta a antropologia angolana. Corremos o risco  de cair nas falhas de uma imaginação histórica alternativa, mas somos incumbidos pelo dever de respeitar a transmissão oral do conhecimento tradicional e portanto de reconhecer a profundidade temporal das tradições orais angolanas. Com Franz Boas podemos relegar as tradições orais sobre o indescritível “ponto de vista nativo” considerado como “psicologia” mas fornecem reflexões baseadas em pontos de vista sobre a experiência comum ou genérica a uma comunidade, bem como particular a narradores individuais.  Em vez disso, nosso desafio é abordar fontes orais e escritas de raciocínio histórico sem denegrir as percepções legítimas de qualquer uma delas. Não apenas os factos diferem entre os relatos, mas também os modos de fazer história.

 O que Clifford Geertz chamou de “conhecimento local” (Geertz 1983 ) constitui o capital de giro do etno-historiador, como deveria ser o caso de cientistas sociais comparativos e humanistas. Os estudos de caso dos antropólogos transcendem suas particularidades descritivas para revelar padrões qualitativos em um plano comparativo.

A tradição oral narrativa directa não pode ser descartada como mero boato porque fornece evidências históricas baseadas na narrativa oral.

Antropologia da terra

Portanto, temos os arquivos e as coisas que as pessoas dizem. Vamos ver se conseguimos junta-los.

 Os autores argumentam que os arqueólogos tradicionais descartaram facilmente a analogia etnográfica e a história oral como fornecendo “uma forma de conhecimento tendencioso”. Antigamente Ovimbundu, kwanhama, nhaneca, tucokwe, bakongo, akeakimbundu eram delimitados geograficamente em áreas circunscritas. Hoje os limites das etnias angolanas mudaram consideravelmente e esses grupos que não habitavam o território simultaneamente, eram visitados por pesquisadores nos próprios locais com equipes de campo cujos membros detinham o conhecimento necessário e foram autorizados por suas comunidades a discutir suas tradições de interação com a terra que ocupavam.

O uso da antropologia da paisagem em tradições ligadas à história, à identidade moral e à continuidade cultural está sendo um leit-motiv, particularmente por meio da etnografia do Estermann ocidental contemporânea de Keith Basso. Por exemplo podemos considerar quatro inesquecíveis povos bakongo: muxikongo, bazombo, bassolongo, bapombo, cada um dos quais oferece uma visão diferente do significado dos lugares que ocupam na sua cultura. As concepções de sabedoria, costumes e moral dos Bacongo e da sua própria história estão inextricavelmente entrelaçadas com o lugar e, assim podemos ter consciência do que o lugar pode significar para as pessoas. Nossos sentidos de lugar, no entanto, vêm não apenas de nossas experiências individuais, mas também de nossas culturas. A sabedoria apoia-se em lugares e nomes de lugares que um antropólogo, explora, no que eles significam para um determinado grupo de pessoas no contexto das etnias angolanas. O território indica proveniência e significado para os Bakongo. Há que focar na natureza sagrada e indivisível das palavras e do lugar. E esta é uma equação universal, um equilíbrio no universo cultural angolano. O lugar pode ser o primeiro de todos os conceitos; pode ser a mais antiga de todas as palavras. A poesia mais elementar da experiência humana, é a nomeação do mundo. As “paisagens culturais” têm “uma componente intelectual, reproduzida por meio de práticas e crenças locais” basta pensar Mbanza Kongo para os Bakongo. Ou seja, a paisagem é interpretada por quem vive ao lado e dentro dela como nem exclusivamente material nem totalmente observável.

Memória histórica celebrada nos lugares

A memória intervém na construção das histórias. Além disso, a memória persiste e é transmitida muito depois do deslocamento físico de uma paisagem. “Continuamos a fazer parte de cada lugar que visitamos, . . . qualquer lugar onde respiramos ou deixamos nosso suor”. Contar as histórias permite que as pessoas contemporâneas “compartilhem o seu passado com os outros”. Tal história contada, é claro, comunica a “filiação cultural” que se antes era exclusiva agora é partilhada e ensina o respeito pelos “antigos”, sejam seus próprios ancestrais diretos ou não. Os sítios arqueológicos  angolanos foram amplamente reconhecidos como “forças vivas que moldaram o sentido de identidade dos angolanos”. São “peças de memória” (ou seja, dispositivo mnemônico) como “um marcador deixado pelos ancestrais para marcar sua passagem para as pessoas contemporâneas”. É importante porque é nosso. “Os velhos queriam fazer história” e deixaram as ruínas e campas como prova de sua passagem. “Não escrevemos nossa história. . . . Os artefactos são nossos documentos...”. Ou seja, o significado histórico primário das ruínas é cerimonial e espiritual. Os anciãos contemporâneos conhecem lugares que nunca visitaram e calibram avidamente suas tradições históricas e profecias com percepções da geografia e da arqueologia que agora estão acessíveis a eles.

