AA 2015

Apresentação da disciplina

Lição do dia 10 de Março.

Cap. I – Os Símbolos e o ritual

  1. Estrutura e propriedade dos símbolos rituais

  2. Interpretação dos símbolos

  3. O contexto do campo e as estruturas simbolicas

  4. As propriedades dos símbolos rituais

  5. As referencias simbólicas

  6. Símbolos dominantes e símbolos estruturais

  7. Os limites da interpretação antropológica

  8. O simbolismo ritual e a psicologia do profundo

  9. Os campos de analise

  10. As interpretação das emoções

  11. A eliminação dos conflitos

  12. Modalidades de inferir a interpretação

  13. A relatividade da profundidade

  14. Conclusões.

 

 

 

 

 

 

 

Cap. II – Simbolismo ritual moral e estrutura social

Cap. III – Problemas de classificação

A classificação das cores no contexto africano

As cores rituais

Branco

Vermelho

Preto

Simbolismo africano

O contraste: branco-preto

Características das cores preta e vermelha

.

Cap.IV Estudo das pictografias e ideogramas dos Chokwes

Mbau

Huma

Molu

Mpulu

Kai

Tchisekele

Kambala

Tumbala

Funda

Mbalu

Tua

Lufu

Mutue

Ndumba

Hundu

Koluama

Riahotua

Kasumbi.

Lição do dia 21 de Abril 2015

Antropologia do simbólico

Temos de perguntar primeiro se existe, de facto, algo assim como uma antropologia simbólica

instituída e frontalmente, e só depois, se for o caso, investigar sua história e a sua contribuição e a sua estrutura.

Keith Parry (1979:956)

 chegou a dizer da antropologia simbólica que "constitui um campo amorfo", enquanto

Martin Silverman (1983:178)

afirma que esta não é mais do que uma etiqueta que designa um conjunto  de especialidades.

O caso é que a antropologia simbólica parece constituir um modo de investigação, que, a despeito de o habitual, é definida pelo seu objeto (o símbolo) ao invés de seus métodos ou por suas teorias.

Def de Antropologia Simbólica

Isso não significa que se formou uma escola ou uma corrente teórica da mesma entidade da antropologia cognitiva, o evolucionismo cultural ou o materialismo.

Visto que agora está explícito que a antropologia simbólica não é, de forma alguma, O "paradigma" no sentido de "Kuhn matriz disciplinar', caracterizado por um conjunto

de princípios ou por uma série de modelos no título  como um denominador comum, mas que é claramente outra coisa, uma entidade complexa.

Se não houver um acordo para além da pura escolha do símbolo como pólos magnéticos do discurso é o de considerar a cultura como um sistema de símbolos e significados compartilhados e a elaboração da antropologia como o estudo do sistema.

Em seguida, temos uma (re)definição de cultura mais ou menos restritivas e voluntariamente fechado, para alguns a dimensão symbolista material, tecnológico, ambiental ou econômico é

parte da cultura, enquanto para outros, Todas as coisas materiais e até o comportamento humano propriamente dito constituem obstáculos.

A caracterização não é devido à lógica das fases ou períodos, uma aventura que já foi tentado

e que já deu provas de ser estéril; nem comporta uma distinção inicial de tácticas, émica e ética um lado.

O cerne da questão é o papel e actividade simbólica tanto como o objeto a todos concebível; um quadro que, por sua vez, que tem de ser definido pela natureza do seu paradigma

mais do que pela sua identidade declarada.

Em outras palavras, o espaço total do discurso sobre o símbolo está em causa, vai qualificar e ser dividida em tantas

dimensões como discreta alguns paradigmas teóricos, os objetos de interesse

"Abordagens"

ter sido definido de tal forma que qualquer discurso symbolista  refere-se

1) a aquilo que queremos avaliar

(a) o quadro teórico de referência,

(b) A sua dimensão ou perspectiva tratamento e

(c) A sua meta ou foco de interesse.

Em caso de erro ou arbitrariedade, a expressão de cada ideia nos seus próprios termos vai servir para corrigir o que nós poderíamos afirmar

Liçao do dia 17 de Março

O termo “cultura” surgiu em 1871 como síntese dos termos Kultur e Civilization. Este, termo francês que se referia às realizações materiais de um povo;  aquele, termo alemão que simbolizava os aspectos espirituais de uma comunidade

 

Tylor

Naquele ano, Edward Tylor sintetizou-os no termo inglês Culture. Com isso, Tylor abrange num só vocábulo todas as realizações humanas e afasta cada vez mais a idéia de cultura como uma disposição inata, perpetuada biologicamente.

O primeiro conceito etnográfico de cultura surgiu com Tylor, que a entendia como

“um todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer

outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”

Como que complementando o conceito de Tylor, Jaques Turgot escreveu que o homem é possuidor de um tesouro de signos e que tem a faculdade de multiplicá-los infinitamente, de retê-los, de comunicálos e transmiti-los aos descendentes como herança

Tylor entendia a cultura como um fenômeno natural,. A diversidade cultural, por exemplo, era explicada por Tylor como resultado da desigualdade dos

estágios evolutivos de cada sociedade

A reação ao evolucionismo de Tylor veio através de Franz Boas, com a publicação do seu

artigo “The Limitation of the Comparative Method of Anthropology”, no qual atribui à antropologia as tarefas de reconstruir a história do povos e de comparar a vida social de diferentes povos, com o particularismo histórico

 

Segundo David Schneider, “Cultura é um sistema de símbolos e significados. (...)”. Para Max Weber, o homem é um animal que vive preso a uma teia de significados por ele mesmo criada

 

Clifford Geertz

partindo desse raciocínio, Clifford Geertz sugere que essa teia e sua análise seja o que

chamamos de cultura. A  missão do antropólogo é desvendar esses significados, estabelecendo relações entre si, de forma a ensejar uma interpretação semiótica do objeto analisado

Segundo a noção de Gilbert Ryle, de uma “descrição densa”. E fazer a etnografia do objeto,

elaborar uma descrição densa, “é como tentar ler um manuscrito estranho, desbotado, cheio deelipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos...

E uma boa interpretação só será possível, continua ele, através do estabelecimento

dessas relações, da seleção de informantes, da transcrição de textos, do levantamento de genealogias, do mapeamento de campos etc., em suma, através de um levantamento etnográfico.

 

Leslie White

Para o estudioso Leslie White, o símbolo é a unidade básica do comportamento humano. A civilização só existe em razão do comportamento simbólico, característico do homem.

A partir da teoria da evolução de Darwin, muito se questionou sobre o que é o homem e qual a sua diferença em relação aos demais animais (mamíferos superiores).

Diante de dados anatômicos, percebeu-se que a caixa craniana do homem era maior e que, por essa razão, seu cérebro também o era. Dessa forma, o pensamento, o raciocínio, a compreensão etc. estavam vinculados a um maior poder de associação de ideias derivado das faculdades mentais humanas.

No entanto, Leslie constatou que a diferença entre os homens e os outros animais era uma diferença qualitativa e não quantitativa. Isto quer dizer que o homem usa símbolos para existir, mas que estes símbolos são criados, inventados, pelos próprios humanos, diferente do animal, que pode ser condicionado por símbolos, mas jamais poderá criá-los. Esse poder de criar símbolos é especificamente humano (não há outros seres que o façam, nem graus intermediários).

Símbolo é uma coisa cujo valor ou significado é atribuído pelos seus usuários. Este valor nunca é determinado pelas características físicas do objeto em questão, isto é, de suas propriedades intrínsecas, mas sempre por algo arbitrário que se torna convencional.

Por exemplo, a palavra VER. Nenhuma destas letras, juntamente ou separadas, indica uma ação de visualizar algo (em francês se diz VOIR, em inglês, TO SEE etc.). O sentido faz parte da valoração coletiva sobre algo, é imaterial, mas é preciso que alguma coisa física represente o sentido, perpassando nossa experiência.

Leslie também faz a distinção entre símbolo e signo. O primeiro é a criação do valor de algo. O signo é a indicação de um valor já criado. É uma forma física cuja função é indicar alguma outra coisa, qualidade ou fato.

O sentido de um signo pode ser inseparável de sua forma física (como, por exemplo, o termômetro com a coluna de mercúrio que indica a quantidade de calor) ou apenas separado, desde que analogamente evidencie a coisa (previsão do tempo, por exemplo).

Lição de 31 de Março

O caso é que a antropologia simbólica parece constituir um padrão de pesquisa que, antagónica à normal, é definida pelo seu objeto (o símbolo) e não pelos seus métodos ou por suas teorias.
Antropologia Simbólica ou interpretativa
década de 1960 –
década de 1970
reavaliação geral da antropologia cultural como uma empresa científica da função de sentido
longe de teorias no sentido materialista
mudança idealista
teorias para as questões da cultura e da interpretação,
bem longe das grandes teorias
maior ênfase sobre a forma em que as acções individuais e a forma criativa da cultura
Uma maior ênfase em termos de definições de cultura
Antropologia simbólica: não é uma escola bem organizada ou claramente delimitada
Mas um "projecto" concebido por alguns antropólogos de ver a descodificação de símbolos como sendo a actividade principal de análise
antropologia simbólica considera e estuda a cultura como um sistema de símbolos e significados compartilhados e a elaboração da antropologia, o estudo do sistema
antropológica ...

Três principais fontes teóricas:
1. neodurkheimianas
2. êmica Sapir e sociologia teoria
3. teoria psicanalítica (Freud, Jung, Róheim, Betelheim)
antropologos simbolicos
Raymond Firth, Meyer Fortes, 
Victor Turner, Mary Douglas, 
Sherry B. Ortner Monica Wilson,
Gregory Bateson Gilbert Lewis,
Barbara Babcock Paul Rabinow,
Renato Rosaldo Barbara Meyerhoff,
Terence S. Turner Milton Singer,
Maurice Bloch Robert A. Paul,
Marilyn Strathern
James Fernandez

Uma vez que antropologia simbólica não é organizada numa "escola", não há nenhum dogma ou princípios os mais "simbolistas" no entanto concordam sobre estes dois pontos:
a cultura é, fundamentalmente, um sistema simbólico e para análise dos símbolos culturais

fornece o ponto natural de entradas em um universo cultural
se a cultura é simbólica, em seguida, segue-se que ela é usada para criar e transmitir significados pois esse é o objectivo dos símbolos.
Se os significados são os produtos finais da cultura, para perceber a cultura precisa compreender os significados dos seus criadores e utilizadores

"Crer, com Max Weber, que o homem é um animal suspenso em teias de significado que ele próprio fiou como uma aranha, quer dizer que a antropologia simbólica não é ciência experimental em busca de leis, mas ciência interpretativa em busca de sentido". Geertz (1973:5)

Victor Turner


antropólogo social escocês, 1920-1983 aluno de Max Gluckman em Manchester
1950-54 pesquisa entre os Ndembu da Zâmbia
Nascido em Glasgow no dia 28 de Maio de 1920 Victor Turner teve um pai engenheiro eletrônico e a mãe uma atriz. A idade dezoito inscreveu-se na University College, Londres para estudar poesia e clássicos da literatura. II Guerra Mundial interrompeu seus estudos por um período de cinco anos. Durante esse tempo, casou, teve dois filhos e viveu em uma caravana depois ele retornou à University College, estuda inicialmente os conflitos o estruturalismo - cisma e a continuidade de uma sociedade Africana [1957] ... Trabalho Posterior na teoria da, "antropologia experiencial", e cultiva o interesse para a antropologia simbólica
Obras
The forest of symbols (1967)
The drums of affliction (1968)
Chihamba: the white spirit (1969)
The ritual process: structure and anti-structure (1969)
Dramas, fields, and metaphors: symbolic action in human society (1975)
Process, performance, and pilgrimage: a study in comparative symbology (1979)
Blazing the trail: way marks in the exploration of symbols (with Edith Turner) (1992)

A Floresta dos símbolos

Típica obra da "linhagem": matrilinear
ascendência matrilinear
mudança residência virilocal postmarital agricultura em solos pobres savana
aldeias provisórias:
novas aldeias continuamente em reforma
chefes ambiciosos procuram atrair moradores de longe de seus presentes chefes (são os "grande homem" processo político) Cada um continua sendo puxado em direções opostas por lealdades conflituantes matrilinear e laços com base em Fa- por isso relacionamento lotes do ritual lotes
Dramas sociais em cisma e a continuidade na sociedade africana (1957) baseado em sua pesquisa entre os Ndembu foram recorrentes dramas sociais unidades de vida social existe como um resultado do conflito, que é inerente em todas as sociedades. Dramas sociais têm "quatro fases principais da acção pública, acessível à observação, violação, crise, acção correctora, e reintegração.
A primeira fase é 'sinalizadas pela opinião pública, ostensiva violação ou inadimplemento deliberada de alguns cruciais norma que regulamenta a relação sexual entre as partes" (ibid. ). Uma vez que uma violação ocorre "uma fase de fixação diminui crise", no qual a violação alarga e amplia a separação entre as partes. A crise tem "fase liminar características, uma vez que é um limite entre mais ou menos estável as fases do processo social" (Turner, 1974:39). A terceira fase da ação é compensador para limitar a propagação da crise com certos ajuste e mecanismos compensadores

 

Lição do dia 28 de Abril

Psicologia cognitiva

Dos diversos paradigmas que podem ser identificadas no interior da antropologia simbólica, o paradigma da psicologia cognitiva nasce recentemente em meados dos anos 70, quando existe um interesse crescente em se relacionar com os símbolos e a lógica proposicional e a lógica de classes, com as hierarquias cognitivas e com o problema da lógica binária  e a analogia do pensamento humano. O modelo imediato é, dentro da sua disciplina de origem, aquele chamado da psicologia cognitiva, tal como concebido por P. H. Lindsay por D. H. Norman e especialmente pelo Sr. Heinrich Ulrich Neisser.

