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AA. 2021/22



Capítulo 1

Período Greco-romano antigo

Heráclito
Eraclito é um dos primeiros a tratar deste assunto (Colli, 1993, pp. 90–93). Por Ele cada conteúdo mental e cada visão se exprime num λ?γος que indica seja o discurso que exprime o pensamento como também o pensamento que se manifesta no discurso. O sinal linguistico, ou seja o λ?γος e o ?νομα (nome) não é algo de puramente funcional que pode ser substituído por uma outra coisa semelhante. Mas é expressão e sinal da realidade-verdade da coisa à qual faltaria algo de essencial se ela não pudesse exprimir-se num λ?γος e num ?νομα. Tudo aquilo que não se pode exprimir não é nem real nem conceptual, portanto, aquilo que não é real não é nem pensavel nem muito menos exprimível. A forma (ε?δος) de uma coisa é a mesma forma que assume a nossa visão daquela coisa(Giannantoni, 1975, p. 36).
Depois de denunciar a pretensão de encontrar as causas dos fenómenos, Enesidemo passa ao problema da inferência ou, para falar em linguagem antiga, ao problema dos ’signos’, ao qual dedicou análise especifica, talvez a primeira que tenha sido feita no âmbito do pensamento antigo. O núcleo essencial de seu pensamento é o seguinte: no momento em que pretendemos interpretar um fenómeno como um ‘signo’, colocamo-nos sobre um plano metafenoménico, enquanto entendemos o signo como o efeito (que se manifesta) de uma causa (que não se manifesta), ou seja, pressupomos simplesmente (indevidamente) a existência do nexo ontológico entre o signo e o fenómeno que ele significa daí a sua validade universal (Reale & Antiseri, 2007, p. 341).
No entanto, se olharmos para suas origens e, ainda mais simplesmente, para o termo 'signo' - fundamental para a semiótica -, entenderemos facilmente como sua história é mais antiga e complexa.

Platão (427-347)

Os aspectos que Platão tratou são os seguintes;

definiu signo verbal,
Define a significação
contribuiu a por as bases da teoria da escritura(Platone, 1997).
Platão usa o termo semeion no Timeu para expressar a maneira pela qual os sinais de adivinhação 'indicam o futuro ou o mal'(Platone, 2009). Portanto, referindo-se a um significado óbvio e que comunica suas verdades aos homens (Bettetini et al., 2005, p. 1). O modelo platónico do signo tem uma estrutura triádica, na qual é possível distinguir os três componentes do signo:

o nome onoma, nomos
A noção ou ideia (eidos, logos, dianóema)
a coisa (pragma, ousia) à qual o signo se refere
As Ideias, para Platão, são entidades objectivas que existem seja na nossa mente, como também possuem realidade na esfera metafísica além do individuo.
Uma das questões levantadas é se a relação entre o nome, a ideia e a coisa é natural ou é a sociedade que com as suas convenções sociais estabelece o significado, que acaba por ser desenraizado do objecto tornando-se arbitrário (a estatua do pensador). As respostas platónicas são:
1) signos verbais, naturais, assim como convencionais são só representações incompletas da verdadeira natureza das coisas;
2) as ideias são representadas por palavras que por vezes não manifestam a verdadeira natureza das coisas sendo simplesmente representações independentes:
3) Os signos permitem à mente de conceber cognições que são conceitos abstractos e inferiores às abordagens empíricas directas da realidade (Noth, 1994, p. 28).
As palavras transmitem e exprimem a verdade permitindo um conhecimento abstracto que è sempre inferior ao conhecimento directo das coisas
Na Grécia os signos foram descritos como omina, ou presságios a serem interpretados por oráculos.
O signo em si contem um significado, ou seja, uma percepção duma coisa escondida que quando for desvendada permite a cognição. Por Platão o verbo "significar" (semainein) é sinónimo de revelar, manifestar (Noth, 1994, pp. 28–29).


Aristóteles (384-322)

O pensamento aristotélico marca uma virada decisiva na história da semiótica. Aristóteles conscientemente usa a palavra 'signo' pela primeira vez no sentido moderno isto é, 'referência a outra coisa' e, de facto, fornece o primeiro arranjo orgânico da concepção da linguagem como um repertório de elementos que se relacionam com os elementos constitutivos de uma realidade única e universal.
Os termos sumbolon, semeion e tekmerion aparecem mesmo antes de Aristóteles, nas práticas de adivinhação, no entanto
Aristóteles distingue entre
1) signo incerto (semeion)
2) o signo certo (tekmerion)
e enquadra a teoria dos signos no Organum como matéria da lógica e da retórica (Aristotele, 1996) Em geral, definiu o signo como uma inferência silogística: se (a) implica (b), portanto (c) torna-se signo de (b). Na Primeira Analítica explica tal definição:
«As coisas que ocorrem na voz são símbolos dos afetos da alma, e os escritos são símbolos das coisas que estão na voz; E como os sinais gráficos não são os mesmos para todos, nem mesmo as formas fônicas individuais são as mesmas; alguns destes últimos são, no entanto, basicamente sinais, o mesmo para todos são os afetos da alma, e as coisas das quais esses afetos são imagens semelhantes, eles também são iguais para todos» (Aristotele, 1970).
Além disso, Aristóteles descreveu o signo como uma premissa que conduz a uma conclusão:
«O signo [...] quer ser uma proposição bem certa ou necessária ou também corresponde a uma Opinião». Chamou o signo linguístico de "símbolo" sumbolon e o definiu como um signo convencional das "afecções (paqhmata) da alma". Descreveu essas afecções como "retratos" das coisas (pragmata). 0 modelo do signo aristotélico é, portanto, triádico (Noth, 1994, p. 28).

Estoicos (ca. 300 a.C. - 200 d.C.)

Estudaram os signos não linguísticos e fundaram as bases da semiótica. Ligaram o significado ao significante e ao objecto «o significado é a mesma coisa que é revelada e que aprendemos como algo que subsiste dependendo do nosso pensamento» (Empirico, 1972).
Um modelo triádico do signo é também a base da teoria do signo dos estoicos. Para eles, o signo consiste em três componentes básicos, a saber:

semainon, que é o significante, a entidade percebida como signo
semainomenon ou lekton que corresponde à significação; e
tugkanon, o evento o objecto ao qual o signo se refere

Enquanto significante e objecto são entidades materiais o significado é uma entidade ideal, não corporal
A teoria estoica do signo está igualmente ligada à lógica.
Os estoicos interpretavam a cognição de um signo como um processo silogístico de indução. O signo estoico segundo Sextus Empiricus (Empirico, 1972, vols. II, 245) é a proposição antecedente numa válida premissa maior que serve para revelar o consequente.
Além disso, os signos são classificados em comemorativos, quando se referem a observações associadas anteriormente ao signo, e indicativos, quando indicam factos não evidentes, Fundamentados na filosofia estoica, os escolásticos distinguiram três ciências: a philosophia naturalis, a philosophia moralis e, em terceiro lugar, a scientia de signis. Esta última foi também chamada scientia rationalis e equivalia à lógica (Noth, 1994, pp. 29–30).

Epicuristas (ca. 300)

Contra os estoicos, os epicuristas pretendiam desenvolver um modelo diádico do signo, onde só entram em composição o significante (semainon) e o objeto referido (tugcanon). 0 significado imaterial do signo (lekton) não é reconhecido como componente semiótico do signo.
Na base o modelo epicurista coloca uma epistemologia materialista, na qual o objeto físico é considerado como a origem das imagens (eidola) que emanam da sua superfície, na forma de verdadeiros átomos. Na cognição do receptor, esses átomos icônicos reaparecem como uma nova imagem chamada fantasia. A imagem emitida do objeto e a imagem captada pelo observador descrevem, portanto, os dois componentes do signo.
Por outro lado, os estoicos consideravam que a cognição não é só um processo inteiramente mecânico; o reconhecimento de um signo, para eles, presumia a capacidade de antecipação (prolepsis) por parte do receptor. Uma tal antecipação, porém, só é possível se na mente do receptor onde já existem previamente imagens mentais ou conceitos capazes de antecipar a imagem.
Considerando esse aspecto do processo semiótico, o modelo estoico do signo contém, em verdade, uma terceira dimensão semelhante aos modelos triádicos do signo. Essa ideia de uma imagem mental antecipando uma cognição actual, aliás, está bem de acordo com as teorias modernas da ciência cognitiva, ao passo que a base materialista da teoria epicurista parece hoje uma mera curiosidade da história da epistemologia.
Os epicuristas também atacaram um outro aspecto da semiótica estoica: a teoria da natureza inferencial do processo semiótico. Semiosis, para os epicuristas, não pressupõe combinações lógicas, porque mesmo um cão que segue a pista de um outro animal está apenas interpretando signos, sem conhecer as regras de indução. Tais reflexões zoossemióticas, em conjunto com especulações sobre a origem gesticular da língua, constituem a parte mais interessante da contribuição dos epicuristas à história da semiótica. O epicurista romano Lucrécio, por exemplo, no seu poema De Rerum Natura, foi um dos primeiros a dar uma explicação evolutiva dos sistemas semióticos humanos: ele afirma que a origem (Lucrezio, 2013) da língua humana, dos gestos infantis e do comportamento animal não se fundamenta em convenções intelectuais, mas tem suas bases na natureza e na utilidade (utilitas) (Noth 1994:30-31).

Aurélio Agostinho (354-430)

A história da semiótica antiga atinge seu apogeu com a obra de Aurélio Agostinho. E. Coseriu o considerava «o maior semioticista da Antiguidade e o verdadeiro fundador da semiótica». Os tratados nos quais Agostinho desenvolveu suas ideias semióticas são: De Magistro (389), (Gilioli, 2014), De Doctrina Christiana (397) (Augustine, 1885) e Principia Dialecticae (ca. 384), (Augustinus, 1841).
Agostinho concordou com a teoria epicurista que definiu o signo como um fato perceptivo que representa alguma coisa atualmente não perceptível. Na sua definição do signo, porém, ele seguiu mais os estoicos e acentuou o papel da interferência mental no processo de semiose: Agostinho continuou, também, a distinguir os signos naturais dos signos convencionais. Para ele, os signos naturais são aqueles produzidos sem a intenção de uso como signo, mas nem por isso conduzem à cognição de outra coisa. A fumaça como índice de fogo é um dos exemplos daquilo que entendia por signo natural. Os signos convencionais, por outro lado, são aqueles que «todos os seres vivos trocam mutuamente para demonstrar sentimentos da mente» (ibid. II, 1,3).
Outra ideia interessante na semiótica agostiniana é a distinção entre signos e coisas. Em Doutrina cristã 1,2,2 Agostinho deu respostas à seguinte questão: «O que é uma coisa e o que é um signo?: Uso da palavra “coisa” num sentido estrito para referir-me ao que nunca foi usado como signo de outra coisa, como madeira, pedra, gado ou outras tantas coisas desse género». Mas Agostinho também sabia que signos não são uma classe de objetos ontologicamente diferente das coisas, e continua:
«Todo signo é, ao mesmo tempo, alguma coisa, visto que se não fosse alguma coisa não existiria. Porém, não são todas as coisas signos ao mesmo tempo». Apesar dessa separação fenomenológica entre coisas que são signos e coisas que não são signos, Agostinho via as duas esferas do mundo ligadas pelo processo de semiose. Por isso, concluiu que «as coisas são conhecidas por meio dos signos» (1,2,2).
Uma dimensão inovadora na semiótica de Agostinho foi o facto de ter estendido os estudos semióticos dos signos verbais aos signos não-verbais.
A dimensão teológica da semiótica agostiniana merece ser mencionada. Na interpretação de Agostinho, todas as coisas percebidas como signo são, ultimamente, signos naturais que revelam a vontade de Deus na criação terrestre. Tais ideias continuaram a ser desenvolvidas na semiótica exegética medieval, no quadro da teoria dos sentidos múltiplos do mundo e dos textos(Noth, 1994, p. 33).

Lição do dia 6 de Janeiro 2021


Idade Média e Renascimento
Idade Média e Renascimento

9.1 Anselmo (1033-1109)

Desde o início da filosofia medieval, a doutrina dos sinais diz respeito, como para Santo Agostinho, à interpretação das Escrituras, ou mesmo de todo o mundo real, entendido como um conjunto de sinais através dos quais Deus se manifesta, Que nos direciona para a verdade. Estamos no alvorecer da lógica cristã, com Alcuin, o Pseudo-Dionísio o Areopagita, Scotus Eriugena, Beda o Venerável. No início do século 11, a verdadeira lógica e semântica medievais começaram. Sant’Anselmo d'Aosta elabora uma doutrina da verdade destinada a demonstrar a existência de Deus. Ele está convencido, de fato, que a fé pode ser confirmada pela razão, ainda que a sua origem seja anterior à própria razão. Em suas obras (Monologion, Proslogion, De ventate) as provas da existência de Deus são assim articuladas, o que constitui um momento de considerável interesse semiótico. Em Proslogion, Anselmo sustenta a diferença entre linguagem e realidade com um exemplo de fé: se pela linguagem se pode dizer que Deus não existe, não se pode pensar nele de acordo com a realidade. Esta é a chamada 'prova ontológica', importante porque distingue entre uma verdade referencial e uma verdade proposicional. Este último é limitado a uma pura 'afirmação de existência', que tem valor independentemente da essência das coisas. No diálogo De veritate, a dicotomia entre signo e referente é mais desenvolvida, em bases aristotélicas, distinguindo entre a verdade da significação e a verdade da proposição. As coisas determinam a verdade da proposição, mas não constituem sua verdade. Isso, na verdade, é Dado por sua própria lei lógica interna, enquanto a verdade da significação nunca é certa, porque depende da realidade ontológica, com a qual não pode ser consistente. A verdade da significação, que pode ser dita em termos 'semânticos' modernos, aplica-se apenas ao discurso humano, que reflete as coisas mais ou menos, enquanto o verbum divino é consubstancial com a Natureza, e é Um e indivisível. A existência de Deus consiste na discussão sobre a linguagem divina, que Anseimus considera verdadeira e própria respectivamente à natureza, algo igual ao logos platônico ou ao verbum agostiniano. A diferença entre a linguagem divina e a linguagem humana reside no fato de que a primeira é consubstancial à natureza, é a imagem exacta dela e, por isso, é perfeita; O segundo, ao contrário, permite apenas 'pensar sobre as coisas' e, portanto, é necessariamente imperfeito, o que é suficiente para a verdade da significação da qual começamos a falar. Na verdade, a mesma razão de verdade que descobrimos em um signo vocal é aplicável a todos os outros signos que são feitos para afirmar ou negar algo, como escritos, linguagem ou gestos [...]. Todas as palavras com as quais dizemos as coisas mentalmente, isto é, das quais usamos para pensá-las, são semelhanças ou imagens das coisas das quais são palavras; Agora, toda semelhança ou imagem é mais ou menos verdadeira de acordo com sua maior ou menor fidelidade às coisas que representa

9.2. Abelardo (1079-1142)

Também no século XI o debate entre nominalistas e realistas se desenvolveu, mais uma vez de grande interesse também para uma história das ideias semióticas. A primeira controvérsia surge entre Rosella e William de Champeaux a respeito da natureza dos universais, que para o primeiro existem apenas como flatus vocis, como nomes, para o segundo eles são inerentes às mesmas coisas. O nominalismo afirma que não há pregação fora da linguagem, portanto, nenhum pensamento, ou linguagem adicional, fora dela. Um mediador entre essas duas teses (tanto que é definido por alguns como um 'conceitualista') é Pietro Abelardo, um dos principais fundadores da lógica medieval, que deixou numerosas obras a esse respeito, desde Editio super Porphyrium, a Diabetica, a Logica ingredientibus, a Logica nostrorum petitionisociorum, na Editio super Aristotelem de interpretação. A mediação consiste no facto de Abelardo admitir uma significação que parte da realidade, uma vez que o locutor isola aspectos do fenômeno individual que percebe. Mas, a partir desses aspectos, produz uma abstração generalizante: uma ficção (figmentum) que é um conceito confuso, que então se torna por convenção um nome. Nesse sentido, como vimos em Anselmo, Abelardo parte da ideia de uma ambiguidade entre signos e proposição e concede à proposição um valor de verdade dentro dela, enquanto o valor de verdade do signo é função da ideia a ser expressa. . Segue-se que o signo é uma instituição intencional e convencional, que não tem relação com as coisas reais (relação cujo estudo, de fato, pertence à metafísica). Na Logica ingredienteibus, Abelardo enfatiza a convencionalidade do processo de significação, que ocorre no intelectu e não depende Das coisas; É o exemplo clássico do que não existe, como as rosas no inverno, que não impede a significação. A importância pode assumir várias formas. Abelardo reconhece cinco. A primeira forma é por determinação e consiste na atividade de referência (a compreensão se dá de fato por meio da contextualidade do discurso). A segunda é por geração e ocorre gerando conceitos a partir de palavras. A terceira é por repressão, isto é, por negação (negar um termo constitui significado). A quarta é por associação e funciona no caso de inferência ou conotação. Finalmente, o quinto é por imposição, ou por meio do gesto intencional e arbitrário de atribuição de sentido (por exemplo, invenção, instituição e imposição efetiva). Porém, propriamente falando, para Abelardo a significação consiste no emparelhamento de um som com um conceito, e isso acontece por significar (dar ao som um intellectus), nomear (nomes são dados a conceitos) e designar ou denotar (definições são dadas a Conceitos). Em conclusão, a diferença que Abelardo percebe entre descrições e definições é muito aguda. Os primeiros funcionam por meio de diferenças específicas, de gênero, espécie e acidentes, apenas de acidentes; O último apenas por meio de diferenças específicas e de gênero

9.3. Rumo à 'lógica moderna'

As teorias semânticas dos séculos 11 e 12 e a teoria dos universais são ilustradas e comentadas por John de Salisbury. Em universais, no Metalogicon, Salisbury rejeita qualquer solução realista e confirma seu valor abstrato e puramente intelectual. O século XIII marca o ponto de máximo desenvolvimento da lógica. De Alano di Lilla a Pietro Ispano, de Guilherme de Shyreswood a Lamberto de Auxerre, até Guilherme de Occam, a 'lógica moderna', como os próprios autores a chamam, começa a tomar forma. Pietro Ispano, no Summulae logicales e nas Suposições fixa a categoria de suppositio, dividido em suppositio teaterialis (isto é, relação semântica entre dictio e vox) e suppositio formalis (isto é, relação entre nome e conceito). A suposição é puramente uma relação de subordinação ou superordenação entre dois conceitos, isto é, a relação pela qual um termo proposicional representa outro. Portanto, ele difere substancialmente da significação (isto é, a referência do sinal ao seu denotado). Guilherme de Shyreswood especifica ainda quatro propriedades dos termos significado e suppositio, que já vimos, e copulatio e appelatio. O copulado é uma suposição referente a adjetivos, particípios e advérbios (os 'acidentes' de uma substância), enquanto o suposto real diz respeito a substantivos (substâncias). Finalmente, o appelatio é a capacidade real do signo de se referir a deuses denotados, enquanto o significado é mais precisamente a capacidade de um signo de apresentar alguma forma ao intelecto. De grande importância é o interesse pelo conceito estóico (retomado por Prisciano) de sincategorem, isto é, de um elemento verbal que tem um efeito relacional sobre as categorias da fala e que corresponde a partículas modificadoras (conjunções, preposições, etc.). Sempre de interesse semiótico são as investigações dos Modistas, filósofos estudiosos das chamadas 'gramáticas especulativas', que tiveram grande fortuna entre os séculos XIII e XIV.8 Essas gramáticas baseiam-se, na verdade, na análise dos modi signifìcandi, entendidos como universais de significação. , em contraste com a pesquisa descritiva clássica (por exemplo, de Prisciano e Donato). Os modistas distinguiam o modi essendi (as propriedades do ser, o nível ontológico) de modi intelligendi (o nível conceitual) e modi signifìcandi (o nível semântico-linguístico). Somente nesse sentido eles poderiam conceber a gramática como uma ciência signifìcandi (o nível semântico-linguístico). Só nesse sentido poderiam conceber a gramática como ciência, concluindo que os modi signifìcandi são aqueles que permitem a transformação de um vox (significante) em sermo (signo) dando-lhe um signifìcatum. Heidegger leu todo o processo à maneira husserliana: 'As formas de significação (modi signifìcandi) estão, portanto, ligadas ao fio comum do dado (modus essendi), que por sua vez não é tal exceto como conhecido (modus intelligendi)'. Recentemente, os modistas começaram a receber um papel bastante importante na formação das teorias lógicas da Idade Média tardia. Por exemplo, foi descoberto que Dante Alighieri (1265-1321) está em dívida com o Modistas, que em De vulgari eloquentia (sua principal obra linguística), mas também na Epistola a Cangrande della Scala (sobre a forma de interpretar a Comédia), No Convivio e no De monarchia, refere-se à noção de universal como sinal das várias expressões da realidade, a ser entendido como a estrutura geral da linguagem dada aos homens por Deus com o próprio ato da criação, enquanto as diferentes línguas (depois de Babel) São formas acidentais e historicamente determinadas. Os signos da linguagem são para Dante, como para o Modistas, convencionais. Mas nem todos os signos: os poéticos, de fato, respondem ao princípio nomina sunt consequentia rerum (tanto que não são traduzíveis de uma língua para outra). Tudo isso depende da polissemia da linguagem poética, que reúne quatro sentidos diferentes em uma mesma palavra: o literal, o alegórico, o ético e o analógico.

9.4 Roger Bacon (1215-1294)

A teoria geral dos signos foi tema para muitos escolásticos. Roger Bacon (1215-1294), por exemplo, escreveu um tratado sob o título De Signis (Noth 1994:34-35). Um pensador muito original no contexto da 'semiótica medieval' é, sem dúvida, Ruggero Bacone (1214-1292). Suas teorias, que também fazem referência explícita à doutrina agostiniana, destacam pela primeira vez o problema do aspecto pragmático do signo, ou seja, de sua relação com o público. No De signis (1267) e no Compendium studii teologice (ca 1290), Bacon argumenta que a significação pode ser entendida de duas maneiras: como uma relação entre o signo e o intérprete do signo, e entre o signo e o objeto de referência . Desde o primeiro ponto de vista, deve-se deduzir que a estabilidade do significado dos signos é temporária. Na verdade, se um signo é sempre e apenas um signo para alguém, isso significa que os signos funcionam para um ato de imposição de alguém e que é válido para alguém, mas também pode variar com o tempo, ou deixar de existir. A prova é que há palavras que caíram em desuso, ou termos que mudaram de sentido na história, ou finalmente neologismos. Em princípio, portanto, também pode-se dizer que a linguagem é um sistema aberto ao infinito, pois qualquer pessoa tem a possibilidade de criar novos termos por imposição. Na prática, essa abertura é antes limitada, devido à existência de padrões e estruturas, que devem ser respeitados no trabalho de imposição linguística (criação). Em todo caso, permanece o princípio de que a significação depende mais do que qualquer outra coisa dos falantes, e não dos caracteres intrínsecos dos signos. Em alguns casos, entretanto, existem sinais 'motivados'. Bacon, de fato, propõe uma classificação de signos muito sutil, que parte da subdivisão canônica entre signos naturais e signos dados. Os signos naturais, por sua vez, podem ser inferências (necessárias ou prováveis), como a fumaça que sinaliza a presença do fogo, ou semelhanças, como as imagens, que nos mostram imediatamente objetos e conceitos sensíveis. Os sinais dados são distinguidos em sinais voluntários, como a linguagem humana, gestos, indicadores, ostentações e involuntários, como os sons dos animais, ou as reações emocionais dos homens. As interjeições são colocadas na fronteira entre os dois grupos de sinais dados. Para concluir, é notável a observação de Bacon de que o signo tem a curiosa propriedade de poder ser dado, mas continuar a funcionar conceitualmente como se fosse natural: isto é, através do mecanismo primário de inferência. Com Francesco Bacone, começa, do lado empirista, uma profunda reconsideração dos problemas linguísticos que levará à verdadeira fundação consciente da semiótica com John Locke. As motivações para as análises semióticas do empirismo (mais tarde desenvolvidas em quase todo o século XVII inglês) surgem de um interesse renovado pela ciência em todos os seus ramos. Isso naturalmente leva os cientistas-filósofos a refletir sobre o fato linguístico em seu modo simples de funcionamento, a partir da observação. Outra é a consideração básica do ceticismo herdado do século XVI em relação à linguagem como uma ferramenta eficaz para conhecer e comunicar os dados da realidade. No De dignitate et augmentis scìentiarum, Bacon parte do exame dos órgãos, do método e de comunicação. Em primeiro lugar, os nomes aristotélicos são interpretados como rótulos impostos às coisas para atuar como mediação entre o homem e a realidade. Tomando o problema da linguagem em termos empiristas, Bacon pode, portanto, prosseguir em sua análise do ponto de vista da comunicação. E segue-se que as palavras são examinadas em primeiro lugar como signos. Tanto é assim que o autor passa a diferenciar signos puramente arbitrários, como palavras, de signos analógicos (chamados de símbolos, mas se assemelham a ícones peircianos): no entanto, em outros lugares ele mostra ser um Convencionalista, especialmente no que diz respeito ao debate renovado entre ( natureza e convenção, de origem antiga. A querelle tradicional se concretiza em duas questões: a origem da linguagem e a relação entre nomes e coisas. Bacon confirma a Sua posição convencionalista se mostra cética quanto à reconstrução da linguagem edênica, a suposta linguagem como original e natural: não sendo possível reconstruí-la, é preciso deter-se nas linguagens como são, constituídas por elementos convencionais que não são intrinsecamente racionais (tanto que são portadores de um ídolo) A congruência dos signos com as coisas depende, no mínimo, apenas de sua função como instrumento capaz de distinguir as coisas. Também em Bacon, a ênfase no caráter funcional da comunicação é fundamental, até porque ela independe da substância em que ocorre. O convencionalismo da relação entre palavras e coisas fica então claramente expresso na proposta de estabelecimento de uma gramática filosófica, diferente da literária, 'que examina o poder e a natureza das palavras, enquanto traços e marcas da razão. Devem ser destacados dois aspectos fundamentais do pensamento semiótico de Bacon. A primeira é que o filósofo inglês se torna o proponente de uma metodologia da ciência baseada no raciocínio indutivo. Mas isso o leva a pensar na linguagem como o próprio instrumento de indução. O signo, de fato, torna-se uma forma de fixar a observação dos fenômenos, e é a sanção de um raciocínio já realizado. A proposição, então, com seu caráter inferencial, é o próprio tipo de indução. Ao contrário de outras grandes 'defesas' da indução ocorridas na antiguidade, a de Bacon inclui também as formas de erro do raciocínio indutivo, pois introduz a noção de subjetividade. No pensamento como na linguagem, a subjetividade produz mal-entendidos, falsidades, erros. Bacon aponta quatro tipos de erros: os ídolos da tribo, que dependem das atitudes biológicas da espécie humana; Os ídolos da caverna, que são constituídos das deficiências dos indivíduos; Ídolos de mercado, que são causados ??por percepções distorcidas de socialização em grupos étnicos; Os ídolos do teatro, devido aos hábitos e atuações dos grupos sociais na cena coletiva. No entanto, é a primeira vez que surge uma reflexão sobre o papel subjetivo e não eminentemente objetivo da linguagem. E pode-se dizer também que, por meio dessa reflexão, nasce um sociosemiótico muito tímido.

9.5. Tomás de Aquino (1225-1274)

O maior expoente do aristotelismo cristão é São Tomás de Aquino. O problema do sinal, porém, é interpretado, como é frequente neste período, com propósitos religiosos precisos quanto à leitura da Escritura e da história sagrada. Por exemplo, na Summa teologice (i-n, 101-103) Tomás insiste muito no fato de que os sinais das Escrituras não são equívocos, isto é, para serem interpretados em um sentido alegórico, mas estritamente unívoco, referencial. Se o autor escreve que algo aconteceu, é um sinal de que algo realmente aconteceu. Mas esse algo por sua vez não é um acontecimento, um verdadeiro referente, mas um sinal que faz parte da linguagem divina, um sinal disposto pelo Senhor para que possamos ler nosso dever e sua vontade, e cujo referente está, portanto, na mente de Deus. Portanto, as Escrituras são apenas uma 'semia substituta', feita de signos que remetem a outros signos, acontecimentos, que sempre têm Deus como ponto de referência. Mas essa estrutura de dupla 'referência' (da escrita ao evento aos referentes divinos) constitui um dos temas semióticos fundamentais (na verdade, não muitos) do pensamento de São Tomás. Tanto é assim que também é retomado em um texto mais teórico, o Quaestiones quodlibetales. Tomás de Aquino distingue o sentido literal do alegórico, e especifica melhor que o último pertence apenas às Escrituras, e não à linguagem, mas no sentido de que por 'alegoria' devemos entender diretamente os fatos contados, e não a história dos fatos. Aqui, então, os eventos das Escrituras são os únicos sujeitos à famosa teoria dos 'quatro sentidos' (literal, alegórico, ético, analógico) e constituem uma espécie de 'linguagem eventual'. Quanto às palavras - ainda que pertencentes às próprias Escrituras - estamos diante de uma atividade regida por leis retóricas, que Tomás chama de parabolismo (tropos, figuras), e que continuam a pertencer ao chamado 'sentido literal', ainda que expressas em tom poético . Na Summa há mais um esclarecimento: quando gestos, ações, objetos aparecem no Antigo Testamento, são sinais alegóricos que se referem a eventos do Novo Testamento, enquanto as mesmas coisas expressas no Novo Testamento são aspectos parabólicos, diretamente poéticos. Uma demonstração da natureza não alegórica do Novo Testamento é, aliás, fornecida pela teoria tomista dos sacramentos, que para Tomás são do mesmo tipo de sinais, embora tendo a particularidade de serem sinais eficazes. Em outras palavras: um sacramento é o testemunho da presença da graça divina, mas também faz o que diz que faz (na comunhão a hóstia consagrada é realmente o corpo de Cristo, na confissão os pecados são verdadeiramente cancelados pelo sacerdote que absolve o pecador). Em termos modernos, somos o que chamamos de performativos. Sua natureza é convencional: na verdade, agem em virtude de uma lei instituída por Deus, que atribui um sentido efetivo às coisas escolhidas arbitrariamente entre as inúmeras possibilidades e que atuam como causas instrumentais. Obviamente, surge imediatamente o problema da falseabilidade desses sinais especiais (os sacramentos ainda são válidos se forem celebrados por alguém que não acredita, que troca os objetos prescritos com outros, que anula seu rito?). E aqui Thomas introduz o problema da intencionalidade do emissor de uma mensagem, bem como as condições de felicidade necessárias para a sua compreensão exata. Mas com isso estamos dentro da questão mais geral e complexa da interpretação, da qual Aquino trata, assim como na Summa, no Expositio in librum Arìstotelis perì hermeneias. Em termos semióticos, pode-se dizer que Tomás está inclinado para a identificação da significação e da interpretação. Na verdade, em primeiro lugar ele distingue entre o significado dos termos e o significado das proposições, e atribui apenas a este último o traço de verdade ou falsidade (em suma: é declarado para uma semântica intencional, onde os termos individuais são universais, correspondendo às coisas e, portanto, de Possivelmente inserir em uma semântica extencional). Por outro lado, o problema da referência é claro em Tomé. 141 signos são convencionalmente ligados a conceitos (ou mesmo “paixões da alma”), e estes são, em vez disso, relacionados por semelhança (ou analogia) com as coisas.