Essas histórias transmitem verdade incondicional retratam espaço e tempo absolutos. As histórias ‘muitas vezes começaram com uma ocorrência real que foi então elaborada com motivos didáticos através de gerações de que continuaram a contar”.  A aldeia serviu como uma “área de preparação” heterogênea para movimentos sucessivos entre 1645 e 1790, quando vários grupos de clãs convergiram nas aldeias do Norte. Essas “vias de migração” que traçavam rotas de apropriação cultural devem ser entendidas como não lineares. Histórias particulares de linhagens não podem ser amalgamadas em uma única história cumulativa de migração do povo Kongo.

Bibliografia

White, Hayden. 1992. Meta-História. A Imaginação Histórica Do Século XIX. São Paulo: Editora da Universidade.

Balandier, Georges. 1965. La Vie Quotidienne Au Royaume de Kongo Du XVIe Au XVIIIe Siècle. Paris: Hachette.

Griaule, Marcel. 2002. Dio d’acqua. Incontri Con Ogotemmeli. Torino: Bollati Boringhieri.

Estermann, Carlos. 1960. Etnografia Do Sudoeste de Angola. Lisboa: Junta de investigação do Ultramar.

Geertz, Clifford. 1998. O Saber Local. Petrópolis: Vozes.

 

7ª Lição dia 7 de Dezembro - entrevistas etnográfica

 

Entrevista etnográfica

Tanto a entrevista etnográfica como a observação participante, quer sejam feitas separadamente ou em combinação, envolvem uma série de tarefas que são melhor realizadas em algum tipo de sequência.

O etnógrafo, por exemplo,

1) deve localizar um informante antes de fazer perguntas;

2) algumas perguntas são melhor feitas antes de outras;

3) as entrevistas devem preceder a análise dos dados das entrevistas.

À medida que comecei a trabalhar com esta ideia de tarefas sequenciadas, descobri que não era apenas valiosa para a minha própria investigação, mas tinha especial importância para estudantes e profissionais que tentavam aprender as competências para fazer etnografia .

 O que emergiu durante um período dos últimos doze anos foi um procedimento para aprender e também para fazer etnografia.  A Parte Dois, “A Sequência de Pesquisa do Desenvolvimento”, apresenta uma série de doze tarefas principais destinadas a guiar o investigador desde o ponto inicial de

1) “Localizar um Informante”

Embora quase qualquer pessoa possa se tornar um informante, nem todos são bons informantes. A relação etnógrafo-informante está repleta de dificuldades. Um dos grandes desafios em fazer etnografia é iniciar, desenvolver e manter uma relação produtiva com informantes. O planejamento cuidadoso e a sensibilidade para com seu informante o levarão através da maior parte dos mares agitados das entrevistas. No entanto, entrevistas bem-sucedidas dependem de tantas coisas que é impossível planejar ou controlar todas elas. Por um lado, as entrevistas são influenciadas pela identidade de ambas as partes. Uma jovem etnógrafa decidiu entrevistar um homem idoso que parecia disposto a conversar; ele provou ser um informante pobre porque fez investidas sexuais durante a maioria das entrevistas. Se um estudante do sexo masculino tivesse sido o etnógrafo, o relacionamento poderia facilmente ter se tornado produtivo.

 

Às vezes, aspectos desconhecidos da cultura do informante influenciam o relacionamento. Em algumas culturas, as regras tácitas funcionam como uma espécie de tabu ao fazer perguntas. A interação das personalidades do informante e do etnógrafo também exerce profunda influência nas entrevistas.

 

Entrevistar informantes depende de um conjunto de habilidades interpessoais. Estas incluem: fazer perguntas, ouvir em vez de falar, assumir um papel passivo em vez de assertivo, expressar interesse verbal pela outra pessoa e demonstrar interesse através do contacto visual e outros meios não-verbais. Algumas pessoas adquiriram estas competências em maior grau do que outras; alguns aprendem mais rapidamente do que outros.