A Linguagem bastante rigorosa exigida por esses novos espaços temáticos e a pretensa preocupação de estudiosos, os métodos de validação, pelas definições coordinativas e por outros formalismos, determinado que Colby, Fernandez e Kronenfeld (desde 1981) introduziram a antropologia simbólica que nasceu pela  'convergência' com a antropologia cognitiva sobre o alcance de tais investigações, que, ocorrem geralmente na forma de análise em uma pequena escala, e que foram caracterizadas como uma 'microantropoiogia" (1981: 440). É fácil de notar, no entanto, que não são significativos fragmentos de cada uma das correntes que estão envolvidas nesta convergência: aqueles que levam a antropologia simbólica, diametralmente oposta ao cognitivismo (Geertz, 1973:11-12; Schneider, 1965; Sahlins, 1980:138).  E na nossa articulação da tendência actual de antropologia cognitiva (Reynoso, 1986a).

Natureza e cultura

O Homem, na sua relação com a Natureza e no seu relacionamento com outro, conseguiu inventar formas diversas para exprimir os seus pensamentos, os seus sentimentos, as suas emoções, as suas preocupações e também as suas angústias e seus desejos. E em quase todo o planeta habitado pelo homem foram descobertos vestígios que fundamentam esta realidade.

Nesta evolução, encontramos hoje uma das formas de expressão dos Tucokwe que utilizam o chão húmido arenoso para se comunicarem. Uma forma subtil de comunicação reservada a uma determinada classe da comunidade Cokwe.

É gratificante para qualquer ser humano quando se apercebe que há comunicação na sua relação com outro.

Símbolos Msona

Há um grande conjunto de símbolos que em ucokwe se denomina de masona (singular: lusona), que os iniciados thucokwe utilizavam para comunicar.

Trata-se de registar minuciosamente as mensagens que só se identificam nos processos iniciáticos do jovem púbere kacokwe O sistema educativo cokwe incluía esse elemento filosófico-artístico como uma das formas para se ter acesso à sabedoria milenar da sua tradição. Os desenhos na areia serviram como uma forma de comunicação nos rituais ancestrais, nas canções litúrgicas, na dança e em adivinhas.Os contos, os mitos, os ditos, os provérbios incarnam a experiência vivida dos nossos Povos e constituem um suporte importante tanto na fase de formação do jovem que se prepara para assumir funções sociais no seio da sua comunidade como para o próprio adulto que a eles recorre como referência para resolver este ou aquele problema. E era exactamente naquela fase dita de iniciação que esse conhecimento era transmitido e consolidado; portanto, não existe nenhum adulto kacokwe que tenha sido educado segundo a sua tradição e que ignore essa forma de comunicação. Os desenhos retratam seres humanos, seres sobrenaturais, contam histórias de animais reais ou

míticos, representam jogos ou brincadeiras.

Alguns traçavam o rumo das suas viagens na areia, indicando o percurso com imagens suas. Normalmente, alisa-se a areia e depois o artista traça uma rede de pontos equidistantes e desenha uma figura que une os pontos. O desenho é logo apagado, preservando assim os segredos do artista, mantendo o monopólio dos conhecimentos. Os desenhos retratam seres humanos, seres sobrenaturais, contam histórias de animais reais ou míticos, representam jogos ou brincadeiras.

Alguns traçavam o rumo das suas viagens na areia, indicando o percurso com imagens suas. Normalmente, alisa-se a areia e depois o artista traça uma rede de pontos equidistantes e desenha uma figura que une os pontos. O desenho é logo apagado, preservando assim os segredos do artista, mantendo o monopólio dos conhecimentos "sona". A maior parte dos "sona" Chokwe é simétrica e/ou monolinear, isto é, é composta por uma suave linha única: uma parte desta linha pode cruzar outra linha, mas as duas linhas nunca se podem tocar.

Os desenhos que representam imagens e pensamentos através de símbolos visuais são uma curiosa fonte de conhecimentos - uma espécie de linguagem mnemónica preservada pelas tradições orais. Alguns desenhos falam por si só, enquanto o espírito e a natureza são exprimidos duma forma impressionista.

Bibliografia

Boa parte dos estudiosos conhecem esses desenhos na areia. São de realçar os estudos de

José Redinha, com as Paredes pintadas da Lunda (1953), obra editada através das Publicações Culturais da Diamang;

de Mesquitela Lima, com as Tatuagens da Lunda (1956), obra publicada sob os auspícios do Museu de AngoTa, ou de

Mário Pontinha e Acácio Videira que nos apresentam as Cabaças gravadas da Lunda ( 1963), dado igualmente a estampa pelas Publicações Culturais da Diamang.

E por fim, o estudo de Mário Pontinha, intitulado Ngombo: adivinhação. Tradições no Nordeste de Angola, publicado no ano de 2000.

 

Tudo o que é nos dado a apreciar nas diversas expressões plásticas de África não revela senão formas diferentes de comunicação iniciática com uma forte carga

funcional.

 

Problema

Porquê que os Thucokwe reservaram estas formas de expressão cultural só para os iniciados?

Os desenhadores chamavam-se “Akwa kuta sona” formaram uma elite na sociedade, preservando conhecimentos e artes ancestrais.

 

Quem são os Tucokwe?

Tschokwe, Quiocos ou os Povos Chokwe, vieram do Leste, acompanhados por seus chefes Lunda-Quiocos, fixaram-se nas proximidades das nascentes dos rios Cuango, Cassai e Alto Zambeze. Expandiram-se conquistando outras tribos, destemidos na caça, resolutos na luta e pertinazes nos empreendimentos, leva-os a apoderar-se de terras sempre que podem, mestiçando-se com as mais diversas gentes e difundindo a sua cultura. Mantiveram contactos com ambas as Costas de África e consequentemente relações com variados povos de origens e etnias diferentes. Eram caçadores, criadores de gado e agricultores.

na".

 

Mwatchisenge

"Mwatchisenge", o mais famoso chefe dos Lunda-Chokwe de Angola, é conhecido como o arquitecto da sua própria cultura e fundador das suas instituições. É um personagem mencionado em várias fábulas.

Encorajou o seu povo a criar arte de grande valor cultural através dos desenhos na areia. Estes desenhos foram feitos na areia, nas paredes das casas, nas rochas, no corpo (tatuagens), em madeira, em cerâmica, ráfia e ferro.

Lição de 19 de Maio de 2015

Quando aceitamos a definição de cultura dado por M. Herskovits (1952, n. 6): tudo o que se encontra no meio ambiente que é devido ao homem, teríamos de fato reunião para esta inquietante pergunta sobre aquilo que não é cultura, espera-se que a mesma representação do ambiente é devido ao homem e que operam dentro dessa representação. Em outras palavras, se a cultura e tudo o que é devido ao homem, ela compreende tudo, até mesmo o espaço-tempo contínuo, porque também esta peculiar conceituação da realidade é um produto humano.

Parece, pois, evidente que um conceito funcional da cultura deve fazer riferimento a um fenômeno muito mais concreta e claramente delimitada.

UMA primeira aproximação ao problema leva a classificar a totalidade da realidade

em dois grandes subgrupos:

Deixamos de lado a última porque o discurso se move dentro da realidade vivida. Aqui, se pode imediatamente reconhecer duas grandes classes de fenômenos,

 aqueles que mandamos sob o titulo comum da realidade objetiva

e aqueles que com Termo vago mas adequada podemos dizer realidade intelectual.

Alguns autores têm inclinação para identificar a cultura com a última classe

de fenômenos, acabando, mais ou menos conscientemente, com o cavar um fosso intransponível entre a cultura e a natureza, rasgando, desta forma, o homem em duas secções distintas e entre seus contraditórios.

A superação desta dicotomia envolve a análise da realidade intelectual e objetiva. Na série de fenômenos que pertencem à primeira, encontramos de

Numa primeira aproximação, seria possível compreender a cultura, a soma dos produtos dos processos mentais e transformações que por meio desses produtos funcionam na realidade. Permanecem desta forma fora da cultura os processos mentais e a realidade objetiva

não é transformada, como momentos de fenómeno natural que descrevemos acima. Esta definição do conceito de cultura são fáceis duas acusações:

(a) a distinção entre processos mentais e

(b)os produtos deles

Estas objecções são de grande ajuda para a superação da falsa oposição entre natureza e cultura, e metodologicamente útil. Na verdade, eles mostram que natureza e cultura são dois aspectos do continuum da realidade humana, distinguem entre si apenas para um aprendizado necessário. Nesta chave esclarece a teoria científica da cultura feita por Malinowski (1962), e onde se incluem as intransponíveis dificuldades encontradas por muitos autores quando eles tentaram retornar para a natureza ou cultura fenómenos como a proibição do incesto por isso, a cultura não pode ser que a relação entre o homem e a natureza, na medida em que, em sua assunção sincrônica é entendida como culturalmente mediada, apenas a fórmula de L. A. White

(1969, 45) Para o comportamento humano: corpo humano x estímulos culturais

-" comportamento humano Se a cultura é assumida como um resultado da relação entre o homem e a natureza, sua diferença em relação a esta é idêntica à que existe entre os elementos de uma relação é o seu produto. Considerou, portanto, que no homem e na natureza, são encontradas as constantes e variáveis, ainda no contexto da cultura vai ser reconhecido e de fato reconhecer constantes, embora estejam relacionados, e variáveis. Você entende que as três seções, aparentemente contraditória, mas cultura distinta: o ser universal e individual, estático e dinâmico, inconsciente e consciente Herskovits (1952, n. 7). A cultura é universal porque é carácter constituinte e o prestígio de todos os homens, maxe indivíduo

porque em cada uma delas se manifesta com resultados diferentes. ELA é estática devido à sua persistência no tempo, nem impõe a repetição, mas é dinâmica, porque um homem sob a orientação de diversos condicionamentos que está submetida, e forçados a trabalhar continuamente para a sua reinterpretação e invenção

 Lição de 31 de Março

AA 2016

Plano de Sumários

 

 

 

 

 

 

 

 

UNIDADE 1 Teoria do símbolo e da cultura

 

UNIDADE 2 Precursores da antropologia do simbólico  

 

 

UNIDADE 3 As representações colectivas  

 

UNIDADE 4 Os sinais  

 

UNIDADE 5 Os comportamentos  

 

 

UNIDADE 6 Antropologia do simbólico nas culturas angolanas 

 

 1ª Lição 15 Março 2015

 

A cultura é o universo da significação, se entendida em toda a sua semiologia e usado teimosamente. As coisas estão de facto, produzidas ou feitas pelo homem, porque elas significam algo. Os homens estabelecem o material e as ferramentas através das quais eles sabem reconhecer, produzir e reproduzir o seu mundo. Sinais e símbolos em essência não são apenas um traço característico do homem, mas a sua essência e o seu destino.

A condição humana consiste na produção e consumo de signos e símbolos. Que são o conteúdo do seu comunicar e fora deles o homem perde a sua identidade como um homem.

É bastante claro que a distinção, implícita entre a realidade significada e não significada apela à velha dicotomia constitutiva da cultura ocidental:

cultura versus natureza,

espírito versus matéria

Este risco é, no entanto, facilmente evitável, na consideração de que  a realidade não significada é parte constitutiva como já sabia Morgan (1871), da realidade significada.