9.6. Guilherme de Occam (1290-1349)

Occam, um nominalista puro com respeito aos conceitualistas medievais, muda substancialmente os termos do debate lógico em torno do signo. Embora partindo de uma adesão substancial ao pensamento aristotélico, na Summa logicae e no Commentarii ele constrói um sistema lógico-filosófico mais sofisticado e complexo. Vamos começar com as definições. Occam dá ao signo uma definição totalmente aristotélica do signo. O sinal é para ele: Para ser pedantes, no entanto, devemos saber que 'sinal' pode ter dois significados”: certo sentido, significa tudo o que, uma vez aprendido, torna algo conhecido, embora não nos dê um conhecimento primário dessa coisa [...] mas Um conhecimento real e posterior a um conhecimento habitual da mesma coisa. [...] Caso contrário, com 'signo' entende-se o que torna algo conhecido e é capaz de representar essa coisa ou de ser adicionado em uma frase a tal sinal: de que tipo são os termos e verbos sincategoremáticos e Aquelas partes do discurso que não têm significado definido, ou o que pode ser composto de tais termos, como discurso. Os termos categoremáticos têm um significado definido e preciso. Portanto, este nome, 'homem', significa todos os homens, e este nome, 'animal', significa todos os animais, e este nome, 'brancura', toda brancura. Em seguida, reproduz Aristóteles com ainda mais precisão, distinguindo entre o signo natural, que é o conceito (intentio animae) e que é produzido pelas próprias coisas, e o signo convencional, que é arbitrariamente estabelecido para significar várias coisas, que é a palavra (por sua vez distinta Em oral e escrita, o que é um sinal da primeira): Eu então digo que as palavras são signos subordinados aos conceitos ou intenções da alma, não porque, tomando esta palavra signo no sentido próprio, as palavras significam precisamente os conceitos da alma em primeiro lugar e adequadamente, mas porque as palavras são forçadas a significar aquelas mesmas coisas que significam os conceitos da mente. Consequentemente, o conceito significa algo principal e naturalmente, e a palavra secundariamente significa aquela coisa em si; De modo que, tendo sido instituída a palavra para significar algo que é significado pelo conceito mental, se esse conceito mudasse de significado, imediatamente também a palavra, sem uma nova convenção, mudaria de significado [...].
O sistema occamiano, resumido no primeiro livro do Commentarii (sive qucestiones) in iv sententiarum libros, também denominado Ordinatio, é esquematicamente o seguinte: a ciência formula suas proposições não sobre coisas materiais, mas sobre conceitos (distinção entre referente e significado); Conceitos são simplesmente sinais de coisas únicas, uma espécie de dispositivos mnemônicos que precisamos catalogar e classificá-los agrupando os indivíduos em rubricas mais gerais. E esses são sinais naturais. Mas, para atender às necessidades comunicativas, são necessários signos linguísticos, convencionais e institucionais, que são signos de signos, porque se referem a conceitos em forma de significantes. O processo de formulação de signos e conceitos é idêntico, segundo uma semântica totalmente extensional De acordo com esta formulação, o conceito de signo tem dois significados: um sentido mais genérico torna o signo tudo o que, conhecido, causa a memória de outro. Algo diferente mas igualmente conhecido, ou a identificação de uma coisa desconhecida; Um significado mais específico vê como um signo todo termo da linguagem que se refere a objetos e é seu substituto em uma proposição (ou mesmo toda proposição, uma vez que é composta de tais signos). Occam reconhece três tipos de sistemas de signos: um tipo mental (e natural), que consiste na relação entre intelecto e realidade, e dois tipos convencionais (arbitrários) que reproduzem exatamente o primeiro e se identificam na linguagem verbal e escrita. A correspondência entre a linguagem mental e a linguagem verbal permite que a análise da segunda traga à luz a organização da primeira: A linguagem oral é formada por vocais que se organizam no oratio. Pode ser de diferentes tipos: indicativo, imperativo, optativo, interrogativo. Apenas o indicativo oratio serve à ciência, porque expressa uma realidade e pode ser chamado de verdadeiro ou falso. O funcionamento da linguagem mental é obviamente análogo; Entretanto, os signos da linguagem mental (conceitos) têm origem e natureza particulares, o que significa que também funcionam de maneira peculiar. O conceito é um signo natural que torna conhecido o objeto que representa sem qualquer mediação. O conceito é singular se significa uma única realidade, universal se significa diferentes realidades. Todos os conceitos são conhecimento intuitivo das coisas e as representam diretamente. Sinais convencionais (palavras escritas ou orais) São propriamente signos de conceitos; Entretanto, quando as palavras são usadas especificamente como sinais de linguagem, elas também significam objetos diretamente. Uma distinção fundamental é feita por Occam entre os termos (incomplexa) que compõem as proposições {complexa) ', em primeiro lugar encontramos o categoremata e o sincategoremata, o primeiro com um significado definido, o último com um significado indefinido dependendo de sua localização na fala: A linguagem oral é formada por vocais organizados no oratio. Pode ser de diferentes tipos: indicativo, imperativo, optativo, interrogativo. Apenas o indicativo oratio serve à ciência, porque expressa uma realidade e pode ser chamado de verdadeiro ou falso. O funcionamento da linguagem mental é obviamente análogo; Entretanto, os signos da linguagem mental (conceitos) têm origem e natureza particulares, o que significa que também funcionam de maneira peculiar. O conceito é um signo natural que torna conhecido o objeto que representa sem qualquer mediação. O conceito é singular se significa uma única realidade, universal se significa diferentes realidades. Todos os conceitos são conhecimento intuitivo das coisas e as representam diretamente. Os sinais convencionais (palavras escritas ou orais) são propriamente sinais de conceitos; Entretanto, quando as palavras são usadas especificamente como sinais de linguagem, elas também significam objetos diretamente. Uma distinção fundamental é feita por Occam entre os termos (incomplexa) que compõem as proposições (complexa) ', em primeiro lugar encontramos o categoremata e o sincategoremata, o primeiro com um significado definido, o último com um significado indefinido dependendo de sua localização na fala. Outra distinção diz respeito a termos unívocos e equívocos. Único é um signo convencional sujeito a um único conceito, ainda que seja um signo de várias coisas. O termo equívoco significa várias coisas, mas também está sujeito a vários conceitos: pode ser predicado de várias coisas das quais não é possível dar uma única definição nominal. Finalmente, pode ser casualmente ou intencionalmente equívoco: casualmente, quando um nome é imposto ao mesmo título a vários indivíduos por meio de vários conceitos, intencionalmente quando é imposto a várias coisas em títulos diferentes e está subordinado a vários conceitos Próximo a uma teoria do discurso - Como a que vimos lidando com funções (indicativas, imperativas, optativas, interrogativas) e sua natureza proposicional em vez de terminística - e ao lado de uma teoria da significação, que vimos também inclui a conotação, embora de uma forma ainda não Moderno, há também uma teoria lógica da linguagem. Occam de fato chama de suppositio a propriedade do signo categoremático de estar no lugar de outra coisa (obviamente quando é o sujeito ou predicado de uma proposição). São indicados três tipos principais de suposições: a pessoal, que consiste no uso normal do termo para designar indivíduos ou espécies; O material, que consiste na propriedade de significar a si mesmo ('o homem é uma palavra'); O simples, que consiste na referência que um termo mental faz a um conceito ('o homem é um conceito'). Em outras palavras, o uso de um termo produz uma inferência, que pode ser de natureza referencial, metalinguística ou metamental.
As suposições pessoais dão origem a um outro sistema analítico. Por exemplo, nomes próprios e demonstrativos são termos categoremáticos que possuem suposições discretas, uma vez que sua referência é variável dependendo da posição em um determinado discurso. Todas as outras categoremáticas têm suposições comuns. Por sua vez, o último pode ser determinado ou confuso. Os determinados ocorrem quando um caso inequívoco é inferido da proposição que os contém, os confusos são válidos de forma mais genérica. Mas eles podem ser posteriormente distinguidos como distributivos e confusos no sentido estrito. Essas suposições que nos permitem ir do geral ao particular são distributivas (por exemplo: 'todos os homens são mortais').
Outro caráter lógico da teoria occamiana é a definição de um critério de verdade das proposições. Cada proposição pode, em princípio, ser verdadeira e falsa, e é distinguida por uma forma canônica básica, que é a sequência sujeito-verbo-predicado. Neste caso, é denominado categórico. Mas também existem proposições hipotéticas (quando duas categóricas são ligadas por sincategorematicamente especial como se, quando, etc.). E há proposições modais e não modais, dependendo se uma modalidade é expressa (necessidade, contingência, possibilidade, impossibilidade). Quanto ao critério de verdade, Occam o atribui a proposições categóricas não modais, e afirma que uma condição necessária e suficiente para a verdade de uma única proposição afirmativa é o fato de sujeito e predicado se referirem à mesma coisa, mas para uma proposição que desce em direção O particular também deve referir-se a algumas das suposições do sujeito e, para uma proposição que remonta ao universal, o predicado deve referir-se a todas as suposições do sujeito. Consequentemente, um critério de verdade é construído para proposições negativas e complexas.
A semiótica occamiana é, como podemos ver, o tratamento medieval mais completo sobre a teoria dos signos e, embora não seja totalmente original, influenciará todo o pensamento posterior por muito tempo por alguns séculos, tanto do ponto de vista de uma teoria da significação como da filosofia da linguagem.

10.1. Hobbes (1588-1679)

Na doutrina materialista de Thomas Hobbes o problema do signo linguístico é muito importante, a começar pela sua função. Em Hobbes, surge a teoria da linguagem universal - a linguagem adâmica, ou edênica - que teria sido interrompida pelo próprio Deus com o episódio da torre de Babel. Mais importante, porém, do que essa ideia (apenas sugerida), é a teoria hobbesiana do funcionamento da linguagem. Por um lado, portanto, os signos são pura notamina, rubricas de registros mnemônicos; Por outro lado, são ferramentas de comunicação. Hobbes, portanto, distingue entre o uso público e privado da linguagem. O uso privado lança mão de 'marcas' para registrar a experiência, o público de signos reais. Hobbes também distingue quatro funções que a linguagem cumpre: uma função de registro de causas e efeitos, uma função comunicativa, uma função afetiva e uma função estética. Estamos quase em Jakobson e suas funções discursivas. Hobbes considera a linguagem fundada em uma convenção, justamente por sua utilidade, que é permitir operações. Por exemplo, a geometria é uma linguagem de extrema utilidade porque estabelece preliminarmente os significados dos signos e suas regras de conexão: 'A forma como a linguagem serve para lembrar a ligação entre causas e efeitos, consiste em fixar nomes Suas conexões '. (Deve-se lembrar que por 'nome' Hobbes não significa a parte gramatical, mas essencialmente uma unidade significativa de maior ou menor extensão, que pode ser expressa com uma palavra ou com um discurso inteiro). Embora defensor do convencionalismo, Hobbes pensa que a linguagem tem uma relação com a realidade e que depende dela. Os nomes são, na verdade, universais relativos, isto é, comuns a diferentes objetos únicos que se parecem, ao passo que a coisa nomeada é sempre única e particular. Os nomes são, portanto, universais impostos a inúmeras coisas em virtude de sua semelhança ou de possuírem qualidades idênticas.
Quanto aos signos, Hobbes os considera inferências que extraímos dos dados da experiência. Sinal, de fato, é algo que deve ser observado para antecipar ou seguir o significado. Em suma, é uma 'presunção' do consequente na presença de seu antecedente, ou vice-versa. Quanto mais frequentemente sua conexão era observada, mais certo era o sinal. Hobbes atribui a interpretação dos signos (concebidos como casos individuais) a todos os animais. Porém, somente o homem é capaz de compreender a fala (conexão de signos) e formar o pensamento. Além disso, Hobbes acrescenta um terceiro tipo de signos aos fundados na antecipação do futuro ou na lembrança do passado (consequente do antecedente, antecedente do consequente): são os signos imediatos, que são os signos das paixões.
No contexto de uma tipologia de signos, Hobbes distingue entre signos naturais e signos arbitrários. Os signos naturais são aqueles em que as relações de antecedência e consequência independem da vontade humana, como nuvens para chuva ou chuva para nuvens. Porém, nós os reconhecemos como signos e os usamos como se a natureza falasse conosco. Os signos arbitrários são aqueles estabelecidos pelos homens como bem entendem e por acordo explícito ou tácito, por exemplo, emblemas, símbolos de autoridade e, obviamente, nomes.
Voltando à diferença entre privado e público, e ligando-a àquela entre signos naturais e arbitrários, deve-se dizer que isso deve ser colocado em conexão com a ideia hobbesiana de conhecimento prudencial em oposição ao conhecimento científico. O conhecimento prudencial deriva da experiência e da formulação de um sistema de expectativas baseado na memória e na estatística e, obviamente, baseia-se sobretudo em signos naturais. Hobbes o considera útil, mas absolutamente não autêntico, uma vez que não nos diz nada sobre a ligação entre antecedente e consequente; Não dá certeza sobre a repetição futura dos fenômenos observados; Não nos garante a uniformidade do curso da natureza. A ciência, por outro lado, não procede da experiência de conexões naturais entre os fatos, mas dos nomes que são dados arbitrariamente às coisas, de suas definições, das consequências lógicas que são extraídas de suas combinações.

10.2. Locke (1632-1704)

John Locke, embora pouco adequado para o estudo da lógica e da análise linguística, deixou o texto mais amplo e consciente sobre a teoria dos signos no Ensaio sobre a inteligência humana. Bem no final do quarto e último livro, Locke ainda dá uma definição disso como uma ciência E depois da filosofia natural, e pratiké,
Ou ética, ele apresenta uma terceira ciência: semiotiké. Porém, para além das definições gerais e introdutórias, todo o Ensaio Lockeano constitui um verdadeiro tratado de semiótica, uma vez que a investigação do conhecimento humano parte do pressuposto de que ele forma um sistema de signos, tal como as palavras são signos. No que diz respeito às ideias. No entanto, a novidade do pensamento lockeano não reside aqui, porque tal ideia é bastante antiga, como é a concepção convencionalista de palavras (indiferença do som em relação ao significado). A novidade está em ter eliminado a 'coisa' do processo significativo, atribuindo também às ideias um caráter arbitrário, dependente da maneira como uma dada sociedade em uma dada época segmenta a realidade para seus próprios fins cognitivos. A oposição às concepções metafísicas anteriores é evidente: até agora, de fato, pensava-se que a relação entre o mundo externo (coisas) e suas representações mentais era de analogia ou identidade. A ideia é, nessa perspectiva, no máximo. Forma da coisa em si (daí o título de 'teoria formística' do conhecimento). De acordo com Locke, em vez disso, a relação entre ideia e referente externo é constituída pela nominalidade. E Locke de fato distingue entre a essência nominal 'e a essência real': esta última é caracterizada simplesmente pelo intelecto ou imaginação humana, sem relação com o caráter natural desta última.
Vejamos as principais passagens do convencionalismo de Locke, tendo em mente que é particularmente ao longo do terceiro livro (dedicado às palavras) que ele se expressa:
Podemos, assim, conceber como as palavras, por sua natureza tão adaptadas a esse fim, passaram a ser utilizadas pelos homens como signos de suas ideias. Segundo Locke (como para Hobbes), os signos (da linguagem) desempenham uma função de memorização, e também de função comunicativa; Mas Locke vai ainda mais longe, ou seja, pressupõe a existência de um código comum, tacitamente respeitado, entre remetente e destinatário. Segue-se que, por um lado, a linguagem é entendida como uma instituição social e, por outro lado, cada sujeito é perfeitamente livre para inovar contínua e livremente o código, ou para instituir novos usos criativos dele:

10.3 João de São Tomás

A tradição escolástica de estudos do signo continuou até a Renascença, quando chegou ao apogeu na obra monumental do português João de São Tomás, também conhecido como Jean Poinsot (1589-1644). O seu Tractatus de Signis, escrito em 1632 .
Entre os temas predominantes da semiótica escolástica estão as doutrinas do realismo e do nominalismo, as doutrinas das suposições e dos modos de significação. A distinção entre denotação e a conotação: provém da semiótica desenvolvida nesse período,
quando também uma teoria da representação começou a estudar as funções semióticas de signos, símbolos e imagens.

10.4 O signo como instrumento cognitivo

João de São Tomás também foi um dos filósofos a considerar o estudo do signo no campo da lógica. A definição de signo dada por ele em sua Ars lógica interessa tanto sob o ponto de vista do passado quanto do futuro da semiótica:
«Omnia instrumente, quibus ad cognoscendum et loquendum utimur, signa sunt» (Todos os instrumentos dos quais nos servimos para a cognição e para falar são signos).
Tal definição contém dois elementos de grande interesse para a teoria dos signos. O primeiro é a definição do signo como instrumento e, portanto, como um meio, constituindo um esboço
da ideia de semiose como mediação, desenvolvida mais tarde por Peirce.
O segundo elemento importante da definição de João de São Tomás é a afirmação de que os signos não são apenas instrumentos de comunicação, mas também de cognição. Repare-se que essa interpretação contraria ao que Platão havia postulado quando distinguia entre acesso direto às coisas por cognição direta -sem uso de signos - e cognição indireta por intermediação sígnica. Na presente definição, ao contrário, o uso dos signos verbais, assim como os processos da cognição do mundo, são definidos como processos de semiose. Essa visão semiótica da cognição é bem peirceana e de grande interesse no contexto do diálogo entre a semiótica e o paradigma das ciências cognitivas.
Na cultura da Idade Média até a Renascença, havia modelos semióticos não só para a interpretação daqueles signos humanos, ou naturais, ou animais que a semiótica moderna ainda estuda, mas também modelos ainda mais ambiciosos, criados para servir de chave semiótica para a interpretação de todo o mundo natural. Os mais importantes desses modelos pansemióticos do mundo são o modelo dos quatro sentidos exegéticos na Idade Média e o modelo das assinaturas das coisas, na Renascença (Noth 1994:36).

10.5 Leonino de Pádua

Um autor desse período, Leonino de Pádua, por exemplo, escreveu: «Lógica est doctrina principaliter de signis» (Noth 1994:35).
Essa divisão triádica das ciências, aliás, reapareceu em 1890 no famoso Essay de Locke, no qual ele descreveu a ciência dos signos como lógica, no quadro de uma tríade científica, ao lado da fisica (ou "filosofia natural") e da ética - à qual Locke se referia o termo grego praktiké.

. Thomas, J. de Saint. (2013). Tractatus de signis. The Semiotic of John Poinsot. Oakland: University of California Press.
. Thomas, J. of St. (1948). Ars logica seu de forma et materia ratiocinandi. Torino: Marietti.
. Noth, W. (1994). Panorama da Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica.
4. Calabrese, O. (2001). Breve storia della semiotica. Dai Presocratici a Hegel. Milano: Feltrinelli.


Racionalismo

1 O Racionalismo de Port-Royal

No século XVII muitas ideias de interesse para o futuro da semiótica se desenvolveram sob o racionalismo francês (Noth, 1994, p. 40).

1.1 O futuro do mentalismo semiótico

O modelo racionalista de signo concebido em Port-Royal foi importante para o futuro da semiótica porque antecipou precisamente um modelo diádico que exerceu grande ascendência na semiótica do nosso século, o modelo de Saussure. Para este o significante de um signo verbal qualquer é também um som ou uma marca de lápis sobre um papel branco; é uma “imagem acústica” ou visual da palavra falada ou escrita (Noth, 1994, p. 42).

1.2 Construtivismo radical

É importante registrar, neste contexto, que o mentalismo semiótico de Port-Royal antecipou uma das correntes das ciências cognitivas – hoje conhecida pelo nome de “construtivismo radical” – que descreve o processo da comunicação como autopoiético, ou seja, um processo que é gerado por si mesmo. Teóricos desse construtivismo postulam que os signos percebidos por um observador nunca podem vir de fora da sua própria mente. Assim, todo o processo semiótico se dá num sistema fechado e exclusivamente mental; os signos não circulam entre fonte e recepção, limitando-se, assim, a uma auto-referencialidade.
Port-Royal estava longe de um construtivismo tão radical, mas é oportuno ressaltar que sua concepção de signo também não estabelece vínculos com uma mente exterior, limitando-se a uma conexão entre duas ideias numa mesma mente (Noth, 1994, p. 28).

1.3 Ideias inatas

René Descartes (1596-1650), na sua teoria das ideias inatas, postulou a prioridade do intelecto sobre a experiência. Do ponto de vista semiótico, a consequência maior dessa teoria foi o facto de ela ter delineado a teoria dos signos sem verdadeiro elo de contato com o mundo aparente, o processo semiótico foi descrito em categorias mentais (Noth, 1994, p. 28).
1.4 O modelo do signo diádico
Ao invés da tríade, o racionalismo optou por um modelo diádico de signo, cuja definição mais famosa, na época, se encontrava na gramática geral e na lógica da escola semiótica de Port Royal. Uma formulação dessa definição na Lógica de Antoine Arnauld e Pierre Nicole é:
«Mas quando olhamos apenas para um determinado objeto como se representasse outro, a idéia que temos dele é uma idéia de um sinal, e esse primeiro objeto é chamado signo. É assim que costumamos ver mapas e tabelas. Assim, o signo encerra duas idéias: uma da coisa que representa, a outra da coisa representada e sua natureza consiste em excitar a segunda pela primeira» (Arnauld & Nicole, 1992, p. 42)
A “ideia da coisa representada” corresponde ao significado do signo; “a coisa que representa” se refere ao significante, que é o suporte material do signo. Mas ao contrário da escola estoica a semiótica de Port-Royal descreve o significante como imaterial, como ideia de uma tal coisa. Nesse caso, o signo verbal – o significante – não seria a expressão acústica da palavra pronunciada, mas a representação ou o modelo mental daquele som e daquela articulação no momento da recepção. Como esse significante mental indica um significado que é igualmente mental, o processo semiótico fica completamente confinado à mente, desde a recepção até a compreensão final do signo (Noth, 1994, p. 28)

Empirismo

Antes de passar a Locke e o empirismo britânico, è necessário ao menos mencionar mais um tema e alguns filósofos semióticos desse período que, apesar de importantes na história da semiótica, não podem ser discutidos em detalhes neste rápido panorama da semiótica. Tais filósofos são G. W. Leibniz (1646-1716)(Leibniz, 1995) e Francis Bacon (1561-1626)(Bacon, 2013) e o tema é a procura de uma língua universal por George Dalgamo (Dalgamo, 1968) e John Wilkins,(Wilkins, 1668) entre outros. Leibniz não só estudou uma grande variedade de signos e assuntos semióticos, mas sobretudo as regras para combiná-los tendo em vista um sistema racional de signos. Francis Bacon, um cético semiótico, estudou os meios linguísticos de "falsificar" as coisas no seu tratado Idols oft he marketplace (Novum organum I, 43) (Bacone, 1810).
John Locke é a principal figura da história da semiótica de sua época. Já o consideramos no contexto da história terminológica da semiótica e no contexto da relação entre a semiótica e as demais ciências. Porém, apesar da enorme importância das suas ideias, o aspecto inovador da sua obra não é tão grande quanto poderia parecer. Locke descreveu os signos como “grandes instrumentos de conhecimento" e distingue duas classes de signos: as ideias e as palavras. As ideias são os signos que representam as coisas na mente do contemplador; as palavras não representam nada além das ideias que a pessoa utiliza na mente. Palavras, portanto, são os signos das ideias do emissor. Porém, se as palavras fossem apenas signos de ideias e as ideias fossem apenas signos de coisas, a comunicação humana não seria realmente possível. Locke, entretanto, não admitiu que as palavras são também signos "das ideias na mente das outras pessoas com as quais comunicamos". Como ideias são signos- e palavras são signos de ideias, palavras, na definição de Locke, são signos de signos, ou, como diríamos hoje, metasignos. (Locke, 2013).
A separação categórica entre dois níveis semióticos – ideias e palavras - implica problemas sérios do ponto de vista da semiótica geral: hoje sabemos que as ideias - ou significados ligados às palavras - em muitos aspectos não são independentes das palavras que as designam. A significação das palavras não vem (ou não vem apenas) da percepção das coisas, como Locke sugeriu, mas também do sistema da linguagem que gera as diferenças entre as palavras. Esta ideia é central para a semiótica linguística desde Saussure. A imagem que Saussure (Saussure, 2005, p. 131) usou para descrever a relação entre palavra e ideia foi a imagem da relação indissociável entre o recto e o verso de uma folha de papel; no recto temos o significante de Saussure ou a palavra de Locke, no verso temos o significado ou a ideia. Não se pode separar o recto do verso de uma folha sem que se perca o conjunto. Uma metáfora que corresponderia ao modelo de Locke seria o símile de um sanduíche: a fatia de baixo é a ideia, que permanece mesmo se a fatia de cima - a palavra-for retirada (Noth, 1994, p. 28).

Hobbes (1588-1679)

Thomas Hobbes elaborou uma definição diádica e materialista do signo verbal ao escrever que "os nomes são signos das nossas concepções e não das coisas mesmas". Se os signos não podem-se referir ao mundo, mas apenas a outros conceitos dele derivados, o processo de semiose irá se desenvolver numa rede de tramas mentais, que Peirce, (Peirce, 2003) mais tarde, denominaria “semiose ilimitada". Hobbes evidenciou ainda um modelo associacionista bastante unilinear de semiose ao salientar que, na associação dum acontecimento antecedente com um evento consequente, um è signo do outro.

Hobbes definição do signo

Começamos com uma citação «o evidente antecedente do consequente, e ao contrário, o consequente do antecedente, quando as mesmas consequências foram observadas antes; e quantas mais vezes foram observadas, menos incerto é o signo» (Hobbes, 1955).
O signo é um gesto emitido com a intenção de comunicar, ou seja, para transferir uma representação própria ou um estado interno para um outro ser. Naturalmente, presume-se que, para que a transferência tenha êxito, uma determinada regra (um código) habilite tanto o emissor quanto o receptor para entender a manifestação do mesmo modo.
Neste sentido, são reconhecidos como signos as bandeiras e os sinais de trânsito, as insígnias, os marcos, as etiquetas, os emblemas, as cores heráldicas, as letras do alfabeto. Neste ponto, os dicionários e a linguagem culta. Nos países de língua inglesa, o termo signo leva logo a pensar na gesticulação dos surdos-mudos (chamada de sign language) e não nas manifestações verbais (Noth, 1994, p. 28).

Berkeley (1685-1753)

George Berkeley radicalizou a teoria diádica do signo no quadro do seu nominalismo e idealismo ontológico. A matéria do mundo, para ele, não participa do processo de semiose; as nossas sensações do mundo são "ideias impressas nos sentidos" e não existem a não ser na mente de quem as percebe. O "ser" delas è o ser percebido: Esse est percipi (Berkeley, 1992, p. 3)
Uma das consequências dessa visão tão radical do mundo está no fato de que todos os processos que se desenvolvem no mundo são interpretados como processos de semiose. Em vez de promover relações entre causas e efeitos, Berkeley vê apenas relações entre "signos" e "coisas significadas”. Assim, o barulho que ouvimos não é causado pelo movimento dos carros na rua mas é somente um signo deles. Dessa forma, todo o mundo natural aparece permeado de signos, tal como diria Peirce mais tarde (Noth, 1994, p. 28).

Iluminismo

Temas e ciências vizinhas

Os grandes temas semióticos do século XVIlI foram discutidos nas áreas da epistemologia, da hermenêutica e de uma nova ciência que, junto com a semiótica, começou apenas nesse século a estabelecer-se explicitamente, a estética.
O tema principal da epistemologia semiótica foi o papel dos signos nos processos da percepção e a génese dos signos. A hermenêutica - arte geral da interpretação - enfatizou o papel dos, signos no processo de compreensão dos textos. A estética teve como temática principal o papel dos signos naturais e artificiais ou arbitrários na percepção do belo.
A estética foi primeiramente estabelecida por Alexander Gottlieb Baumgarten num livro de 1750 (Baumgarten, 1993) O termo grego aisthsis, do qual estética é derivada significa "percepção dos sentidos". De acordo com esse sentido, Baumgarten definiu a estética como a ciência da cognição perceptiva (scientia cognitionis sensitivae), em contraposição à lógica, definida como "ciência do conhecimento racional". É interessante ver que a especialização da ciência geral da percepção inaugurada por Baumgarten ligava-se diretamente a um ramo da lógica que ele denominava "semiótica". Na sua definição, essa semiótica devia tratar de signis pulchrae cogitatorum et dispositorum: dos signos belos na cognição e na disposição (Noth, 1994, p. 28).

VICO (1668-1774)

Antes de começarmos a tratar dos protagonistas da filosofia semiótica da Idade das Luzes, é necessário introduzir brevemente algumas informações sobre um pensador do século XVIII, cuja obra constituiu uma significativa contribuição para o passado e o futuro da semiótica, embora suas ideias não mantivessem a essência do programa principal dos iluministas: a confiança no progresso e na razão, desafiando a autoridade e a tradição. Na sua obra Nuova Scienza de 1725 (Vico, 2013), tem em comum com os iluministas da segunda metade desse século é a base evolucionista e não-cartesiana dessas ideias. As diferenças residem não apenas nos métodos extremamente especulativos, mas também na sua simpatia pelos ritos e mitos arcaicos, assunto que só viria a despertar interesses maiores nos séculos XIX e XX.
Os temas de maior relevo semiótico na Nuova Scienza são a

poesia o mito,
a metáfora,
a língua e a
evolução dos signos da humanidade.
Vico acreditava em uma "história ideal e eterna", na qual a humanidade teria passado por três fases de desenvolvimento:

era divina,
era heróica e
era humana.
Essas três fases ocorrem em ciclos que podem resultar em fases de retrocesso a estágios anteriores do desenvolvimento (Noth, 1994, p. 28).

Era divina

Para Vico, durante a era divina, os homens acreditavam que tudo fosse deus ou criado por um deus. Seria, pois, a época da semiose ritual, marcada por «atos religiosos mudos ou cerimónias divinas». Antes de desenvolvera linguagem articulada, os homens se comunicavam por meio de hieroglíficos, ou expressavam-se por meio de gestos ou objetos físicos que tivessem relações naturais com as ideias. A linguagem falada ter-se-ia se desenvolvido, então, a partir da onomatopeia e das interjeições; era "uma linguagem com significações naturais".

Era heroica

Durante a época heroica, o modo dominante de comunicação deu-se por meio de emblemas visuais, brasões, insígnias e outros signos de posse material. Ideias abstractas foram expressas na forma antropomórfica de heróis míticos. O significado de herói, por exemplo, era expresso pelo herói mítico Aquiles. Ambas as eras foram períodos de sabedoria poética e as pessoas que nelas viveram foram autênticos poetas. Para Vico, portanto, poesia, metáfora e mito são formas arcaicas de pensamento.

Era dos homens

A terceira era - a era dos homens - foi também a idade da razão e da civilização. Os signos, agora arbitrários, literais e abstractos, fazem com que entrem em declínio a poesia e a imaginação.
Porém, seria erróneo pensar que somente essa era teve acesso à verdade. Vico postulou que as mitologias antigas não são meras ficções ou mesmo distorções da realidade, mas expressões poéticas precoces das sabedoria humana. A consequência é que a primeira ciência a ser aprendida deveria ser a mitologia ou a interpretação das fábulas, pois[...] todas as histórias dos gentios tiveram seu começo em fábulas.

Condillac e o sensualismo francês

Na Idade das Luzes os filósofos franceses desenvolveram uma outra forma de empirismo conhecido pelo nome de sensualismo.
Um novo elemento, na semiótica dessa época, foi a tentativa de interpretação genética do processo da semiose. O sensualista Etienne Bonnot de Condillac (1715-1780), por exemplo, foi o autor de Essai sur l’origine des connaissances humaines, (Condillac, 1976)obra em que descreve a semiose como um processo genético que começa em níveis primitivos e chega até níveis mais complexos. 0 mais primitivo deles, o ponto de partida para o conhecimento, é a sensação, a experiência sensual imediata; os níveis seguintes, pela ordem, são percepção, consciência, atenção, reminiscência, imaginação, interpretação, memória e reflexão.
O fundamento básico dessa interpretação psicogenética da cognição está na convicção de que "o uso dos signos é o princípio que revela a fonte de todas as nossas ideias" Condillac distinguiu também três categorias de signos:

signos causais, que estabelecem conexões entre objetos e algumas de nossas ideias por meio de circunstâncias particulares
signos naturais; signos que "a natureza estabeleceu" para expressarmos sentimentos como o medo, a alegria, a dor etc;
signos por instituição, aqueles "que escolhemos e que só têm uma relação arbitrária com as nossas ideias".
Na génese da cognição, considerando a escala que vai das sensações ás reflexões, o signo só aparece ao nível da reminiscência apenas nesse estágio que começam a surgir os signos causais (ou acidentais) e naturais. Antes de se chegar à reminiscência a cognição se processa pré-semioticamente. Tal divisão è uma das primeiras tentativas de se estabelecer, na história da semiotica o limiar dos signos, como reconhecerá U. Eco, mais tarde, no âmbito das pesquisas de uma semiótica genética (Eco, 2016).
A divisão entre signos naturais e institucionais constituirá, também o limiar entre a semiótica animal e a semiose humana. Além dessas questões, a semiótica sensualista discutiu, sobretudo, a origem da língua e as fases do seu desenvolvimento (Noth, 1994, p. 28).