Durante os últimos dez anos, ouvi centenas de estudantes discutirem suas relações com informantes. Muitas das suas dificuldades resultaram de diferenças de identidade, barreiras culturais, personalidades incompatíveis e falta de habilidade interpessoal. Mas os problemas mais persistentes vieram da incapacidade de localizar um bom informante. Por “bom” informante quero dizer alguém que pode ajudar o etnógrafo novato a aprender sobre a cultura desse informante e, ao mesmo tempo, aprender as habilidades de entrevista. Há cinco requisitos mínimos para selecionar um bom informante:

(1) enculturação completa,

(2) envolvimento atual,

(3) um bom informante. cena cultural desconhecida,

(4) tempo adequado e

(5) não analítico.

 

A.Faça uma lista de potenciais informantes (ou cenas culturais). (Um etnógrafo iniciante em busca de uma cena para estudar deve listar de 40 a 50 possibilidades.)

 

B. Identifique cinco ou seis dos informantes (ou cenas culturais) mais prováveis.

 

C. Compare esta lista de informantes potenciais nos cinco requisitos mínimos para um bom informante. Coloque as seleções em ordem de classificação.

No terreno, um etnógrafo qualificado utiliza muitos informantes diferentes e alguns não satisfazem estes cinco requisitos. Mas, para aprender a conduzir entrevistas com informadores, é essencial que os primeiros informantes seleccionados cumpram todos estes cinco requisitos.

A enculturação é o processo natural de aprendizagem de uma cultura específica. Os informantes potenciais variam na extensão da sua aculturação: os bons conhecem bem a sua cultura.

Uma das grandes vantagens (muitas vezes não reconhecidas) de fazer etnografia em sociedades pequenas e tradicionais é que os informantes eram quase sempre completamente enculturados.  Quando os etnógrafos se propõem a estudar uma cena cultural, não podem presumir que aqueles com quem conversam realmente conhecem a cultura suficientemente bem para agirem como informadores.

Bons informantes conhecem tão bem a sua cultura que já não pensam nela. Eles fazem coisas automaticamente após anos e anos de prática.

Algumas cenas culturais são aprendidas através de instrução formal, bem como de experiência informal no trabalho.

1. Identificar os elementos básicos da entrevista etnográfica.

2. Formular e utilizar diversos tipos de explicações etnográficas.

3. Para conduzir uma entrevista prática.

Uma entrevista etnográfica é um tipo particular de evento de fala.

1 Cada cultura tem muitas ocasiões sociais identificadas principalmente pelo tipo de conversa que ocorre; Refiro-me a eles como eventos de fala. Em nossa sociedade, a maioria de nós reconhece rapidamente quando alguém nos faz um discurso de vendas de um carro usado ou de um conjunto de enciclopédias. Podemos facilmente perceber a diferença entre uma palestra, uma entrevista de emprego ou uma conversa amigável. Muitas das pistas para distinguir entre estes eventos de fala permanecem fora da nossa consciência, mas mesmo assim as utilizamos. Todos os eventos de fala têm regras culturais para começar, terminar, revezar, fazer perguntas, fazer pausas e até mesmo quão próximo devemos ficar de outras pessoas. Para esclarecer a entrevista etnográfica, quero compará-la com um evento de discurso mais familiar, a conversa amigável.

1. Saudações.

“Oi” e “Que bom ver você”, assim como as perguntas, servem como marcadores verbais para iniciar a conversa. O contato físico expressa sua amizade. Quando essas pessoas se encontram, quase nunca começam a conversar sem alguma forma de saudação, geralmente verbal e não-verbal. Algum contato físico frequentemente enfatiza a proximidade do relacionamento.

2. Falta de propósito explícito.

As pessoas envolvidas em conversas amigáveis ​​não têm uma agenda a cobrir, pelo menos não uma agenda explícita. Quase nunca dizem: “Vamos conversar sobre as férias que cada um de nós passou neste verão” ou “Eu quero fazer algumas perguntas sobre o seu trabalho.” Eles não se importam para onde vão na conversa, desde que cheguem a algum lugar. Qualquer pessoa pode abordar uma ampla variedade de tópicos; qualquer pessoa pode sinalizar que deseja mudar de assunto; qualquer pessoa pode encerrar a conversa. Ambas as partes conhecem as regras que contribuem para este tipo de falta de propósito e flexibilidade.