A produção de sentido, isto é, a atribuição de significados, tanto no momento da codificação como na descodificação, é inseparável da realidade natural e social.

Para ser ainda mais precisos, os factos culturais existem como produtos de processos cerebrais, mas estes não poderiam existir sem eles. Além disso, sendo a comunicação uma significação, a cultura é impensável fora da sua dimensão social, de modo que, através da integração de Aristóteles, é fácil entender que a sociedade é a condição inevitável da linguagem, de facto a significação permite a existência da sociedade.

O mundo já não aparece como um todo ordenado dividido em compartimentos, mas como um continuum em que cada item torna-se a condição do outro, e todos os outros são a condição dele. Trata-se não de uma taxonomia filológica tabuada, mas de um jogo de palavras cruzadas cujo encanto reside na solução perenemente procurada, mas nunca encontrada definitivamente.

Conceito de cultura

A definição de Edward Burnett Tylor em Primitive Culture (1871)

'A cultura ou civilização, tomado no seu amplo sentido etnográfico, é todo o complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, o costumes e outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade '.

A Cultura é a concepção do real e a sensibilidade associada a ele adquiriu na sociedade ou induzido que dirige os assuntos nas diferentes situações que surgem na vida. O que é construído através das experiências da vida,  como cada sujeito lida com os problemas e a tradição o indivíduo é parte de grupos e deve interiorizar as regras e tê-las como um modelo para a ação e para avaliar a realidade.

A cultura e a forma de lidar com a realidade ' dos indivíduos como membros de uma sociedade. (Conhecimento, crenças, valores)

Para a cultura Kroeber e C. Kluckhohn consiste em esquemas explícitos e implícitos adquiridos e transmitidos através da mediação de símbolos. A cultura e 'consiste em valores na linguagem quotidiana que entendemos por herança cultural do conhecimento adquirido pela pessoa através da educação.

2ª Lição 18 de Março

 

Antropologia do Simbólico

Esta disciplina tem como perspectiva antropológica aquela de 

Este estudo nos faz perceber como um símbolo pode ser separado da realidade presente e indicar uma realidade passada ou uma contingência futura.

A ideia de um símbolo pode, ser dada por um comportamento que, se não é desprovido de sentido, é pelo menos contraditório.

O que é o simbolismo?

Pode ser descrito como uma compreensão metafórica do significado. Para ser adequadamente descrito como 'simbólico' uma acção deve ter sido destinado a representar uma outra coisa

Há uma gama muito ampla de materiais simbólicos - coisas chamados símbolos e de ideias sobre símbolos que são relevantes para qualquer estudo antropológico acerca dos símbolos por causa dos problemas da definição que imagem levanta.

Mas qual pode ser uma contribuição especificamente antropológica à compreensão do simbolismo? Qual é o especifico da interpretação antropológica dos signos? O que é que pode fazer um antropólogo que já não tenha sido feito pelos lógicos, metafísicos, linguistas, psicólogos, teólogos, historiadores de arte ?

A abordagem antropológica é

Portanto, os antropólogos estão equipados para explicar os significados dos símbolos nas culturas que eles estudam, e usam dessas explicações como um meio para promover a compreensão dos processos culturais da vida social.

De grande relevância para uma abordagem antropológica que estuda o simbolismo é a tentativa de disjuntar – o fenómeno na sua dimensão superficial do seu significado subjacente.

Exteriormente, uma pessoa diz ou faz algo que significa algo a mais, de mais intimo e profundo.

Então se pode considerar este acto como um símbolo para expressar relações de status e emoções que indicam um simbolismo mais profundo.

Abordagem holística

A abordagem antropológica, aplicada numa forma holística, tem como objetivo fornecer uma descrição e uma análise sistemática de uma acção simbólica nos seus aspectos verbais e não-verbais; para distinguir as partes do ritual consideradas significativas daquelas que são acidentais;

Para assinalar os elementos litúrgicos  e distingui-los daqueles que são pessoais; para obter uma elucidação acerca dos significados atribuídos ao ritual; e para definir o complexo conceitual e institucional geral no âmbito mais específico das situações e das relações de grupo das pessoas que intervém no ritual.

O estudo do simbolismo, especialmente simbolismo religioso, é agora de moda na antropologia social. O interesse antropológico para os símbolos remonta pelo menos a 200 anos atrás.

Hoje os antropólogos devem tentar de interpretar a linguagem simbólica e o comportamento simbólico e relacioná-los com a gama de formas e valores sociais.

Devemos estudar essa relação entre público e privado, e símbolos sociais e pessoais é importante e considerar porque, hoje em dia, há fortes tendências dentro da sociedade para a rejeição de símbolos tradicionais e para a descoberta, o mesmo a invenção, de novos símbolos novas tendências onde os interesses individuais e as decisões pessoais prevalecem sobre o reconhecimento comum de formas simbólicas.

Analisar as expressões simbólicas das etnias angolanas, até agora não analisadas ​​é de extremo interesse para os antropólogos, porque essas expressões são parte da matéria-prima para o estudo comparativo dos processos de pensamento e ação humana. Os rituais simbólicos revelam a direção e a extensão do envolvimento das pessoas na vida social e nos processos de vários tipos, e a qualidade de abstração aplicada a estes processos. Mas em a um nível mais analítico, estudar o simbolismo também têm sua importância antropológica.

3ª Lição dia 22 de Março

Nenhum relatório sobre os usos do simbolismo é completo se não se reconhece que os elementos simbólicos da vida tendem a apresentar-se numa forma tumultuada, como a vegetação duma mata tropical.

Withehead, Symbolism, New York, Fordham University Press, p. 69

Os primeiros etnógrafos procuraram descobrir o sentido dos rituais completamente incompreensível praticados nas sociedades tribais e tradicionais: eles celebravam, sem saber sua lógica cultural e simbólica.

Raymond Firth no seu trabalho  Símbolos  aludiu à contribuição única dos antropólogos para o estudo do simbolismo, que aumentam o conhecimento fornecido pelos lógicos, linguistas, psicólogos, teólogos. Historiadores, artistas e especialistas de outras disciplinas

 

 

O símbolo como parte das culturas e das sociedades humanas.

antropologia filosófica

 

O homem como animal simbólico Na filosofia incluem um autor fundamental na análise do simbolismo trata-se de Ernst Cassirer (1874-1945), que se preocupava especialmente pela natureza e função da linguageme define o símbolo como uma categoria da cultura.

Para ele, o símbolo diferencia o homem do animal; os animais se adaptam diretamente ou automaticamente  ao ambiente físico, enquanto que os humanos têm entre o ambiente e eles próprios um universo que consiste na linguagem simbólica: mito, arte e religião.

Trata-se de formas linguísticas, imagens artísticas, símbolos míticos e rituais religiosos.

Estes são os fios que tecem a rede simbólica, um tecido complicado da experiência humana são meios artificiais que se interpõem entre o ser humano no processo de ver, conhecer ou tratar a realidade ao seu redor. Através do sistema simbólico, o ser humano adapta-se ao ambiente. A aquisição deste mecanismo adaptativo intermediário transformou sua vida inteira; graças a ele o homem vive numa nova dimensão da realidade num universo simbólico.

Há uma diferença fundamental entre a mente humana e a mente dum não homem.

O homem usa símbolos que nenhuma criatura pode usar.

A mais importante forma de expressão simbólica é a linguagem que permite a comunicação de ideias, a tradição, a acumulação de informações e, finalmente, progresso e da civilização.

A maioria dos traços característicos da vida humana e de todo o progresso cultural, baseia-se nestas condições. Neste contexto, é claro, que língua é essencial. E a diferença entre a linguagem proposicional e a linguagem emotiva representa a verdadeira fronteira entre o mundo humano e o mundo animal. Cassirer observa que em nenhum animal é dado o passo decisivo da linguagem subjetiva. Podemos admitir que os antropóides fizeram um passo importante no desenvolvimento de certos processos simbólicos, mas é preciso ressaltar que eles não atingiram o limiar do mundo humano. Eles entraram, por assim dizer, em um beco sem saída (Cassirer, 1997 56).

Assim, os sinais são identificados com o reino animal, enquanto os símbolos ver com o intelecto humano. Há um complexo sistema de sinais e sinais presentes no comportamento animal, especialmente em animais domésticos; mas os símbolos são a própria linguagem simbólica do ser humano

Sinais e símbolos, de acordo com Cassirer correspondem a dois universos de argumentos diferentes: o sinal é uma parte do mundo físico do ser, enquanto o símbolo é uma parte do mundo humano porque o sinal possui um sentido, tem um valor físico ou substancial, o símbolo unicamente possui um valor funcional.

Insistindo na diferença básica acrescenta que o animal tem uma imaginação e inteligência prática, enquanto o homem tem desenvolvido uma nova fórmula de inteligência exclusiva e de imaginação simbólica. A este respeito, ele fala sobre a transição no desenvolvimento mental da psique individual de uma atitude apenas pratica para uma atitude simbólica. Isto significa chegar a entender que tudo tem um nome.

(Considerando que a área do significado é muito mais ampla do que o sinal estrito da palavra), e a função simbólica é um princípio de aplicabilidade universal, ou seja, cobre todo o campo do pensamento humano. Juntamente com este destaques o símbolo é universal e também tem a sua variabilidade (vários símbolos podem expressar a mesma ideia); Não é   uma realidade rígida e inflexível, mas móvel (pode expressar mesmo significado em diferentes línguas, e em uma língua idéia ou pensamento pode ser expresso em termos diferentes). o sinal ou sinal, no entanto, referem-se a uma coisa determinada um modo fixo e único.

Leslie White

define cultura através de simbolização.

Def de simbolização

'simbolizar' o facto de dar um sentido a factos ou coisas, esta atribuição de sentido é captada e apreciada.  A linguagem articulada é a forma mais característica de simbolização. Simbolizar é  Movimentar significados sensoriais, Somente o homem é capaz de simbolizar.

White propõe  o termo 'simbolados' para descrever fenômenos que consistem ou dependem da simbolização. Este conceito pode ser aplicado à prática da totalidade da cultura como um conjunto de idéias e atitudes, ações e objetos materiais. Como exemplos do tipo de coisas e acontecimentos que consistem ou dependem de nomes de simbolização: uma palavra, um machado de pedra, um fetiche, prevenir-se contra a sogra, a relutância em tomar leite, a santificação do sábado....

4ª Lição do dia 5 de Abril 2016

Leslie White 

Cultura é para o White, em última análise, o tipo de coisas e eventos que dependem do simbolizar, assim que eles são vistos numa resposta extrasomática. Ao mesmo tempo, tais coisas e eventos englobam cultura manifestada no tempo e no espaço:

1) em organismos humanos em forma de crenças, conceitos, emoções, atitudes

2) no processo de interacção social entre os seres humanos.

3) nos objectos de materiais que rodeam os organismos humano integrados nos padrões de interacção social. 

De facto, o verdadeiro lugar da cultura, de acordo com White, são as interacções dos indivíduos e, no lado subjectivo, no aglomerado de significados que cada um deles inconscientemente assume na sua participação nessas interacções. 

Sigmund Freud

De acordo com Freud, finalmente, o que exprimimos com símbolos é aquilo que nós temos reprimido. Os símbolos são definidos como produto de atitudes identitárias inconscientemente reprimidas. São máscaras para não enfrentar a realidade que devem ser deitadas. Expressam a falta de harmonia ou dissonância e têm a função de ajudar a fugir duma dolorosa realidade. Portanto, a terapia era de libertar o paciente da repressão e dos símbolos que estavam escondidos.

Jones, discípulo de Freud continuou a desenvolver esta teoria, propondo algumas associações simbólicas, mais amplas do que seu mestre e estabelecendo que apenas o reprimido precisa de ser simbolizado. Na sua abordagem, as relações simbólicas referem os aspectos mais básicos de vida (corpo, nascimento, família, etc.) em pertencem ao domínio do inconsciente. 

Edward Sapir (1884-1939)

Era um autor dentro da tradição antropológica, fortemente influenciado pelas teorias de Freud. A sua concepção sobre a cultura e o método antropológico foi sempre relacionada, também, ao seu trabalho em linguística. A linguagem foi, segundo ele, o fenómeno cultural por excelência. Sapir estabeleceu uma nova relação entre linguagem e cultura: relativismo linguístico, posteriormente desenvolvida por seu discípulo Whorf. Inicialmente, baseia-se na sua tese como as línguas faladas têm algumas leis universais, mas há uma grande diversidade de expressões linguísticas que impedem a comunicação entre eles. Do seu ponto de vista, a língua é um símbolo verbal de relacionamento humano. E, o que é fundamental, reflecte não apenas cultura mas moldá-a para que ela constitua um guia simbólico à realidade social. Ele impõe diferentes visões do mundo. As categorias lexicais são as que organizam a percepção da experiência. 