Diderot: a comunicação não-verbal e estética

Nos estudos genéticos da semiose humana surgiram ideias sobre a diferença entre a comunicação verbal e não verbal.
O enciclopedista Diderot (1713-1784) tratou desse assunto nas suas obras Lettre sur les aveugles (1749) (Diderot, 1963) eLettre sur les sourds et le muets (1751).
As ideias que desenvolveu foram revolucionárias se comparadas com aquelas desenvolvidas pelo racionalismo cartesiano Diderot afirmou que a linguagem dos gestos não é só mais expressiva como também mais lógica que a linguagem verbal. A razão desse argumento surpreendente prende-se à linearidade temporal dos fonemas na expressão verbal, que acarreta uma estrutura unidimensional. Já a linguagem dos gestos é tridimensional, como a realidade do mundo.
Diderot concluiu que a representação tridimensional corresponde necessariamente mais à realidade do que as demais representações unidimensionais, como a linguagem. Portanto, podemos concluir que, para Diderot, a linguagem provoca uma distorção da realidade.
O argumento da superioridade da comunicação não-verbal insere-se numa teoria semiótica mais geralmente desenvolvida no âmbito da estética do século XVIII: a teoria da mimese, da representação por signos icônicos, mais próximos ao mundo representado.
Argumentava-se, nessa época, que os signos icônicos e os signos naturais são meios de representação semiótica e esteticamente superiores aos signos arbitrários. Assim, o mais icônico e natural dos signos é também o mais belo (Noth, 1994, p. 28)

A semiótica genética da «Sociedade dos Observadores do homem»

Outras ideias semióticas do século das luzes vieram dos precursores da antropologia na época da Revolução Francesa chamado os ideólogos. O programa desses estudiosos, porém, não foi nada ideológico, no sentido que hoje atribuímos a esse termo. Ideologia, para eles, era "o estudo das origens das ideias", constituindo uma ciência sem preconceitos metafísicos e religiosos (Noth, 1994, p. 28).

O antropologo Marie-Josef De Gérando (1772-1842)

De Gérando escreve que um apontamento para os observadores que viajam no hemisfério austral é útil viajar a fim de aprender sobre os estágios da humanidade. Concebe a Etnologia com os ideólogos da Sociedade dos Observateurs como estudo e compreensão da diferença é este o momento em que se define a noção de povo selvagem
1 - ir a viver entre eles
2 - residir entre eles por períodos prolungados
3 - comparar os seus costumes a fim de melhor compreender o Homem
4 - conhecer as fases da história humana
De Gerando foi premiado com o seu tratado Des signes et de l’art de penser. (Gérando, 1799). Nessa obra, Ele desenvolveu a semiótica sensualista propondo um modelo que distingue dois nívei semióticos.
No nível mais baixo aparecem apenas as sensações, que ainda não são reconhecidas come signos mas como condição prévia a existência das representações. Outro nível corresponde a um estado de conexão da sensação com a ideia. Há trés tipos de signos: signos prelingúísticos, sígnos linguísticos e os signos indicativos e naturais. Assim, o cheiro de uma rosa (sensacão pura) evoca a ideia da sua cor e da sua forma. De Gérando afirmava que os signos nesse nível são "signos mudos".
Esta referência ao signo antecipa a teoria fenomenológica dos signos elaborada por Husserl que, posteriormente, influenciaria Jakobson e a semiótica da escola de Praga no século XX (Noth, 1994, p. 28).

Def. De signo

Um signo é, portanto segundo De Gerando «qualquer sensação que acarreta uma ideia em nós por causa da associação que existe entre elas»

1 Diferentes signos

Há signos chamados 'símbolos' que representam objetos e relações abstratas, como as fórmulas lógicas, químicas, algébricas, os diagramas. Há signos onde existem correspondências entre expressão e conteúdo.

2 Desenhos

O signo (e a fala comum permite chamá-lo de 'desenho') « qualquer procedimento visual que reproduz os objetos concretos, como o desenho de um animal, para comunicar o objeto ou o conceito correspondente ».
O diagrama corresponde a regras precisas e codificadas de produção, enquanto o desenho parece mais 'espontâneo'; e o fato de que o diagrama reproduz um objeto abstrato, enquanto um desenho reproduz um objeto concreto (Noth, 1994, p. 28)

3 Emblemas

O uso comum, todavia, chama de signos também aqueles desenhos que reproduzem algo, mas de forma estilizada, de modo que não importa tanto reconhecer a coisa representada, quanto um 'outro' conteúdo pelo qual a coisa estilizada está. A cruz, a meia-lua, a foice e o martelo estão pelo cristianismo, islamismo, comunismo.

Significação.

Produzir factos físicos - ou ter a capacidade de produzir classes de factos físicos - que estão em substituição de outros factos ou entidades, físicas ou não, que os humanos não são capazes de produzir no acto da significação.
Alguns afirmam que o termo 'signo' condiz com as entidades linguísticas convencionadas, emitidas ou emissíveis intencionalmente com o fim de comunicar, e organizadas num sistema descritível segundo categorias precisas.
Por exemplo, chamam-se de 'símbolo' todo elemento que representa uma outra coisa.
O termo 'signo' «para as unidades que, como os signos da linguagem, são duplamente articuladas e que devem a sua existência a um acto de significação »

Semiótica do iluminismo alemão

Wolff

Wolff (1679-1754), elabora num capítulo intitulado De Signo, (Wolff, 1726) parte de sua obra Philosophia prima, do 1720. A sua definição e tipologia do signo, entretanto, têm mais ligação com o passado do que com o futuro da semiótica (Noth, 1994, p. 28)

Lambert

Na obra de Johann Heinrich Lambert (1728-1777),(Lambert, 1977) autor do primeiro tratado de teoria geral do signo intitulado Semiótica (1746), Num primeiro nível temos sensações que não podem ser repetidas voluntariamente; outro nível refere à produção de signos com cognição simbólica, único estágio que permite a reiteração das sensações necessárias para atingir clareza na cognição. Sem a reiteração, as sensações ficam irremediavelmente obscuras e indistintas. Esse é um tema típico da semiótica do iluminismo: o papel dos signos na clarificação das ideias obscuras. Para resolver a questão, Lambert indicou a cognição simbólica como "instrumento indispensável do pensamento". Na sua investigação semiótica, Lambert distinguia quatro tipos de signos:
1) naturais,
2) arbitrários,
3) meras imitações e
4) representações.
"Representações", para ele, são signos que representam por variados graus de similitude ou, como diríamos hoje, "iconicidade".
Nas várias línguas, signos arbitrários e naturais fundem-se com mais uma categoria semiótica, que Lambert denominou "signos necessários". Lambert explorou nada menos do que 19 sistemas sígnicos: de notas musicais, gestos, hieróglifos, signos químicos, astrológicos, heráldicos, sociais e naturais. Os critérios de investigação usados por ele são
1) arbitrariedade,
2) a motivação,
3) a necessidade,
4) a sistematicidade e
5) a autenticidade dos signos.
Sob essas diretrizes, os sistemas sígnicos alcançam graus diferenciados de aproximação à realidade. O grau mais alto coincide com os signos científicos, que não só representam conceitos, mas também indicam relações de tamanha afinidade a ponto de assegurar que "a teoria das coisas e a teoria dos signos são permutáveis". Com base nessa ideia otimista de homologia entre signos científicos e coisas está o ideal perseguido por Leibniz e outros pensadores desde o século precedente: a possibilidade de uma linguagem científica e universal, pela representação isomórfica das coisas do mundo. No desenvolvimento desse ideal, Lambert postulou que os signos científicos deveriam estar fundamentados numa teoria semiótica sem signos arbitrários, pois os signos são mais perfeitos na medida em que contêm sinais de seu próprio sentido. A arbitrariedade deveria, pois, ser banida de uma linguagem científica universal ou os signos arbitrários deveriam ser aproximados aos naturais e necessários ((Noth, 1994, p. 28).


Ciência e Arte

Gottfried Herder (1744-1803)

Nesse ponto, a época iluminista da semiótica nos leva a uma constatação surpreendente: a iconicidade - a correspondência entre signo e mundo - era o critério semiótico principal para duas fases de expressão cultural tantas vezes consideradas contrárias, a ciência e a arte (Herder, 2006). Em ambos os setores os iluministas viram a possibilidade de se atingirem níveis mais altos de perfeição por meio de signos que representem coisas por aproximação icônica (Noth, 1994, p. 28). Gottfried Herder enfatizou as afinidades entre poesia e linguagem científica ideal, esboçou uma visão do futuro da semiótica que faz pressentir o período romântico e que é, em si mesma, um exemplo da aplicação da «linguagem poética ao discurso científico, sem necessidade de mais comentários:
«Existe um simbolismo comum para toda a humanidade - um grande tesouro no qual o conhecimento que pertence a toda a humanidade está guardado. A maneira autêntica de falar, da qual ainda não tenho conhecimento, é a chave para esse tesouro escondido. Quando a chave for conhecida, vai abrir o tesouro e trazer luzes para dentro dele, mostrando-nos, assim, os seus valores, isto seria a semiótica que, agora, só podemos entender nos registros das nossas enciclopédias filosóficas: o deciframento da alma humana através da linguagem» (Herder, 2006, p. 13)

Pragmatismo Americano


Pragmatismo Americano

A filosofia da linguagem e o estudo de sinais

No quadro geral da semiótica ou teoria dos signos, e em particular o pragmatismo americano ou o utilitarismo receberam a contribuição de Charles Sanders Peirce (1839-1914). Peirce (1988) classifica sinais como uma representação que indica um objecto atribuída convencionalmente a um símbolo. O signo é algo que substitui um objecto e que permanece ligado a ele numa relação de causa e efeito. Um sinal é um signo que usa-se quando há em jogo uma relação sensorial. A única forma de comunicar uma ideia é através de um sinal. Quando não há uma relação dinâmica entre objecto e sinal representado o sinal indica somente que as ideias ou pensamentos implicam um objeto para a interpretação, um intérprete do objeto e a interpretação propriamente dita. Da mesma forma como os pensamentos apresentam-se triadicamente, todos os signos podem ser divididos em três espécies principais: ícones, índices e símbolos.

O ícone constitui um tipo de signo em que o significado e o significante apresentam uma semelhança de fato. O desenho de um animal seria um exemplo de ícone; o desenho significa o animal, simplesmente porque se parece com ele.
Um índice é um signo que não se assemelha ao objeto significado, mas indica-o casualmente, é um sintoma dele porque experimenta-se uma contiguidade entre os dois. Um furo de bala, por exemplo, é o índice de um tiro, como a fumaça é índice de fogo.
O símbolo, ao contrário, opera segundo uma contiguidade instituída, ou seja. depende da adopção de uma regra de uso. As bandeiras constituem símbolos das nações; entre as bandeiras e as nações não há qualquer relação causai necessária, trata-se apenas de convenção. A quase totalidade da linguagem usual, falada e escrita, é de natureza simbólica.
Para Peirce, existem três diferentes espécies de coisas ou fenómenos, constituindo três categorias que designa pelas expressões "primeiridade", "segundidade" e "terceiridade".

Na primeiridade estão os sentimentos ou qualidades puras, tais como prazeres, cores, sons, odores. Trata-se de fenómenos singulares, independentes dos demais, completos em si mesmos e constituindo livres possibilidades de experiência.
A categoria da segundidade refere-se a ocorrências reais que sáo relações de duplo termo, nas quais uma coisa acontece a outra: choque elétrico, resistência de uma parede etc.
Na categoria de terceiridade estão os fenómenos de termo triplo, que implicam conexão entre outros dois fenómenos. Nesses fenómenos "terceiros" encontra-se uma continuidade ou lei, tais como as que aparecem no desenvolvimento do pensamento lógico ou em algo que seja contínuo. O signo é um exemplo de terceiridade algo que equivale a alguma coisa para alguém, sob certo aspecto.
Essa fenomenologia, que reduz tudo às três categorias, ligou-se, no pensamento de Peirce, a uma visão evolucionista do cosmo. Na ordem cosmológica,

o acaso seria um "primeiro', já que pode se desenvolver a partir de si mesmo, ou seja, possibilidades livres dão origem a maiores possibilidades.
A força ou luta seria um "segundo", no sentido de que as possibilidades ("primeiridade") limitam-se umas às outras.
Disso resultaria um "terceiro", a lei evolutiva que estabeleceria uma continuidade entre o possível e o real.
Semiótica, é uma filosofia científica da linguagem, cujo objetivo é a análise da ação e da actividade dos signos.
a) Princípios e conceitos essenciais que fundamentam a Semiótica,
b) conceito de signo e de semiose, e as relações entre os elementos que compõem signo; princípios que dão status de ciência à semiótica e as características de seu objeto de análise;
c) teorias que descrevem as relações entre os correlatos do signo como responsáveis pelo crescimento e evolução dos processos semióticos.

A TEORIA DO SIGNO, SEMIOSE E SIGNIFICAÇÃO

Em fins do século XVII, a palavra grega semeiotiké foi introduzida na filosofia por John Locke (1632-1704) filósofo empirista inglês, como a designação para a doutrina dos signos em geral; doutrina postulada em seu Essay on Human Understanding, datado de 1690. No início do século XX, o filósofo-lógico-matemático Charles Sanders Peirce (1839-1914) retoma este termo com seu sentido original a partir da Lógica concebida como uma filosofia científica da linguagem, e dedicou toda a sua vida a fundamentar as teorias deste conceito, ou seja, a elaboração da Semiótica, a ciência dos signos.
Definição de signo: composto dos três elementos sígnicos:
a)o significante,
b)o objecto e o
c) interpretante.
Para Peirce (1995: 46):
Um signo, ou significante, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei fundamento do significante.
A semiose é usualmente definida como um processo de actividade característico da capacidade inata humana de produção e entendimento de signos das mais diversas naturezas. Os signos dependerem dum sistema fisiológico que revela a alta complexidade de estruturação simbólica com a capacidade humana de abstração. O homem descobre uma maneira de adaptação ao meio, transformando toda a vida humana. Esta capacidade de abstração, responsável pela formalização de todo um universo simbólico, representa uma capacidade exclusiva do homem. A actividade sígnica foi chamada por Charles Sanders Peirce de semiose. Portanto enquanto a atenção que De Saussure punha na sua teoria dos signos era a comunicabilidade, por Pierce a semiose se organiza num método onde a atenção é posta no significar por alguém.
Peirce teorizou um conceito de signo que priorizasse o processo dinâmico e evolutivo do significado. Evidencia-se, a faneroskopia, fenomenologia, cujo objetivo era a observação do faneron, dos fenômenos que são apreendidos na consciência. A semiótica a de Pierce estabelece uma relação trinaria que envolve a cooperação entre:
1) signo,
2) objecto e
3) interpretante.
A semiose é o processo, que caracteriza-se, na relação de interdependência entre os três elementos da cadeia semiótica: o fundamento do signo (significante), o objecto e o interpretante. A ação sígnica é uma actividade onde um signo transforma-se em outro signo em um processo de relações lógicas. O interpretante, terceiro elemento da cadeia semiótica, realiza o processo de interpretação.
O que deve ser observado é que a relação entre o signo, ou melhor, o fundamento do signo e o objecto que representa, emerge de alguma qualidade desse próprio objecto representado. O fundamento do signo vincula-se ao objecto representado. O interpretante, como terceiro elemento da tríade semiótica, completa o processo lógico de geração do significado com as influências sociais e psicológicas da mente interpretadora.
Charles Sanders Peirce, possibilita o uso de uma complexa fundamentação teórica na análise e investigação dos sistemas de significação. No pensamento de Peirce tudo o que é apreendido pela mente, é apreendido com o carácter do signo, sendo, nesse sentido, o próprio pensamento constituído numa corrente de signos que permite o entendimento dos processos de significação, representação e interpretação, na linguagem.
A classificação tipológica
É a parte mais complexa e pouco compreensível da teoria de Pierce. Um ícone é um signo que possui alguma semelhança com o seu objecto. Os signos mais fáceis de entender nesta relação são os desenhos e as pinturas que estabelecem uma certa relação com a realidade: arvore, mesa, pessoa. Porem não é necessário que o objecto exista na realidade, basta simplesmente estabelecer uma regra para sua existência por exemplo: o Pai Natal, a banda desenhada, a ponteira cor de rosa. Ainda falando do ícone o relacionamento com a realidade pode ser:
1) ilustrativo (quando existe uma partilha maior com a relidade),
2) diagramatico
3) metafórico (onde se partilha uma qualidade da realidade).
Portanto ha três tipos específicos de relacionamento com a realidade:
a) ícone,
b) índice e
c) símbolo

O filósofo Ernst Cassirer (1977)
Define o homem como um animal simbólico. A semiose enquanto um processo, se inicia com a transformação do mundo físico, ou seja, da realidade apreendida. O fenómeno que é apreendido, percebido, transforma-se num mundo mental, psicológico, transportado para uma realidade reflectida; assim fica caracterizada sua característica eminentemente simbólica.


O modelo de Pierce pouco claro e as vezes contraditório nos pormenores, ficou desconhecido durante muitos anos e só começou a ser estudado no fim dos anos 30 do século XIX. Foi quando Morris integrando-se das teorias já em esquecimento de Pierce lançou uma serie de livros desenvolvendo a teoria entre 1938-1945. È exactamente nesta altura que em America surge uma ciência chamada semiótica. O que aconteceu com Morris segundo as suas próprias palavras, ele começou a elaborar uma teoria dos signos desconhecendo aquela do seu antecessor Pierce. Até certo ponto isto pode ter sido como verosímil por quanto os fundamentos teórico-intelectuais de Morris fossem totalmente distintos (Morris 1985:14). Pierce desejava uma ciência absoluta rigorosa e quase matemática, sem elementos psicológicos embora não seja possível evitar o facto de estarmos co campo de processos mentais.
Ponto de partida
O ponto de partida de Morris é diferente ele é relacionado à linguistica americana cujo centro é a Universidade de Yale nos anos 30-40. Pois o ponto de vista de arranque para Morris é:
1 - Observacional
2 - Empirista
Ao contrario de Pierce que ambicionava uma espécie de filosofia fundamental onde derivar a teoria do conhecimento fundamental, Morris é influenciado pela filosofia europeia e concretamente pelo positivismo, elabora um instrumento cientifico fundamental chamado semiótica. Todas as ciências baseiam-se em signos, a semiótica para Morris é uma ciência que tem fundamento lógico e conceptual organizada e caracterizada pelo signo. A diferença básica com Pierce consiste no facto deste ultimo define o homem como um animal que usa signos e símbolos (Morris 1985:23).
A semiótica de Morris tornou-se famosa através do conceito de semiose articulado em quatro factores,
1 - o veículo do signo,
2 - o designatum,
3 - o intérpretante e
4 - o intérprete;
Nesta senda a semiótica se subdivide em três ramos,
a) sintaxe,
b) semântica e
c) pragmática;
e é entendida em duas maneiras: como uma disciplina autônoma que estuda os signos ou como um instrumento das ciências.
Semiose
O processo no qual algo funciona como signo pode ser denominado semióse (Morris 1985:27). Commumente, em uma tradição que remonta aos gregos, esse processo foi considerado como envolvendo três (ou quatro) factores: 1 - o que actua como um signo, 2 - aquilo ao qual o signo alude e 3 - o efeito que produz em um determinado intérprete em virtude do qual a coisa em questão é um sinal para ele. Esses três componentes da semiose podem ser chamados, respectivamente,
1 - de veículo do signo,
2 - designatum e
3 - interpretante;
4 - O intérprete pode ser considerado um quarto fator.
Esses termos explicitam os factores envolvidos na afirmação comum de que um signo alude a algo para alguém. Portanto, na semiose algo leva em consideração outro algo mediatamente, ou seja, por meio de um terceiro algo. A semiose é, portanto, uma consideração mediada. Os mediadores são veículos de sinalização; As considerações são interpretativas; Os agentes do processo são os intérpretes; O que é levado em consideração são os designata. Vários comentários devem ser feitos sobre esta formulação. Deve ficar claro que os termos 'signo', 'designatum', 'interpretante' e 'intérprete' estão mutuamente implicados, uma vez que são apenas formas de se referir a aspectos do processo de semiose. Os objetos não precisam ser referenciados por sinais, mas não há designata a menos que essa referência ocorra; Algo é um signo se, e somente se, algum intérprete o considerar um signo de algo; A consideração de algo é um interpretante apenas na medida em que é evocado por algo que funciona como um signo; Um objeto é um intérprete apenas se leva algo em consideração. As propriedades envolvidas em ser um signo, um designatum, um intérprete ou um intérpretante são propriedades relacionais que as coisas assumem quando participam do processo funcional de semiose. A semiótica, portanto, não se preocupa com o estudo de um tipo particular de objeto, mas com o estudo de objetos comuns na medida em que (e apenas na medida em que) participam da semiose.
Os signos diferenciam-se pelo comportamento que estipulam no destinatário. Esta classificação deve-se sobretudo a Charles Morris e sua acepção behaviorista da semiótica. Morris faz a distinção entre signos identificadores, designadores, apreciadores, prescritores e formadores. Os signos identificadores são similares aos índices de Peirce, os designadores são os signos que significam as características de uma situação espácio-temporal. Os apreciadores significam
algo dotado de um estado preferencial em relação ao comportamento a ter. Os prescriptores comandam um comportamento e, finalmente, os formadores são os signos que, aparentemente privados de significado, servem para conectores
aos signos complexos. Tradicionalmente são conhecidos por sincategoremáticos.

Leslie White (1900-1975)


O livro de Leslie A. White, antropólogo americano nascido em janeiro de 1900 e falecido em março de 1975, é dividido em oito partes . O primeiro dos subcapítulos intitula-se
«A base da cultura: o símbolo”, proposição que deve permear todo o texto (White 1949:22). Dela deriva o termo simbolizar, que o autor define como “a capacidade de originar, definir e atribuir significados, de forma livre e arbitrária a coisas e a acontecimentos no mundo externo, bem como de compreender significados»

O homem torna-se humano, e se diferencia dos demais animais, pela capacidade de simbolizar. Essa capacidade humana, é pré-requisito para a existência da cultura. Devemos, portanto, entender o símbolo como unidade básica do comportamento humano. A civilização existe somente em razão do comportamento simbólico característico do homem.
O homem é fruto de uma evolução e de uma revolução: sua transformação em animal simbolizador lhe facultou o domínio sobre o mundo tendo como instrumento o discurso articulado. E a capacidade de conceituar, verbalizar, classificar que abre a possibilidade de uma variação quase infinita de organização e de desenvolvimento. Enquanto a organização animal é pouco elástica, o homem se distingue pela capacidade de organização de um sistema cultural que compreende aspectos ideológicos, sociológicos e tecnológicos. Diante dos dados anatómicos percebeu-se que a caixa craniana do homem era maior, por esta razão o seu cérebro também o era. Desta forma o pensamento humano o raciocínio a compreensão etc. estavam vinculados a um maior poder de associação de ideias derivado das faculdades mentais humanas.
No entanto Lesley constatou que a diferença entre os homens e os animais era qualitativa e não quantitativa. Isto quer dizer que o homem usa do símbolo para existir mas que estes símbolos são criados e inventados e idealizados pelos próprios humanos e não ha outros seres intermediários ao homem e animal que tenha esta faculdade.
O símbolo, portanto, é uma coisa cujo valor é atribuído pelos seus usuários, este valor nunca é determinado pelas características físicas do objecto em questão. Sendo sempre algo arbitrário que se torna convencional. Leslie também estabelece a distinção entre símbolo e signo.
Símbolo é criação que do valor a algo
Signo é a indicação que algo criado possui um valor.
Trata-se de uma forma física cuja função é aquela de de indicar que algo, uma outra coisa possui qualidade. O sentido de um signo pode ser inseparável da sua forma física. Como se fosse um termómetro com uma coluna de mercúrio que indica a quantidade de valor que uma coisa possui. São notáveis as experiências que Leslie acompanhou criando um bebe de um primata. Ficou claro que por quanto semelhante seja à educação dos humanos a uma certa altura a criança desenvolve a fala, a reflexão, a superação e construção de exercícios que supera o animal nem consegue sequer problematizar.

Escola semiológica francofona

Ordem simbólica
Há uma função que emerge sempre e totalmente e que engloba todo o género humano: a função simbólica (Lacan 1991:38). Ela intervém em todos os momentos e em todos os graus da existência. A totalidade da ordem simbólica chama-se universo, ela portanto possui um caracter universal. Logo que chega um símbolo há um universo de símbolos que implicam a totalidade de tudo aquilo que é humano. A ordem do simbólico como se apresenta holísticamente forma um universo, ou seja algo que constitui um universo que portanto se diferencia do restante mundo que o rodeia. As instancias simbólicas funcionam na sociedade desde o momento onde apareceu o homem. Desde que a função simbólica funciona nós nos encontramos ao seu interno.
O registo do simbólico é um lugar fundamental da linguagem é a relação entre o sujeito e o Outro. O sujeito envolve os aspectos consciente e inconsciente.
O signo
Do entrelaçamento entre real, simbólico e imaginário, advém o signo, definido como efeito do simbólico no real. É o real, sob a forma de nada que antecede o aparecimento de toda a vida, que é recalcado (recalque original) para que haja a inscrição de um significante, dando origem ao signo é fazer laço entre o simbólico, o imaginário e o real, para que se estabeleça uma interligação entre eles (Coutinho 2005:31).
Os signos são os elementos da ordem simbólica. Signo e símbolo não são sinónimos todavia indicam a mesma coisa, mas de dois pontos de vista diferentes. O símbolo designa um elemento linguistico que se encontra imergido numa trama simbólica de ausência e de presença. O signo designa o mesmo elemento linguistico como acto em si. O signo é a composição de significante e significado. Foi Ferdinand de Saussure a descobrir-lo.Segundo ele o significante é o lado material do signo pois é o fonema ou grafam através do qual nós ouvimos ou vemos o signo. Mas o signo é também signo de algo, de um significado, ou melhor de um «conceito». Daí o esquema de De Saussure do signo: s/S, significado sobre significante. Sobre, ou seja em posição dominante, temos os pensamentos do sujeito falante, pensamentos feitos de «conceitos», de significados.
De baixo, em posição subordinada, temos expressões materiais destes conceitos, os significados através dos quais o falante manifesta seus pensamentos. Para Saussure, enfim, o mundo é ainda percorrido por uma dicotomia cartesiana: de um lado o pensamento, doutro lado a matéria. E o pensamento domina a matéria, a res cogitans domina a res extensa. Pela qual, o lado espiritual do signo, o significado, domina o lado material, o significante. Lacan porem ribalta este esquema. Por ele, de facto, a psicanálise é a disciplina que nos obriga a admitir que, através do signo, e portanto a maior parte das vezes fala sem saber aquilo que se diz: isto quer dizer que fala, o inconscio fala nele. Portanto, o esquema saussuriano va ribalta: S/s. É o significante a dominar e a determinar o significado do signo . O significante, não manifesta simplesmente o sentido ou o pensamento do sujeito, como pensava Saussure, mas produz o sentido. Mas de que maneira?
Antes de tudo aclaramos os termos que ele usa: o sentido não é o significado. O sentido de uma frase inclui certamente o significado (das palavras), mas não se resolve integralmente no significado das palavras. O sentido é algo a mais do significado. Mas é o que o significado duma palavra? Que ser dizer que o significante domina e determina o significado?, como Lacan afirma? Uma primeira resposta, a mais simples, é a seguinte:
O significado dum significante é. . . um outro significante.
Esta coisa se pode averiguar de duas maneiras. Tomamos um substantivo, Um nome. Como nos vem explicado o significado de um nome? Através um outro nome ou, um conjunto de outros nomes que são sinónimos daquele. Este é o eixo paradigmático da linguagem definido por Jakobson.
Estrutura da realidade
A única via de o real se inscrever na estrutura é através dos efeitos de sua própria impossibilidade. O real é o que ex-siste assim como o simbólico é o que insiste e o imaginário é o que faz consistência. O simbólico corresponde às relações entre inconsciente e linguagem. A realidade é constituída por uma trama simbólico-imaginária, feita portanto de palavras e de imagens, ao passo que o real é precisamente aquilo que não pode ser representado nem por palavras nem por imagens: ao real falta representação psíquica.
O real é o que está fora do simbólico, sendo por isso mesmo definido como “o impossível de ser simbolizado”. O imaginário é tudo o que diz respeito à imagem do corpo sem a mediação da palavra, reduzindo as relações humanas à especularidade, o que faz com que sejam anulados os limites e as diferenças entre o sujeito e o outro como semelhante. No imaginário reina a lei do transitivismo, onde o eu se torna sinónimo do outro.
O amor está situado na junção entre o simbólico e o imaginário. No amor, portanto, o real está elidido, o amor não admite a perda, a separação, “o amor é forte, é como a morte” e “as suas brasas, são brasas de fogo” que “as águas não poderiam apagar”, não é o que afirma o Cântico dos cânticos? O ódio está na junção entre o real e o imaginário. Nele falta o simbólico, ou seja, falta a palavra em sua função de mediação. No ódio, o embate entre o sentido e o não-sentido é mortífero, nele os tratados são rompidos, os pactos rasgados, surge a guerra; a diferença se torna incompatível, já que o simbólico não pode assegurá-la. Ingressamos no regime de ou um ou outro. A ignorância está na junção entre o real e o simbólico. Nela o imaginário está elidido, inviabilizando a produção de sentido (Coutinho 2005:36-37).

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O corpo

O corpo como grande mediador: entre as disciplinas clássicas e contemporâneas; Entre o individual e o coletivo; Entre o aparelho psíquico e o aparelho cultural, entre o 'dentro' e o 'fora'. Obstáculos representados, primeiro pelo cartesianismo, naturalismo e por último pelo sociologismo, que mantinha uma correspondência mecânica entre corpo físico e corpo social, entre micro e macrocosmo. Atualmente, o corpo humano é conceitualizado para além do seu envoltório físico e, conforme pretendo mostrar, ele se constitui como um verdadeiro 'mediador ou' dispositivo conector entre as instâncias.
De forma explícita ou não, toda disciplina humana é um olhar sobre o corpo na medida em que evoca um antropos, no sentido maussiano do termo [Mauss, 1979 (1909, 1936)]. No corpo coincidem a antropologia do rito, da comida, da dança, dos gestos e do sacrifício. Não existe magia que não tenha um corpo como origem ou destino, assim como não existe exercício de poder sem um sujeito encarnado. A socioantropologia contemporânea, especialmente aquela realizada em contextos urbanos, está saturada de estudos que se referem de uma forma ou de outra ao corpo humano: tatuagens, piercings, moda, rituais de iniciação, circumcisão, novos costumes, etc. Porém, o interesse das ciências humanas pelo corpo humano não tem gerado um esforço suficiente de teorização.
As primeiras perspectivas neste sentido conferiam ao corpo um valor simbólico - a chave da localização do homem no mundo - que o tornava suscetível à geometrização e a uma possível replicação cósmica. Aos poucos, o caminho foi se abrindo - através da questão do sacrifício, da tortura, da dor, dos sentimentos - para uma visão mais ampla do corpo e sua participação na representação do mundo. Atualmente, a antropologia dos afetos, dores e emoções é um dos campos mais férteis, visto que são entendidos tanto como conceitos, quanto como estados corporais profundos [Le Breton, 1995].
A concepção representacionalista baseada em um mecanismo sistêmico foi substituída por uma concepção mais ampla e procedimental; O cognitivismo, em particular, introduziu novos parâmetros, como a ideia sugestiva de que a fronteira entre o externo e o interno, o interno e o externo é mais permeável do que se supunha anteriormente [Strathern, 1996].
Paradoxalmente, esse retorno epistêmico ao corpo tem gerado grande confusão terminológica com noções relacionadas como a pessoa, o sujeito, o ser, cujas relações será necessário redefinir desde
As ideias de si e da pessoa são socialmente construídas e variam historicamente. Qual é a diferença entre pessoa, sujeito, indivíduo ou ator quando se fala de um sujeito etnográfico? E como falar de correspondências, se não existe uma noção universal sobre o que é um corpo físico, social ou metafórico?
Se se parte apenas da noção de pessoa, a infinidade de suas variantes em culturas alternativas necessariamente leva à crença de que não é possível encontrar correspondências termo a termo de uma cultura para outra, uma vez que certos elementos constituintes da pessoa têm um status Extraterritorialidade, ou seja, não estão devidamente localizados no corpo físico. Portanto, não se trata de gerar um novo conceito, mas de conciliar a questão do sujeito empírico, de sua ontogênese como sujeito social, por meio do inventário de seus múltiplos componentes somáticos, psíquicos, sociológicos.
Sob esse olhar, a abordagem proposta abandona a ideia dominante de corpo temático ou corpo objeto, ou seja, a ideia simplificadora de um corpo neutro localizado em sua relação com domínios específicos da atividade cultural como saúde, religião, política, para dar lugar ao corpo analítico. Sob essas perspectivas, a compreensão de uma concepção alternativa do corpo, na qual intervêm elementos de diferentes tradições culturais - amgolanas, judaico-cristã, mágicas - articulada em uma síntese original, como a do Muxicongo, exige o compromisso de renunciar a qualquer tentativa de extrapolação. De categorias e modelos que podem até se apresentar como relacionados. Porém, a transcrição literal da exegese não poderia dar conta do universo etnográfico em sua plenitude, por isso é necessário um exercício intermediário de escrita que vise reconhecer os traços singulares da teoria africana do corpo.
Este é apresentado como um conjunto de noções, articuladas em torno da imagem e dos atributos da pessoa, vindos de Deus, dos ancestrais e da família, bem como o mfutu a longo no alembamento que o indivíduo deve oferecer e que se expressam na forma de proibições e prescrições corporais, ou seja, de ritos.
Esse reconhecimento poderia partir do momento em que se cria uma linha de demarcação entre baptizados e não baptizados, casados e amigados que é muito significativa pelas características que cada grupo adquire. Os Kwanhamas, Ovimbundu, Akwakimbundu, Ngoya, Bakongo e até os mestiços enquadram-se na categoria de batizados, enquanto os húngaros (ciganos) são excluídos do universo cultural sagrado por terem se escondido e recusado o batismo. Interessante é a associação que se estabelece entre o baptismo e o sedentarismo - característica marcante da missão evangelizadora jesuíta - versus o nomadismo dos ciganos, este último sinal de exclusão da comunidade humana.