3. Evitar repetições.

 Uma das regras mais claras em conversas amigáveis ​​é evitar repetições. Os amigos costumam dizer coisas como “Eu te contei sobre Al Sanders?” ou “Já te contei sobre o nosso verão?” Isso permite que a outra pessoa nos salve do constrangimento de nos repetirmos sem saber. Ambos os amigos presumem que, uma vez perguntado ou afirmado algo, a repetição se torna desnecessária. A repetição na mesma conversa é especialmente evitada. Não dizemos: “Você poderia esclarecer o que disse repassando tudo de novo?” Esta suposição, de que é bom evitar repetições, não faz parte da entrevista com o informante.

4. Fazendo perguntas.

Tanto Bob quanto Fred fizeram perguntas sobre a outra pessoa. 'Como está a família?' 'Você teve um bom verão?' Estas perguntas permitem que cada um fale sobre assuntos pessoais; eles também tornam apropriado que a outra pessoa faça perguntas semelhantes em troca. Nenhuma das perguntas exigiu uma resposta longa, embora algumas tenham suscitado descrições de suas experiências.

5. Expressar interesse.

As próprias perguntas indicavam interesse pela outra pessoa. Mas ambos foram além para fazer declarações como “Parece ótimo” e “Sério!” Sem dúvida, as conversas amigáveis ​​são quase sempre repletas de expressões de interesse não-verbal. Sorrisos frequentes, ouvir com contato visual e várias posturas corporais dizem: “Acho muito interessante o que você está falando, continue falando”.

6. Expressar ignorância.

Pessoas que repetem coisas que já sabemos são consideradas chatas. Uma forma de proteger os amigos de nos aborrecer ou de se repetirem é enviar mensagens que digam: “Continue, não estou entediado, você não está me contando algo que eu já sei”. Essas mensagens funcionam da mesma forma que fazer perguntas e manifestar interesse. “Nunca estivemos naquela parte do país” é uma expressão de ignorância e um meio importante para encorajar a outra pessoa a continuar a falar.

7. Revezando-se.

Uma regra cultural implícita para conversas amigáveis, a troca de turnos ajuda a manter o encontro equilibrado. Todos nós já experimentamos violações desta regra e sabemos como isso leva a uma sensação de desconforto ou até mesmo de raiva. Em outros eventos de discurso, como uma apresentação de vendas ou uma entrevista, as pessoas não se revezam da mesma forma. A troca de turnos em conversas amigáveis permite que as pessoas façam o mesmo tipo de perguntas umas às outras, como “O que você fez neste verão?”

8. Abreviar.

As conversas amigáveis são repletas de referências que sugerem coisas ou fornecem apenas informações parciais. É como se ambas as partes procurassem uma economia de palavras; eles evitam preencher todos os detalhes supondo que a outra pessoa os preencherá. Essa suposição leva a conversa abreviada que é extremamente difícil para quem está de fora entender. A principal característica desse tipo de conversa, então, é deixar de fora detalhes que você acha que a outra pessoa saberá sem maiores explicações.

9. Pausa.

Outro elemento são os breves períodos de silêncio quando nenhuma das pessoas sente necessidade de falar. A duração do silêncio depende de muitos fatores pessoais. As pausas podem funcionar para indicar que as partes desejam interromper a conversa; podem estar pensando para responder a uma pergunta; eles podem querer mudar o assunto da conversa.

10. Deixar-se levar.

Conversas amigáveis nunca param sem algum ritual verbal que diga “Fim”. As partes devem prestar contas do que pretendem fazer – parar de falar. Eles devem fornecer alguma razão socialmente aceitável para o término. Tais rituais nunca são diretos, exceto com amigos muito próximos. Por exemplo, normalmente não dizemos: “Não quero mais conversar”. A licença geralmente ocorre pouco antes do ato

Entrevista etnográfica como conversa amigável

A entrevista etnográfica é um evento discursivo, é conversa amigável. Na verdade, etnógrafos qualificados muitas vezes reúnem a maior parte dos seus dados através da observação participante e de muitas conversas casuais e amigáveis. Eles podem entrevistar pessoas sem que elas percebam, apenas mantendo uma conversa amigável enquanto introduzem algumas questões etnográficas.

É melhor pensar nas entrevistas etnográficas como uma série de conversas amigáveis nas quais o pesquisador introduz lentamente novos elementos para ajudar os informantes a responderem como informantes. O uso exclusivo destes novos elementos etnográficos, ou a sua introdução demasiado rápida, fará com que as entrevistas se tornem como um interrogatório formal.

Os três elementos etnográficos mais importantes são o seu propósito explícito, as explicações etnográficas e as questões etnográficas.