Por outro lado, para Sapir (1969), o símbolo é sempre um substituto de um tipo de comportamento intermediário. O seu significado não pode ser derivado diretamente da experiência. Salienta, além disso, a sua capacidade de condensação de energia; ou seja, por ser uma forma muito condensada de conduta que permite uma libertação imediata de stress emocional de forma consciente e inconsciente (football). Sapir distingue entre símbolos de referência e símbolos de condensação. Os primeiros não tem a qualidade emocional destes últimos; definido como um consciente formas econômicas para fins de referência como discurso, escrita, o código de telégrafo, etc. Símbolos de condensação, por sua vez, têm uma qualidade emocional, de energia e até mesmo do perigo, que foi retomado por autores da corrente moderna antropologia simbólica como Douglas e Turner. 

Carl G. Jung (1875-1961)

É o principal representante de uma tendência da psicanálise. Jung transforma a psicologia freudiana da libido (instinto sexual) e adiciona a energia psíquica, que tem sua origem no inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. Para este autor, o inconsciente coletivo é o princípio formativo básico do simbolismo ritual.  Distingue, também entre sinal e símbolo. O primeiro é uma expressão semelhante abreviada de uma coisa conhecida enquanto o segundo é a melhor expressão possível de um facto relativamente desconhecido, mas mesmo assim reconhecido ou postulado como existente. O inconsciente coletivo. mitologia e religião (como fenômeno positivo e saudável),  De acordo com Jung, contém toda a herança espiritual da evolução humana, que é constantemente reproduzida na estrutura psíquica de cada indivíduo: mesmo os sonhos são feitos basicamente de um material coletivo. Como na mitologia e o folclore dos diferentes povos, certos motivos que se repetem de forma quase idêntica aparecem em sonhos. Eu chamo estas razões 'arquétipos' e com isso quero dizer formas e imagens de natureza coletiva que existem em todo o mundo, como elementos constituintes dos mitos, e ao mesmo tempo como produtos individuais e autóctones  de origem consciente.

Os símbolos de Jung são o começo da salvação do homem. Eles são um pouco sobre-humanos e apenas parcialmente conhecidos. Eles expressam algo cuja natureza é desconhecida. A sabedoria de que são portadores os símbolos é armazenada nos sonhos e às vezes emerge na forma de arquétipos: imagens simbólicas do sumo poder, de cujo conteúdo não há nenhum tratamento consciente. Mas que possam emergir do subconsciente com um lançamento dinâmico de força e ajudar a mente do indivíduo em condições favoráveis. Também enfatiza os aspectos poéticos, universais e aspectos positivos relacionados com o simbólico, porque eles formam o conteúdo do inconsciente coletivo presente na mitologia e na religião.

                                           Lição do dia 12 de Abril 2016

A teoria de Jung sobre os símbolos

Os motivos simbólicos que apelam Jung são as 'imagens primitivas' que podem ser expressa conscientemente ou em sonhos. Todo símbolo é um arquétipo. A psique cria símbolos que é o arquétipo do inconsciente. Estes símbolos são uma dimensão emocional e expressam os aspectos da mente inconsciente. Portanto, seu significado, é obscuro. Como falamos sobre o 'desconhecido', seus significados podem ser encontrados somente através do estudo do plano de fundo pessoal do indivíduo e da mitologia comparativa. 

Em última análise, a teoria de Jung sobre símbolos inclui que todos os seres humanos possuem umas mesmas tendências inatas a inventar uma série de símbolos gerais ou arquétipos. Entre os mais importante são: o velho sábio, mãe terra, a anima e o animo (aspectos respectivamente masculino e feminino de machos e fêmeas), a Cruz, o anjo, o herói, o divino menino, Deus e a pessoa. Todos estes símbolos gerais repetem-se constantemente, de acordo com Jung, nos mitos e sonhos, então supõe-se que eles devem ter alguma origem coletiva universal. 

Emile Durkheim (1885-1917)

Agora deixamos o campo individual e a psicologia profunda e entramos no essencial social e comunitário. Ligada a esta, o estudo sociológico e Antropológico do simbolismo tinha consistência especial dentro das tradições de estruturalista e estritamente simbolista, configurando-se em torno das contribuições da figura central da Emile Durkheim (1885-1917), que trataremos com mais detalhe quando falaremos da escola sociológica francesa. Embora seja importante não esquecer os ilustres antecessores deste autor, como é o caso de Fustel De Coulanges, com sua análise da sociabilidade e do culto dos ancestrais na antiga Grécia e Roma e Robertson Smith, abordando a religião dos povos semitas. 

No seu estudo sobre as formas elementar da vida religiosa, Durkheim gera interesse no simbolismo do grupo do ponto de vista da harmonia do indivíduo com a sociedade. Um grupo que está sempre acima dos indivíduos que o compõem. O conceito de representações coletivas, classificações simbólicas primitivas e o simbolismo totêmico  no âmbito dos rituais da coesão social e da divinização clánica são particularmente relevantes no trabalho deste autor.

O Totem

Estudando os aborígenes australianos, Durkheim descobre que o símbolo (Totem) realiza a coesão do grupo e o identifica como tal; Além disso, o consagra. Através do estudo do simbolismo totêmicos liga os símbolos como factores sociais, mostrando a estreita relação entre o símbolo, o sentimento religioso e a sociedade .

Ele também destaca a natureza simbólica da relação entre as coisas sagradas e o seu significado. Estabelece a definição fundamental da religião como um sistema simbólico que, segundo ele,  torna possível a vida ao expressar e manter os sentimentos e valores de uma sociedade. Ele diz que sem símbolos os sentimentos sociais e a vida social não seriam possíveis. Porque eles são modos de expressão, produzem emoção e incitam a acção. O simbolismo, em suma, tem uma dimensão fundamentalmente colectiva e  um marcado papel expressivo emotivo e comportamental; por outro lado as condições básicas para a integração e a coesão, e a reprodução da totalidade social. As suas abordagens sobre a dimensão social do simbolismo e a ênfase no aspecto expressivo dos símbolos encontrados continuidade através de autores como Marcel Mauss ou Radcliffe-Brown, cujas contribuições teóricas confirmam que o influxo de Durkheim se transmitiu através de duas correntes diferentes, que em última análise, acabam para desagoar para as tradições estruturalista e  simbolista.

Na verdade, as duas tradições - de caráter empirista e racionalista respectivamente — representam a confluência de diferentes posições teóricas e metodológicas polarizadas na escola estrutural francesa e na escolas simbolistas americana e britanica contemporaneas. A primeira preocupada de definir as estruturas ou modelos formais subjacentes aos sistemas de símbolos especiais, a segunda tomando a estrutura social como base dos codigos simbolicos

 

 

 

 6a Lição dia 26 de Abril

 

Filosofia da linguagem e o estudo dos signos

No quadro geral da semiótica ou teoria dos signos, e em particular no pragmatismo americano ou no utilitarismo encontramos a contribuição de Charles S. Peirce (1839-1914). Peirce (1988) classifica os sinais de uma representação com referência aos seus ícones objeto convencionalmente fixados (primeiramente chamados cópias), índices e símbolos.

Sinal

O sinal é algo que é para alguém ao invés de algo em algum aspecto ou capacidade, por uma relação de semelhança no caso de ícones, para uma relação de efeito e causa, no caso de índices de e sem estar ligado com o objeto que significa, no caso de símbolos.

Ícone  

Um ícone é um signo que é usado quando se trata de uma relação sensorial. A única maneira de comunicar diretamente uma idéia é através do ícone. Ele não tem nenhuma conexão dinâmica com o objeto que ele representa. Indica semelhança: a estátua de um leão seria um sinal tão irônico; ou exibir um executivo agressivo para mostrar a vida estressante.

Índice

Um índice é um sinal directamente relacionado com o que de fato significa que está intimamente ligado com o objeto e ambos são um par orgânica. Ela indica a relação efeito-causa porque: as taxas são o fumo de um incêndio ou as pegadas de um leão; fotografias também instantâneas são, em certos aspectos, exatamente como os objetos que representam. Um sinal é um aspecto dinâmico de um índice.

Símbolo  

O símbolo, finalmente, é um sinal de que não tem relação directa ou semelhança entre o sinal e o objeto representado, mas uma complexa série de atribuições. Neste caso, a ligação se baseia em uma convenção e pode parecer arbitrária. Na ausência de qualquer material de ligação (alvo) com o objecto representado, o símbolo depende inteiramente do facto da sua utilização convencional. Os símbolos são assim definidos por sua natureza convencional, sem qualquer conexão material com o objeto que eles representam. Daí a cobra é - arbitrariamente um símbolo do mal, e o leão é um símbolo de força e ferocidade. Como  Peirce explica, em tempos antigos, o símbolo é já utilizado para significar uma convenção ou contrato. Aristóteles chamou o nome de um símbolo, isto é, um sinal convencional. Na Grécia, o relógio de fogo é um símbolo, ou seja, um sinal previamente combinado. Segundo ele, na verdade, qualquer palavra comum, como um presente,  pássaro ou casamento  é um exemplo de símbolo. Todas as palavras, frases, livros ou outros sinais convencionais são símbolos. É um conceito aplicável a qualquer coisa que possa ser levada a cabo pela ideia relacionada com a palavra. Embora essas coisas não se identificam. Ele não nos mostra um pássaro, nem realizada diante de nossos olhos o acto de dar, ou um casamento, mas devemos ser capazes de imaginar essas coisas, associando-lhes a palavra (Peirce, 1988: 156-157).  O pragmatismo de Peirce parte de uma distinção básica entre: coisa, representação e forma. O nosso mundo inteiro é um mundo de representações, cada pensamento é uma representação; definida como algo que é suposto ser o outro, e que pode expressar esta para uma mente que pode realmente entender. A coisa é definida como aquela que pode ser substituída por uma representação. A forma é definida como uma representação da mesma coisa; indica que o processo de representação por meio da palavra, a noção da ideia, pensamento. De acordo com Peirce, só sabemos as coisas e formas através de representações. E, enquanto eles são conhecidos apenas relativamente, podemos ser cépticos sobre eles e não pode ser aplicada a eles os critérios de verdade ou falsidade. Os símbolos são incluídos nas representações; Eles são, em particular, que, quando se apresentam na mente evocam um conceito. O símbolo está ligado ao objeto em virtude da ideia de símbolos utilizados pela mente sem a tal ligação não existem. Nesta teoria, eles estão sujeitos a três condições:

a) Eles representam um objeto (apesar de não ter nada que assemelhe a ele),

b) Eles devem ser uma representação de uma forma representada e realizavel (um logos).

c) Devem ser traduzíveis num outro idioma ou sistema de símbolos.

A partir daqui distingue-se entre:

a) retórica geral (a ciência das leis gerais das relações de símbolos em outros sistemas de símbolos).

b) Lógica (a ciência das leis gerais das relações dos símbolos para com objetos ou coisas).

c) Gramatica Geral (a ciência das leis gerais das relações de símbolos para as formas representadas -logoi-).

Desta forma os símbolos:

d)  denotam um indivíduo (o sujeito) e devem significar uma característica; por exemplo, um homem anda com criança levanta o braço para o céu e diz, há um globo; o braço que aponta é uma parte essencial do símbolo (índice: signo diretamente relacionado o que significa) mas se a criança pergunta, o que é um globo, e o homem responde: algo como uma bolha de sabão, a imagem oferece um símbolo de recurso (Ícone: sinal utilizado numa relação sensorial agora se junta balão e bolha de sabão).

b) devem indicar uma coisa particular, mas denota um tipo de coisa (o símbolo em si é um tipo e não uma única coisa); pode-se usar a palavra 'estrela', mas isso não faz dele o criador da estrela.

 7a Lição dia 6 de Maio

(c) os símbolos chegaram a ser tais pelo desenvolvimento de outros sinais, particularmente de ícones. Porque quando alguém cria um novo símbolo fá-lo por pensamentos envolvendo conceitos; Uma vez que surge o símbolo se espalha entre as pessoas e o seu significado e cresce através do uso e da experiência (daí, por exemplo palavras cujo significado é restricto: lei, riqueza, casamento... que tem para nos significados muito diferentes daquilo atribuído pelos nossos antepassados em épocas diferentes).  