Definição

Parte primeira


A ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA: DEFINIÇÃO E OBJECTIVOS

1. O que é antropologia filosófica?

O termo antropologia

(da gr. Antropo + logos) indica o estudo do modo humano de viver através da observação positiva e da análise histórica de suas múltiplas caracterizações. O termo antropologia no sentido de 'doutrina humana' teve um uso filosófico específico na primeira metade do século XIX, com L. Feuerbach, seguindo a crítica da religião (Feuerbach 1997:17). Daí o uso do termo por K. Marx em seus Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 (Marx 2004:112). A expressão 'antropologia filosófica' é, no entanto, típica do século XX e a sua origem pode ser indicada em M. Scheler, que resumiu sua concepção a esse respeito em O lugar do homem no cosmo (1927) (Scheler 2002 :23). Nasce do reconhecimento das disciplinas que surgiram na segunda metade do século XIX, como a antropologia física como ciência no campo da zoologia, psicologia, etnologia e sociologia e junto com o desejo de não renunciar a uma síntese e reinterpretação do conhecimento fornecido das novas ciências. Contudo, tal desenvolvimento filosófico da antropologia não é universalmente aceite; o problema da antropologia como uma forma de 'conhecimento' não é fácil de formular.

Pergunta de partida

Devido à peculiaridade de sua pergunta: Quem é o homem? , a antropologia filosófica não é uma ciência nem uma espécie de metascienza. Sua tarefa não é integrar os resultados da investigação científica do homem, de modo a ter uma imagem 'sintética' dele (Gevaert 1992:12). Uma síntese desse tipo é, em princípio, impossível. Existem muitas antropologias regionais e inseri-las todas em uma estrutura global, uma acabaria colocando-as todas juntas, sem vinculá-las umas às outras ou abordando-as logicamente, deixando de fora um grande número. Onde o princípio da própria unidade e ordem seria encontrado em uma síntese de elementos heterogêneos? Não seria reduzido a uma antropologia particular no exacto momento em que esse princípio é encontrado? A antropologia filosófica nem quer ser um conhecimento 'sistemático', um sistema construído com base em um único princípio - seja a alma, o espírito, o corpo ou outro - capaz de unir os inúmeros aspectos da existência humana .

«A reflexão crítica sobre o homem, como tema específico ou mesmo abrangente do conhecimento, é um fato da cultura 'moderna' e, de outra forma, da cultura 'contemporânea'. A antropologia cultural e filosófica moderna é a emergência crítica do interesse que pertence a toda experiência humana. O próprio termo antropologia começa a aparecer na modernidade como uma referência ao fenômeno empírico do homem. Nascem as chamadas “ciências humanas” que estudam o fenômeno do homem definindo-o segundo um perfil de investigação (biológico, etnológico, psicológico, sociológico, linguístico, estrutural, etc.)» (Brambilla 2009:18)

Contudo, a 'reflexão' do homem sobre o homem, operada, por exemplo, por um Protágoras (1955:261) ou Sócrates, para não mencionar os grandes pensadores gregos, testemunha, por um lado, que as raízes do problema antropológico, além das discussões sobre a antropologia filosófica, entendida como 'ciência', afundam-se nos primórdios de nossa cultura ocidental; por outro lado, que a antropologia, como um discurso sobre o homem, é uma área específica já claramente delineada nas próprias origens da nossa tradição cultural e acompanha, ainda que em formas mais ou menos reflexas e muito diferentes uma da outra, a história do pensamento que a caracteriza.

1.2 Definição

Podemos, portanto, chamar de 'antropologia filosófica' (ou filosofia do homem) toda tentativa de assumir a problemática específica do homem. De acordo com uma reflexão filosófica metódica, pretende esclarecer a grande questão que o homem coloca para si mesmo: Quem sou eu? O que significa 'ser homem'? A antropologia filosófica, em outras palavras, é a disciplina que toma o homem como objeto de sua pesquisa, a fim de esclarecer e de alguma forma estabelecer seu ser, ou seja aqueles que são os aspectos fundamentais de sua essência ou natureza. Poderíamos dizer também que a antropologia filosófica estuda o homem do ponto de vista do homem, para tentar elucidar e enunciar em consiste o mistério daquele ser que Pascal denomina 'monstro incompreensível' (Pascal, 1962: 181), partindo do fato de que todo homem, mesmo antes de qualquer reflexão, já compreende de alguma forma, pelo menos implicitamente, o que é 'ser homem': o homem é quem desde sempre conheceu a si mesmo de maneira original e imediata, mas não conhece tudo isso de maneira reflexa. O homem é, portanto, colocado em uma ambiguidade fundamental - entre a auto compreensão e a compreensão - que determina sua natureza. Essa ambiguidade é a própria condição da possibilidade de sua investigação e faz do interrogativo antropológico uma questão diferente das demais: mais do que ser colocada pelo homem, a questão antropológica se impõe ao homem e, como tal, é inescapável. Devido à peculiaridade de sua pergunta, a antropologia filosófica difere fundamentalmente das diferentes ciências humanas. As ciências de fato examinam o homem em primeiro lugar como um 'objeto' (embora não confundindo-o com coisas). Além disso o estudam a partir de pontos de vista relativos e sectoriais: psicológicos, biológicos, fisiológicos, políticos, econômicos, culturais etc. A antropologia filosófica, contrariamente as outras disciplinas que levam o nome de 'antropologia', estuda o homem como sujeito pessoal e na sua totalidade. Não se trata de descobrir ou fabricar uma definição precisa e definitiva do homem. 'Definir' o homem seria basicamente situá-lo na totalidade dos seres e esclarecer seu mistério a partir das diferentes esferas ou totalidade a que pertence (matéria, vida biológica, cultura, etc.). Nesse sentido, é absolutamente problemático se o homem é 'definível': seu mistério não pode ser totalmente compreendido através da análise da totalidade a que ele pertence.

1.3 Tipologias

A intenção geral que caracteriza a antropologia filosófica é suscetível de muitas abordagens, como mostra a história da reflexão humana nesse campo. Esquematicamente falando, as antropologias podem ser reduzidas a duas abordagens diferentes. O primeiro tipo de antropologia tem como fulcro o tema da lógica animal. Considera o homem acima de tudo como um ser pertencente ao mundo da matéria e da natureza e emergindo dele através de sua racionalidade. Antropologias desse tipo buscam entender o homem da vida biológica. Eles pegam as categorias do mundo natural e tentam usá-las para explicar não apenas as diferentes 'camadas' do ser humano, mas também seu mistério supremo. Tal abordagem, embora baseada em realidades empíricas e concretas, também acessíveis ao estudo científico, tem a desvantagem de não ser capaz de compreender suficientemente o mistério da pessoa; arrisca dividir o homem em uma pirâmide de camadas sobrepostas sem a real união entre elas.

Complementariedade

O segundo tipo de antropologia filosófica poderia ser chamado: antropologia do espírito encarnado. O homem é considerado, acima de tudo, como um sujeito pessoal que se torna consciente de si mesmo no encontro com os outros e com o mundo da natureza. A reflexão sobre a condição fundamental do homem revela as raízes corporais que tomaram carne na existência:

«Uma antropologia filosófica legítima deve saber não apenas que existe uma raça humana, mas também povos, não apenas uma alma humana, mas também tipos e personagens, não apenas uma vida humana, mas também idades de vida; Só englobando sistematicamente estas e outras diferenças, só conhecendo a dinâmica que rege cada particularidade e entre elas, e só mostrando constantemente a presença do um nas várias, poderá ter diante dos olhos a totalidade do homem» (Buber 1967:18).

As formas típicas em que essa antropologia é realizada são a fenomenologia existencial, nascida em reação contra a unilateralidade do racionalismo e do empirismo e polarizada pela idéia de 'existência' ou ser-no-mundo através de um corpo, e acima de tudo o personalismo e a filosofia intersubjetiva ou filosofia dialógica. A encarnação não é vista em lugar como estando perto das coisas, mas como estando com outros homens no mundo, com uma abertura para o mistério transcendente do homem.

Limites

Os dois tipos de antropologia têm suas próprias possibilidades e seus próprios limites. Não são duas antropologias mutuamente exclusivas, elas se mostram bastante complementares. Nossa escolha, como veremos, é a favor da segunda abordagem, com uma ênfase particular pela dimensão de 'significado' ou 'significado' da existência humana. A mesma problemática antropológica mostra como a questão: quem é o homem? é inseparável da pergunta: qual é o significado da existência? O que deve ser feito na existência? A própria natureza da existência humana é decisiva para o método a ser seguido na antropologia filosófica. Este último pretende fazer uma reflexão sobre o homem e sua existência para, através dele, não tanto responder à questão antropológica, mas, antes, colocá-la sob sua luz correta


«A esta reflexão sobre si mesmo, de que temos falado, o homem que se sente só e também o mais qualificado para a exercer, o homem, portanto, que, pelo seu carácter ou pelo seu destino, ou por ambos coisas ao mesmo tempo, ele está sozinho e com seus problemas, e que nessa solidão que fica ele consegue se lançar em si mesmo e descobrir em si mesmo o homem e em seus próprios problemas os do homem» (Buber 1967:24).

É uma reflexão que não pretende estabelecer de uma vez por todas o que é o homem, mas fazendo luz, tanto quanto possível, nessa realidade ambígua, complexa e contraditória que é a existência do homem. É uma reflexão principalmente de uma ordem transcendental, no sentido kantiano do termo (Buber 1967:15-16), que faz uso da fenomenologia, no sentido husserliano, visando captar as condições de possibilidade. Agora está claro que uma reflexão que não tem a pretensão de trazer à luz a constituição ontológica da essência do homem não é, por essa razão, operada sem uma ordem ou ponto de partida. Este ponto de partida poderia ser o fenômeno da auto-realização humana, na qual ele experimenta e se compreende. Mas o fenômeno, como o que é mostrado, já é compreendido, porque se manifesta em uma totalidade de significados. Os 'fenômenos', nos quais se produz a auto-realização do homem, já são em si fenômenos humanos em que 'transcendem' a si mesmos em seu próprio acontecimento e para isso supõem uma condição de possibilidade, são fenômenos ' marcado 'pelo fato que neles são reveladas modalidades constitutivas fundamentais da existência humana: o «ser-para-morte» (Heidegger, 2005:12), as «situações limites» (Jaspers, 1978: 458), a «comunicação interpessoal» ou ainda, o amor, o conhecimento, a liberdade, a consciência ética ecc ((Marcel) , 1951: 49).

1.4 O fenómeno humano

Acontece, no entanto, que não há, de facto, nenhum fenômeno humano privilegiado, porque há uma multiplicidade de fenômenos, e se esse fenômeno acontece, não pode ser um ponto de partida, mas deve ser encontrado através da reflexão, dado que o fenômeno se apresenta como aquilo que se manifesta, mas também como aquilo que é mostrado «como um fenômeno» (Buber 1967:39): a morte, por exemplo, eu certamente não a experimento como tal devido ao fato de eu refletir sobre ela, mas é verdade o contrário, mas é igualmente verdade que experimento a morte como um «problema» por ser capaz de reflectir sobre ela.

«Tudo aqui é perspectiva, o que importa é a maneira como o homem olha para o seu fim, se tiver a coragem de antecipar todo o ser da Existência, que não se revela até a morte. Mas somente se alguém falar do comportamento do homem com seu ser, de sua atitude para consigo mesmo, a morte pode ser limitada ao ponto final; mas se nos referimos ao ser objetivo, então a morte está presente no momento presente como uma força que luta com a força da vida; A situação do momento nessa luta determina toda a natureza do homem como Existência, isto é, como uma compreensão do ser com vistas à morte, do homem como ser que começa a morrer quando começa a viver e que não pode ter vida sem ele. morrer nem a força que o mantém sem a força que o destrói e o dissolve» (Buber 1967:87-88).

Uma pré-compreensão do homem, é sempre pressuposta como condição de toda explicação que inclui ser homem. Mas a pré-compreensão do homem não pode ser compreendida conceitualmente, porque sempre precede a compreensão conceitual. É apenas o fenómeno que pode ser apreendido conceitualmente, mas isso só é possível na medida em que o fenômeno está subjacente a um pré-conhecimento não-tematizado e, em última análise, não tematizável. Antes de começar a fazer uma reflexão filosófica, o homem vive há muito tempo e reflecte sobre sua própria existência. A filosofia não pode eliminar esse conhecimento: para entender a própria existência, não se pode deixar de viver, amar, trabalhar, etc.

Historicidade

Um ponto de partida menos exposto a este tipo de risco é talvez uma investigação histórica, que não se reduz a ser uma 'História da filosofia', mas quer criar um 'fundo', um 'horizonte' em que é abordado seja o problema do homem como também os conceitos ou ferramentas conceituais com os quais este problema foi definido ao longo dos milênios e através do qual ainda é possível colocar o problema do homem. Os mesmos «fenômenos humanos» estão sempre presentes em um dado horizonte histórico, razão pela qual o mesmo fenômeno histórico aparece diferente de tempos em tempos.

«Podemos distinguir na história do espírito humano os tempos em que o homem tem um quarto e os tempos em que está ao ar livre, sem casa. Na primeira, o homem vive no mundo como em casa, nas outras o mundo é o clima, e às vezes falta até quatro estacas para erguer uma tenda. No primeiro, o pensamento antropológico é apresentado como parte do cosmológico, no segundo esse pensamento ganha profundidade e, com ele, independência» (Buber 1967:24-25).

É, portanto, uma questão de operar um processo de aplicação ou apropriação, isto é, de fazer uma reflexão sobre o presente, mediando-o com o passado. É por isso que o nosso método, que definimos como reflexivo, também pode ser chamado de «interpretativo» ou «hermenêutico», porque, com base nele, pretendemos ler a existência humana, compreender seu significado fundamental. A quantidade e variedade de temas não permitem em nenhum caso o uso de um único método. O procedimento terá, de tempos em tempos, dependendo do tópico ou dos tópicos abordados, ao lado de uma investigação devidamente histórica, um caráter hermenêutico, fenomenológico, transcendental, etc. Muitas vezes, mais aspectos estarão presentes, quase confusos, em uma única discussão.

1.5 Estrutura dos argumentos

A compreensão do homem sobre si mesmo ao longo de sua história e do pensamento filosófico ocidental como ponto de partida para nossa reflexão é o tema do segundo capítulo. O terceiro capítulo expõe o nascimento e desenvolvimento da antropologia filosófica no século XX, que vê na ruptura com o instinto a característica essencial do homem (M. Scheler, 2002: 43, H. Plessner, 2006: 312, A. Gehlen, 1990: 159). O quarto capítulo destaca as vantagens, mas também os limites, de tal antropologia, buscando sua superação e fornecendo algumas indicações básicas úteis para um reexame temático do discurso antropológico. O quinto capítulo retoma o desenvolvimento da antropologia ocidental, identificando o fio condutor da questão relativa à relação entre espírito e corpo ou, dito em termos menos essenciais, entre razão e impulso. Isso levará a uma reflexão sobre o 'corpo' ou, melhor, sobre a corporeidade capaz de captar sua originalidade, trazendo à luz a ambivalência do fenômeno corporal e do nexo corpo-pessoa. A sexta parte trata, finalmente, das dimensões fundamentais do ser humano - liberdade, temporalidade, sexualidade e morte - a partir da originalidade e do significado do corpo humano em seu 'estar em relação'. O tema da morte, em particular, nos permitirá ver na ética a saída natural da antropologia.

2. A pergunta: quem é o homem? Não é uma pergunta como qualquer outra


2.1 Vimos como a antropologia filosófica assume a problemática que diz respeito especificamente ao homem e é resumida na pergunta que o homem coloca para si mesmo: «Quem é o homem? O que significa 'ser homem»? 'Agora uma pergunta faz sentido, caso contrário não é uma questão (Gevaert 1992:12). Uma questão expressa um não-conhecimento: alguém se pergunta por que alguém não sabe, mas desde que a pergunta é feita, seu objecto já é colocado em uma direção, caso contrário a questão não faria sentido. Portanto, uma questão em si contém uma antecipação da resposta e, ao mesmo tempo, implica a abertura para novas possibilidades. Assim, a questão não é saber, a direção do objeto, antecipação e abertura. Isso manifesta um não-conhecimento e pressupõe conhecimento. O não-conhecimento expresso pela questão é o aspecto negativo do mesmo. Uma questão se impõe onde algo negativo é experienciado e, em sua imposição, diz respeito à sua inevitabilidade. A negatividade da experiência dá origem ao repensar de uma maneira habitual de ver as coisas e tal repensar só é possível dentro de um conhecimento prévio do objeto da aplicação.

2.2 Formulação do problema

Uma pergunta geralmente contém quatro elementos: 1) um sujeito (a pessoa que o coloca: Quem?); 2) um objeto (o que está em questão: O que? 3; um horizonte (dentro do qual o objeto é definido: Em que contexto?); 4) um destinatário (aquele a quem a pergunta é feita: para quem?). A pergunta: quem é o homem? é uma questão diferente das outras, porque realmente diz respeito à pessoa que as coloca. O que está em questão aqui não é outra coisa senão o sujeito que pergunta (mundo físico, realidade histórica, Deus, etc.), mas é o próprio homem: o homem é e se torna um problema para si mesmo. Os quatro elementos que constituem cada questão naturalmente também constituem essa questão. No entanto, na questão (e apenas nesta questão): Quem é o homem? os quatro elementos - questionamento, pesquisa, horizonte, questionados - convergem em um único elemento: o homem. De fato, em qualquer outra questão, que não é essa, o sujeito (questionador) é sempre um sujeito humano, mas não é o homem. Quando, por exemplo, o biólogo pergunta, o sujeito de sua pergunta é o biólogo e, portanto, o objeto em questão é 'outro' do sujeito em questão e o horizonte da questão é, consequentemente, o horizonte da questão. objeto, não o assunto. O biólogo não questiona 'ele mesmo'; ele faz perguntas como biólogo. Pelo contrário, o homem que coloca a questão antropológica faz perguntas como homem.

O sujeito da questão

Mesmo as disciplinas ou ciências humanas (por exemplo, história ou moral) estão sujeitas ao que foi dito sobre qualquer outra questão que não seja a questão colocada pela antropologia filosófica. É de fato claro que o objeto da questão do historiador são os eventos humanos e os moralistas são atos humanos, mas eventos humanos e atos humanos ainda não são humanos. Portanto, o homem é: sujeito da pergunta: quem é o homem? como é ele quem coloca; sujeito do requerimento, como se questiona (não seus atos ou eventos biológicos ou psíquicos); o horizonte do objeto em virtude do qual a demanda (sua existência) é possibilitada; finalmente, o questionado. Se é ele mesmo quem questiona, o homem só pode fazer a pergunta a si mesmo. Como você pode ver, a pergunta: quem é o homem? é uma questão 'radical', porque vai à raiz de seu objeto: o homem não apenas se questiona, mas questiona a si mesmo (o biólogo faz perguntas a si mesmo, mas não se questiona): Nisto reside a peculiaridade da questão antropológica, que para isso é uma questão filosófica, na medida em que é inerente ao próprio fundamento do 'ser humano', em sua essência ou natureza, e não em um de seus aspectos, por mais importante que seja.

2.3 Primeira resposta

Em sua posição, a pergunta: quem é o homem? já oferece uma primeira resposta: o homem é quem pergunta. Somente o homem, de fato, entre todos os seres vivos, tem a prerrogativa de perguntar. Ele é colocado na possibilidade (na medida em que ele se entende de alguma forma antes mesmo de se fazer perguntas) e na necessidade (como eles são sempre 'externos a ele' de questioná-lo) de perguntar. Mas o que faz com que o homem reflita sobre si mesmo? As raízes mais profundas da questão antropológica parecem ser procuradas não tanto na contemplação desapaixonada que o homem faz de si mesmo, em um conhecimento para o conhecimento (embora este aspecto também esteja presente), mas sim no fato de que o homem se sente nas palavras de Heidegger, jogado-no-mundo: ele se vê vivendo contra sua vontade e, apesar de tudo, quer viver (Heidegger, 2005, p. 34). Não é tanto através da introspecção ou de um exame meticuloso e sistemático que as intuições mais válidas sobre a situação do homem foram alcançadas, mas sim através da surpresa e do impacto de fracassos dramáticos. A reflexão radical geralmente ocorre na onda de frustração, em momentos de crise e decepção, e raramente seguindo os sucessos e triunfos do homem. Perguntamo-nos quem somos para saber como devemos viver e qual é o significado da vida, apesar de seu absurdo. Como já foi dito, o problema do homem deve ser enfrentado não apenas nas salas de aula de ensino, mas também no meio dos prisioneiros nos campos de extermínio e diante de um cogumelo de explosão nuclear.

Aspectos da questão fundamental

A pergunta: quem é o homem? é uma questão especificamente humana, pois seus problemas vitais são especificamente humanos: liberdade, relacionamento interpessoal, dor, morte, imortalidade etc. Por outro lado, é necessário acrescentar que os eventos 'externos' ao homem, que o levam a se questionar, não são por essa razão acontecimentos estranhos a ele. Eles já são parte de seu ser, eles já são factos humanos (Fabietti 2010:26). A natureza da nossa investigação contrasta com outras investigações, porque, ao contrário dos outros problemas, no problema do homem estamos pessoalmente envolvidos. Em outras análises, o sujeito e o objeto permanecem separados; pelo contrário, no que diz respeito ao conhecimento de mim mesmo, sou o que procuro conhecer, sujeito e objeto são um. Não podemos refletir sobre a humanidade do homem e, ao mesmo tempo, nos manter em posição de completo desapego, já que ninguém pode ficar longe de seu próprio ego.

«Antropologia é uma disciplina que exige Constância de observação, atenção, capacidade de estabelecer conexões entre coisas aparentemente não relacionadas e, acima de tudo, uma boa dose de desapego interessado» (Fabietti 2010:19)

A razão para a dificuldade de conhecer e definir a natureza ou a essência do homem é que as modalidades do conhecimento humano se referem a coisas dotadas de qualidades 'naturais', incluindo nós mesmos à extensão limitada em que representamos as espécies mais desenvolvidas da vida orgânica. provar inadequada quando nos perguntamos: 'E quem somos nós?' A razão para isto é que o ser humano nunca é ser puro: implica sempre um significado, que é inerente à natureza humana, quanto espaço é para as coisas. O interesse pelo significado não é auto-imposto pelo ego, é antes uma necessidade do seu ser.

Ser e significado

Para a mente que enfrenta a realidade, o problema mais importante é o ser, mas para a mente que enfrenta a questão antropológica, o problema crucial é o significado. Significado e ser não tem a mesma largura. A busca do significado do ser pelo homem é a busca daquilo que o transcende e expressa a insuficiência do mero ser. O significado é uma categoria primária, não redutível a ser como tal: a existência não deriva seu significado do reino do ser, porque ser em si é menos do que ser humano. O humano não deriva de ser. A pergunta sobre o homem que pede uma resposta diz respeito ao seu significado, por isso não nos perguntamos: 'O que é o homem?', Mas: 'Quem é o homem?'. Como o homem é explicável; como pessoa ele é um mistério. Como o que ele está acabado; como pessoa é inesgotável. A pergunta: 'Quem é o homem?' Não diz respeito ao homem em termos de sua realidade atual, como um objeto no espaço; é antes a busca de um valor, uma posição e uma condição na ordem dos seres (Heschel 2001:53). Não é apenas uma questão de saber qual é a natureza da espécie humana, o que é um ser humano, porque o homem não é apenas um ser de uma espécie particular; é também, e acima de tudo, uma questão de saber o que é humano no ser humano, o que é ser humano, e esta questão baseia-se na premissa de que a categoria do humano não deriva simplesmente da categoria do ser. O atributo 'humano' no termo 'ser humano' não é uma qualidade acidental, somada à essência de seu ser, é antes essa mesma essência. O homem não é um ser, que também é humano: o homem é humano ou não é.

2.4 Quem é que formula o problema?

Se é verdade que o sujeito e objeto da questão antropológica é o homem, então devemos nos perguntar: quem é o homem que pergunta e com qual homem ele está falando? Aqui não é uma questão de saber 'o que' o homem é, mas 'quem' é o sujeito da questão e 'quem' é o objeto da questão. Na verdade, é sempre o homem entendido como esse homem que coloca a questão antropológica: é sempre Pedro (ou Paulo ou João ...) que se questiona e faz perguntas sobre si mesmo ('Quem sou eu?'). Mas, desta forma, a questão antropológica não é uma questão sem resposta, uma vez que toda resposta é sempre a resposta desse homem, que não será necessariamente a mesma resposta de outro? A questão colocada por este homem (Pietro, Paolo, Giovanni ...) nunca verifica na verdade sobre este homem, mas sempre sobre o homem, sobre o homem como tal, mesmo quando este homem reflete sobre si mesmo. Em sua própria pergunta, a questão vai além de seu próprio eu (o ego empírico) da pessoa que a coloca, porque só assim a questão desse homem sobre si mesmo é uma questão real e tem uma resposta. A pergunta: quem sou eu? em última análise, significa: qual é a minha essência (ou natureza)? isto é: quem sou eu, além da minha situação concreta? Qual é o significado da dor, além da minha dor? Agora, a essência não é um dado empírico, mas diz respeito ao universal. Pedro, que reflete sobre si mesmo, 'transcende' a si mesmo pela mesma razão que faz a pergunta. O objeto da questão (sujeito) desse homem é, portanto, sempre o homem. Mas um homem que reflete sobre o homem não é, comparado a este último, um homem 'diferente' (ele não é Pedro que reflete sobre Paulo), mas ele mesmo é o homem (sujeito) que se entende por reflexão deste homem. Sujeito e objeto da questão antropológica, como dissemos, são a mesma coisa. Mas isso também significa que a essência do homem não é de modo algum algo abstrato, sobre o qual esse homem reflete de maneira impessoal, porque ainda é esse homem que se questiona. Pelo contrário, significa que a essência do homem é também a essência desse homem: «Todo homem carrega dentro de si toda a forma da condição humana » (Montaigne 2012:1487). A essência, na verdade, implica existência, mas a existência é sempre e somente a existência desse homem: Pedro existe, Paulo existe ... Não é possível conceituar a existência. A 'irredutibilidade' da existência e a 'universalidade' da essência, em sua relação dialética, constituem a realidade pessoal do ser humano (Marcel 2011:109).

Bibliografia:

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Buber, M. (1967). Que es el hombre? Ciudad del México: Fondo de Cultura Economica.
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Fabietti, U. (2010). Elementi di antropologia culturale. Milano: Mondadori.
Feuerbach, L. (1997). L’Essenza del Cristianismo. Laterza: Bari.
Gehlen, A. (1990). Antropologia filosofica e teoria dell’azione. Napoli: Guida.
Gevaert, J. (1992). Il problema dell’uomo. Antropologia filosofica. Torino: Elle di ci.
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Heschel, A. J. (2001). L’uomo non è solo. Milano: Mondadori.
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Scheler, M. (1997). La posizione dell’uomo nel cosmo. Roma: Armando.






História do termo
Parte segunda

HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA


Desde a antiguidade até Hegel, a crença que impulsiona a pesquisa é que a razão é o princípio orientador. O homem é um participante dessa razão e sua tarefa é perceber isso em si mesmo contra todos os impedimentos. Nessa abordagem são tratadas as mais diversas questões antropológicas: a relação entre razão e impulso, entre pensamento e vontade, pensamento e sentimento, consciente e inconsciente, espírito e corpo, etc. Nela há uma ideia que durante séculos será considerada natural e óbvia: a razão no cosmos como no homem é o que é mais alto e, portanto, também o que é decisivo.

3. Antropologia filosófica grega:


3.1 Platão
Para Platão, a possibilidade de o homem viver feliz depende da condição da alma, isto é, de sua virtude ou falta de virtude. Devemos, portanto, garantir que a alma atinja sua melhor disposição.

«Portanto, se darmos seguimento ao que eu disse, nos convencendo de que a alma é imortal e potencialmente capaz de assumir sobre si todos os tipos de bem e mal, sempre manteremos o caminho que sobe, comportando-nos em todas as circunstâncias de acordo com a justiça. combinada com sabedoria. Para que possamos estar em paz connosco mesmos e com os deuses, tanto em nossa estadia nesta terra, quanto depois, quando tivermos coletado as recompensas da justiça, como fazem os vencedores quando coletam troféus em triunfo. Em suma, tocaremos a felicidade aqui na terra e na viagem milenar que ilustramos» (Platone 2009:84)


Como é necessário cuidar do corpo do ponto de vista da saúde, a alma deve cuidar de sua mais alta possibilidade, que se manifesta em certas virtudes e, em particular, na justiça. De acordo com Platão, cuidar da alma acontece em um processo de elevação no qual o homem abandona o dado sensível e se volta para o mundo das Ideias. Em Platão, o homem não é tão tematizado no aspecto naturalista, mas partindo de uma abordagem ético-ontológica.

Uniformidade, estabilidade, imutabilidade, e imortalidade

Na medida em que a alma se torna boa e apenas através da contemplação das Ideias, isto é, reconhecendo a ordem geral representada por todas as determinações essenciais próprias de cada entidade e conectadas umas às outras através da ideia do Bem, os predicados atribuídos a ela competem com ela às próprias Ideias: uniformidade (Platone 2007:107), estabilidade (Platone 2007:96), imutabilidade, imortalidade (Platone 2017:105). Por pertencer originalmente à dimensão das Ideias, a alma é superior ao corpo e ao mundo corpóreo, que se caracteriza pelos predicados opostos aos do âmbito ideal. O elemento do corpo é multiforme, mutável, instável e transitório (Platone 2015:553). Durante a vida, a alma e o corpo estão unidos, mas é uma união puramente externa, não essencial em um nível essencial. A alma, que constitui o verdadeiro ser do homem, tem sua própria existência: antes do nascimento, como uma entidade incorpórea, ela puramente contemplou as Ideias (Platone 2007:81).

Separação entre a alma imortal e o corpo mortal

No momento do nascimento, ela está ligado ao corpo e, portanto, durante a vida, ele deve tender a se dissolver no corpo e ir embora puro e sem danos. A essência e o valor do homem são assim colocados apenas no que é espiritual. Mesmo para Platão, no entanto, quanto ao pensamento grego em geral, é possível e necessário considerar a alma sob seus aspectos biológicos. Uma clara separação entre a alma imortal e o corpo mortal não pode ser colocada como a verdadeira doutrina de Platão. Todos os impulsos, que são as forças originais que invadem corpo e alma e que são as forças verdadeiramente determinantes da vida, vêm do corpo e, portanto, o corpo anseia, deseja, anseia (Platone 2007:105) mas é apenas a alma que é ativa, não o corpo, porque é a alma que age no homem, e não apenas quando o homem se opõe aos impulsos, mas também quando os segue. A alma não se torna ruim pelo simples fato de estar unida ao corpo, mas somente se voluntariamente se abandona ao elemento corpóreo.