1. Propósito explícito.

Quando um etnógrafo e um informante se reúnem para uma entrevista, ambos percebem que a conversa deve levar a algum lugar. O informante tem apenas uma ideia vaga sobre esse propósito; o etnógrafo deve deixar isso claro. Cada vez que se encontram é necessário lembrar ao informante onde será realizada a entrevista. Como as entrevistas etnográficas envolvem propósito e direção, elas tenderão a ser mais formais do que conversas amigáveis. Sem ser autoritário, o etnógrafo assume gradativamente mais controle do discurso, direcionando-o para os canais que levam à descoberta do conhecimento cultural do informante.

2. Explicações etnográficas.

Desde o primeiro encontro até a última entrevista, o etnógrafo deve oferecer repetidamente explicações ao informante. Ao mesmo tempo que aprende a cultura de um informante, o informante também aprende algo – tornar-se professor. As explicações facilitam esse processo. Existem cinco tipos de explicações usadas repetidamente.

a. Explicações do projeto.

Estas incluem as declarações mais gerais sobre o que é o projeto. O etnógrafo deve traduzir o objetivo de fazer etnografia e extrair o conhecimento cultural de um informante em termos que o informante compreenda. “Estou interessado em sua ocupação.

b. Gravando explicações.

Isso inclui todas as declarações sobre como anotar as coisas e as razões para gravar as entrevistas. “Gostaria de escrever um pouco disso” ou “Gostaria de gravar nossa entrevista em fita para poder repassar mais tarde; Isso seria bom?'

c. Explicações em língua nativa.

Dado que o objectivo da etnografia é descrever uma cultura nos seus próprios termos, o etnógrafo procura encorajar os informantes a falar da mesma forma que falariam com outros na sua cena cultural. Estas explicações lembram aos informantes que não devem usar a sua competência tradutória. Eles assumem diversas formas e devem ser repetidos frequentemente ao longo de todo o projeto. Uma explicação típica em idioma nativo poderia ser: “Se você estivesse conversando com um cliente, o que diria?”

d. Explicações da entrevista.

 Lentamente, ao longo das semanas de entrevistas, a maioria dos informantes torna-se especialista em fornecer informações culturais ao etnógrafo. Pode-se então afastar-se cada vez mais do modelo de conversação amigável até que finalmente seja possível pedir aos informantes que realizem tarefas como desenhar um mapa ou classificar termos escritos em cartões.

e. Explicações das perguntas.

A principal ferramenta do etnógrafo para descobrir o conhecimento cultural de outra pessoa é a questão etnográfica. Como existem muitos tipos diferentes, é importante explicá-los à medida que são usados. “Quero fazer-lhe um tipo diferente de pergunta” pode ser suficiente em alguns casos. Outras vezes é necessário fornecer uma explicação mais detalhada do que está acontecendo.

3. Questões etnográficas.

Serão apresentados por etapas; não é necessário aprender todas eles de uma vez. o. Por enquanto, quero apenas identificar os três tipos principais e explicar a sua função.

a. Perguntas descritivas.

Este tipo permite que uma pessoa colete uma amostra contínua da linguagem de um informante. As perguntas descritivas são as mais fáceis de fazer e são usadas em todas as entrevistas.

b. Questões estruturais.

Estas questões permitem ao etnógrafo descobrir informações sobre domínios, as unidades básicas do conhecimento cultural de um informante. Eles nos permitem descobrir como os informantes organizaram seu conhecimento. Exemplos de questões estruturais são: “Quais são os diferentes tipos de peixe que você pesca nas férias?'

 As questões estruturais são frequentemente repetidas, de modo que se um informante identificasse seis tipos de atividades, o etnógrafo poderia perguntar: “Você consegue pensar em algum outro tipo de atividade que você faria como esteticista?”

c. Perguntas de contraste.

O etnógrafo quer descobrir o que um informante quer dizer com os vários termos usados na sua língua nativa. Mais tarde discutirei como o significado emerge dos contrastes implícitos em qualquer linguagem. As questões de contraste permitem ao etnógrafo descobrir as dimensões de significado que os informantes empregam para distinguir os objectos e acontecimentos no seu mundo. Uma pergunta típica de contraste seria: “Qual é a diferença entre um robalo e um lúcio do norte?

Biblografia

Spradley, James P. 1979. The ethnographic interview. Forth Worth: Harcourt Brace Jovanovich College.

Angrosino, Michael. 2009. Etnografia e observação participante. Rio de Janeiro: Artmed.