 

O Pragmatismo americano recebe no seu seio as obras de autores consagrados como William James, Dewey e Mead, todos eles localizados na corrente semiotico-pragmática de orientação empírica e interpretativa. A noção de símbolo neste campo está intimamente relacionada com as abordagens comportamentais estímulo-resposta. Na convergência teórica entre Peirce e Mead, por exemplo a aprendizagem consiste na reorganização perceptiva do campo cognitivo do sujeito, que corresponde à relação entre os estímulos presentes no meio ambiente e opera através da associação  signo-significado na idêntica perspectiva, estímulo-resposta, de Pavlov.

 

Sob a influência directa de Peirce, Charles Morris (1901-1979), em seu trabalho sobre os sinais, a linguagem e comportamento (1962), considera o sinal em três dimensões: 1) semântica, 2) sintáctica e 3) pragmática.

1) De acordo com a dimensão semântica, o sinal é considerado em relação a que significa;

2) De acordo com a sintaxe, o sinal é considerado suscetível de ser inserido em sequências de outros sinais, segundo as regras combinatórias;

3) Finalmente segundo a pragmática o sinal é considerado em relação às suas próprias origens: os efeitos que ele possui nos destinatários o uso que é feito por eles, etc. Morris distingue duas categorias de sinais: sinais e símbolos. Este último seria um sinal produzido para substituir qualquer outro sinal do qual é sinônimo; o sinal seria todo o signo que não é símbolo. Ambos concordam, portanto em considerar os símbolos como uma subclasse de sinais.

O facto de distinguir claramente entre símbolos e sinais começa com outros autores. Schaff (1962) por exemplo, define os símbolos como sinais artificiais de caractere substitutivo que representam noções abstratas; Considera-os como não-verbais ao contrario dos sinais linguísticos. Neste ponto, o autor segue os passos de Ferdinand De Saussure (1857-1913), que distingue a arbitrariedade do signo linguístico da fraca relação entre significante e significado no caso do símbolo. Com orientações, tipo racionalista, explicativo e estrutural, De Saussure (1993) define a semiologia como a ciência que estuda a vida dos sinais usados na vida social; a natureza dos sinais dentro das suas regras e combinações. 

 

A partir desta perspectiva semiótica, afirma que para que a linguística se torne verdadeiramente científica deve adoptar uma perspectiva sincrônica e tratar a língua como um sistema autônomo, independente do sujeito humano e do mundo natural que o rodeia; Se deve tratar a língua como uma rede de relações estruturais existentes num determinado ponto do tempo, deixando  entre parênteses as interpretações históricas. Com efeito, para De Saussure, o valor de um sinal é determinado pela sua posição dentro de um sistema de relações. Por isso propôs um tipo de análise linguística estrutural, que seria mais tarde adaptada por Lévi Strauss, que toma a perspectiva semiótica  de De Saussure, especialmente no estudo dos mitos. 

 

De Saussure separa o símbolo do signo linguístico. Sugere que o segundo é puramente arbitrário. Enquanto isso não significa que ele depende da livre escolha do sujeito falante - não está no poder do indivíduo mudar nada de um sinal, uma vez, que é definido num grupo de idiomas, mas seria desmotivado, ou seja, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem qualquer vínculo natural na realidade. Define o sinal, portanto, como uma relação arbitrária entre uma imagem acústica (não em relação a som material, físico da palavra, mas para a representação sensorial desse som, psíquica) e um conceito  uma relação, em suma, entre significante e significado (designando o todo). Neste contexto, é especificamente qualquer entidade mínima que pareça ter um significado preciso. 

Para De Saussure, os símbolos constituem uma classe diferente dos sinais de estímulo que fazem nascer resposta. Existem dispositivos de signos estimulo e resposta, e a inteligência artificial que  permite aviar estes dispositivos: se esta mente artificial não é inteiramente igual àquela dum homem, mesmo assim se aproximaria bastante àquilo que o homem tem de comportamento sígnico socializado (1994:168). 

Para explicar como identificar um sinal, Eco acrescenta que os objetos da natureza, por si só sozinhos não geram qualquer sinal de estimulo, mas se um está perdido no deserto  e vê uma árvore, uma palmeira, torna-se um sinal de estímulo. Por outro lado, um sinal existe pelo facto de que lá foi estabelecida uma Convenção; qualquer sinal, por exemplo, um copo, seria apresentado para nós como um significante (sinal físico, material, uma dimensão da realidade) que nós associamos com um significado (uma idéia de um processo mental). Por exemplo, pensaríamos a idéia de vaso como um contenidor para o líquido que serve para beber; uma codificação cultural convencional e arbitrária que se refere a um código. 

AA 2017

Plano de Sumários

 

Plano de Sumários

 

 

 

 

 

 

 

    • UNIDADE 1 Os Signos

 

1 Diacronia e sincronia, natureza e cultura

2 do significado ao senso 

3 do contexto ao texto

4 termos específicos 

 

 

 

    • UNIDADE 2 Os Símbolos 

 

5 Os códigos culturais 

6 Mãe África: raizes e dispersão  

7 Horizonte simbólico da cultura

8 A semeiotica angolana das mascaras 

     

 

 

    • UNIDADE 3 Os Mitos 

 

9 Os mitos de fundação: Métodos 

10 História mítica e mitos históricos   

11 Mito e Utopia 

12 Simbologias religiosas

13 Interpretação dos contos  

 

 

    • UNIDADE 4 Os Ritos 

       

14 Os sistemas rituais da cultura angolana 

15 Rituais Fúnebres    

16 Festas e representações cósmicas  

17 Simbolo de vida e símbolos de morte

18 A utopia do carnaval 

 

Primeira Lição dia 10 de Março

A característica distintiva da cultura é o significar. As coisas produzidas ou não pelo homem entram no seu panorama existencial na medida que são significativas. Os signos e os símbolos não somente caracterizam o homem mas constituem a sua essência e o seu destino. É próprio da condição humana produzir e consumir sinais e símbolos.

A realidade significante é parte constitutiva da realidade significada e isso rompe com a clássica dicotomia entre natureza e cultura, entre matéria e espirito.

Enquanto se produzem os significados e enquanto se atribuem significados seja no momento da codificação como naquele da descodificação nós usamos grelhas sócio-culturais. Os conceito que nós usamos são estritamente ligados aos factos culturais donde provêm.

O processo significativo se desenvolve dentro do processo comunicativo, de tal forma que significar é comunicar e a linguagem que nasce é identificada por aquela sociedade que a suporta e usa.

Para Herskovits a cultura é tudo aquilo que no ambiente é devido ao homem, sobretudo o seu continuum espaço-temporal. Temos dois tipos de realidade a) realidade objectiva b) realidade intelectual.

Na realidade intelectual nós encontramos de um lado os processos mentais, e os produtos destes processos (conceitos).

Na realidade objectiva encontramos elementos que foram ou não transformados pelo homem. Portanto revisando o conceito de cultura

Cultura é o conjunto dos produtos vindos dos processos mentais e das transformações operados por estes processos na realidade, isto evidencia que natureza e cultura são dois aspectos que pertencem ao continuum da realidade humana. A cultura é portanto o resultado do relacionamento entre o homem e a natureza.

A cultura é portanto

  • Universal
  • Individual
  • Estática
  • Dinâmica
  • Inconsciente
  • Consciente

Segundo estas características a cultura é

  • Universal porque caracteriza, constitui e permanece em todos os homens
  • Individual porque em cada homem se manifesta com modalidades diferentes
  • Estática porque permanecendo no tempo ela se repite e é transmitida de geração em geração por fenómenos inculturantes. Esta repetição consente uma fruição inconsciente
  • Dinâmica porque o homem condicionado e constrangido reinterpreta e redescobre e nos contactos entre culturas há relações aculturantes, sujeita à processo de refuncionalização e invenção há uma produção cultural consciente

Não há actividade humana sem que haja intervenção intelectual, não se separa o homo faber do homo sapiens. Não existe nenhum facto social fora da cultura e não há nenhum facto social que não seja também cultura. A cultura é a condição da socialidade do homem de facto o homem existe enquanto ser social. Aristoteles diz que é o logos que criando pontes entre os homens assegura e garante a socialidade. A linguagem é uma parte constitutiva da cultura e a cultura é por si mesma linguagem e funciona enquanto linguagem. Cada comportamento cultural e cada produto humano é um facto comunicativo. A cultura para garantir a socialidade necessita de comunicar-se. Portanto a cultura não é somente instrumento comunicativo mas é por si mesma comunicação. A cultura possui uma arquitectura parecida àquela da linguagem. Lingua e cultura são duas modalidades paralelas da mesma actividade do espirito humano. Cada fenómeno cultural é mais ou menos conscientemente um facto comunicativo: a cultura é o momento no qual o relacionamento entre homem e natureza se exprime e se realiza num sistema de sinais e isto determina as condições do homem enquanto ser social. Se os factos culturais são processos comunicativos.

Homens que preferiram morrer para defender uma bandeira,não agiram em defesa de um símbolo abstracto mas porque movidos por valores quais a pátria, o grupo, a familha. A bandeira portanto é a objectivação de um signo que é interpretado como referente de factos simbólicos.

Na analise concreta da cultura humana é necessário manter-se a nível simbólico. Até que um facto cultural continue a viver haverá  sempre um sistema  simbólico funcional ao qual se refere.

É verdade que continuam a existir certos traços culturais mesmo após o desaparecimento dos sistemas simbólicos aos quais que foram inicialmente ligados, mas isso é possível, porque eles são reinterpretados em um novo contexto e com novas funções (refuncionalização).

Enquanto cada nível simbólico está ligado a seus próprios específicos sociais, nem todos os indivíduos estão dispostos a aderir aos modelos culturais que este nível requere.

2ª Lição dia 24 de Março

 

Cultura e níveis

Na análise concreta dos produtos humanos, então quando se deseja pesquisar as relações que intercorrem, é necessário atingir o mesmo nível de relevância, ou tomar holisticamente todos os níveis possíveis.

Sobrevivências

Qual é o significado a atribuir às palavras. As chamadas sobrevivências de tyloriana memória, por exemplo, entendidas como formas de cultura atrasadas em comparação com ao seu originário contexto  económico social, estes são realmente tais apenas num museu. Até que um facto cultural continua a viver há sempre um sistema econômico que lhe é funcional. É verdade que certos traços culturais continuarão a existir mesmo após o desaparecimento das formas de vida económica e social que os originaram, mas isso é possível porque eles são reinterpretados com novas funções e em um novo contexto. Quando os evolucionistas falavam do folclore como duma massa de sobrevivências, esqueceram, o conjunto de sistemas de comunicação que organizava o universo existencial de fatos e estilos de vida de pessoas que vivem e não por fantasmas.

Mudanças

A mudança económico, social e cultural ocorre de forma síncrona. Isto significa que a realidade humana não pode ser vista como uma secção transversal articulada  de níveis de natureza, económica, social, cultural, organizados em ordem cronológica e necessária, mas como uma esfera organizada em áreas interessadas por uma intrincada rede de relacionamentos. A mesma natureza que através do biológica universal surge como determinantes para o comportamento humano, na realidade, pode ser determinada por sua vez a partir da cultura. Sabe-se, por exemplo, como um dos fatos essenciais da civilização, que o cozinhar alimentos, deterinou no homem o desaparecimento do diastema maxilofacial.

Niveis sociais e culturais

Portanto, a complexidade dessas relações deve ser referida a discrepância que determina entre os níveis culturais e económicos.  Ao contrário do que se poderia esperar de fato, níveis sociais e níveis culturais não têm o mesmo plano.  Enquanto cada nível cultural está ligado ao seu próprio nível social, nem todos os indivíduos que pertencem a esse nível aderem a modelos culturais que lhes são próprios.  Por várias razões que não são apenas imputáveis a estratificação sócio-econômica, um número considerável de membros da classe médio-baixa por exemplo imita comportamentos culturais específicos doutras classes com a tendência a mais óbvia de concentrar-se sobre os padrões das classes hegemônicas.

Na verdade se o status sócio-cultural do indivíduos se apresenta muitas vezes inconsistente e por vezes contraditório, a nível de estruturas profundas e o seu universo cultural permanece profundamente enraizado no contexto sócio-económico do seu universo de origem, também porque este é o lugar da formação da sua personalidade básica.  Mas quando se escolhe de aderir conscientemente a padrões culturais que pertencem a outros níveis esta escolha provoca mudanças estruturais.

De facto muitos jovens de extração pequeno-burguês, embora nos seus comportamentos não afectam diretamente as estruturas sociais do seu nível de pertença os comportamentos e as ideologias alternativas manifestam, ainda que inconscientemente, eles se movem dentro dos fundo ideológicos e dos modelos específicos a este nível.