As partes da alma

De acordo com a perspectiva platônica, os impulsos devem ser considerados como forças da alma e, precisamente, de uma alma que está ligada ao corpo, quando não são considerados em termos mecânicos, mas éticos. Entendida dessa maneira, a alma inclui todas as ações possíveis do homem, tanto racional quanto impulsiva-irracional (Platone 2017:107).

A racionalidade

A parte suprema da alma é a parte racional e reflexiva; para isso é a sabedoria, que é a visão das Ideias: a alma deve se aperfeiçoar através do conhecimento das Ideias. Esta parte suprema é oposta à faculdade do desejo, isto é, paixões. O homem, de fato, pode se opor às paixões e, portanto, a razão não pode se identificar com as paixões. Deve, portanto, ser reconhecido que no homem há duas forças fundamentais que devem ser atribuídas a duas partes opostas da alma. Para essas duas partes, Platão acrescenta um terceiro: o irascível, que se distingue tanto da concupiscência quanto da parte racional (Platone 2009:1185). Com esta subdivisão das partes da alma, concebida de modo a compreender todas as ações possíveis do homem, Platão essencialmente apresenta um problema real: nas suas ações, os homens muitas vezes não seguem os ditames da razão, isso não implica que a razão em si e de acordo com a sua essência é mais fraca que as outras camadas da alma, mas indica que no homem o elemento racional não pode ser considerado como o elemento poderoso de maneira tão única que garanta que esse homem age sempre e racionalmente. A doutrina das partes da alma não é um sistema psicológico construído com uma intenção teórica, mas tem um significado prático e ético: a alma deve fornecer para criar uma relação harmoniosa entre suas partes, mas isso não significa que a própria alma pode ser distinguida das suas partes e tomada em si mesma (Platone 2007:90).

A alma como força que age

A alma agente está bastante presente em cada uma de suas partes, sem estar unicamente ligada a uma delas. No entanto, em si mesma, isto é, de acordo com a classificação ontológica, a alma está presente acima de tudo na parte mais alta e, com base nisso, pode ser definida como uma força directiva. Platão concebe a hierarquia ontológica da alma - racionalidade, irascibilidade (ou animosidade), concupiscência - em correspondência com a ordem natural do cosmos que mantém o ser em existência. É de acordo com essa ordem natural que a verdadeira realidade é o elemento racional em quanto é o bem; com respeito a isso, o que é contrário à razão e é mal é deficiente e participa em ser em menor grau. Essa ordem natural, de acordo com a qual a razão é o que é mais importante, não exerce nenhuma restrição mecânica ao conhecimento e à ação humanos; a alma pode, de fato, derrubar essa hierarquia e, desse modo, se perder no puro não-ser. Em quanto essência, Platão significa a alma como uma essência intermediária: em si mesma pertence às Ideias, na verdade, oscila entre a esfera superior e inferior. É por isso que é uma realidade indeterminada: pode percorrer o caminho, que é o caminho que é naturalmente feito por ela, mas também pode escolher o caminho para baixo.

Separação alma-corpo

Em Platão, a alma e o corpo são separados para que o corpo apareça como o verdadeiro depositário das paixões (Platone 2007:56). O homem, portanto, segue as paixões não en quanto ele próprio, isto é, como um ser racional, mas apenas enquanto ser corpóreo. Ao mesmo tempo, no entanto, é precisamente o próprio homem, isto é, a alma, que concede ao corpo de satisfazer os desejos relacionados aos impulsos: faz parte da razão a tarefa de conceder exitos adequados às paixões e instintos, para que assim se acalmem. Platão reconhece, assim, que a primazia ontológica da razão não significa, de modo algum, que a natureza do homem seja boa. Pelo contrário, ele deve sempre lutar contra as paixões e tender à racionalidade (Platone 2007:103). Este processo de conversão ou transformação, no final do qual a visão das Ideias é conseguida, é de facto o fruto da educação, mas é finalmente realizado pelo indivíduo em sua própria alma.

Antropologia filosófica grega: Aristóteles

3.2 Para Aristóteles, a filosofia é uma ciência que, de acordo com as diferenças da realidade e seus possíveis modos de lidar com ela, é dividida em disciplinas distintas. Existem entes que são objeto de várias disciplinas. O homem é um desses entes; ele deve ser estudado em biologia, psicologia, ética e teologia (Aristotele 1996:438). Ele é o objeto da biologia porque ele é uma entidade natural, isto é, animada. Como tal, é uma coisa única constituída pela união de matéria e forma, que compete pela possibilidade de movimento. Matéria e forma constituem uma unidade íntima no ser vivo.


«Noutro sentido entende-se derivar do composto de matéria e forma, assim como as partes derivam do todo, (…) Ademais, entende-se no sentido de que a forma provém de suas partes: por exemplo, o homem (…). De fato, a substância composta provém da matéria sensível, enquanto a forma provém da matéria da forma (…). Demonstramos e esclarecemos em outro livro que ninguém produz ou gera a forma; o que é produzido é o indivíduo e o que é gerado é o conjunto de matéria e forma (…). De facto, poder-se-ia considerar só a natureza como substância nas coisas corruptíveis» (Aristotele 2002:253.379).


A alma é concebida como uma forma dessa unidade; não é algo material presente no corpo, é antes o começo da vida de um corpo «de facto, a alma, na qual reside originariamente a vida, é uma parte do homem» (Aristotele 2002:245). Em correspondência com as várias configurações de vitalidade, diferentes faculdades da alma são dadas, tais como a faculdade nutritiva (Aristotele 1991:140), a faculdade apetitiva e a faculdade sensitiva (Aristotele 1991:190). No entanto, essas faculdades destacadas pela biologia não dizem respeito ao homem como homem, porque elas também são animais (Aristotele 1991:145). Ao contrário dos animais, o homem participa da razão, que, no entanto, não é algo especificamente humano. Ela compete principalmente com a divindade. Neste ponto, o homem se torna o objecto da teologia, uma vez que devemos nos voltar para ele para compreender a essência da razão.

O homem ao nível de deus?

O homem é, portanto, um ser intermediário (Aristotele 1973:290): ele não é uma entidade única como o deus e o animal. Como criatura viva, isto é, como um ser animado, o homem não é essencialmente distinguido do animal, não apenas por sua forma corporal, mas também por suas atividades elementares, como a busca por comida, reprodução e movimento. A razão, por outro lado, como determinação do divino, não tem nada em comum com as características da vida natural. Deus é colocado além da natureza, isto é, não é caracterizado pelo movimento (Aristotele 2002:565). A razão humana, ou mais precisamente a razão do homem, nunca é razão pura como a razão divina. Na totalidade de seu ser, o homem é e continua sendo um ser vivo e, como tal, ele está subjacente às leis do que é orgânico. O homem não pode, portanto, continuamente pensar como um deus pensa, estando ligado ao ritmo biológico da vigília e do sono (Aristotele 2002b:329).

A alma e a razão

Também no homem, no entanto, a razão, em quanto tal, diz Aristóteles, não pode entrar adequadamente nas conexões biológicas. Para não afetar a liberdade essencial da razão como tal, Aristóteles, portanto, coloca uma clara diferença entre alma e razão no homem: a razão aproxima o homem do exterior e permanece transcendente à conexão vital; é imortal, ao contrário da alma individual que, no momento da morte, perece junto com o único ser vivo do qual é apena a forma determinante.

Teoria do conhecimento

Com a separação clara da alma (?π?λυσις), ou mais precisamente do ser vivo, da razão, Aristóteles também enfatiza o outro aspecto fundamental, o da interdependência das duas determinações, e isso tanto na sua teoria do conhecimento quanto na sua ética. O conhecimento apresenta diferentes graus: a razão pressupõe o nível inferior de conhecimento, o nível no qual as imagens sensíveis estão ligadas à entidade. A actividade da razão consiste em elevar essas imagens sensíveis, colocando-as para si e conectando-as umas com as outras, para que possam ser expressas como tais em sua pureza. Mas, como nessa atividade a razão pressupõe a atividade da percepção e da imaginação, não é a razão divina. Aristóteles fala neste contexto de 'razão da alma' e a contrasta com a razão como 'separada'. Essa razão, da qual o homem participa, é justamente por direito próprio e impassível (Aristotele 1991: 125, 408b). Quanto à ética, Aristóteles distingue três partes da alma: uma parte que é completamente desprovida de logos (vida vegetativa), uma parte que possui o λ?γος (razão) e uma parte mista, que não é racional, mas ele pode ouvir a razão. A ética tem apenas a ver com essa terceira parte; seu propósito é de fato adaptar o apetite à razão através do hábito, e levar a agir eticamente (Aristotele, 2008:483).

3.3 Antropologia Grega

O pensamento grego é um pensamento objetivo, isto é, dirigido ao mundo, κ?σμος, 'universo'. Busca a fundação e as leis da realidade, entendidas predominantemente como uma realidade natural, em que o homem, no entanto, ocupa um lugar central, pois percebe-se que há uma ordem gradual de ser, que das coisas desprovidas de vida atinge os caminhos. ser e trabalhar com o espírito.

O homem na filosofia grega

O homem é concebido como uma parte da natureza, pertencente à esfera da 'física', isto é, das coisas sujeitas ao devir e à mudança. Mas deste mundo ele é distinguido por sua 'alma' (ψυχ?), em que nele todos os graus de existência e vida estão conectados em uma unidade superior: o homem é o centro unificador, o 'microcosmo' (Democrito 2007:109), porque todo o universo é refletido nele. O homem é, portanto, a sua alma: essa convicção está presente até mesmo nos primeiros pensadores gregos, embora chegue a uma formulação explícita apenas com Sócrates (Senofonte 2013:23-24) e depois, como vimos, ainda mais com Platão e Aristóteles.

O pensamento

Mesmo se os filósofos pré-socráticos estão preocupados em sua busca para capturar o ?ρχ? de tudo (Lami 1995:126), eles estão conscientes de que ainda é o homem que coloca a questão: Thales, Anaximandro, que dá uma explicação antropomórfica para cada transformação e perecimento das coisas, Heráclito, segundo o qual o que distingue o homem é a percepção do λ?γος, ou do significado e da lei do mundo, e finalmente Parmênides (Capizzi 1975:35-36), que considera o homem caracterizado pela faculdade do pensamento (noein) com o qual domina todo o ser e o acontecimento mundano. O λ?γος ou νους gradualmente se tornam os conceitos fundamentais da autocompreensão humana: o homem é entendido em primeiro lugar (não exclusivamente!) como ser racional (zoøn logikon). Com o advento do sofista, o homem, situado numa ordem objetiva e certa do mundo, é colocado pela primeira vez em questão, como o ceticismo sobre o conhecimento da verdade, com o consequente subjetivismo e relativismo: π?ντων χρημ?των μ?τρον ?νθρωπον ε?ναι (o homem é a medida de todas as coisas ): (Protágoras 1955:177). Ele muda a ênfase para o próprio homem e não mais para o mundo no qual se encontra. Sócrates fará essa mudança de interesse, mas superando a posição cético-relativista do sofista, através do conceito de racionalidade do homem, considerado no aspecto relativo às normas e aos valores morais: o homem, com seu comportamento prático-moral, está intimamente ligado à verdade eterna, imutável e universalmente vinculativa.


«Que opinião fazes do conhecimento? Ajuízas a esse respeito como os demais homens, ou por modo diferente? A grande maioria dos homens pensa do conhecimento mais ou menos o seguinte: que não é forte, nem capaz de guiar, nem de comandar; não cogitam dele nessas conexões, sendo, pelo contrário, de parecer que muitas vezes, embora seja o homem dotado de conhecimento, não é governado por ele, mas por qualquer outra coisa, ora pela cólera, ora pelos prazeres, ora pela dor, algumas vezes pelo amor, e muito frequentemente pelo medo, e consideram o conhecimento mais ou menos como um escravo que se deixa arrastar por tudo» (Platone 1980:95)


Esta intuição socrática será retomada por Platão, que lhe dará um 'arranjo teórico' através da descoberta do mundo inteligível como fundamento ontológico do sensível.

«O conceito de ψυχ? é sem dúvida um dos mais fortes e influentes criados pelo pensamento dos gregos. Platão certamente deve muito a Sócrates neste ponto, mas ele expandiu consideravelmente a concepção socrática e fundou-a no plano metafísico com a descoberta da realidade meta-sensível que ele fez, e consagrou-a definitivamente para o Grécia e ocidente» (Reale 2009:71).

Pode-se dizer, em conclusão, que o pensamento grego fez uma contribuição muito valiosa para a compreensão do homem, captando seu aspecto espiritual e, assim, distinguindo-o do resto do mundo natural, mas reduzindo a essência ou natureza de seu próprio mundo natural. do homem para a sua 'alma', para a faculdade cognitiva ou intelectual, questionando assim a alma e não o homem como um todo, de modo que mais do que uma 'atropoeologia' é apropriado falar de um 'psicopata'. Língua grega. Além disso, foi corretamente observado que o texto mais importante da antiguidade clássica sobre o homem, que devemos a Aristóteles, é intitulado Περ? ψυχ?: A alma, e não o homem:


«Parece também que o conhecimento da alma contribui muito para a verdade em todos os campos, e principalmente para as pesquisas sobre a natureza, visto que a alma é como o princípio dos animais. Pretendemos considerar e conhecer a sua natureza e essência e, posteriormente, todas as características que lhe pertencem» (Aristotele 1991:109).

4. Antropologia filosófica medieval

4.1 Renasce o pensamento antigo

O pensamento cristão-medieval sobre o homem não é um mero renascimento do pensamento antigo, nem uma simples adaptação disso para aquilo. A contribuição decisiva dada pela revelação cristã à concepção do homem é uma autêntica descoberta do homem, ao contrário de um humanismo como o clássico, impregnado do naturalismo. É somente com o cristianismo que o homem emerge como um valor original, que não consiste principalmente em sua participação em uma essência humana universal, mas na realização dessa essência em sua própria singularidade existencial, uma compreensão que envolve o indivíduo com sua própria responsabilidade pessoal, e faz dele uma pessoa, embora neste compromisso a ação de Deus entre imediatamente, no pensamento grego o espírito foi ordenado ao que é universal e necessário, com a consequente desvalorização de todo o ser intramundano. O que está sujeito às mudanças não é um verdadeiro objeto de conhecimento.

Dimensão histórica

A importância da dimensão histórica do homem é, portanto, em grande parte desconhecida. Essa dimensão irá adquirir o lugar que compete por ela, refletindo sobre o homem apenas com a Revelação. Mais do que alma, espírito, ser conhecedor, o homem é concebido como um ser histórico, isto é, apanhado em sua história, onde por história nos referimos ao lugar do diálogo e do encontro de Deus com o homem: a história é a história da salvação. O apelo de Deus determina a natureza daquele que é chamado e aquele que é chamado é sempre esse homem. Do ponto de vista teológico, esse é o problema da relação entre a graça divina e a liberdade humana. O problema da graça e da liberdade ou da posição concreta da criatura diante de Deus torna-se o problema antropológico da reflexão cristã. Com o cristianismo, o homem não é mais concebido apenas como um animal dotado de razão (cf. Aristóteles 1955:61), mas também como pessoa, uma noção desenvolvida afinal em um contexto teológico, mesmo antes de um pensamento filosófico e histórico, e nem mesmo Então, como ser simplesmente natural.


4.2 Aurélio Agostinho

A antropologia de Santo Agostinho é decisiva nesse sentido. Na teologia latina eram recorrentes estas expressões: susceptus homo, acceptus homo, assumptus homo com o significado de homem tomado, revestido ou assumido por Deus (Santo Agostinho 1994:574). A natureza humana, num ser concreto e singular era tomada, revestida e assumida por Deus. A palavra “assumiu” e outras equivalentes são empregadas apenas como metáforas, duma união pessoal e intima. Agostinho distingue o homo interior do homo exterior (Santo Agostinho 1994:151) e o homo novus do homo vetus (Santo Agostinho 1994:377). O velho é o único separado de Deus e o novo homem é aquele convertido por Deus para com Deus, o homem velho é o homem externo que possui um corpo e que em razão deste ser corpóreo está ligado à temporalia e à carnalia . Pelo contrário, o novo homem é o homem interior caracterizado pela temperança e sabedoria. Ele está em relação com Deus, que converteu o homem mostrando-se como o ser autêntico e atraindo o homem para si mesmo. Ambas as subdivisões são determinadas pelo contraste entre 'naturalidade' e 'liberdade'. O homem que existe como homo vetus e homo exterior está ligado ao mundo; o relacionamento constante com o mundo é de certa forma pré-atribuído e parece 'natural' para ele. Mas, em termos cristãos, essa naturalidade é a da natureza caída, um estado de corrupção resultante da liberdade (Santo Agostinho 1994:379). Por outro lado, homo interior e homo novus não são algo dado. É a partir de sua interioridade que o homem deve realizar-se e isso significa que ele é realizado apenas em seu relacionamento com Deus, ou seja, em ouvir o chamado de Deus. O caminho para Deus é uma ascensão de baixo para cima, do transitório e terrestre para o que é imperecível e celestial, do corpóreo para o espiritual. Até mesmo a entidade mundana está relacionada a Deus e, como é uma entidade criada por Deus, apresenta sua própria ordem. O homem entende essa ordem em sua totalidade e em seus detalhes, mas somente se relaciona o mundo a Deus e entende Deus como Deus, embora Santo Agostinho admite que a compreensão do mundo exterior só é adequada se o espírito se tornar essencial em relação a Deus, que como criador e conservador abraça tanto o mundo quanto o Ego, o que se tornará dominante para a tradição subseqüente é a convicção de que o homem deve separar-se do mundo para ser verdadeiramente humano, como seu caminho. para Deus é o reditus in se ipsum que, como tal, é guiado por Deus (cf. Sant’Agostino 1994:72). Em sua reflexão sobre si mesmo, o espírito é entendido como finito; isto é, inclui que o cumprimento do homem consiste em ir além de si mesmo em direção à origem divina, já que tudo que é finito necessariamente se refere ao infinito como o positivo no qual sua existência é baseada (Agostino 2001:628). Nesse movimento de transcendência, o espírito realiza a ordem hierárquica por si mesmo. Mas este facto significa que no espírito existe agora a possibilidade de uma separação do mundo externo. O mundo é assim idealmente entendido no espírito, isto é, na dimensão da essência. Assim, o homem adquire a consciência da responsabilidade na construção do mundo, impedido apenas pela convicção de que é o próprio Deus quem faz o sujeito conhecedor pensar dentro de si, ou em sua memória, o mundo externo em sua forma pura e essencializada (Agostino 2018:841). Nesta consciência do homem de responsabilidade na construção do mundo, surge a ideia de historicidade. A perspectiva de uma historicidade dotada de sentido e uma dimensão pessoal da liberdade com que o indivíduo se apropria desse sentido são, no contexto filosófico próprio, a novidade real e decisiva que o pensamento cristão trouxe ao homem. Historicidade e liberdade são aspectos que se opõem substancialmente às categorias de necessidade (αν?γκη ) e destino (moira), típicas da cultura grega, mesmo que sejam desenvolvidas sistematicamente e refletidas apenas com a virada moderna em direção à subjetividade

«Com efeito, a inflexível Necessidade o prende nas amarras do limite, que o circunda em tudo, pois está estabelecido que o ser não é sem plenitude: de facto, nada lhe falta; se, por outro lado, fosse, faltaria tudo. O mesmo é pensar e aquilo por que é pensamento, porque sem o ser em que se expressa não encontrarás o pensamento. Na verdade, nada mais é ou será diferente do ser, uma vez que o destino o obrigou a ser um todo e imóvel» (Parmenide 2001:53).


4.3 Antropologia Medieval

É preciso reconhecer que na especulação cristã primitiva e na Idade Média o que caracteriza a historicidade do homem ainda não é a consciência de sua responsabilidade para com o mundo, mas sim a dialética de sua condição: de um lado, o homem medieval conhece a si mesmo ferido em sua natureza por causa do pecado original, (Maritain 2001:35) mas não substancialmente corrompido:

«homo viator, do homem em marcha, em viagem permanente nesta terra e na sua vida, que são o espaço/tempo efémeros do seu destino e onde ele caminha, segundo as suas opções, para a vida ou para a morte — para a eternidade (…) Aceitar ou recusar a graça que o salvaria, ceder ou resistir ao pecado que o condenaria, compete ao homem, que age segundo o seu livre arbítrio. Sem a participação das ajudas espirituais de que voltarei a falar (a Virgem, os santos), o homem é o local da batalha em que se empenham, para a sua salvação ou para a sua condenação, os dois exércitos sobrenaturais, prontos, a cada’ momento, para o agredir ou socorrer: os demónios e os anjos» (Le Goff 1989:11-12).

Por outro lado, ele está ciente de ter sido criado para um propósito sobrenatural, que é alcançar a própria vida de Deus, que ele já pode experimentar aqui através da graça santificante. Na Idade Média, todas as coisas, incluindo o homem, eram consideradas do ponto de vista de Deus, o homem e todos os problemas ligados a ele, como a liberdade, a historicidade, o objetivo final, etc., que também eram sentidos. muito fortemente na Idade Média, eles não foram considerados por si mesmos, através do conhecimento científico. A Idade Média tinha um profundo e trágico senso da natureza do homem, de sua liberdade, de sua condição pecaminosa, de sua grandeza e miséria, mas tudo isso era vivido, mais do que consciente, que é mais que um objeto de conhecimento refletido, mesmo se não se deve acreditar que a Idade Média conhecia o homem apenas em termos de problemas soteriológicos e em seu relacionamento com Deus, e não em si mesmo, mesmo que não no sentido moderno que é atribuído ao termo 'reflexão '.

«As dinâmicas da sociedade e da civilização medievais são o resultado de várias tensões: entre Deus e o homem, entre o homem e a mulher, entre a cidade e o campo, o alto e o baixo, a riqueza e a pobreza, a razão e a fé, a violência e a paz. Mas uma das principais tensões é aquela que se estabelece entre o corpo e a alma, e ainda mais dentro do próprio corpo» (Le Goff 2005:5).
Também no pensamento cristão medieval, como no pensamento grego, em virtude de sua razão (ratio), o homem tem no mundo uma posição única, privilegiada e singular. Ele é o centro do cosmo, no qual todos os graus de ser unificam-se; em todo o ser ele goza de uma posição metafísica inconfundível, ele está inserido em uma ordem objetiva e universal de ser, que no entanto não é algo eterno e imutável, como para os gregos, mas é fundada em Deus, que é o Ser absoluto e infinito.

5. Antropologia filosófica moderna: de Descartes a Hegel

5.1 O homem na Reforma Protestante

Com a dissolução da Idade Média e suas formas 'sacras', procedemos a uma 'reabilitação' antropocêntrica, que, passando pelo Renascimento humanista, culminará dramaticamente na Reforma Protestante. Essa reabilitação começou quando o pensamento metafísico e sistemático da escolástica entra em crise e se torna problemático e se transforma, com o nominalismo da baixa Idade Média, em um pensamento empírico-crítico. O homem deixa de ser considerado como parte de um todo orgânico de ser e, ao contrário, é considerado em si mesmo .

«Com o Renascimento surge um conceito dinâmico do homem O indivíduo passa a ter a sua própria história de desenvolvimento pessoal, tal como a sociedade adquire também a sua história de desenvolvimento. (...) A relação entre o indivíduo e a situação torna-se fluida o passado, o presente e o futuro transformam-se em criações humanas É neste momento que a liberdade' e a 'fraternidade* nascem como categorias ontológicas imanentes O tempo e o espaço humanizam-se e o infinito transforma-se numa realidade social» (Heller 1982:9).

O humanismo renascentista se volta para o homem deste mundo e, portanto, tem um ponto de virada do sobrenatural para o natural, da transcendência para a imanência. A era renascentista é uma época de otimismo fundamental, em que surge um novo sentimento de vida, em que o homem 'progressivamente' se descobre, emancipando-se de uma ordem pré-estabelecida e iniciando a maravilhosa jornada da ciência, preservando ao mesmo tempo sua fé em Deus.

«O tempo e o espaço humanizam-se e o infinito transforma-se numa realidade social. Mas por muito dinâmico que o homem possa ser na sua interacção com a história, antropologicamente ainda é eterno, genérico e homogéneo. O homem cria o mundo, mas não recria a humanidade; a história, a «situação», mantém-se externa a ele» (idem).

Com a Reforma Protestante, a reabilitação antropocêntrica é invertida, com o resultado que, paradoxalmente, coincidirá com a Renascença: a iniciativa ainda é para o homem. O otimismo do homem da Renascença contrasta com o pessimismo do homem da Reforma, mas os resultados para os quais ambos são recebidos são os mesmos.


«Tal é a dialética e a tragédia da consciência protestante, com seu admiravelmente ardente e doloroso, mas puramente humano, obscuramente humano senso de miséria e pecado humanos. A criatura declara seu nada. Mas é ela mesma quem o declara, e para si mesma. O homem é uma corrupção em andamento; mas esta natureza irremediavelmente corrompida clama a Deus; e o mesmo acontece com o homem, seja o que for, a iniciativa do choro» (Maritain 2001:42).

Aquele homem contrasta sua liberdade com Deus, até a extrema consequência de uma liberdade sem graça (humanismo) ou aniquila-se diante de Deus, até a extrema consequência da graça sem liberdade (protestantismo), para os propósitos de uma total «reabilitação» do homem não há uma grande discriminação entre uma pessoa e outra. Neste mundo cabe ao homem, e somente a ele, construir seu próprio destino, fazer o que no passado foi atribuído somente a Deus, através do conhecimento de que engloba a si mesmo, seja no próprio agir como também no desvendar e perceber o funcionamento das leis do cosmos.


«o homem curvado, aniquilado por decretos despóticos. Mas o predestinado tem certeza de sua salvação. É por isso que ele está disposto a enfrentar tudo aqui e se comportar como o escolhido de Deus nesta terra; suas exigências imperialistas (para ele, um homem substancialmente manchado, mas salvo; sempre enegrecido pelo pecado de Adão, mas escolhido por Deus) não terão limites; e a prosperidade material aparecerá para ele como um dever de seu estado» (Maritain 2001:43).

Graça e Liberdade

O que está presente aqui é o problema da Idade Média e do pensamento cristão em geral: a relação entre graça e liberdade, cuja solução dual leva o homem a uma descoberta antropológica radical que caracterizará toda a era moderna. O que caracteriza a era moderna é, na verdade, o ponto de virada para o 'sujeito'. O problema da era moderna não é mais de natureza ontológica, como na antiguidade grega e na Idade Média, mas de natureza epistemológica: estabelecer um certo conhecimento a partir da imanência da subjetividade.

O Espírito

Com isso, temos uma profunda mutação do homem-imagem. No início da era moderna, a concepção fundamental que permeia toda a especulação ocidental de Platão em diante é radicalmente radicalizada: agora não dizemos mais que o homem é espírito e que isso lhe pertence como sua própria determinação essencial, mas aquilo que é espírito só pode ser conhecido através de uma auto-reflexão com a qual o homem se torna consciente de seu próprio ego. O homem se torna o ponto seguro procurado pelos filósofos para estabelecer um certo conhecimento, após a dissolução da Idade Média e o colapso de dois 'mitos', o primeiro pela Reforma, o segundo pela revolução copernicana: com a Reforma a mito da unidade da única fé, da única Igreja; com a revolução copernicana, o homem não está mais no centro de um mundo claramente ordenado que pode ser abraçado em sua totalidade. Tendo assim regressado dentro de si mesmo, o homem busca em si próprio a sua própria essência e o significado de sua existência.


«Acontecerá sempre, no entanto, na ordem ética e prática, que a liberdade - qualquer que seja o substituto ao qual seja especulativamente reduzida - é para o homem uma reivindicação e um privilégio que ele realiza e triunfa por si mesmo. De agora em diante, é sua única responsabilidade cumprir seu destino, intervir como um deus (por um saber dominante que se absorve e supera todas as necessidades) na condução de sua própria vida e no funcionamento da grande máquina do universo, entregue ao determinismo geométrico» (Maritain 2001:47).


Mas o ponto central do pensamento moderno é o sujeito e não o homem, ou melhor, o homem entendido apenas como sujeito: o interesse epistemológico prevalece sobre o interesse antropológico. O homem não é o centro de uma ordem objetiva do ser, mas de um mundo subjetivo de conhecimento. Nisto reside a diferença entre a posição antiga e a moderna em relação ao homem: a alma (ψυχ?) dos gregos e o pensamento (Cogito) dos modernos não são a mesma coisa. O primeiro é explicado a partir do cosmos (κ?σμος), o segundo explica o cosmo a partir de si mesmo.

5.2 René Descartes

Segundo Descartes, é mais fácil conhecer o espírito humano do que o corpo e esse fato está fundado na essência e na natureza desse mesmo espírito. O espírito, na verdade, não deve ser descrito de fora, como o corpo, porque se torna consciente disso em seu próprio ato de pensamento .

«Então você finalmente descobre o que pensa. O que, para dizer a verdade, não deve ser negado; Resta, porém, provar que a capacidade de pensar está tão acima da corporeidade que não há espírito, nenhum outro corpo ágil, puro e tênue capaz de adquirir alguma disposição pela qual se torne capaz de pensar.» (Descartes 2012:1033).

Descartes determina a alma e o corpo como substâncias, isto é, como entidades que podem existir por si mesmas. Mas a alma e o corpo são apenas substantiae finitae e, como tal, dependem de Deus, a substantia infinita, que mantém ambas as substâncias finitas. No entanto, a substância pensante e a substância corpórea não têm nada a ver uma com a outra, são opostos puros e suas características são mutuamente exclusivas. A antropologia cartesiana é, portanto, caracterizada por uma abordagem dualista.

«Mas percebemos claramente a mente, isto é, a substância pensante, sem corpo, isto é, sem qualquer substância extensa; e, inversamente, o corpo sem mente (como todos facilmente admitem). Portanto, pelo menos em virtude do poder divino, a mente pode estar sem corpo e o corpo sem mente. Agora, porém, as substâncias que podem ser uma sem a outra realmente se destacam. Mas a mente e o corpo são substâncias que podem ser uma sem a outra. Assim, a mente e o corpo realmente diferem» (Descartes 2012:903).

Mas, ao lado da determinação espiritual do pensamento, Descartes coloca outra possibilidade pela qual eu 'sei' sobre mim mesmo: é a experiência de mim mesmo pela qual entendo que sou um espírito ligado ao corpo. Como espírito, eu formo com meu corpo um unum quid, algo unitário. Essa experiência do eu é, para Descartes, um fenômeno essencial. Isso significa que a afirmação de que espírito e corpo não teriam nada a ver um com o outro deve ser limitada pela reivindicação do espírito de dominar o corpo, isto é, pela necessidade de o espírito pensante ser o princípio no homem. inconfundivelmente dominante.

«Mas percebemos claramente a mente, isto é, a substância pensante, sem corpo, isto é, sem qualquer substância extensa; e, inversamente, o corpo sem mente (como todos facilmente admitem). Portanto, pelo menos em virtude do poder divino, a mente pode estar sem corpo e o corpo sem mente. Agora, porém, as substâncias que podem ser uma sem a outra realmente se destacam. Mas a mente e o corpo são substâncias que podem ser uma sem a outra. Assim, a mente e o corpo realmente diferem» (Descartes 2012:1135).

O espírito deve ser o eu que é determinado por si mesmo e, desse modo, é capaz não apenas de não se submeter às afeições concretas que vêm do corpo e pressioná-lo, mas, por sua vez, dar ordens ao corpo. Por esta razão, Descartes distingue as 'paixões da alma ' das 'ações da alma': paixões (admiração, ódio, amor, desejo, alegria e tristeza) afetam a alma na medida do ao qual, na totalidade do homem, é influenciado pelo corpo e, através dele, pelo resto do mundo; as ações, ao contrário, são o oposto das paixões, porque são processos voluntários. No entanto, a vontade tem seu ponto de partida em mim mesmo.