Cultura como representação colectiva

Portanto a cultura, em concorrência com o momento sócio-econômico, destaca-se como um controlador dos nossos comportamentos: não temos nós o controle da nossa cultura, é a nossa cultura que nos controla. Há formas de agir e de pensar que não são obra de um indivíduo, mas emanam duma autoridade moral que transcende o indivíduo (Durkheim 1963: 156).

Para Radcliffe-Browna ideia de que a cultura determina o comportamento do indivíduo era  "um absurdo”.  Para Leslie White no sistema cultural humano é o factor cultural que determina os acontecimentos " (1969, 116), a ideia é ser rejeitada é considerar a cultura apenas como o conjunto de  "representações coletivas ".  A ideia básica é que a cultura seja um conjunto de representações colectivas.

Os códigos

A relação destes modelos com as situações concretas em que se encontram a operar os indivíduos, determina precisamente a discrepância entre modelos ideais e modelos reais. Muitas vezes o modelo ideal assume um papel conservador para garantir a continuidade do grupo; o outro o modelo real desempenha uma função inovadora porque intimamente relacionado com a transformação gradual do contexto sócio-económico em que a cultura, enquanto realidade comunicativa, tornou-se factor organizativo e constitutivo. Vista a correlação entre língua e cultura, a primeira coisa que vamos reconhecer na cultura é um código. Portanto o código consiste numa gramática e num dicionário. Podemos considerar os modelos de uma cultura a sua gramática. Porque as culturas são organizadas em relação a contextos sociais específicos relacionados com os processos de produção, em cada sociedade socialmente estratificada há sempre mais códigos, e mais modelos.

                                                               3ª Aula dia 28 de Março

 

Diagrama dos modelos

Os modelos prescritos são aqueles considerados ideais. Em certo sentido, são os modelos ideais. Modelos não proibidos são aqueles na verdade permitidos e aceites.  Modelos proibidos são aqueles considerados contrários à norma e punidos.  Modelos não prescritos são aqueles rejeitados pela norma mas não punidos.

Conflitos de Modelos

E este confronto-conflito permanente entre modelos, em que alguns deles sucumbem, outros, em ambientes limitados e restritos acabam para transformar-se num imperativo social mais amplo, que é o pano de fundo daquilo que nós chamamos de história cultural.  Este trabalho dramático opera-se constantemente diante dos nossos olhos, maioria das vezes sem nós, imerso e oprimido pelo tempo vivido é reflexo direto da dialética entre as classes e gerações.  Classes e gerações certo no conflito diário dos respectivos modelos, encontram a sua condição de permanente conflito e o risco de mergulhar no caos e na guerra, mas é paradoxalmente na necessária implementação desses modelos, que dia após eles derrotam o caos e dão-se uma medida e um cosmos.

Langue e Parole

Na cultura e em todas as culturas, são instantaneamente reconhecíveis dois planos:

  • aquele das palavras
  • e aquele da langue, usando apenas por razões de clareza, a dicotomia saussuriana. 

A existência destes dois planos é presente nessa visão «onde a vida é reduzida a vegetação pura, a história não pode ser feita em profundidade, para o individuo é muito mais importante o momento colectivo de tempo, o peso da tradição, o ambiente, necessidade social desde que o indivíduo e a força da personalidade.

A articulação dos momentos individuais e coletivos na cultura. 

Emile Durkheim (em 1963) desejando indicar o primeiro, falou de representações coletivas;

Lévi-Strauss (1966), fala de estruturas inconscientes do espirito. 

Braudel  para indicar a sequência de do comportamento humano explícitos, fala de uma história cheia de eventos. 

Os termos utilizados por diversos autores também nem sempre são claros.  Nem sempre é seguro, por exemplo, o que tenciona indicar Lévi-Strauss com a expressão  "estruturas inconscientes do espírito ".

Hjelmslev usa o esquema, Norma, uso, Parole (Hjelmslev 1970, 69 ff.).  Não no sentido de que cada cultura pode ser rastreada até um desses níveis, mas no sentido de que cada um desses níveis está presente em todas as culturas. 

Bogatjrév e Jakobson (1967), perceberam que no folclore o momento da langue é prevalente naquela da parole.  Assim, podemos reconhecer na cultura, segundo Hjelmslev, um nível de esquema, está presente em todos os produtos culturais: convencido como estamos daquilo que o Iluminismo chamou de identidade da natureza humana.

Um nível de padrão, não deve ser confundido com regras explícitas, onde cada sociedade elabora o esquema em substâncias conteúdas expressivas e profundas, historicamente determinadas.  Um nível de Uso comunitário onde tudo isso vem para explicar na praxe o relacionamento de contextos mais complexos de cada sociedade.  Um nível de uso individual, em que os factos culturais recebem com mais ou menos força a marca da personalidade individual, ou seja, da  Parole.  Estes quatro níveis são atravessados por ritmos de tempo diferentes, do mais rápido para mais lento e produzindo em termos menos conscientes conforme o proceder da Parole para o Esquema.

A pesquisa antropológica

Para ler nesta chave um facto cultural, a primeira coisa a fazer é distinguir no seu interno o nível da langue e da parole, entendendo-se que o último, enquanto invenção individual varia de indivíduo para indivíduo, ou seja, da mais ou menos consciência do tempo estruturado e continua a ser excluída da investigação do antropólogo por ser mais pertinente à observação do historiador; Enquanto os níveis de langue como tempos de iteração, ou seja da invariância, ou seja, do tempo vivido, são o lugar privilegiado de pesquisa antropológica.

                                                           4ª Aula dia 11 de Abril

 

Dupla tarefa do antropologo 

Com base nestas premissas compete ao antropólogo uma dupla tarefa. Diante de um produto cultural, ele deve primeiro entender quais são os elementos invariantes e as suas relações, e depois identificar a matriz ideológica. Deve ou seja, ignorando o momento conotativo quando é um facto de um único indivíduo (e isso, claro, não porque ele é desprovido de importância, mas porque, como dissemos, não pertence ao seu feixe de observação) compreender o significado denotativo, ou os apontamentos do grupo, e isto é a ideologia profunda e a sua periferia social.

Duas componentes quatro níveis

Desenvolvendo o que Hjelmslev propõe é que não basta identificar em cada facto cultural uma componente de expressão cultural e uma de conteúdo, cada uma na sua articulação de forma e substância, mas também distinguir os níveis de Esquema, Norma, Uso, Parole relativamente aos dois planos de expressão e de conteúdo.

Cada fato cultural será assim dividido em duas componentes e quatro níveis tão baixos que o do evento em que consiste a sua implementação prática e matriz ideológica e temporal. 

Aplicação antropológica

A transferência do modelo de Hjelmslev do domínio linguístico ao antropológico impõe ajustes necessários e adições No que diz respeito aos ajustes, deve-se apurar o significado a ser dado ao termos de esquema, norma, uso, parole que somente a custo de arbitrariedades poderia permanecer como o de Hjelmslev, no que diz respeito aos acréscimos, por meio do uso apropriado de níveis estruturais.

O Nível Parole

 A representação de uma cultura produzida por este modelo define e especifica as fronteiras da pesquisa antropológica. O nível Parole na verdade, é a execução individual, está disposto sobre um plano de irreversibilidade sujeito à uma rápida passagem do tempo deve necessariamente ser estudado com o método histórico, enquanto os outros níveis, sujeitos a dimensões temporais mais lentas, pertencentes ao domínio da reversibilidade prestam-se à observação de tipo sistemático, o que caracteriza precisamente, as diversidas e muitas vezes contraditórias, escolas antropológicas.

Propostas

 Neste sentido ainda hoje se aplicam,  as propostas de Propp, Levi-Strauss, Lotman, Greimas: tanto no que respeita à análise de textos narrativos como para a interpretação de outros tipos de produtos culturais muitas vezes e com razão referidos a modelos narratológicos. Claro que o problema de identificação de um método, ou mais métodos permanece. Outro problema igualmente crucial e interessante, acerca da análise da organização dos fenômenos culturais, é aquele do relacionamento entre o lado da expressão e aquele do conteúdo, a forma e a substância dentro de cada lado, e talvez por maior razão entre os vários níveis. 

Expressão e conteúdo

Considerando tanto o lado da expressão como o do conteúdo, é interessante saber, se entre os dois existem relações de interdependência, determinação, ou constelação. Se encontramos a expressão significante e o significado no conteúdo, como faz o mesmo Hjelmslev (1968), sabemos que, entretanto, um texto já manifestado expressão e conteúdo se encontra numa relação de interdependência não sendo mais arbitrário o relacionamento entre o significante e o significado, uma vez que se realizam na função do sinal (Hjelmslev 1968 53).

 No que diz respeito às relações entre os diferentes níveis e em relação ao lado da expressão Hjelmslev já colocou esses problemas. e resolveu-os em base ao pressuposto de que é sempre a variável que determina a constante e não o contrario. A Norma em seguida, determina  Uso e o acto da  Parole e o grupo Norma, Uso acto de Palavras determina o Esquema (Hjelmslevl970, 78).

                                                            5ª Aula dia 18 de Abril

Simbolo e estrutura

No panorama do conhecimento contemporâneo o estruturalismo tem colocado tudo em questão: as barreiras artificiais erguidas entre uma ciência e outra, seus métodos, suas conquistas. 

Todo um arsenal de idéias, de clichês, preconceitos, no sentido de Husserl, foi varrido 'e a vassoura que varreu é o conceito de estrutura'. 

Claro, se se atribuir a esta nova ferramenta, como alguns querem, uma função puramente operacional que não envolve escolhas ideológicas, é, no máximo, adicionar um novo capítulo para a história da ciência

Se, no entanto, uma ciência não aspira a representar os fenômenos em estudo na sua realidade objetiva, ninguém vai salvá-la da falácia. Nem será possível quebrar o ciclo de subjetivismo, os direitos indiscutíveis do idealismo crítico em todas as suas formas

Os modelos

Para que não restem dúvidas, é bom esclarecer que não se questiona as origens subjetivas dos modelos ou dos regimes criados mas rejeita-se a opinião daqueles que acreditam que tais relações reais estejam somente naqueles modelos.

Estruturas formais

Para Chomsky  a mesma atividade mental é a base de ambos os modelos enquanto estruturas, de modo que se pode considerar as estruturas formais abstractas ficções metodológicas que servem originalmente de princípios reguladores da actividade constitutiva do assunto. Muitos mal-entendidos seriam eliminados se sempre se distinguisse claramente, que os modelos são esquemas e estruturas elaboradas teoricamente como sistemas de relações latentes nos fenômenos observados.

Estrutura social

Lévi-Strauss - por exemplo, afirma categoricamente que “o conceito de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas a modelos construídos de acordo com ela»

A elaboração de modelos é de fato a primeira tarefa do cientista, porque é através deles que se pode descobrir e classificar a confusão de fenômenos. 

As abstrações, Lombardo Radice, representam um “significativo acto extraordinariamente poderoso para resolver com um único raciocínio formal vários problemas concretos à primeira vista muito diferente”.

Estruturas objectivas

O reconhecimento da objetividade das estruturas, Como o conjunto de relações que existem dentro do fenômeno entre os referidos elementos. Alguns acreditam que as estruturas dos fenômenos culturais sejam uma reflexão de estruturas mentais

Dicotomia

Outros acreditam que as estruturas sejam como realidades independentes coisas adequadas. A partir daqui a dicotomia irremediável aparente entre estruturas concebidas como entidades conceituais que estão sujeitas às características de persistência e imutabilidade relacionadas com o conceito de natureza e ao contrario as estruturas vistas como realidade objetiva. 

 

Sincronia e diacronia

Daí a falsa antinomia implícita entre a visão sincrónica e diacrónica das estruturas. Os 'conceptualistas', é claro, acentuam os aspectos sincrônicos, enquanto que entre os 'realistas' a dimensão diacrônica.

O etnólogo francês pressupõe a existência de 'leis universais que regem as atividades inconscientes da mente.' 

Essas leis ou possibilidades inconscientes não são ilimitadas e são chamadas assim: os processos mentais, atitudes psicológicas, estruturas lógicas, restrições mentais, as leis da mente humana, categorias cerebrais

Categorias segundo Lévi-Strauss

Estas categorias de acordo com Levi-Strauss - não parecem produzir as estruturas. Elas, portanto, seriam realidades objetivas, produto da atividade dos sistemas inconscientes do espírito, ou 'padrão temporal das leis universais que constituem as atividades inconscientes da mente.' 