«Também considero que não percebemos que existe algum sujeito que atua mais imediatamente sobre nossa alma do que o corpo ao qual está unida, e que conseqüentemente devemos pensar que o que é uma paixão nela é geralmente uma ação no corpo, de modo que não há melhor maneira de conhecer nossas paixões do que examinar a diferença que se passa entre a alma e o corpo, para saber qual dos dois devemos atribuir a cada uma das funções que estão em nós (...) testamentos são de dois tipos. Na verdade, algumas são ações da alma que terminam na mesma alma, como quando queremos amar a Deus ou geralmente aplicar nossos pensamentos a algum objeto que não é material. As outras são ações que terminam no corpo, pois quando o simples fato de querermos caminhar, segue-se que nossas pernas se movem e caminhamos» (Descartes 2012:2335.2351)

A vontade em si consiste, como tal, na liberdade de fazer ou não fazer alguma coisa. Descartes considera a vontade como um bem supremo, porque não é condicionada pelas paixões e pelo corpo. A autodeterminação deve ocorrer como domínio sobre o corpo. No nível antropológico, a influência de Descartes é dupla. Em primeiro lugar, o dualismo da alma e do corpo torna-se o dogma fundamental da filosofia seguinte. Em segundo lugar, a primazia da subjetividade é cada vez mais enfatizada: como um ser racional, o homem pode determinar a si mesmo e na autodeterminação, em que pensamento e vontade estão intimamente unidos, a possibilidade é fundada que o homem dissolva os laços que o ligam ao mundo e que derivam essencialmente de impulsos. Essa mudança em direção à subjetividade autodeterminante encontrará sua realização na filosofia transcendental e na metafísica especulativa que é sua consequência. A tese fundamental é esta: o homem é superior ao mundo, em que ele é capaz de constituir o mundo como uma ordem racional e precisamente nisso ele demonstra que sua razão e a razão do mundo são idênticas. Spinoza preparará o caminho para essa abordagem filosófica.

5.3 Baruck Spinoza

Também em Spinoza está em vigor o pressuposto óbvio que subjaz à filosofia de Descartes: o homem pode superar suas afeições, como o detentor da razão, e pode se determinar a partir da razão divina que governa tudo. Em Spinoza, a tendência que caracteriza o desenvolvimento da antropologia metafísica surge claramente: a superação da finitude humana: bisogna cercare quello che ci apre all’infinito, solo così saremo liberi dala schiavitù di ciò che ci condiziona. Si tratta di rompere con i confini e i limiti invalicabili della nostra esistenza per essere finalmente liberi .

«Portanto, concluo, de acordo com seus argumentos, que extensão infinita, pensamento infinito e outros atributos infinitos (ou, como você diz, substâncias) não são outros senão os modos deste ser único e eterno, infinito, existindo por si mesmo; e de todas essas formas, como eu disse, estabelecemos um Único e uma Unidade, fora da qual nada pode ser concebido» (Spinoza 2014:215)

Immanuel Kant

Mesmo por Kant, a razão humana tem uma primazia incondicional, mas ele tenta teoricamente basear essa primazia não em uma metafísica do supersensível, mas conectando-a com a moralidade. O homem deve comandar a si mesmo em um sentido prático, agindo de acordo com a razão: a razão é de fato a capacidade de reconhecer em uma dada situação, com objetividade distanciada dos impulsos , as melhores possibilidades para o homem e realizá-las de maneira consistente com esse conhecimento.

«Portanto, só a razão, enquanto determina o valor para si (e não enquanto a serviço de inclinações), é uma verdadeira faculdade superior do desejo, à qual está subordinada a faculdade patologicamente determinável; e é realmente, especificamente diferente deste último, de modo que mesmo a mais leve mistura de impulsos desse tipo mina sua força e privilégio, bem como o elemento menos empírico, que é uma condição de uma prova matemática, degrada e aniquila o sua dignidade e sua eficácia» (Kant 2017:47).

Hegel

Mas será somente no sistema de Hegel que o desenvolvimento do pensamento ocidental, que tende a conceber o homem como depositário da razão, terminará. Por um lado, Hegel radicaliza o pressuposto da tradição segundo o qual o homem é um ser que é determinado pela razão, negando assim qualquer diferença entre finitude e infinito. Por outro lado, no entanto, Hegel considera bastante óbvio que o homem não pode existir sem o corpo, assim como ele considera bastante óbvio que ele possui tudo no sentimento antes no pensamento. Mas esses estágios anteriores devem necessariamente tornar-se irrelevantes em vista da determinação do homem como espírito. A consideração genética de Hegel, isto é, a convicção de que o mais alto grau é de tempos em tempos o que o desenvolvimento anterior visa, é guiado por uma concepção teleológica. Razão , entendida como mediação, não é uma determinação externa que é submetida a este processo.


«Na verdade, a realidade espiritual do homem reside em saber em que consiste a sua essência, ou seja, na razão, para que a razão tenha uma existência objetiva e imediata para ele; só assim o homem tem consciência, só assim ele se insere nos costumes, na vida jurídica e moral» (Hegel 2003:35)

A racionalidade é imanente na própria realidade. O homem está neste processo e só a partir de si mesmo ele aprende o que ele é, isto é, o ser que é capaz de perceber a sua essência, da naturalidade ao espírito.

6. A questão do Homem: de Feuerbach a Nietzsche

6.1 Espírito Absoluto

O desenvolvimento da antropologia metafísica dos gregos para Hegel é caracterizado pela suposição de que o homem é o depositário da razão ou, mais precisamente, que o homem é um ser que deve colocar o espírito como princípio normativo. A espiritualização é a verdadeira tarefa do homem. A possibilidade de cumprir essa tarefa baseia-se no fato de que espírito e razão são as forças determinantes tanto na totalidade do ser, como no sistema hierarquicamente organizado, como no homem individual.

«Só do exame da própria história do mundo terá de emergir que esta procedeu de forma racional, isto é, que a história foi o caminho racional e necessário do espírito do mundo, daquele espírito que, por natureza, é sempre idêntico a si mesmo, mas que revela sua natureza idêntica na existência mundana» (Hegel 2003:11)

Esta abordagem tradicional é invertida após a morte de Hegel: razão e espírito são privados de sua primazia, eles não aparecem mais como as forças mais poderosas. A força mais efetiva agora reside no elemento do corpo e no nível dos impulsos. Este destronamento do espírito é o elemento que caracteriza a evolução filosófica do século XIX.


«É verdade que, reunindo na matéria, o corpo não tem mais um mundo, mas também o mundo que ele habitou não era seu, mas do espírito. A ideologia da alma, como a vimos em várias ocasiões, sempre serviu para roubar sua terra ao corpo, para um além do qual, segundo Nietzsche, 'foi inventado para melhor caluniar Tal di qui'. Para que o corpo recupere seu mundo, ele deve antes de tudo não responder aos apelos do outro mundo e a toda a metafísica que o oprime. Isso, na verdade, só sobrevive da credibilidade que os órgãos, ao se submeterem, lhe conferem. Seu significado se espalha por todo o espaço deixado livre pela ironia do corpo» (Galimberti 2002:473).

É, no entanto, um processo de transformação dentro do qual existem diferenças consideráveis na formulação e que terão sua culminação e realização no pensamento de Nietzsche, no qual já não é o espírito, mas o corpo, o veículo, explicitamente definido como o princípio normativo da vontade. Em contraste com a tradição, a vontade é dissolvida pela razão. É um impulso sombrio, a força original; em termos metafísicos: a coisa em si.

«Na verdade, não nos mundos atrás do mundo e nas gotas de sangue redentoras: mas no Corpo eles também acreditam mais do que tudo, e seu corpo é para eles a coisa em si» (Nietzsche 2010:267).

6.2 Feuerbach

Esse processo de transformação começa com Feuerbach, cuja importância para o desenvolvimento da antropologia moderna deve-se, antes de tudo, à sua oposição à teologia e à metafísica especulativa, com a consequente anulação da teologia na antropologia , e, em segundo lugar. lugar, à tese de que o homem é essencialmente determinado não pelo espírito, mas pela sensibilidade.

«que o segredo da teologia é a antropologia, há muito foi provado e confirmado a posteriori pela história da teologia. “A história do dogma” ou, mais geralmente, a história da teologia como tal é a “crítica do dogma”, da própria teologia. A teologia há muito se tornou antropologia» (Feuerbach 1997:7).

Para Feuerbach, a antropologia é a ciência fundamental: por um lado, deve contrastar com a metafísica teológica que existiu até agora; por outro lado, da mesma forma que a metafísica anterior, a antropologia deve mostrar ao homem qual é o significado de sua vida.

«Na primeira parte, portanto, mostro que o verdadeiro sentido da teologia é antropologia, que não há diferença entre os predicados da essência divina e os da essência humana e, consequentemente - desde predicados em toda parte, como acontece sobretudo para os da essência humana propriedades teológicas, não são propriedades aleatórias, acidentes, mas expressam a essência do sujeito, não há diferença entre predicado e sujeito e o predicado pode ser colocado no lugar do sujeito, procedimento para o qual me refiro à analítica de Aristóteles ou mesmo apenas à Introdução de Porfírio -, não há diferença entre o sujeito ou essência humana e o divino que são precisamente identificados» (Feuerbach 1997:16).

Mas isso só é possível se o homem souber qual é o verdadeiro real. Se o homem acaba por ser este verdadeiro real, então ocupa o lugar que antes era de Deus ou do espírito absoluto. Assim, o homem se torna o ens metaphysicum. Assim, Feuerbach expressa o que é o pensamento caracterizador da era pós-idealista como um todo: na filosofia, não devemos partir de Deus, mas do homem, porque somos o que está mais próximo de nós, e não porque pensamos, como Descartes ensinou, mas de uma maneira muito mais imediata.

«O homem racional vive e pensa; integra com a vida a falta de pensamento e com o pensamento a falta de vida, tanto se convencendo teoricamente pela própria razão da realidade da sensibilidade, quanto na prática em que une a atividade vital à espiritual. O que tenho na vida não precisa ser colocado no espírito, na essência metafísica, em Deus - amor, amizade, intuição, o mundo em geral me dá o que o pensamento não me dá, não pode me dar, mas não me dá. não deve nem dar» (Feuerbach 1997:304).

Esse imediatismo é encontrado na sensibilidade, o que Feuerbach não pretende como uma mera determinação teórico-cognitiva, já que no conhecimento de objetos externos através dos sentidos estão em jogo todas as forças humanas. Sensação é uma forma de conhecimento que é em si um totum; isto é, o sujeito é entendido como uma unidade indivisa de conhecer, sentir e querer, e é assim entendido que a realidade é imediatamente suprida em todo o seu significado concreto. Em tal contexto, o problema corpo-alma não é mais um problema. Meu corpo me é dado imediatamente, eu constituo uma unidade com ele.

«Mas o espírito divino é infinito apenas porque não está unido a nenhum corpo, e o espírito humano é finito porque está unido a um corpo, à matéria. O espírito com o corpo é e se chama homem, o espírito sem corpo é e se chama Deus. Se não entendemos ou não queremos entender que entre o espírito ou alma do homem e aquela alma que tem o nome de Deus não há outra diferença que a que acabamos de mencionar, a explicação disso - pelo menos na medida em que se trata apenas de ser e não de querer, de metafísica ou psicologia e não de moralidade - deve ser buscada no fato de que, sem que tenhamos consciência disso, a sensibilidade é \u0027sempre se insinua entre a alma e a divindade; que o homem não sai e nunca pode perder realmente a sensibilidade, isto é, do vínculo da alma com o corpo, que ele como espiritualista abole, na imaginação e no pensamento, com o conceito de alma; em suma, ele substitui sua alma pelo homem sensível - em suma, ele conecta o sensualismo ao espiritualismo por meio de sua imaginação» (Feuerbach 1993:137)

Segundo Feuerbach, a distinção do animal não se baseia no mero pensamento, mas em toda a essência do homem. A sensibilidade no animal é de fato particular, no homem é universal e, como tal, inclui em si mesma tanto a espiritualidade quanto a liberdade que permite ao homem não se comportar como um animal. Que a sensibilidade do homem deve certamente incluir espiritualidade e liberdade é obviamente questionável; Feuerbach , por sua vez, não se preocupa em provar isso e ingenuamente fala disso como um simples fato.

«Quanto mais o homem está presente para si mesmo com o seu coração e mente, tanto mais ele não permitirá voluntariamente que seu cérebro seja explantado da teologia para abrir espaço pela força para a interferência e influências da revelação, mas, pelo contrário, protestará vigorosamente contra esta mutilação bárbara do homem» (Feuerbach 2010:203)

Pode-se dizer, portanto, que mais do que em sua interpretação do homem a partir do princípio da sensibilidade, a importância e a influência de Feuerbach consistem na tese de que o homem não é mais pensado teologicamente a partir de Deus, mas antropologicamente a partir de si mesmo. Esta tese se tornará uma premissa óbvia e reconhecida no final do século XIX.

6.3 Karl Marx

Marx proporá o conceito de praxis produtiva como a superação da abordagem de Feuerbach, tanto para a relação entre homem e natureza quanto para as relações sociais, como fundamento da realidade histórico-social do homem .

«São os homens que produzem suas representações, suas idéias, e assim por diante, para homens concretos, agentes, assim como são condicionados por um dado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelas relações que lhes correspondem até suas formações mais amplas. (...) Portanto, essa concepção de história se baseia nestes pontos: (...) não dá conta da práxis a partir da ideia, mas dá conta da composição de ideias a partir da práxis material» (Marx 2011:348. 371).

A contribuição de Marx, em outras palavras, consiste na ideia de que o homem não se realiza em si mesmo, mas apenas no conflito com o mundo real. Mas então ele baseia-se na dialética de Hegel, e não em Feuerbach, que suprime toda a dialética. Isso significa que em Marx, ao contrário de Feuerbach, o homem é determinado por uma dupla essência: não é algo dado, mas é essencialmente subjetividade que se realiza por si mesma e está, portanto, sujeita à dialética que Hegel desenvolveu, mesmo se então o próprio Hegel interpreta a mediação do espírito como desenvolvimento sem fraturas, como um movimento progressista para a transparência que é produzido sem impedimentos, já que os graus inferiores são os não essenciais.

«o 'choque' do homem com a natureza continua enquanto suas forças produtivas se desenvolverem em bases adequadas. Por sua vez, a indústria e o comércio, a produção e a troca de meios de subsistência influenciam (e são por sua vez influenciados no que diz respeito à forma como são usados) a distribuição, a estruturação das diferentes classes sociais: desta forma o fato de que, por exemplo, Feuerbach vê apenas fábricas e máquinas em Manchester, onde um século antes havia apenas máquinas de fiar e teares manuais» (Marx 2011:385).

6.4 Schopenhauer

Quem, mais do que Marx, que no final permanece essencialmente ligado a Hegel, tira as devidas consequências do desaparecimento da tradicional metafísica da razão é Schopenhauer, que delineia a imagem de um mundo que não é determinado pela razão, mas pela vontade de cuja raiz é o egoísmo .


«Mas se os objetos, conhecidos pelo indivíduo apenas como representações, são, no entanto, como seu próprio corpo, fenômenos de uma vontade: este é, como já foi dito no livro anterior, o real significado da pergunta sobre a realidade de mundo exterior. Negá-lo é o sentido do egoísmo teórico, que precisamente portanto considera todos os fenômenos fora do indivíduo como fantasmas, exatamente como, no aspecto prático, o egoísmo prático o faz, que considera e realmente trata como pessoa apenas a sua própria pessoa, e todos os outros como meros fantasmas. O egoísmo teórico nunca pode ser refutado com evidências; no entanto, pode-se ter certeza de que tem sido usado na filosofia apenas como um sofisma cético, ou seja, para exibição» (Schopenhauer 2011:231).

Meu corpo é o lugar onde eu imediatamente experimento essa vontade contínua. Por um lado, o corpo, o dos outros, mas também o nosso, é o objeto da representação, um material que existe no espaço e no tempo e que pode ser explicado mecanicamente e causalmente; por outro lado, é aquilo que é diretamente conhecido por cada pessoa, que é expresso pela palavra vontade.


«O sujeito que conhece é justamente um indivíduo por essa relação especial com um corpo, que, considerado fora dessa relação, nada mais é do que uma representação igual a todas as outras. Mas a relação, em virtude da qual o sujeito que conhece é um indivíduo, existe, portanto, apenas entre ele e apenas uma de todas as suas representações. Só disso ele está, portanto, consciente não apenas como de uma representação, mas ao mesmo tempo também de uma maneira totalmente diferente, isto é, como de uma vontade» (Schopenhauer 2011:229).

Schopenhauer tenta provar a tese de que o corpo é a condição objetiva do intelecto, e para isso ele tenta destacar uma experiência pura do corpo, com o recurso à etiologia fisiológica, entendida como conhecimento do exterior, e abordagem materialista. Schopenhauer reduz radicalmente a experiência pessoal do corpo. Essa redução não se manifesta apenas no argumento materialista, mas também na concepção teleológica que se opõe a ela: entre as excitações do corpo e os órgãos objetivos, existe uma unidade final íntima. Ambos os modos de explicação, no entanto, o mecânico e o teleológico, são introduzidos para validar o desenvolvimento objetivo das manifestações da vontade. Ou seja: a vontade não é uma vontade racional, mas é determinada pelo corpo.

«o corpo se torna uma representação como todas as outras; o indivíduo conhecedor deve, para se orientar a esse respeito, ou admitir que o que distingue aquela representação única consiste simplesmente no fato de que somente com esta representação única o seu conhecimento reside nesta dupla relação, que apenas deste único objeto intuitivo o conhecimento está aberto de duas maneiras ao mesmo tempo, mas isso não deve ser explicado por uma diferença deste objeto de todos os outros, mas apenas por uma diferença entre a relação de seu conhecimento com este objeto e aquele que ele tem com Todos os outros; ou ele também deve admitir que este objeto é essencialmente diferente de todos os outros, que sozinho está entre todas as vontades e representações juntas, enquanto os outros são mera representação, isto é, meros fantasmas, que portanto seu corpo é o único indivíduo real no mundo, isto é, o único fenômeno da vontade e o único objeto imediato do sujeito» (Schopenhauer 2011:229).

Ao contrário de Descartes, que rompe a unidade humana em favor do intelecto, Schopenhauer a quebra em favor do corpo, trazendo assim os seres humanos de maneira decisiva em relação ao animal em relação à vontade. Mas é a totalidade da realidade em todos os seus graus, segundo Schopenhauer, que é demonstravelmente caracterizado pela vontade. Em uma palavra: todo ser, qualquer que seja seu grau, quer a mesma coisa: autopreservação. Apenas os meios para conseguir isso são diferentes; em si, a vontade que substancia o fenômeno é sempre a mesma. Esta vontade é insaciável porque, uma vez que uma coisa é alcançada, a vontade de possuir não termina, mas já tende a uma coisa nova. Isto significa que a vontade em si, isto é, a vontade como é pura, não tende a qualquer fim, uma vez que os fins são coisas transitórias e mutáveis. A própria vontade simplesmente quer, isto é, quer sem razão. A vontade é a característica essencial da vida e não pode ser rastreada além da vida.

«Ora, se toda ação do meu corpo é um fenômeno de ato volitivo, no qual, segundo certas razões, minha vontade se reflete genericamente e como um todo, isto é, meu caráter; um fenômeno da vontade deve ser também a condição e premissa inevitável de toda ação. Pois o fenômeno da vontade não pode depender de algo que não existe diretamente e somente por meio dela, isto é devido a ela apenas por acaso, de modo que o próprio fenômeno se tornaria simplesmente aleatório: mas essa condição é o corpo todo. O corpo deve, portanto, já ser um fenômeno da vontade, e se comportar diante de minha vontade genérica, - isto é, meu caráter inteligível, do qual meu caráter empírico é um fenômeno ao longo do tempo - como a ação única do corpo se comporta diante de um ato único da vontade. Portanto, todo o corpo não deve ser diferente da minha vontade, que se tornou visível; deve ser minha própria vontade, pois este é um objeto intuitivo, uma representação da primeira classe» (Schopenhauer 2011:235-237).

Eu posso ver porque eu quero isso e não isso, mas eu não posso perguntar por que, em geral, eu quero. Isso nos leva a reconhecer que a determinação essencial da vontade é o egoísmo, isto é, o impulso de existir e sentir-se bem. O egoísmo é a lei primária à qual tudo obedece. Mostra-se já na natureza, porque a natureza é determinada pelo conflito e pela luta. Ao contrário dos animais, o homem é inteligente, mas seu intelecto serve apenas seu impulso egoísta fundamental. Como o homem é capaz de desenvolver reflexões intencionais, seu egoísmo não é regulado apenas pela necessidade, mas cresce em si mesmo: ao lado do egoísmo, que quer seu próprio bem, existe o mal no homem, que ele quer o mal dos outros e atinge a mais extrema crueldade.

«não importa quão infinitamente pequeno no mundo sem limites e quase evanescente no nada, ele se torna o centro do universo, a existência e o bem-estar de uma pessoa devem ser considerados antes de tudo, na verdade, do ponto de vista natural, tudo o mais está pronto para o sacrifício para esta existência; pronto para destruir o mundo, apenas para se manter um pouco mais, o que é apenas uma gota no balde. Essa disposição é o egoísmo, próprio de tudo na natureza. Mas é também o caminho pelo qual o contraste interno da vontade consigo mesma atinge a mais terrível manifestação. Porque esse egoísmo se baseia essencialmente no antagonismo entre microcosmo e macrocosmo: isto é, no fato de que a objetificação da vontade tem como forma o principium individuationis, de modo que a vontade se reflete igualmente em um número infinito de indivíduos; todo e completo sob os dois aspectos (vontade e representação) em cada um deles» (Schopenhauer 2011:649).

Mas ambos os impulsos, diz Schopenhauer, brotam da mesma base: a vontade em conflito consigo mesma. Portanto, toda a realidade é fundamentalmente destinada à dor, pois está subjacente à vontade. Ao contrário dos outros seres, o homem conhece a dor e, da consciência dessa dor, surge nele a reflexão filosófica que, segundo Schopenhauer, não se limita a contemplar teoricamente o mundo, mas deve procurar um remédio para a dor, através das possibilidades. como arte, piedade e resignação.

6.5 Soren Kierkegaard

A importância de Kierkegaard na história da filosofia, sob o aspecto antropológico, consiste em sua análise da angustia . O que é antropologicamente relevante nessas análises de Kierkegaard é o fato de ele reconhecer o espírito como um espírito concretamente limitado, e isso significa que o espírito é o espírito de um homem que é essencialmente determinado. Mas isso também significa que Kierkegaard reconhece a primazia do espírito, como uma determinação do homem. No entanto, o espírito não é um espírito 'absoluto', não é dissolvido do corpo, é constantemente assediado.

«A realidade do espírito se mostra continuamente como uma figura que tenta a possibilidade, mas assim que ele tenta apreendê-la, ela desaparece; é um nada que só pode afligir » (Kirkegaard 2013:409)


E esse assédio gera angústia: a ansiedade surge do contraste entre corpo e espírito. A crença dominante aqui é que a angústia é verdadeira angústia apenas se não for «pura angústia espiritual». O espírito deve, de fato, ser determinado por algo que é verdadeiramente oposto a ele e que é capaz de colocá-lo radicalmente em questão como um espírito, e essa eventualidade é dada apenas em angústia em relação a mim mesmo, na qual a oposição entre espírito e corpo.

«Mostrar como a angústia se manifesta é o ponto em torno do qual tudo se move. O homem é uma síntese entre alma e corpo. Mas a síntese é impensável se os dois elementos não se juntam ao terceiro. Este terceiro é o espírito. Na inocência, o homem não é puramente animal; na verdade, se em qualquer momento de sua vida ele não fosse nada além de um animal, ele nunca se tornaria um homem» (Kirkegaard 2013:413).

A angústia já está ativa na vergonha que o espírito sente por pertencer a um corpo e precisamente a um corpo sexualmente diferenciado, e neste Kierkegaard vê uma prova da pecaminosidade universal: a sexualidade e o pecado, segundo Kierkegaard, são semelhantes.

«Deve-se acrescentar que desta forma não é possível saber nada sobre o significado da sexualidade. Aqui eu volto ao meu antigo ponto de vista, sexualidade não é pecaminosidade; mas se, para falar de uma forma complacente e sem sentido, Adão não tivesse pecado, a sexualidade nunca teria existido como um impulso» (Kirkegaard 2013:467).

É claro que a corporeidade e o fato puro da existência de dois sexos não são a causa do pecado; o agente do pecado é o espírito e precisamente o espírito que se colocou como o oposto do corpo. Nesse sentido, a antropologia de Kierkegaard contrasta com a tradição, na medida em que, para ele, a corporalidade do homem não é nada natural: o corpo é determinado espiritualmente e, como o ser oposto de si mesmo invadido pelo espírito, o espírito também é responsável por essa oposição.

«O espírito, portanto, está presente, mas tão imediato, como um sonhador: na medida em que está presente é, em certo sentido, uma força hostil, porque perturba continuamente a relação entre a alma e o corpo; relação que existe, mas não existe, porque só existe por meio do espírito, mas, por outro lado, é uma força amiga, precisamente porque quer constituir a relação. Qual é, então, a relação do homem com esse poder ambíguo, a relação do espírito consigo mesmo e com sua condição? Relaciona-se como angústia» (Kirkegaard 2013:413).

O que Kierkegaard quer mostrar é que, para o homem, não pode haver equilíbrio entre espírito e corpo, porque no homem não há nada neutro que possa criar esse equilíbrio e garantir sua estabilidade. O espírito é forçado a escolher entre si e o corpo, e essa escolha sempre acontece em uma situação em que o espírito está preso ao corpo. Kierkegaard tematiza a angústia em relação a mim como angústia diante da oposição entre espírito e corpo e por isso pensa dialeticamente o conceito de angústia. Mas a dialética para ele, ao contrário de Hegel, tem a forma de pura negatividade. Essa corporalidade é a fonte de ansiedade, em última análise, significa que o homem não pode chegar a um acordo não só com o mundo, mas também consigo mesmo. A estrutura humana é fundamentalmente paradoxal. Como corpo, faço parte do mundo, mais precisamente do mundo da natureza; como espírito, estou ao mesmo tempo transcendendo o mundo. Não posso eliminar essa contradição e isso significa que devo sofrer .

«O espírito, portanto, está presente, mas tão imediato, como um sonhador: na medida em que está presente é, em certo sentido, uma força hostil, porque perturba continuamente a relação entre a alma e o corpo; relação que existe, mas não existe, porque só existe por meio do espírito, mas, por outro lado, é uma força amiga, precisamente porque quer constituir a relação. Qual é, então, a relação do homem com esse poder ambíguo, a relação do espírito consigo mesmo e com sua condição? Relaciona-se como angústia» (Kirkegaard 2013:1379).

O homem está condenado a experimentar a angústia, porque somente na angústia ele experimenta e confirma a sua estrutura ontológica paradoxal. A premissa que sustenta a argumentação de Kierkegaard é, como pode-se observar, o anseio que o homen manifesta de ser puro espirito . Trata-se de um desejo condicionado pela tradição, segundo a qual o espirito e a razão possuem uma primazia absoluta. Até que este preconceito domine e vincule o pensamento, a condição corporea serà experimentada como um fardo.

«Sensualidade e impulsos sensuais dominam este homem completamente; deriva do fato de que ele é sensual demais para ter a coragem de se aventurar e suportar o ser espírito. Por mais vaidosos e presunçosos que os homens possam ser, eles têm uma idéia mesquinha de si mesmos, isto é, não têm idéia de ser espírito, nenhuma idéia do absoluto que o homem pode ser. (...) Todo homem é uma síntese de corpo e alma destinada a ser espírito, esta é a casa; mas o homem prefere ficar na adega, ou seja, na determinação da sensualidade» (Kirkegaard 2013:1710-1711).

Schopenhauer e Nietzsche tentaram se livrar desse 'preconceito', mas o fizeram elevando o corpo ao que em si e, conseqüentemente, desvalorizando o espírito. Em vez da tese (espírito e razão), eles colocam a antítese (o corpo e a vontade), sem perceber que a antítese é tão enganadora quanto a tese. É uma questão de romper o círculo vicioso da questão de saber se é o espírito ou o corpo que tem uma primazia absoluta. Nesse sentido, a abordagem antropológica de Kierkegaard é indicativa, pois ele pensa no homem como uma unidade dialética de corpo e espírito, o que concretamente significa que espírito e corpo não devem ser entendidos como 'coisas em si', no sentido em que em última análise, eles são pensados ??em todo o pensamento ocidental.

6.6 Conclusão

Para concluir: há duas tendências fundamentais que caracterizam a antropologia do Ocidente, de Santo Agostinho até hoje, se considerarmos o seu desenvolvimento como um todo: espiritualidade e corporeidade. Estas são duas tendências que, consideradas historicamente, se sobrepõem. A tendência da espiritualização é a marca da antropologia metafísica que caracteriza o pensamento filosófico dos gregos até Hegel (Galimberti 2002:202). No pensamento do final do século XIX, a tendência da espiritualização é invertida em seu exato oposto. O que é decisivo agora é o nível de impulsos, não de razão: é o princípio da corporeidade que caracteriza a antropologia metafísica de Feuerbach a Nietzsche. Também neste caso, quanto ao princípio da espiritualização, é uma antropologia metafísica, porque a derrubada, por mais radical que seja, permanece ligada à tradição anterior. Feuerbach, Marx, Schopenhauer, Nietzsche, mas também Kierkegaard e o último Schelling são todos 'pensadores metafísicos' porque, além das diferentes maneiras pelas quais procedem uns dos outros e apesar de estarem convencidos da impotência da razão, eles baseiam sua antropologia em um absoluto, seja Deus ou a totalidade do ser. A época da metafísica do espírito e da era da metafísica do corpo integra-se assim num todo, pois o homem é tematizado segundo aspectos metafísicos: a problemática antropológica não é tratada por si mesma, mas dentro de um contexto global. interpretação metafísica do ser como um todo. Toda a tradição que vai de Platão a Nietzsche incluída é tão caracterizada por uma unidade contraditória e básica: por um lado, observamos a avaliação diferente do espírito, do corpo, da razão e do impulso; por outro lado, o homem é interpretado a partir da totalidade do ser ou de um absoluto que represente essa totalidade. O fato de que, nessa tradição, a metafísica é essencial significa que a interpretação antropológica do homem é fundada ontologicamente e, portanto, implica uma orientação ética: direta ou indiretamente, o homem é instado a se submeter ao poder verdadeiramente decisivo - seja espírito ou o corpo - isto é, reconhecê-lo e fazê-lo funcionar em sua atuação como elemento decisivo.

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Antropologia filosófica moderna


Parte teceira
A ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA MODERNA


A antropologia moderna não quer mais interpretar o homem a partir de antecipações e preconceitos especulativos, isto é, ele não pretende levantar nem o espírito nem o corpo para então interpretar o homem com base nesse princípio, mas para estabelecer se o homem é ou não determinado pela razão ou impulsos apenas através de investigações científicas. Os conceitos de espírito e corpo não podem ser colocados como entidades problemáticas, mas devem primeiro ser analisados ??por procedimentos empíricos. Com base nisso, a comparação entre homem e animal é relevante nesse sentido. Assim, a antropologia refere-se à biologia, que se concentra em toda a esfera da vida e não prossegue especulativamente, mas não se detém nas investigações dos fenômenos individuais, mas procura entendê-los em seu aspecto essencial e, assim, colocar na luz a natureza do homem. Essa antropologia é, portanto, ainda influenciada pela tradição, pois levanta a questão da essência, ou seja, baseia-se na premissa de que é possível falar de uma unidade estrutural e de uma totalidade estrutural que domina os fenômenos singulares e garante sua conexão como hierarquia.