Daí o conceito minimalista que as estruturas são a realidade subjacente em todos os costumes, as formas inconscientes, sistemas sociais e culturais em que você incorpora as atividades ou restrições mentais

                                                         6ª aula do dia 25 de Abril

 

Nenhum relatório sobre os usos do simbolismo é completo se não se reconhece que os elementos simbólicos da vida tendem a apresentar-se numa forma tumultuada, como a vegetação duma mata tropical.

Withehead, Symbolism, New York, Fordham University Press, p. 69

 

Os primeiros etnógrafos procuraram descobrir o sentido dos rituais completamente incompreensíveis praticados nas sociedades tribais e tradicionais: os nativos celebravam, sem saber a sua lógica cultural e simbólica.

Raymond Firth no seu trabalho  Símbolos  aludiu à contribuição única dos antropólogos para o estudo do simbolismo, que aumenta o conhecimento fornecido pelos lógicos, linguistas, psicólogos, teólogos, historiadores, artistas e especialistas de outras disciplinas

 

  • Uma visão Geral sobre o estudo do simbolismo no campo da antropologia e doutras disciplinas afins, como sociologia, psicologia e linguística. Este estudo está localizado no contexto das culturas em quanto sistemas simbólicos e parte da compreensão do ser humano como ser simbólico por excelência.
  • O símbolo como um objeto singular de estudo da antropologia simbólica e da pesquisa etnográfica no campo. As diferentes correntes desenvolvidas por alguns dos principais autores analisaram a produção simbólica, e observaram os seus significados e as suas funções no ambiente socio-cultural. A estrada se abre a partir das primeiras teorias, através de escolas antropológicas que apoiam a ação do antropólogo que não deve tomar o sentido literal dos símbolos mas perscrutar o seu significado subjacente e essencial. Nesta base, a perspectiva antropológica visa a fornecer uma descrição e uma análise rigorosa dos actos simbólicos nos seus aspectos verbais e não verbais. Devemos estudar as diferentes escolas: funcionalista,  sociológica francês, estrutural-funcionalista, fenomenologia do sagrado, antropologia estrutural, escola moderna simbolista, estruturalismo e da antropologia simbólica-cognitivo na França e nos EUA e antropologia simbólica britânica, Antropologia simbólica contemporânea.

 

O símbolo como parte das culturas e das sociedades humanas.

antropologia filosófica: Ernst Cassirer

 

O homem como animal simbólico Na filosofia incluem um autor fundamental na análise

simbolismo como Ernst Cassirer (1874-1945), que se preocupava especialmente pela natureza e função da linguagem define o símbolo como uma categoria da cultura.

Para ele, o símbolo diferencia o homem do animal; os animais se adaptam diretamente ou automaticamente  ao ambiente físico, enquanto que os humanos têm entre o ambiente possuem um universo que consiste na linguagem simbólica, mito, arte e religião.

formas linguísticas, imagens artísticas, símbolos míticos e rituais religiosos.

Estes são os fios que tecem a rede simbólica, um tecido complicado de experiência humana são meios artificiais que se interpõem entre o ser humano no processo de ver, conhecer ou tratar a realidade ao seu redor. Através do sistema simbólico, o ser humano adapta-se ao ambiente. A aquisição deste mecanismo adaptativo intermediário transformou sua vida inteira; graças a ele o homem vive numa nova dimensão da realidade num universo simbólico.

Há uma diferença fundamental entre a mente humana e a mente dum não homem.

O homem usa símbolos que nenhuma criatura pode usar.

A mais importante forma de expressão simbólica é a linguagem que permite a comunicação de ideias, a tradição, a acumulação de informações e, finalmente, progresso e da civilização.

A maioria dos traços característicos da vida humana e de todo o progresso cultural, baseia-se nestas condições. Neste contexto, é claro, que língua é essencial. E a diferença entre o linguagem proposicional e linguagem emotiva representa a verdadeira fronteira entre o mundo humano e o mundo animal. Cassirer observa que em nenhum animal é dado o passo decisivo da linguagem subjetiva. Podemos admitir que os antropóides fizeram um passo importante no desenvolvimento de certos processos simbólicos, mas é preciso ressaltar que eles não atingiram o limiar do mundo humano. Eles entraram, por assim dizer, em um beco sem saída (Cassirer, 1997 56).

Assim, os sinais são identificados com o reino animal, enquanto os símbolos ver com o intelecto humano. Há um complexo sistema de sinais e sinais presentes no comportamento animal, especialmente em animais domésticos; mas os símbolos são a própria linguagem simbólica do ser humano

Sinais e símbolos, de acordo com Cassirer. Eles correspondem a dois universos de argumentos diferentes: o sinal é uma parte do mundo físico do ser, enquanto o símbolo é uma parte do

mundo humano porque o sinal possui um sentido, tem um valor físico ou substancial, o símbolo unicamente possui um valor funcional.

Insistindo na diferença básica acrescenta que o animal tem uma imaginação e inteligência prática, enquanto o homem tem desenvolvido uma nova fórmula de inteligência exclusiva e de

imaginação simbólica. A este respeito, ele fala sobre a transição no desenvolvimento mental da psique individual de uma atitude apenas pratica para uma atitude simbólica. Isto significa chegar a entender que tudo tem um nome.

(Considerando que a área de significado é muito mais ampla do que o sinal estrito da palavra), e a função simbólica é um princípio de aplicabilidade universal, ou seja, cobre todo o campo do pensamento humano. Juntamente com este destaques o símbolo é universal e também tem a sua variabilidade (vários símbolos podem expressar a mesma ideia); Não é rígida e inflexível, mas móvel (pode expressar mesmo significado em diferentes línguas, e em uma língua idéia ou pensamento pode ser expresso em termos diferentes). O signo ou sinal, no entanto, referem-se a coisa referida um modo fixo e único.

Leslie White define cultura através da simbolização.

Def de simbolização

'simbolizar' o facto de dar um sentido a factos ou coisas, esta atribuição de sentido é captada e

apreciada.

A linguagem articulada é a forma mais característica de simbolização. Simbolizar é

Movimentar significados sensoriais, Somente o homem é capaz de simbolizar.

White propõe  o termo 'simbolados' para descrever os fenômenos que consistem na simbolização dependente, trata-se de significados que podem ser aplicados a quase todas as culturas como o conjunto de idéias e atitudes, ações e objetos materiais. como

Exemplos do tipo de coisas e eventos que consistem ou simbolização depende cita uma palavra, um machado de pedra, um fetiche.

Quando esses factos são interpretados  em termos da sua relação com a organismos humanos, é dizer, num contexto somática relativos à própria estrutura

corpo, pode ser chamado de comportamento humano e ciência que

Ela está estudando psicologia; quando eles viram e interpretados de

termos de seu relacionamento, ou sua relação com qualquer outra coisa

do que o organismo humano pode ser referida cultura,

                                                      Aula 7ª do dia 5 de Maio

 

Estruturas 

As estruturas seriam um reflexo mental o resultado de um facto da natureza, ou dados estáticos e universais? Lévi-Strauss afirma que as estruturas são modos temporais, da existência de leis universais do espírito, na lei ou na verdade diacrônica e sincrônica existem estruturas.

Levi-Strauss afirma categoricamente que 'o conceito de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas a modelos construídos de acordo com ela'

Tarefa do antropologo

O desenvolvimento de modelos é de facto a primeira tarefa do antropólogo, porque é através deles que se pode descobrir e classificar a confusão dos fenômenos. As Abstrações, representam um 'meio poderoso para resolver num único raciocínio formal vários problemas concretos muito diferentes.

Alguns acreditam que as estruturas dos fenômenos culturais sejam uma reflexão das estruturas mentais. Outros acreditam que as estruturas sejam realidades independentes das coisas. A dicotomia existe entre estruturas concebidas como entidades conceituais normalmente relacionadas com o conceito de natureza e estruturas em quanto realidades objetivas.

Natureza e Cultura

A oposição entre natureza e história do fundo (ou cultura): a natureza como espaço estático, 'não humano', em oposição a uma história enquanto 'humana'.

As estruturas, a fim de existir precisam de uma realidade no tempo e no espaço, são sempre e simultaneamente estáticas e dinâmicas. As estruturas do reino natural, aparentemente imóveis, apelam a sua razão de existir por processos internos constantes, as relações dinâmicas permanentes de seus elementos constituintes: relações que os avanços da ciência de hoje permitem-lhe criar novos processos que quebram novas estruturas. O homem é a natureza e a cultura. Há uma fronteira entre o humano e o não-humano. De acordo com Levi-Strauss, 'o homem é um ser biológico e, simultaneamente, um indivíduo social', a oposição entre natureza e cultura reside no facto de que 'tudo o que é universal, para o homem, pertence à ordem da natureza e é caracterizada pela espontaneidade, e que tudo está sujeito a uma norma pertence à cultura e apresenta os atributos do relativo e particular.

Oposição  

Há muitos fenômenos de 'natureza' que parecem pertencer já ao âmbito da 'cultura'. Quanto à oposição entre natureza e cultura foi proposto de marcar a linha divisória entre as duas ordens, referindo-se à presença ou ausência de fala articulada. Mas, por outro lado, têm aparecido processo de comunicação complexas que às vezes apresentam símbolos reais, a serem descobertos entre os insetos, peixes, aves e mamíferos. Sabe-se também que certas aves e alguns mamíferos (e mais particularmente os chimpanzés em estado selvagem) sabem como embalar e usar as ferramentas.

Há neste ponto uma oposição sem sentido entre 'conceptualistas' e 'realista' sobre o caráter das estruturas. O dilema se as estruturas são mentais, entidades culturais, ou reais, isto é, formações históricas, é insolúvel. As estruturas são naturais e culturais, por causa da sua realidade humana que é natureza e cultura.

Marx

Marx:  "esses mesmos homens que estabelecem as relações sociais, em conformidade com a sua produtividade material, eles também produzem princípios, ideias, categorias, de acordo com suas relações sociais. Então estas ideias, estas categorias não são relações que se expressam eternamente. São produtos históricos e transitórios" (Marx 1950, 89). 

As categorias, diz Marx, são produtos históricos e transitórios.

Malinowski 

 Este relatório foi contrário claro para Malinowski, quando escreveu:  "como para  a presente análise, no entanto, só precisamos estabelecer quais sequências vitais deveriam ser biologicamente definidas em primeiro lugar.  Elas são adequadas para a cultura, principalmente através da redefinição dos impulsos, ou mesmo pelo fato de que a satisfação de um impulso, o fortalecimento do impulso, é um factor constante psicológico e fisiológico que controla o comportamento humano em toda a grande classe de actividades tradicionais.  Podemos ver claramente que todas as grandes áreas de atividades culturais altamente complexas e diferenciadas são altamente desenvolvidas do nível primitivo, relacionadas com as sequências vitais »  (Malinowski 1962, 88). 

Estruturas e natureza

A estreita conexão entre estruturas culturais e a natureza, que, com base no que foi afirmado por Malinowski é assim estabelecida, ajuda a compreender o problema dos universais, onde se apresenta a permanência de determinadas estruturas.  É evidente que enquanto mudam ao longo do tempo como respostas culturais a problemas vitais, em seguida se tornam uma estrutura biológica que deve, sob pena de inadequação da resposta, ficar aderente à estrutura. 

 O que já foi dito sobre as categorias como um produto histórico, fornece mais esclarecimentos para a questão da permanência ao longo do tempo de certas estruturas.  E claro que, sendo relacionadas com as relações sociais, em conformidade com a produção material, o seu mandato coincide com a duração de situações sociais e económicas, que as geraram.  Além disso, certos «sistemas» são mais lentos no seu desenvolvimento do que as forças econômicas e sociais históricas, que as geraram. Isso explicaria a permanência de determinadas estruturas, mesmo após o desaparecimento da situação social que as produziram. 

Finalmente a história não é identificada com o fluxo homogêneo do tempo.  Tem um desenvolvimento descontínuo e procede de acordo com ritmos em vários campos de trabalho humano: trata-se dum fenómeno diacronico.  