7. A contraposição entre espírito e princípio da vida em Max Scheler

7.1 Max Scheler

O desenvolvimento da antropologia moderna começa com a escrita programática (1928), na qual o autor, M. Scheler, procurou estudar a necessidade e a legitimidade da antropologia como ciência filosófica fundamental. Em primeiro lugar, Scheler se pergunta se é justificado atribuir o espírito ao homem (Scheler 1997:178). Aquele homem também é condicionado em termos biopsíquicos é claro; De acordo com Scheler, no entanto, é uma questão de saber se ele é determinado por esse condicionamento na totalidade de seu ser ou se o espírito excede o elemento biopsíquico (Scheler 1997:30). A vida, que é o elemento biopsíquico, é organizada de acordo com os graus.
«O homem, como veremos, reúne em si todos os graus essenciais da existência em geral e da vida em particular e, pelo menos no que diz respeito às regiões essenciais, toda a natureza atinge nele a unidade mais sintética do seu próprio ser). Não há sensações, nem percepções, nem representações atrás das quais não se esconda o impulso escuro, que os alimenta daquela chama que ilumina constantemente os estados de sono e vigília» (Scheler 1997:123-124).
De acordo com Scheler, cinco graus devem ser distinguidos, todos os quais também estão presentes no homem, mas essencialmente modificados. O primeiro grau é determinado como um impulso afetivo (Scheler 1997:123). O homem também é essencialmente determinado pela afetividade, mas esse impulso não é considerado por Scheler em termos biológicos, isto é, do ponto de vista da preservação da vida, mas em termos metafísicos, isto é, como o potencial energético da subjetividade.
«Este primeiro grau do aspecto interior da vida, isto é, do impulso afetivo (...) é sempre a ânsia afetiva de experimentar aquela resistência inicial que é fonte de todo sentido de 'realidade' e 'presença efetiva', e em Particular também daquela unidade e daquela impressão de realidade concreta, que precede toda função representativa. A representação e o pensamento mediado (Schliesens) só podem nos mostrar 'este' ou 'aquele' modo de ser da realidade real. Mas este último nos é dado como 'real', apenas graças a uma resistência genérica ligada à angústia, isto é, graças aos Erlebnis de uma resistência.» (Scheler 1997:124).
O segundo grau é determinado pelo fenômeno dos instintos, que, como traço estrutural inato e hereditário, caracteriza o animal em sua diferente adaptabilidade ao ambiente (Scheler 1997:125). O homem, no entanto, diferentemente do animal, não pode confiar em seus instintos, porque ele não está estruturado de maneira consistente com a vida, isto é, ele não é biologicamente estruturado de maneira funcional para um propósito específico.
«Com o processo de autoconsciência, e com essa dobra e centralização adicional da existência, tornada possível pelo espírito, a segunda característica essencial do homem também é dada. Em virtude de seu espírito, o ser que chamamos de 'homem' não é apenas capaz de estender o ambiente às dimensões ontológicas de um mundo e de transformar 'resistências' em objetos; Mas, o que é mais notável, ele também é capaz de objetivar sua própria constituição fisiológica e psíquica, cada experiência psíquica, cada uma de suas funções vitais» (Scheler 1997:147).
O terceiro grau é caracterizado pela memória associativa, que no animal é submetido à satisfação de impulsos, é determinada e funciona de uma maneira puramente mecânica, mas no homem constitui tradição, que é algo mais que mera herança biológica e algo menos que a memória vivida livremente e conscientemente
«Como temos observado, entre os dois modos de comportamento, ambos originalmente derivados do comportamento instintivo, o 'habitual' e o 'inteligente', o primeiro - que é a terceira forma psíquica que distinguimos - resume em si mesmo os fatos relativos a Associação, repetição, reflexo condicionado e constitui aquela faculdade que se denomina 'memória associativa' (Mnéme). Essa faculdade não deve ser atribuída a todos os seres vivos, e falta às plantas, como dizia Aristóteles. Devemos, de fato, atribuí-lo a todos os seres vivos, cujo comportamento sofre, com base em comportamentos anteriores do mesmo tipo, uma mudança lenta e constante, de forma significativa e, portanto, biologicamente útil; De tal forma, isto é, que de vez em quando a intensidade do próprio significado depende estritamente do número de tentativas ou dos chamados movimentos de teste» (Scheler 1997:131).
O que caracteriza o quarto grau é, em vez disso, a inteligência prática ligada ao propósito do organismo, que, de acordo com Scheler, pertence tanto aos animais quanto aos humanos e, portanto, não pode ser qualificada como espiritual ou não espiritual. Comportamento inteligente em um sentido prático é um conhecimento adequado para alcançar um propósito, que é confirmado apenas e somente em seus resultados observáveis
«Podemos falar de uma inteligência “ligada às finalidades do organismo” enquanto o processo interno ou externo seguido pelo vivente estiver a serviço de um impulso tendencial ou da satisfação de uma necessidade; Além disso, também chamamos essa forma de inteligência de 'prática', uma vez que seu significado último é o de uma ação pela qual o organismo atinge (ou falha) o objeto de sua tendência. No homem, essa mesma inteligência também pode ser colocada a serviço de fins inteiramente espirituais; E só então se eleva acima da astúcia e da astúcia» (Scheler 1997:138).

7.2 A inteligência

Scheler, no entanto, não se limita à caracterização do homem como sendo dotado de inteligência prática, isto é, capaz de lidar com a vida, mas determina-a segundo sua essência mais íntima, isto é, como ser espiritual, se opondo drasticamente ao animal. O espírito é, portanto, o oposto da realidade da vida e é, portanto, um princípio além do tempo e do espaço: como um ser espiritual, o homem pode ir além do grau de comportamento inteligente e se opor ao princípio da vida (Scheler 1997:143). O princípio da vida determina todos os quatro graus mais baixos: o impulso emocional, o instinto, a memória associativa e a inteligência prática são todos voltados para a satisfação de impulsos. A esfera vital e suas funções psicológicas são determinadas de maneira puramente biológica e, portanto, obedecem à lei da conservação da vida. Ao contrário do animal, o homem pode negar essa lei, pode 'protestar' contra os impulsos e realizar atos volitivos e emocionais, como bondade, amor, arrependimento e desespero. O homem é de fato uma pessoa
“Os gregos já afirmavam a existência desse princípio, chamando-o de 'razão'. Preferimos usar, em relação a este X, um termo mais amplo, termo que, embora abarque o conceito de 'razão', contém também, ao lado do 'pensamento ideacional', um certo tipo de 'intuição', a do proto. - fenômenos ou conteúdos essenciais, e também uma certa classe de atos emocionais e volitivos, tais como bondade, amor, arrependimento, respeito, admiração, êxtase, desespero e livre decisão: ou seja, preferimos usar O termo 'espírito'. Além disso, queremos designar como 'pessoa' aquele centro de atos dentro do qual o espírito aparece nas esferas finitas do ser, distinguindo-o claramente de todos os centros funcionais da 'vida', que, considerados do ponto de vista interno, também levam o nome de 'Centros psíquicos» (Scheler 1997:143).

7.3 A pessoa

Scheler define a pessoa como o agente dos actos espirituais, que, como tais, devem ser estrictamente diferenciados do comportamento vital relacionado aos impulsos (Scheler 1997:178). Essa possibilidade de se opor à esfera vital é, por sua vez, condicionada pela capacidade de ideação, que nada mais é do que o conhecimento da essência, graças ao qual o homem se distancia das coisas e pode apreender algo como algo em seu verdadeiro ser. O homem é capaz de libertar-se livremente das exigências dos impulsos e isso define a relação entre a pessoa espiritual e a esfera dos impulsos: por um lado, o homem pertence ao reino animal, e o outro, ao divino.
«Um ser “espiritual” não mais ligado às tendências e ao meio, está “livre” deles e, portanto, “aberto ao mundo”; Tal ser possui um 'mundo' próprio, e também é capaz de transformar aqueles centros de 'resistência' e reação de seu ambiente, que ele também possui originalmente (os únicos para o animal que está extaticamente imerso nele) em ' Objetos '; E sobretudo compreender a sua quididade sem aquela limitação que o sistema de impulsos vitais, bem como as funções e órgãos sensoriais, que são sua extensão, impõem ao mundo objetivo e seus dados» (Scheler 1997:144).
Ao dividir o homem em duas partes opostas, Scheler trai sua ligação com toda a tradição metafísica do Ocidente, que define o homem como uma razão animal. Scheler, no entanto, retoma a tese, apresentada após a morte de Hegel, da impotência do espírito, na medida em que é irreal em relação à realidade da vida que determina os primeiros quatro graus e carece de força afirmativa, mas ao mesmo tempo tende a manter o espírito como o objetivo do desenvolvimento. A razão pela qual Scheler adere à primazia do espírito é dupla: a necessidade inerente ao homem de uma indicação que mostre o que sua ação deve visar, porque a mera preservação da vida não pode ser o objetivo final que dirige tudo suas ações, e o fato de que a negação da esfera de impulsos é, no homem, um fato inegável e não pode ser explicado pelos próprios impulsos, mas apenas por outro princípio, a saber, o espírito.
«O espírito é, portanto, objetividade, a capacidade de ser determinado pela quididade das próprias coisas. O espírito 'é' uma entidade viva capaz da mais completa objetificação. Em suma, o 'suporte do espírito é apenas aquele ser, cuja relação essencial com a realidade externa, como de fato consigo mesmo, é, de um ponto de vista dinâmico, exatamente o inverso daquele do animal até inteligente ( ...) Como já dissemos, o espírito é, em última instância, um atributo do próprio ser, manifestando-se no centro unificado da pessoa humana, que se 'reúne' em si mesmo» (Scheler 1997:144.160).
Essa primazia do espírito, apoiada por Scheler, é explicada pela preocupação metafísica de compreender a unidade do homem (Scheler 1997:190). A montante desta preocupação está a concepção de filosofia cuja tarefa real é trazer esta unidade à luz, uma vez que todas as questões filosóficas remontam à única questão fundamental concernente à essência do homem, embora o próprio Scheler reconheça como hoje o homem não é mais uma unidade e, portanto, nem é possível entendê-lo essencialmente.

8. A oposição entre o 'potencial excêntrico' do homem e a 'centralidade' do animal em Helmuth Plessner

8.1 Cultura e Natureza

Segundo Helmuth Plessner, o antropólogo deve negligenciar a oposição entre a ciência da natureza e a ciência do espírito, e se esforçar para chegar a um ponto de vista unitário, a partir do qual se torna possível a organização em graus do mundo orgânico e em detalhes é na sua totalidade
«Na doutrina do homem, o homem não conhece um ser estranho, mas a si mesmo. O objeto desta ciência coincide com seu portador. Seja a medicina ou a sociologia, a psicologia ou a ciência da história que trata do corpo e da alma, das relações sociais ou das fatalidades passadas, sempre tratamos de algo que nos pertence. Todas essas disciplinas são formas e formas de encontro do homem consigo mesmo» (Plessner 2007:66).
Em sua obra Os graus do orgânico e do homem (1928), Plessner coloca antes de tudo um conceito geral que engloba toda forma viva e depois a diferencia de acordo com as diferentes determinações que caracterizam o ser da planta, do animal e do homem. O elemento orgânico aparece como um sistema ordenado de acordo com os graus, em que cada grau é autônomo em relação ao outro.
«Fala-se de organização em vários graus, e não apenas em um sentido superficialmente morfológico. Mesmo em organismos unicelulares, é possível distinguir as partes cujas formas não são formas do todo no mesmo sentido em que são formas das partes. Já nas células multicelulares, a diferenciação do corpo se manifesta em órgãos ou agregações de células do mesmo tipo, independentes do corpo embora necessárias para ele, por meio de uma organização em graus, onde cada grau superior contém o inferior» (Plessner 2006:194).
Portanto, a hierarquia não deve ser entendida como um processo evolutivo. O conceito fundamental que guia todas as descrições de Plessner é o conceito de 'posicionalidade'. Posicionalidade significa o nexo estrutural em que um ser vivo está ligado às suas 'esferas', isto é, aos seus próprios territórios, ambientes ou mundos (Plessner 2006:154). A posicionalidade é o que distingue o elemento orgânico do inorgânico. Uma forma orgânica está relacionada ao seu espaço; tem um lugar natural que defende. Isso significa que ela já está sempre além do limite externo de seu corpo e se colocou em relação com o meio ambiente, com seu ambiente, do qual pode ser influenciado e sobre o qual atua.
«Na conexão entre o organismo e o campo ambiental, frente a frente, está o sinal característico da posicionalidade, que distingue o corpo vivo do inanimado. Uma coisa que preenche o espaço é encontrada em um lugar, em um ambiente. Uma vez que o ser vivo está em si, também está em relação ao lugar do seu ser, está 'dentro do espaço' e, portanto, colocado à frente do ambiente» (Plessner 2006:184).
Mas, segundo Plessner, apenas o homem, entre todos os seres vivos, é capaz de compreender a si mesmo e seu ambiente e colocar um em relação ao outro (Plessner 2006:46). Mas isso significa que o homem não vive mais do seu centro, mas que ele se conhece como um centro. Ele pode, portanto, objetivar-se em sua relação com as esferas, isto é, distinguir essas esferas de si mesmo e, ao mesmo tempo, referi-las a si mesmo. O homem deve ter uma distância porque somente o ser que é 'diferenciado' pode alcançar a reflexão total do sistema vital
«Ora, esse 'centro' que pertence à essência de todo corpo vivo, essa unidade nuclear em si mesma em oposição à unidade do múltiplo, que embora tenha uma magnitude puramente intensiva, obviamente não é ocupado por uma formação espacial. Permanece um centro espacializante, como momento estrutural da posicionalidade do corpo vivo. Mas o caráter desse corpo, que circunda o centro de forma espacial, mudou, pois agora o corpo em si é realmente mediado, representado. É diferenciado de si mesmo e dependente como corpo» (Plessner 2006:255).
O homem é um ser excêntrico, ao contrário de um animal, que vive de seu centro e enfrenta seu centro, mas não vive como um centro, e por isso é cêntrico. Esse homem é excêntrico significa que ele é um ser que pode dizer eu para si mesmo, possui a si mesmo, conhece a si mesmo, está consciente de si mesmo e nisso é um eu, e como tal é diferenciado em si mesmo e é, portanto, uma unidade (Plessner 2006:322).

8.2 Factos biológicos

Para suas análises, Plessner refere-se a factos biológicos , a tal ponto que sua reflexão parece basear-se na biologia, tornando-se assim a base mais segura, se não a única adequada.
«O princípio biológico da relatividade dos sentidos à ação deve ser adequadamente calibrado aqui, uma vez que a percepção sensorial permanece a base da orientação do vivente, guiando suas ações no espaço, atuando como filtro, ponto de referência, sinal de calma ou alarme, cumprindo funções tróficas. , relaxamento ou excitação, etc., assim como em todos os outros organismos animais» (Plessner 2008:81).
Mas é claro que, se procedermos de uma maneira puramente naturalista, o espiritual como espiritual permanece geralmente fora da investigação. Plessner pretende proceder como um biólogo e o objeto do biólogo é o viver em sua caracterização imediata, cuja marca registrada é a inclusão na natureza. Esse elemento natural é o fenômeno sem uma essência oculta, o ser-em-si imediato sem divisões. Em contraste com este ser puramente natural, o homem, sendo excêntrico, não é nem natural nem imediato.
«Comparado a tal privilégio de Auto posicionamento, este ainda teria sua correção se o homem fosse um ser exclusivamente centrado e não, como é, excêntrico. Para o animal, é correto dizer que ele está absolutamente em seu próprio posicionamento. O animal é colocado no centro posicional e absorvido por ele. Para o homem, por outro lado, se aplica a lei da excentricidade, segundo a qual seu ser aqui e agora, ou seja, sua absorção na experiência, não dá mais o ponto central de sua existência. Mesmo na realização de pensar, sentir, querer, o homem está fora de si mesmo» (Plessner 2006:322).
Como tal, no entanto, ele não é o objeto da biologia, porque a biologia tem a ver apenas com formas de vida que são claramente acessíveis à observação externa quando são resolvidas nela. Assim, por um lado, como biólogo, Plessner não tira a conclusão lógica de que, de acordo com sua verdadeira essência, o homem não é o objeto da biologia (Plessner 2006:20). Por outro lado, ele considera necessário superar a problemática biológica por meio de uma interpretação do homem conduzida a partir de sua autocompreensão, voltando assim ao problema do idealismo
«A história do espírito, a história da cultura e da política tornam-se os meios de autoconhecimento e, portanto, uma experiência, e não mais um sistema planejado, conclui a autocompreensão e a interpretação da vida eternamente mutáveis ??pelo homem . A tarefa da filosofia consiste precisamente em reaprender este processo de compreensão e, assim, tornar objetiva a autoconsciência da vida.» (Plessner 2006:46).
O homem de facto só existe se ele se conscientizar, isto é, se ele vive 'liderando' sua vida. O homem não tem um ambiente natural, como o animal, mas deve primeiro construir um mundo que o cumpra e este mundo relacionado ao homem é o mundo cultural e histórico: o homem cria seu próprio mundo para se sentir em casa (Plessner 2006:72). A expressão cultural é necessária para a autoconsciência humana; o autoconhecimento só é possível através da história, isto é, a partir da própria criatividade.

8.3 Espírito e corpo

A criação do homem não é, contudo, analisada por Plessner apenas de acordo com uma crítica do conhecimento e uma filosofia da história, mas também está ligada ao acontecimento do corpo. Para Plessner, o espírito e o corpo estão tão intimamente unidos que o comportamento humano não pode ser explicado apenas do corpo ou do espírito sozinho
«No homem, natureza e espírito se encontram, por isso é bom procurar os pontos específicos de contato - e cesura - em que ocorre a interpenetração das tramas naturais e espirituais. A textura natural é construída com dados sensíveis, com os materiais da percepção sensorial. Que papel esses materiais desempenham na construção de tramas espirituais? O título deste capítulo alude a essa questão. A hermenêutica, a arte de interpretar as produções espirituais, deve ser estendida ao seu substrato sensível» (Plessner 2008:73).
Mas é verdade que é apenas na cultura e graças a ela é oferecido ao homem a possibilidade de conhecer a si mesmo e alcançar uma posse plena de si mesmo. A antropologia de Plessner é assim caracterizada por um duplo aspecto. Em primeiro lugar, a distinção fundamental entre homem e animal é interpretada a partir do eu como o que pertence ao homem, sem que essa mudança em direção à reflexão faça com que Plessner caia em uma metafísica idealista. Em segundo lugar, Plessner mostra que a realidade humana não é unívoca e não pode ser concluída, pois o homem deve sempre 'estender-se' além do que colocou, porque isso nunca é suficiente para ele (Plessner 2006:134–135).

9. “Especialização” de animais e pobreza instintiva em humanos em Arnold Gehlen

9.1 Tarefa da antropologia

Para A. Gehlen , a tarefa da antropologia é interpretar o comportamento intramundano do homem real através do conceito de ação.
«Em primeiro lugar, a necessidade de 'erguer uma ciência (com afirmações verificáveis ??e não poéticas) sobre essas outras ciências setoriais, ou, em minha opinião, de construir por meio delas uma ciência sobre cujos métodos, técnica de investigação e seleção de Objeto não há nada estabelecido, uma vez que a tradição da antropologia filosófica consiste mais em uma tendência do que em resultados. E em segundo lugar: a necessidade de abarcar ambos os 'aspectos' do homem, o espiritual e o corporal, com uma ciência» (Gehlen 1990:84).
A ação humana como tal pode ser entendida, contra a posição do Idealismo, somente se partir do homem real, que já age no mundo (Gehlen 1990:44). O modo de proceder de Gehlen tem uma marca pragmática e se refere à prática. Isso significa que o conceito de ação não é mais um conceito essencial fechado em si mesmo, mas funciona como um conceito orientador para investigações científicas (Gehlen 1990:97).
«Tendo assim aproximado o mundo de si, relaciona-o sobretudo com a sua capacidade de agir: a técnica sobrenatural da magia atrai para o circuito da acção todo o mundo exterior, de forma a poder manobrar os ventos, ajudar as estações, descarregar o Doenças animais. O requisito fundamental da prática mágica - para estabilizar e proteger o curso do mundo de perturbações - é o requisito de um ser que age. Com a mesma originalidade, porém, o homem também objetiviza sua própria ação material, confia-a ao mundo externo, vê-a no nível deste, deixa que o mundo externo o conduza para frente e o capacita: ele objetiviza seu trabalho. Então aqui está o instrumento, a ferramenta» (Gehlen 1990:28).
A tarefa do antropólogo é prosseguir empiricamente, isto é, entrar em investigações científicas específicas, mas de modo a tentar unificar seus resultados. Isso explica por que, para Gehlen, o ponto de vista global está por trás do “aspecto antropobiológico”. Ele pergunta: Quais são as condições da existência humana? Ou seja: o que permite ao homem se manter vivo?

9.2 Comportamento humano

Em seu principal trabalho antropológico, O homem. Sua natureza e seu lugar no mundo (1944) Gehlen pretende demonstrar que todo comportamento humano depende do ponto de vista biológico da preservação da vida: ao contrário do animal, o homem deve manter-se vivo. Isso significa que o homem pode e deve alcançar a autoconsciência: entre as características mais importantes do homem, há aquilo que ele deve assumir em relação a si mesmo (Gehlen 1983:83).
«O homem não vive, mas leva sua vida. Portanto, encontramos este fato aqui, no grau mais inferior, na ligação entre o desempenho motor e perceptivo, que o homem deve reconciliar em si mesmo e com o qual ele se orienta no mundo. No entanto, continuará a acompanhar-nos: mesmo quando chegarmos à linguagem, na qual a interpretação do mundo e a autoconsciência são sempre e apenas desenvolvidas uma pela outra» (Gehlen 1983:200).
Essa possibilidade de realizar autonomamente a própria vida baseia-se no fato de que o homem é o ser atuante. Determinar o homem dessa maneira significa tematizá-lo como uma unidade a partir de sua actividade vital. Isso significa que não é possível, segundo Gehlen, tratar o homem como um 'animal com o espírito' (Scheler 1997:25). O homem deve ser interpretado desde o início como um projeto particular da natureza. O homem é essencialmente diferente do animal. Os animais são altamente especializados, adaptados de acordo com estímulos a ambientes que, como tais, só podem ser compreendidos com base nesses estímulos. O homem, por outro lado, não tem nenhum ambiente específico, mas precisamente porque ele não está adaptado a um ambiente, o homem pode construir seu próprio mundo (Gehlen 1983:62).
«O homem 'cresce aprendendo': a descoberta do que é visível só é possível ativamente e, inversamente, o desenvolvimento das habilidades motoras é acompanhado e seguido por uma série de impressões sensoriais que mudam constantemente. No final, entretanto, existe um organismo no qual uma enorme riqueza de movimentos possíveis e 'potenciais' está apenas esperando para ser capaz de saltar para uma sugestão alusiva de que a circunspecção e a atenção humanas se separam de um mundo feito de estímulos distantes facilmente calculados. , ainda íntimo. O exato oposto dessas habilidades desenvolvidas apenas com dificuldade é representado pela especialização não menos extraordinária com que muitos animais reagem a uma impressão muito particular, nunca vista antes, que o ambiente pode lhes dar» (Gehlen 1990:445).
No entanto, essa possibilidade de trabalho autônomo não coincide com a falta de adaptação. As deficiências são, ao mesmo tempo, vantagens: para o homem, há uma área surpreendente de estruturas imprevisíveis que ele deve primeiro desenvolver. Gehlen fala sobre 'a lei da libertação' como a lei antropológica fundamental (Gehlen 1983:49–50). Concretiza o conceito geral de ação, evidenciando em um confronto direto ou indireto com os animais as formas possíveis de auto-reprodução humana: o homem deve se libertar, ou seja, deve transformar com sua própria atividade as condições desfavoráveis ??de sua existência em possibilidades de sobrevivência (Gehlen 1990:209–210). A libertação prossegue com base na evolução dos níveis mais baixos para os mais altos.
«'No animal e na planta,' (...), 'a natureza não se limita a dar a determinação, mas é ela mesma a criadora. Em vez disso, dá ao homem apenas a determinação e deixa a si mesmo a tarefa de adaptá-la ... só o homem como pessoa entre todos os seres conhecidos tem o privilégio de quebrar, por meio da vontade, o domínio da necessidade que Os seres puramente naturais não têm o objetivo de se separar e iniciar em si uma série de novos fenômenos [esta é uma definição no sentido kantiano de liberdade]» (Gehlen 1983:458).
Os graus anteriores são os pré-requisitos necessários para as subsequentes. O grau superior, no entanto, não deve ser inferido dos inferiores, é absolutamente um novum e esta novidade se mostra no fato de que os graus anteriores são 'desacreditados' na medida em que os graus mais elevados respondem melhor às tarefas da atividade vital (Gehlen 1983:92). Mas isso só é possível porque os processos superiores já estão presentes no estado latente dos anteriores. O homem pode, portanto, nunca estar preso a um certo grau. Como é essa estrutura em graus?
«E é precisamente esse mesmo tipo de operação que ocorre aqui deve ocorrer continuamente em todos os graus mais profundos, no comportamento mútuo de todos esses seres superiores e inferiores: essa mesma seleção e apresentação de experiências vividas, esse abstrair e pensar juntos, esse querer e retraduzir A vontade indeterminada em determinada atividade. Existem energias em nós que são mais fortes do que qualquer coisa que possa ser formulada sobre o homem. Seguindo o fio condutor da vida, aprendemos que nossa vida é possível graças a um jogo de muitas inteligências de valores muito desiguais» (Gehlen 1983:365).
Acima de tudo, os processos circulatórios sensórios-motores da experiência comunicativa (por exemplo, o toque), através dos quais a criança se familiariza com o ambiente, desenvolve uma enorme sensibilidade para o exterior e para si mesmo, pois essas possibilidades os pontos de contato são finalmente 'internalizados'. A experiência tátil é a mais original, mas ao mesmo tempo é imediatamente combinada com a experiência visual. A visão é superior ao toque, porque oferece um campo mais amplo e permite conhecer o objeto sem entrar em contato físico com ele.
«E observou-se como uma criança olhava maravilhada para os dedos quando não se realizava a experiência tátil que esperava, estando muito longe o objeto que tentava agarrar (...) Mas o que é decisivo é que este 'teste' ou exercício De aprendizagem figura entre as necessidades naturais de desempenho da criança, em que ela explora tanto a extrema mobilidade da espécie quanto a 'inteligência' do movimento, sua conversibilidade e Auto estranhamento, que é a possibilidade que o movimento tem de conduzir Em um 'dado teórico' do sentido da visão ou tato» (Gehlen 1983:169-170).
No homem, portanto, a percepção é fundamentalmente diferente da percepção do animal, ligada ao meio ambiente, porque a percepção está inserida na totalidade da vida humana. Mas a imediaticidade que ainda está presente na experiência visual, a actualidade do que é visto pode ser superada através de uma atividade combinatória da imaginação em que o homem 'prevê' uma situação (Gehlen 1983:184–185). Todos esses processos de libertação - toque, percepção e imaginação combinatória - estão ligados ao desenvolvimento da linguagem.

9.3 Linguagem

Para Gehlen, a linguagem é a melhor ferramenta para dominar a vida. A linguagem deriva do pensamento, que cria um simbolismo de segunda ordem, isto é, o 'mundo dos pensamentos'. Gehlen coloca a linguagem e o pensamento como uma qualidade que não pode ser deduzida geneticamente, sem trazê-los de volta ao espírito como base
«A mesma coisa que Heinrich von Kleist viu quando comparou a palavra a um 'volante no eixo dos pensamentos'. Se a linguagem evita a realização plena e plástica de seus signos, devolvendo esses sinais sonoros claros uns aos outros, não são as coisas que mantêm o processo da linguagem em movimento, mas os sons que os representam. Em outras palavras, a palavra tem apenas um sentido transitório, e por isso mesmo é capaz de se integrar em outras palavras e direcionar a intenção sobre elas. Só desta forma uma massa amorfa de pensamentos pode ser processada em voo rápido» (Gehlen 1983:315).
Isso significa que nenhuma distinção substancial pode ser feita entre linguagem e pensamento, de um lado, e as 'faculdades primitivas', do outro. Todas as possibilidades do comportamento humano são de Auto preservação. O pensamento também deve servir ao propósito do domínio da vida e, nesse sentido, o pensamento é ou deve ser prático. Não se pode suspender o pensamento em sua relação com o exterior, ele não pode se distanciar da vida e de suas necessidades (Gehlen 1983:235). Assim, Gehlen não admite nenhum escopo de significados puramente ideais, ele interpreta a linguagem e o pensamento do ponto de vista biológico. A linguagem já tem em si uma tendência peculiar à objetividade e essa intencionalidade, própria da linguagem e do pensamento, condiciona todas as possibilidades superiores do homem: representação, imaginação criativa e conhecimento científico.
«Uma propriedade específica da linguagem humana é a de colocar em um único plano - seu plano sonoro - sem distinção, eventos externos e internos, sonhos e fatos reais, sentimentos e instrumentos materiais. Ainda não se pensou o suficiente sobre esse fenômeno surpreendente: à medida que articulamos palavras que podem significar dados dentro e fora do homem, temos uma ferramenta universal. Sua funcionalidade é ótima; Na verdade, pensamos que certamente poderíamos ter uma linguagem composta de fonemas apenas para comunicar eventos externos e, em vez disso, sermos forçados a expressar o que acontece em nós por meio do mimetismo. Este processo de abstração constitui» (Gehlen 1984:153).
Desta forma, Gehlen afirma ação: através da ação, o homem não simplesmente espera pelo futuro, mas o antecipa na imaginação ativa. Mas também Gehlen contrasta a ação com o impulso (Gehlen 1983:388). As possibilidades superiores do comportamento humano, como a ciência e a cultura, só podem ser adequadamente interpretadas se a superação imediata de uma restrição mundana imediata, governada pelos impulsos em favor de uma possível liberdade, for levada em conta. Em relação ao homem, Gehlen não fala, portanto, de impulsos, mas de moções: a vida istintual do homem tem sua própria estrutura que não se opõe à ação.
«Do ponto de vista que estou defendendo, uma filosofia ou cosmovisão ou mitologia aparece como uma interpretação do significado próprio de entidades imutáveis ??do mundo, onde essas interpretações se tornam motivos para uma ação que é a princípio cultural ou ritual, que Relaciona-se com aquela parte do mundo à qual se deve renunciar, como a morte. Este aspecto da cultura também pode estar relacionado ao homem como agente» (Gehlen 1983:33).
Gehlen contesta a ideia de que as ações são projetadas conscientemente e conduzidas de acordo com a vontade, em oposição aos impulsos: se o homem está totalmente aberto ao mundo, certos impulsos entendidos como o que o liga ao mundo não podem ser atribuídos como fundamento. portanto, colocar ações livres acima deles como algo oposto a esta ligação com o mundo. Os impulsos são sempre sempre referenciados à ação e precisamente no sentido de que a ação pode influenciá-los: o homem é capaz de refrear seus motivos, desejos e interesses (Gehlen 1983:213). Mas, desse modo, a força dos motivos é acumulada e essa força constitui uma reserva que a satisfação biológica das necessidades mínimas não pode esgotar.

9.4 Natureza versus cultura

Com esse argumento, Gehlen tenta vincular o aspecto biológico ao cultural, já que a cultura só é possível se o homem transforma seus motivos em comportamentos estáveis, graças aos quais, em geral, se realiza uma ordem de coexistência humana e isso compreende a diferença entre homem e animal (Gehlen 1983:381). Na cultura, a verdadeira natureza do homem é revelada: o homem é o ser que molda a energia de seus impulsos
«Se considerarmos que a atividade humana reconfigurou de cima a baixo a face natural da Terra, que conquistou a atmosfera, perfurou as montanhas, penetrou nas entranhas do globo - e basta pensar por um momento em que trabalho tenso e árduo Vivemos todos os dias - será claro para nós que os desempenhos da cultura humana, se pertencerem à natureza do homem, não são de modo algum atribuíveis ao aspecto que se resume na expressão 'conservação da espécie ”» (Gehlen 1983:402).
Essa formação é uma necessidade humana e assim se torna um impulso. Em outras palavras: o homem não é determinado pela natureza, mas deve dar-se uma orientação para a vida. Ele é essencialmente um ser cultural, mas isso significa que não pode haver uma definição definitiva do homem: o homem é “o animal ainda não definido” (Nietzsche 1972:68), mas precisamente com base nessa indeterminação eles podem às vezes manifesta nele tendências hostis à vida. Por isso, a necessidade humana de apoio e apoio externos são as instituições, que são sistemas totais únicos através dos quais toda a vida dirigida é contida e governada, de modo a ser utilizável para certos propósitos.
«São as formas inibitórias rígidas e sempre restritivas, experimentadas muito lentamente, ao longo de milênios e milênios - isto é, formas como a lei, a propriedade, a família monogâmica, a divisão do trabalho - que elevaram nossos impulsos e nossos estados emocionais, Tê-los disciplinados voltados para as necessidades superiores, exclusivas e seletivas, que deveriam ser chamadas de cultura. Essas instituições, como a lei, a família monogâmica, a propriedade, não são, de forma alguma, naturais da parte deles e não são destruídas rapidamente. Igualmente antinatural é a cultura de nossos instintos e humores, que devem ser fixados de fora por essas instituições, devem ser mantidos e elevados por elas» (Gehlen 1990:174).
Como o homem não tem uma vida na qual os impulsos são naturalmente determinados, Gehlen baseia a moral não no entendimento que o indivíduo tem de si mesmo como uma personalidade autônoma, mas a partir da comunidade (Gehlen 1990:204). O ponto de vista que orienta a análise de Gehlen desses sistemas de controle é, também neste caso, a autopreservação e, nesse contexto, a autopreservação do grupo. O homem é um homem somente dentro de uma comunidade. O facto de que, através da educação, o homem está acostumado aos costumes e à moral é uma vantagem para ele, como indivíduo (Gehlen 1983:425).
«Enfim, cada um pode e deve se posicionar sobre si mesmo, controlar seus impulsos e interesses, decidir por um ou outro, inibi-los e assim por diante, para que possa e deva - dentro de certos limites - transformar o Seu estado interior, isto é, de acordo com uma ideia de força que corresponde às necessidades da comunidade. A 'moral' que pode ser observada em comunidades individuais são essas orientações de impulsos, com as mais diversas estruturas e, portanto, nossa hipótese - que a organização global do homem deve ser investigada a partir da ação» (Gehlen 1990:107).
De fato, a comunidade, que obtém a mesma vantagem da ação usual do indivíduo através de sistemas de controle superiores, satisfaz as necessidades antropológicas fundamentais, que Gehlen identifica na necessidade teórica de uma interpretação do significado do mundo, a necessidade de normas e a necessidade de proteção (Gehlen 1983:87). Em todas as três áreas, o homem apresenta problemas e encontra soluções para levar sua vida. Mesmo ao explicar essas necessidades e satisfazê-las através da Weltanschauungen, da religião e da moral, Gehlen baseia-se unicamente em interesses vitais biológicos, não muito diferente de sua análise da percepção, da linguagem ou da ciência pragmática. Ele está convencido da necessidade de apoio institucional externo, já que os considera ainda melhores do que a subjetividade indeterminada, aderindo assim à ideia de mediação humana indirecta através de instituições.




Bibliografia:

Scheler, M. (1997). La posizione dell’uomo nel cosmo. Roma: Armando.
Plessner, H. (2007). L’uomo: una questione aperta. Roma: Armando.
Plessner, H. (2006). I gradi dell’organico e l’uomo. Torino: Bollati Boringhieri.
Plessner, H. (2008). Antropologia dei sensi. Milano: Raffaello Cortina.
Gehlen, A. (1990). Antropologia filosofica e teoria dell’azione. Napoli: Guida.
Gehlen, A. (1984). L’uomo nell’era della tecnica. Milano.
Gehlen, A. (1983). L’uomo. La sua natura e il suo posto nel mondo. Milano: Feltrinelli.
Nietzsche, F. (1972). Al di là del bene e del male. In G. Colli & M. Montinari (Eds.), Opere di Friedrich Nietzsche. VI,2 (pp. 3–206). Milano: Adelphi.



Homem e animal
Parte quarta

ANIMAL E HOMEM: POSSIBILIDADE E AMBIGUIDADE DE UMA COMPARAÇÃO

10. Determinismo e plasticità cerebral

10.1 Os sistemas nervosos

Estudiosos do comportamento e do sistema nervoso concordam que, a partir de sistemas nervosos e comportamentos rigidamente estruturados, a evolução levou a mais estruturas e atividades plásticas, como no caso dos mamíferos, especialmente os primatas, que são dotado de um córtex cerebral desenvolvido, eles mostram uma notável plasticidade, que é uma habilidade de modificar o comportamento (Larsen 2013:137). Existem, portanto, espécies animais especializadas, que são baseadas em padrões de ação instintivos e outros comportamentos mais determinados estruturalmente, e espécies não especializadas, que se revelam mais flexíveis, adquirem novos comportamentos através de experiências individuais e são capazes de resolver novos problemas (Mainardi 1979:11) . A distinção entre espécies especializadas e espécies não especializadas é baseada na existência de diferentes estruturas cerebrais (respectivamente, paleoencefálicas e neoencefálicas), bem como em outros mecanismos, como a dieta e o contexto social da vida (Vincent & Lledo 2012:27). Numerosos estudos sobre o comportamento dos animais em relação aos diferentes tipos de plasticidade nervosa, isto é, as diferentes maneiras de resolver os problemas do ambiente em que vivem, nos induz a reduzir uma concepção rigidamente determinista das funções cerebrais e enfatizar como o cérebro deveria ser considerado em termos plásticos e holísticos, especialmente no que diz respeito às bases neurobiológicas das atividades cognitivas, como memória e aprendizagem (LeDoux 2011:602). Nesta perspectiva de pesquisa, o cérebro não é mais concebido como um órgão que se limita a codificar informações de uma maneira específica, mas como um órgão que tem a capacidade de produzir movimentos semelhantes em diferentes circunstâncias, um processo que não é específico, mas faz parte de uma estratégia de generalização (LeDoux 2011:169). Se, portanto, definirmos 'aquela coisa indefinível' que é a inteligência como uma atitude unitária e global de um dado indivíduo pensar racionalmente e encontrar a solução adequada para resolver os problemas do meio em que ele vive, então deve ser dito que até os animais, e não apenas humanos, eles se comportam de maneiras que resolvem situações problemáticas impostas pelo ambiente (Cornoldi 2007:15s). No sistema nervoso dos animais, coletam-se informações que controlam como o seu comportamento interage, mas esta informação não só é depositada no patrimônio genético da espécie e transmitida de geração em geração, como também é adquirida através de um processo de aprendizado à custa de único indivíduo (Cornoldi 2007:96). Isso significa que ambas as categorias, inatismo e aprendizado, são responsáveis ??por controlar um módulo comportamental, com a prevalência de um sobre o outro dependendo da espécie. A maioria dos invertebrados é caracterizada por uma série de comportamentos inatos particularmente desenvolvidos, enquanto que, nos vertebrados, há mudanças comportamentais atribuíveis ao processo de aprendizagem (Mainardi 1979:157.170). Gene e ambiente, estrutura genética e aprendizagem caracterizam-se por uma interação dinâmica no âmbito do desenvolvimento comportamental.

10.2 Determinismo

Um certo fatalismo determinista, uma abordagem filosófica particular e deficiências técnicas reais contribuíram, no passado, para pensar o cérebro como uma estrutura 'rígida'. Hoje, a neurociência sustenta uma estrutura cerebral plástica e modificável, em vez de determinada e invariante, isto é, reconhece que o ambiente é capaz de modificar a estrutura dos neurônios, produzir uma rede nervosa mais complexa e estimular funções comportamentais (Larsen 2013:110). Assim, o mito de um determinismo cerebral estrito e sua imutabilidade estrutural entrou em colapso. O cérebro está realmente predisposto para que alguns de seus núcleos realizem funções específicas (mesmo no córtex cerebral é possível localizar algumas funções, como os centros que controlam a linguagem e decodificá-la), mas ao mesmo tempo a maioria das estruturas e funções cerebrais são integradas entre si, como demonstram os comportamentos complexos, como os processos de memória e generalização (Damasio 2012:83). Em outras palavras, o cérebro tem enormes capacidades plásticas que podem ser perfeitamente explicadas em termos neurobiológicos (Vincent & Lledo 2012:17). A plasticidade é uma característica saliente de todas as células nervosas, que podem reagir a estímulos ou deixar de reagir (ou seja, se acostumar) ou modificar sua função (memorizar e reconhecer estímulos), mas não afeta apenas os neurônios, afeta também os diferentes núcleos e as diferentes áreas do cérebro (Damasio 2012:384). No entanto, existem também estruturas 'rígidas' e estas são as estruturas mais primitivas do sistema nervoso em termos de história evolutiva. Essas estruturas também existem em humanos, mas no cérebro humano o córtex, a estrutura mais recente em termos filogenéticos e mais expandida em relação a outras espécies, permite um alto nível de plasticidade, no sentido de que não há determinismo absoluto quanto ao que deveria ser os papéis das várias áreas (Oliverio 2008:10). No entanto, variações na plasticidade ocorrem em relação ao desenvolvimento do indivíduo. Os genes, de fato, traçam algumas regras que estabelecem qual será o papel de uma área específica (por exemplo, os centros de controle e decodificação da linguagem), mas o ambiente pode modificá-los ou até mesmo subvertê-los: experiências muito precoces, mesmo pré-natal, eles podem mudar o comportamento, como mostrado por estudos feitos em seres humanos, mas também em animais (Oliverio 2008:33).

10.3 A capacidade do nosso cérebro

O córtex frontal é a parte do cérebro que se transformou mais profundamente na evolução dos mamíferos e atinge a expansão máxima na espécie humana (Oliverio 2008:48). Nosso cérebro é capaz de usar diferentes núcleos e estruturas nervosas para analisar simultaneamente os diferentes aspectos e características de um problema, de uma memória, de uma nova realidade que deve ser comparada com esquemas de referência já existentes (LeDoux 2011:599). A capacidade do nosso cérebro é tão dupla: ele quebra ou analisa as diferentes características de uma realidade particular e as reconstrói fazendo uma síntese (a memória talvez seja, nesse aspecto, o exemplo mais simples e mais indicativo)(Searle 2005:253) Essa altíssima plasticidade e poder analítico do homem depende da autonomia funcional das diferentes áreas ou conjunto de neurônios (mas também de grupos maiores, como os dois hemisférios cerebrais), que caracterizam o córtex cerebral: quanto mais o cérebro é capaz de se dividir as tarefas, mais ela é capaz de processar informações simultaneamente, especialmente se estiverem em conflito (Oliverio 2008:51). Uma das características mais evidentes do córtex cerebral humano é aquela ligada à diferença entre as fibras corticais que caracterizam os dois hemisférios (Oliverio 2008:11). No entanto, a capacidade combinatória do pensamento não está presente no nascimento, mas é o resultado de um longo processo evolutivo, regulado tanto por estímulos culturais quanto pelo desenvolvimento do sistema nervoso (Cornoldi 2007:86). Isso significa que o desenvolvimento de habilidades intelectuais não é um processo linear e que as diferenças comportamentais entre indivíduo e indivíduo são afetadas por uma interação complexa entre fatores genéticos, congênitos e ambientais (Oliverio 2008:40). Essas diferenças levaram os estudiosos a substituir a noção atual de inteligência como um único personagem ou conjunto de caracteres com o modelo de inteligências múltiplas (para o momento em que sete formas são conhecidas: competência lógico-matemática, competência espacial, inteligência linguística, inteligência corpórea) talento teatral, musical, habilidade intrapessoal e habilidades interpessoais ou sociais) (Cornoldi 2007:52s). Cada 'inteligência' ou competência seria semi-autônoma, teria sua esfera de influência e sua representação neurológica: diferentes tarefas requerem diferentes 'inteligências' (Cornoldi 2007:48). Essas diferenças são em parte inatas, como mostram as pessoas com diferentes tipos de inteligência dentro da mesma cultura, e em parte devido ao papel desempenhado pelo ambiente que, desde a infância, desenvolve algum potencial em maior extensão do que outros, como demonstra a existência de diferenças entre os povos (Cornoldi 2007:116).

10.4 A criatividade do nosso cérebro

Tudo isso levanta o problema da criatividade do nosso cérebro, que usa diferentes estratégias e caminhos na resolução de problemas (Damasio 2012:55-56). A esse respeito, devemos distinguir dois tipos de pensamento: de um lado, o pensamento lógico ou convergente, isto é, o pensamento voltado para a única resposta correta possível; por outro lado, há um pensamento divergente ou criativo, que visa não apenas fornecer a resposta 'correcta', mas também descobrir soluções incomuns, diferentes das óbvias e convencionais. O pensamento convergente está, em parte, em relação direta com o desenvolvimento do córtex cerebral. Mesmo as outras espécies animais são de fato capazes de resolver certos problemas, algumas espécies até mesmo fazem uso de ferramentas (é o caso dos primatas, abutres, tentilhões, lontras marinhas) (Harris 2002:26), para também usarem 'mapas mentais', que lhes permitem otimizar a busca de alimentos e ferramentas para obtê-lo (por exemplo, chimpanzés), aprender estratégias até mesmo complicadas para rastrear os alimentos, encontrar uma saída para um labirinto e assim por diante (por exemplo, cães e gatos) (LeDoux 2011:599), mesmo que essas capacidades sejam obviamente mais elementares que as habilidades do homem (Griffin 1981:10). Mas a mesma coisa não pode ser dita sobre pensamento divergente ou criatividade. No homem, dotado de um córtex cerebral extremamente expandido, há um pensamento divergente que o caracteriza em relação aos animais, nos quais ele também está presente, mas de uma forma muito menos desenvolvida. Em humanos, os dois hemisférios cerebrais não possuem características especulares, pois o hemisfério esquerdo preside os processos da linguagem, enquanto o direito está mais envolvido em comportamentos emocionais e em atividades artísticas e divergentes: pensamento convergente e racional, estruturado pela linguagem, está principalmente ligado à atividade do hemisfério esquerdo, ao invés do criativo, que é baseado em códigos visuais, na representação através de imagens, em assonâncias e associações livres, parece depender acima de tudo da atividade do hemisfério direito (Damasio 2012:258). O indivíduo criativo frequentemente confiaria nesse pensamento divergente e um tanto fantástico que geralmente é suplantado pela lógica do hemisfério esquerdo (Cornoldi 2007:91).

11. Linguagem: o atributo exclusivo do homem?

11.1 O continuum

É muito difícil definir a linguagem de forma inequívoca e, consequentemente, é difícil estabelecer a diferença entre a linguagem humana e animal (Griffin 1981:163). Para muitos estudiosos, a linguagem é uma característica humana e é a habilidade peculiar de se comunicar por meio de sinais vocais, em um código altamente complexo (Gevaert 1992:35). Para outros autores, esta definição é demasiado restritiva, porque, por linguagem, entendemos um sistema de sinais ou símbolos destinados a transmitir informações da fonte (emissor) para o destinatário do sinal (receptor); a linguagem não seria, portanto, um atributo exclusivo do homem (Duranti 1997:299). Até mesmo a comunicação animal (por exemplo, a comunicação sonora das aves) apresenta uma certa complexidade e, em muitos casos, é transmitida culturalmente ao mesmo nível do humano. De facto, existem muitas formas de comunicação. O código fonético humano simbólico não é o único adotado por nossa espécie que, como outras espécies animais, também utiliza formas de comunicação não-verbal, como gestos, expressões faciais, diversas atitudes, cheiros, etc (Lorenz 2012:319). A dificuldade de discriminar entre linguagem fonética humana e comunicação animal não impede, no entanto, a identificação de alguns critérios capazes de definir um sistema de comunicação como a linguagem. O último deve ser simbólico e abstrato, ou seja, deve ser capaz de conotar ideias, coisas ou eventos distantes no tempo e no espaço e dotado de plasticidade suficiente para descrever novas combinações possíveis de coisas, ações, etc. Com base nesses critérios, a diferença entre linguagem humana e linguagem animal é uma diferença de grau e complexidade: nos códigos de comunicação do reino animal, portanto, há um continuum, do simples ao mais complexo (Griffin 1981:165). Essa diferença é confirmada tanto pela pesquisa sobre as bases biológicas da linguagem quanto pelos numerosos estudos sobre a linguagem simbólica dos animais, em particular a linguagem dos macacos (gorilas, chimpanzés, macacos), que se mostraram capazes de aprender um vocabulário e usá-lo. Por iniciativa própria, em relação a um ser humano ou a um macaco específico, a linguagem das abelhas (a chamada 'dança das abelhas'), considerada uma verdadeira 'linguagem', é caracterizada pela sua complexidade e pelo fato de ser parcialmente com base no uso de um código de sinais simbólicos (Chomsky 2010:256) e, finalmente, a linguagem dos gritos de alarme, que sugere a existência de 'dialetos' presentes em diferentes populações de animais da mesma espécie e, portanto, a herança cultural da linguagem, mesmo no reino animal.

11.2 A linguagem humana

O caráter simbólico e abstrato da linguagem (humana e, ainda que de forma muito menor, animal) nos leva a revisitar o conceito de “instinto”, entendido como uma resposta pré-fabricada que, fora de qualquer experiência individual, elimina o conceito de “instinto” animal em muitas situações (Chomsky 2010:128). Naturalmente, o comportamento dos animais baseia-se na chamada 'experiência ou memória da espécie', mas eles também lucram com a experiência individual através da aprendizagem, devido ao facto de que muitos deles vivem em ambientes altamente variáveis, nos quais existem ou existem eles podem ser inesperados (Gehlen 1983:372). Todos os organismos do reino animal (dos humanos aos protozoários) sabem modificar adaptativamente seu comportamento com base em experiências pessoais: quanto mais uma espécie é adaptada para viver em um ambiente estável e bem definido, mais ela pode pagar a sabedoria biológica. preconcebida dos instintos (Damasio 1995:191). Espécies que vivem em ambientes variáveis ??devem confiar mais no aprendizado. É um princípio que, devido à sua generalidade, é um pouco redutor. Não é fácil separar o que é geneticamente determinado daquilo que é adquirido por experiências pessoais, especialmente no caso de animais mais evoluídos, como aves e mamíferos. O reino animal é amplo e articulado e existem, portanto, diferentes formas de aprendizado (habituação, aprendizagem por associação, aprendizagem latente, intuição, habilidades cognitivas), que não permitem traçar as fronteiras entre inato e aprendido de maneira clara e precisa (Edelman 1991:49). As coisas tornam-se ainda mais complicadas se for o homem que é naturalmente parte do reino animal e no decurso da sua evolução passou da aprendizagem individual para a aprendizagem social, uma habilidade que ele desenvolveu mais do que qualquer outra. espécie e distingue-a essencialmente dos animais. Mas se o homem é especialista em cultura, ele não tem exclusividade para isso, porque mesmo na natureza existem muitas culturas de animais que, embora pequenas e simples, são particularmente úteis para entender as bases biológicas e os significados primitivos de nossa cultura (Harris 2002:53). Sem dúvida, no momento do nascimento, os animais têm respostas inatas (instintivas), geneticamente determinadas e parte de sua estrutura hereditária, mas também têm a capacidade de modificar seu comportamento com base em uma série de experiências adquiridas durante seu crescimento. O desenvolvimento de módulos comportamentais é sempre devido a uma complexa combinação de componentes inatos e aprendidos (Harris 2002:69). Portanto, é apropriado evitar uma análise do desenvolvimento comportamental com base na dicotomia instinto-aprendizagem, na qual o instinto dependeria da genesis e aprendizado do ambiente.

11.3 A linguagem humana e a linguagem dos animais

O fator decisivamente discriminativo na separação da linguagem humana da linguagem dos animais é, à primeira vista, o fato de que a primeira, ao contrário da segunda, parece ser um fenômeno puramente cultural: as bases biológicas seriam irrelevantes para a aquisição da linguagem por uma criança (Guest 2014:115). O balbucio de uma criança, que é a repetição monótona de uma série de sons (lallation) com os quais ele gradualmente vem para construir sons elaborados e complexos, as palavras, formadas pelos fonemas, os 'blocos de construção' da linguagem, constituem um um passo fundamental no aprendizado da linguagem e levou a repensar um certo modo de pensar. Os fonemas de fato apresentam semelhanças notáveis nas mais diversas línguas, tanto que alguns linguistas os consideram estruturas invariantes, programadas pela memória genética (Cornoldi 2007:95). Em nossa estrutura cerebral, haveria capacidades inatas para a formação de palavras: a linguagem já está 'escrita' no cérebro do recém-nascido. A produção vocal do recém-nascido, durante as primeiras semanas de vida, depende dos núcleos mais antigos do sistema nervoso, do mesencéfalo, enquanto estruturas mais recentes assumem, as do chamado sistema límbico, responsável pelo balbucio emocional, emitido pelo sistema nervoso central para comunicar-se com seletividade crescente seus estados de bem-estar, mal estar ou irritação (LeDoux 2011:118). Somente no final do primeiro ano de vida, quando a criança aprende a imitar os sons de adultos e a compor os fonemas de forma articulada, as estruturas nervosas do córtex cerebral assumem: os fonemas ou sons básicos (ma-ma-ma, pa -pa-pa etc.) são repetidos (como na mãe), recombinados (como no da-do) e finalmente reorganizados em uma linguagem baseada em regras muito precisas: as regras semânticas estruturais que se aplicam à linguagem (Guest 2014:118). A fala mais avançada também se aplica aos fonemas e sílabas produzidos nos gagos, que não são, portanto, uma produção causal, mas respondem a uma estrutura temporal, hierárquica e rítmica. As 'regras' da linguagem, a partir do balbucio até uma produção linguística madura, não são aprendidas, mas parecem ser inatas e universais, independentemente da linguagem que os homens falam (Searle 1981:81). A linguagem falada está intimamente ligada aos centros nervosos 'motores' do córtex cerebral, nos quais dependem os movimentos dos órgãos fonatórios (músculos faciais, língua e laringe, que contribuem para a articulação dos sons). Sem as áreas do córtex, presentes no hemisfério esquerdo do cérebro, definiram áreas da linguagem - a área de Wernicke, dedicada à identificação e seleção de sons verbais, e a área de Broca, altamente especializada em humanos, que controla a emissão da voz pelo órgão fonatório - áreas imaturas ao nascimento e que amadurecem a partir do nono mês, não seríamos capazes de articular e entender as palavras, faladas ou escritas (Damasio 1995:53). Em macacos antropomórficos, a comunicação vocal é regulada sobretudo pelo sistema límbico, uma rede neural mais primitiva que o telencéfalo dos mamíferos. Em humanos, o sistema límbico retém algumas de suas capacidades primitivas de controle sobre a expressão oral e faz sua influência ser sentida em situações muito envolventes, no entanto, o sistema neocortical tem um amplo controle sobre o sistema límbico e relega-o em certa medida a um papel subordinado em manifestações sonoras (Damasio 1995:144). Entretanto, a maturação das habilidades linguísticas humanas não depende essencialmente dos mecanismos de produção sonora, pois existem linguagens que não são baseadas em palavras, mas em signos, como a linguagem gestual dos surdos-mudos, e essas linguagens apresentam fundamentalmente regras morfológicas, sintáticas e semânticas. semelhantes aos da linguagem falada. Isso significa que em nosso cérebro há uma capacidade linguística comum à linguagem falada, à linguagem gestual e a qualquer outra produção linguística.

12. Evolução biológica e evolução cultural


12.1 Imprinting

Estudos recentes sobre grupos de animais vivos na natureza e pesquisas realizadas em laboratório sobre várias espécies mostraram que a interação intraespecífica resulta na transmissão de novos padrões comportamentais adquiridos através da experiência de um indivíduo para outro (o que é comumente indicado com o termo 'tradição' e tradicionalmente também devemos entender aqueles comportamentos transmitidos de uma geração para outra sem a necessidade de interação social direta entre indivíduos) não é apenas um fenômeno da espécie humana por si só, mas é relativamente comum para vertebrados e invertebrados como uma maneira importante de se adaptar (Harris 2002:63-65). É claro o valor que ele tem para a sobrevivência de um organismo, que muitas vezes tem que enfrentar desafios ambientais particularmente desafiadores, a possibilidade de explorar a aquisição de alguns padrões comportamentais já experimentados por co-específicos, que lhe permitem evitar a repetição de mesmas experiências (Gehlen 1987:87). A formação de tradições locais características de cada população pressupõe naturalmente o envolvimento de alguma forma de aprendizagem social que favoreça a disseminação da informação. Como na esfera humana, mesmo entre os animais, os jovens são particularmente adequados tanto para fazer descobertas quanto para assimilá-los, enquanto os adultos tendem a estabilizar as tradições adquiridas, como demonstrado, por exemplo, pela sociedade macaca (Harris 2002:67). Várias formas de aprendizagem social podem ser distinguidas, algumas mais conservadoras, que permitem a transmissão de informações vitais para a espécie, outras mais inovadoras, o que pode levar a uma rápida evolução cultural do comportamento (Anati 1992:55). Formas de aprendizagem social são:
- o imprinting, isto é, o comportamento particular de certos animais (pintos, rolas, cordeiros) durante os primeiros dias de vida, no qual eles seguem todo objeto em movimento, desenvolvendo em um curto espaço de tempo um forte apego a ele (Lorenz 2012:173-183);
- ensino, que pode ser baseado em encorajamento ou desânimo para se comportar de uma certa maneira (Lorenz 2012:193-199);
- imitação, através da qual novos comportamentos são aprendidos, não característicos da espécie e para os quais não existe nenhuma tendência inata (Lorenz 2012:77);
- a estimulação localizada da atenção, com a qual há um aumento na tendência de responder a um estímulo-objeto particular como consequência da resposta de outro indivíduo a esse objeto (em outras palavras, é um tipo de aprendizagem por tentativa e erro) (Lorenz 2012:90–94).
Deve-se reconhecer, portanto, que há espécies (certos insetos, alguns peixes, algumas espécies de répteis, numerosas aves e mamíferos) nos quais, ao lado da herança (genética) de módulos comportamentais fixos e específicos e também da capacidade de aprender, um legado 'cultural' pode se desenvolver. Culturas normalmente inovadoras são encontradas em espécies que vivem em ambientes variáveis ??ou em espécies que tendem a colonizar novas áreas. Sendo um fenômeno de socialidade, a transmissão cultural tem um papel de regra entre os membros da mesma espécie, mas não faltam casos em que a informação passa de uma espécie para outra, assim como há casos em que ocorre transmissão cultural sem aprendizagem social (por exemplo, salmão) (Harris 2002:361-363).
12.2 Mesmo que a tradição cultural seja, por definição, não-genética, a capacidade de aprendizagem social sempre tem uma base genética: a cultura é também uma experiência da biologia, dependente, mesmo que indiretamente, dos controles genéticos (Cornoldi 2007:95). Como qualquer fenômeno de herança, um patrimônio cultural pode, com o tempo, produzir um processo evolutivo. A capacidade de evolução cultural, embora presente em várias espécies, permanece, no entanto, a qualidade mais característica da espécie humana, que certamente pode ser considerada a única verdadeiramente especializada como produtora de cultura. Em particular, a evolução cultural como fenômeno especificamente humano permite uma comparação com a evolução biológica e captura interações, analogias e diferenças. Os mecanismos que determinam os dois tipos de evolução podem ter a mesma função ou o mesmo efeito (isto é verdade, por exemplo, no que diz respeito a seleção, acaso, tendências de migração). No entanto, também existem diferenças entre os dois tipos de evolução, sendo o mais significativo o modo de transmissão hereditário: rígido e lento na evolução biológica, maleável e rápido na evolução cultural. Além das semelhanças e diferenças, há também inter-relações entre os dois tipos de evolução: a cultura surge da biologia, mas pode influenciar a evolução biológica de suas estruturas básicas, tanto das espécies que a produzem quanto de outras que coexistem com a biologia. Do que foi dito até agora, emerge que 1) a cultura deve ser considerada como a qualidade caracterizadora da espécie humana (White 1940:452); 2) a cultura não é apenas humana, no entanto, como há muitos casos de evolução cultural em aves e mamíferos, nos quais é possível identificar a transmissão de memes (= as menores unidades de informação transmitidas culturalmente do que geneticamente por um indivíduo para outro: uma ideia, uma crença, um costume etc.) (Distin 2005); 3) mesmo o comportamento humano - e não apenas o dos animais - é, pelo menos em parte, programado através de adaptações filogenéticas (Hodos 1981:16); 4) finalmente, o comportamento humano é, portanto, uma realidade moldada tanto pela evolução biológica (ou filogenética) quanto cultural (Scupin 2016:60).

12.3 O homem por natureza um ser cultural

Com tudo isso, podemos dizer que o homem é por natureza um ser cultural. Daí a distinção, que apareceu na filosofia contemporânea, entre 'ambiente' e 'mundo'. 'Ambiente-próprio’ (Umwelt) indica um espaço de vida bem definido com o qual o ser vivente mantem relações receptivas e activas (Scupin 2016:17); pelo contrário, o 'mundo' (Welt) expressa uma certa ligação com o meio ambiente, mas ao mesmo tempo transcende o último, por ser percorrido em movimentos e acções comunicativas onde o homem adquire a sua experiencia e é sempre além de seu próprio ambiente. O comportamento geral do homem é caracterizado pelo conceito de 'abertura ao mundo', em oposição ao 'estar-restrito ao ambiente' dos animais (Gehlen 1983:66). Já do ponto de vista biológico, o comportamento humano é caracterizado por uma surpreendente «não-especialização», que não é uma deficiência (ou não é apenas isso), mas a condição pela qual o homem pode levar uma existência propriamente humana. A ligação entre gene e comportamento deve, em qualquer caso, ser reconhecida não apenas para interpretar as sociedades animais, mas também a sociedade humana. No entanto, esta conexão, no que diz respeito ao homem, nem sempre é direta: factores como experiência, plasticidade comportamental, evolução cultural e a possibilidade de escolhas conscientes contribuem significativamente para o perfil comportamental da espécie humana. A distinção entre evolução biológica e evolução cultural deve, portanto, ser mantida muito firme: os mecanismos de seleção biológica, que explicam a diversidade de espécies, não esclarecem as diferenças entre as várias culturas e civilizações. Isso significa que o homem procura o sentido de sua vida fora dos mecanismos da evolução biológica: ele o procura na arte, moralidade, fé, em suas relações interpessoais (Gehelen 1983:33). Todos esses campos dizem respeito à evolução cultural, não à evolução biológica. O homem é, em última instância, o único capaz, ao menos em parte, de libertar-se da natureza e de seu determinismo fundamental (Gehelen 1983:164). É por isso que a espécie humana, apesar das semelhanças e semelhanças com outras espécies animais, não pode ser rastreada até qualquer outra.

12.4 A relação entre mente e cérebro

Neste ponto, a questão delicada surge sobre a relação entre mente e cérebro, entre estados 'mentais' e estados 'cerebrais'. Existe alguma identidade limitada entre os dois, no sentido de que um evento mental é um evento físico, embora, como um processo, tenha propriedades que não podem ser idênticas àquelas dos componentes estruturais do cérebro que lhe dão origem. As propriedades mentais, no entanto, não podem variar na ausência de variação nos estados cerebrais e, portanto, são propriedades derivadas (Searle 2005:51). Partes evolutivas do cérebro determinaram o aumento em algumas espécies de vertebrados (aves e mamíferos) de uma 'consciência primária' (o estado de estar ciente de algo). Com o advento da linguagem, através da evolução de áreas cerebrais capazes de usar a referência simbólica, capaz de uma verdadeira linguagem, uma consciência direta desenvolvida na espécie humana, uma 'consciência da consciência' ou consciência de ordem superior, isto é, o reconhecimento pelo sujeito pensante de seus atos e suas afeições, uma capacidade que permite ao homem uma memória de longo prazo, de não mais estar conectado a eventos em um período de tempo imediato, como animais, e, portanto, de operar um distinção entre um passado e o presente, que está bastante ligado à consciência primária (Edelman 1991:230). A individualidade biológica não é simplesmente comparável à personalidade: antes do surgimento da linguagem, provavelmente não havia 'eu' ou 'pessoas'. Mesmo que a evolução da linguagem exigisse a existência de estados antes da consciência primária, era, no entanto, a base para fortalecer a transmissão social e a comunicação intersubjetiva. De qualquer forma, a origem e a evolução da linguagem ocorreram e de qualquer forma as relações entre pensamento e linguagem são definidas, é claro que uma consciência de ordem superior e a evolução cultural a que ela dá origem foram capazes de desenvolver-se apenas com o surgimento da verdadeira linguagem, da qual, em última análise, apenas a espécie humana é dotada (idem). É, portanto, na faculdade da linguagem, própria da espécie humana, que se localiza a linha de demarcação que separa o homem do animal. De animal para homem, o passo é curto; ao animal na verdade não falta que a palavra: o homem é zoøn logikon, o animal que fala. É a palavra, o discurso que permite ao homem recuperar e transfigurar o ambiente natural e constituir, não só facilitar, as relações humanas, já que através da palavra ele pode abstrair da situação concreta.

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