 

                                                                    Fascícolo

 

 

Introdução                                                                                                                                                                                                         

1 Definições                                                                                                                                                                                                         

1.1  Def de Antropologia Simbólica                                                                                                                                                           

1.2 Conceito de cultura                                                                                                                                                                                    

1.3 Tylor                                                                                                                                                                                                               

1.4 Clifford Geertz                                                                                                                                                                                             

1.5  Leslie White                                                                                                                                                                                                 

2 Cultura e níveis                                                                                                                                                                                        

2.1 Sobrevivências                                                                                                                                                                                             

2.2 Mudanças                                                                                                                                                                                                   

2.3 Niveis sociais e culturais                                                                                                                                                                         

2.4 Cultura como representação colectiva                                                                                                                                        

2.5 Os códigos                                                                                                                                                                                                   

3 Modelos                                                                                                                                                                                                          

3.1 Conflitos de Modelos                                                                                                                                                                             

3.2 Langue e Parole                                                                                                                                                                                      

3.3 A articulação dos momentos individuais e coletivos na cultura.                                                                                   

3.4 A pesquisa antropológica                                                                                                                                                                     

4 Componentes e níveis                                                                                                                                                                           

4.1 Dupla tarefa do antropologo                                                                                                                                                           

4.2 Duas componentes quatro níveis                                                                                                                                                   

4.3 Aplicação antropológica                                                                                                                                                                   

4.4 O Nível Parole                                                                                                                                                                                     

4.5 Propostas                                                                                                                                                                                             

4.6 Expressão e conteúdo                                                                                                                                                                       

5 Simbolo e estrutura                                                                                                                                                                             

5.1 Simbolo e estrutura                                                                                                                                                                           

5.2 Os modelos                                                                                                                                                                                           

5.3 Estruturas formais                                                                                                                                                                             

5.4 Estrutura social                                                                                                                                                                                  

5.5 Estruturas objectivas                                                                                                                                                                        

5.6 Dicotomia                                                                                                                                                                                             

5.7 Sincronia e diacronia                                                                                                                                                                        

5.8 Categorias segundo Lévi-Strauss                                                                                                                                                    

5.8.1 As estruturas                                                                                                                                                                                           

6 Simbolo e Cultura                                                                                                                                                                                 

6.1 O símbolo como parte das culturas e das sociedades humanas.                                                                                      

6.1.1 Antropologia filosófica: Ernst Cassirer                                                                                                                                   

6.2 Leslie White define cultura através da simbolização.                                                                                                             

6.3 Def de simbolização                                                                                                                                                                                  

6.2 Tarefa do antropólogo                                                                                                                                                                       

6.3 Natureza e Cultura                                                                                                                                                                            

6.4 Oposição                                                                                                                                                                                              

6.5 Marx                                                                                                                                                                                                      

6.6 Malinowski                                                                                                                                                                                          

6.7 Estruturas e natureza                                                                                                                                                                       

 


Introdução

 

Desde sempre a antropologia social é atormentada por conflitos internos. As razões para a disputa e os lados são bem conhecidos: o cientistas versus humanistas, etnocêntristas versus relativistas, os antropólogos de mesa contra os pesquisadores no campo. É difícil de encontrar um antropólogo que negue a importância dos argumentos dos seus adversários, mas logo que o debate se aquece e se acentuam as diferenças de perspectiva se passa logo às excomunhões.

São problemas que pertencem à história da antropologia: uma alternância de perspectivas, e o afirmar-se de uma ou outra corrente antropológica. Basta lembrar a queda do evolucionismo provocada por Boas e, cinquenta anos mais tarde, os famosos discursos contra Boas proferidos por Leslie White e Julian Steward segundo os quais Boas teria impedido o desenvolvimento da antropologia travando-a por trinta anos, ou, mais recentemente, a controvérsia em torno do trabalho de Clifford Geertz.

Uma aberta contraposição  é o neo-evolucionismo de Marvin Harris para o qual a oposição é constituída pelos discípulos de Foucault e de Derrida, que, como Mussolini e Hitler, pregam o relativismo, a fenomenologia e o anti-positivismo

Outro exemplo é o fundamentalismo do Iluminismo racionalista de Ernest Gellner, que no seu livro “Pós-modernismo, razão e religião”, fala dos expoentes da antropologia pós-moderna, como vítimas de um tipo de histeria coletiva, da subjetividade que vai além da Joyce , Hemingway, Woolf.

Do lado oposto temos o hiper-interpretativismo de Paul Rabinow que queixou-se sobre a falta de diálogo e a ausência de uma clara comparação o outro diferente de mim não é alguém que busca a verdade, mas por  princípio um antagonista, um inimigo que está enganado, um adversário que danifica e cuja existência constitui uma ameaça.

Ele conclui falando sobre o trabalho do colega Gellner como de um panfleto, um poster, uma coleção de tortas de anátemas desinteressante e repetitiva e fulminante

 

Há três endereços na história da antropologia que neste contesto devemos ter sempre presentes:

1) Wittgenstein crítica o evolucionismo de Frazer,

 2)Bateson crítica o funcionalismo de Radcliffe-Brown e Malinowski,

3) Gadamer critica o estruturalismo de Lévi-Strauss. 

E basicamente, todos os três nossos críticos formulam contra a antropologia as mesmas acusações que manifestam um pouco de etnocentrismo, sendo a incapacidade de ver além do seu nariz, incapacidade de afirmar a especificidade dos métodos e objetivos da nossas disciplinas em relação às ciências naturais.  'A mais selvagem dos seus selvagens!' grita Wittgenstein! É um péssimo antropólogo! ' diz Bateson de Malinowski. 

A crítica à antropologia clássica pode resumir-se assim: a Antropologia permaneceu prisioneira do mito do conhecimento objectivo, por essa lógica de separação entre o observador e o mundo observado, que triunfou nas modernas ciências naturais. De facto não é possível explicar a especificidade das ciências humanas, com conhecimento de uma realidade que é objecto de investigação e estudo, se ao mesmo tempo esta disciplina fala por si mesma autoafirmando-se.

 A riqueza teórica do racionalismo objetivista não consegue explicar-se como algo que se afirma do ponto de vista histórico subjetivo pois cai nas aporias da razão 'clássica’, tornando-se um ponto de vista exterior e incomunicável.  Isto se reflecte na epistemologia antropológica que não consegue focar no específico da antropologia: pois são homens que explicam o seu comportamento humano.

Nós estávamos deslumbrados com os resultados das Ciências da natureza e nós caímos, nós antropólogos na ilusão de ser capazes de observar o mundo de fora, sem perceber que, apesar de tomar às distâncias, éramos parte daquele mundo.  No estudo da natureza, esse modelo de separação significava o triunfo da ciência; em antropologia significou o triunfo da teleologia como, um conceito de história que confunde o ponto final com a razão de todo o desenvolvimento, confunde o nosso ponto de vista, com o ponto de vista sobre o mundo.  O primeiro problema, como aponta Wittgenstein,  não está na escolha entre uma ou outra explicação.

O primeiro problema reside na noção de 'explicação': quanto seja vaidoso e pretestuoso ver o mundo objectivamente, não para analisar o funcionamento das coisas sob um determinado aspecto, mas pretendendo de  ficar fora do mundo e ser capazes de observá-lo do lado de fora

Todos os nossos críticos se queixam de que a antropologia traiu as razões que a inspiravam desde o seu nascimento, traiu a sua promessa de relativizar a historicidade do seu ponto de vista, para acentuar a reflexividade e a crítica cultural que estava implícita na sua liberdade de viajar pelo mundo fora

 

 

 

 

1 Definições

 

Antropologia do simbólico

Temos de perguntar primeiro se existe, de facto, algo assim como uma antropologia simbólica instituída e frontalmente, e só depois, se for o caso, investigar sua história e a sua contribuição e a sua estrutura.

Keith Parry (1979:956)

Chegou a dizer da antropologia simbólica que "constitui um campo amorfo", enquanto

Martin Silverman (1983:178)

Afirma que esta não é mais do que uma etiqueta que designa um conjunto  de especialidades.

O caso é que a antropologia simbólica parece constituir um modo de investigação, que, a despeito de o habitual, é definida pelo seu objeto (o símbolo) ao invés de seus métodos ou por suas teorias.

1.1  Def de Antropologia Simbólica

 

A antropologia simbólica não é, de forma alguma, O "paradigma" no sentido de Kuhn ou uma "matriz disciplinar', caracterizada por um conjunto de princípios ou por uma série de modelos tendo como título um denominador comum, mas que é claramente outra coisa, uma entidade complexa.

A antropologia simbólica estuda a cultura enquanto sistema de símbolos e significados compartilhados, sendo esses pólos magnéticos do discurso, e considera a cultura como um sistema, ou seja estuda o papel da actividade simbólica e o espaço ocupado no discurso pelo símbolo  qualificando e subdividindo as dimensões simbólicas em paradigmas teóricos.

 

A característica distintiva da cultura é o significar. As coisas produzidas ou não pelo homem entram no seu panorama existencial na medida que são significativas. Os signos e os símbolos não somente caracterizam o homem mas constituem a sua essência e o seu destino. É próprio da condição humana produzir e consumir sinais e símbolos.

A realidade significante é parte constitutiva da realidade significada e isso rompe com a clássica dicotomia entre natureza e cultura, entre matéria e espirito.

Enquanto se produzem os significados e enquanto se atribuem significados seja no momento da codificação como naquele da descodificação nós usamos grelhas sócio-culturais. Os conceito que nós usamos são estritamente ligados aos factos culturais donde provêm.

O processo significativo se desenvolve dentro do processo comunicativo, de tal forma que significar é comunicar e a linguagem que nasce é identificada por aquela sociedade que a suporta e usa.

Para Herskovits a cultura é tudo aquilo que no ambiente é devido ao homem, sobretudo o seu continuum espaço-temporal. Temos dois tipos de realidade a) realidade objectiva b) realidade intelectual.

Na realidade intelectual nós encontramos de um lado os processos mentais, e os produtos destes processos (conceitos).

Na realidade objectiva encontramos elementos que foram ou não transformados pelo homem.

1.2 Conceito de cultura

 

Voltamos aos conceito de Cultura: o conjunto dos produtos vindos dos processos mentais e das transformações operados por estes processos na realidade, isto evidencia que natureza e cultura são dois aspectos que pertencem ao continuum da realidade humana. A cultura é portanto o resultado do relacionamento entre o homem e a natureza.

A cultura é portanto

a)    Universal

b)    Individual

c)    Estática

d)    Dinâmica

e)    Inconsciente

f)     Consciente

Segundo estas características a cultura é

1)    Universal porque caracteriza, constitui e permanece em todos os homens

2)    Individual porque em cada homem se manifesta com modalidades diferentes

3)    Estática porque permanecendo no tempo ela se repite e é transmitida de geração em geração por fenómenos inculturantes. Esta repetição consente uma fruição inconsciente

4)    Dinâmica porque o homem condicionado e constrangido reinterpreta e redescobre e nos contactos entre culturas há relações aculturantes, sujeita à processo de refuncionalização e invenção há uma produção cultural consciente

Não há actividade humana sem que haja intervenção intelectual, não se separa o homo faber do homo sapiens. Não existe nenhum facto social fora da cultura e não há nenhum facto social que não seja também cultura. A cultura é a condição da socialidade do homem de facto o homem existe enquanto ser social. Aristoteles diz que é o logos que criando pontes entre os homens assegura e garante a socialidade. A linguagem é uma parte constitutiva da cultura e a cultura é por si mesma linguagem e funciona enquanto linguagem. Cada comportamento cultural e cada produto humano é um facto comunicativo. A cultura para garantir a socialidade necessita de comunicar-se. Portanto a cultura não é somente instrumento comunicativo mas é por si mesma comunicação. A cultura possui uma arquitectura parecida àquela da linguagem. Lingua e cultura são duas modalidades paralelas da mesma actividade do espirito humano. Cada fenómeno cultural é mais ou menos conscientemente um facto comunicativo: a cultura é o momento no qual o relacionamento entre homem e natureza se exprime e se realiza num sistema de sinais e isto determina as condições do homem enquanto ser social. Se os factos culturais são processos comunicativos.

Homens que preferiram morrer para defender uma bandeira, não agiram em defesa de um símbolo abstracto mas porque movidos por valores quais a pátria, o grupo, a familha. A bandeira portanto é a objectivação de um signo que é interpretado como referente de factos simbólicos.

Na analise concreta da cultura humana é necessário manter-se a nível simbólico. Até que um facto cultural continue a viver haverá  sempre um sistema  simbólico funcional ao qual se refere.

É verdade que continuam a existir certos traços culturais mesmo após o desaparecimento dos sistemas simbólicos ao qual eram inicialmente ligados, mas isso é possível, porque eles são reinterpretados em um novo contexto e com novas funções (refuncionalização).

Enquanto cada nível simbólico está ligado a seus próprios específicos sociais, nem todos os indivíduos estão dispostos a aderir aos modelos culturais que este nível requere. Enquanto cada nível simbólico está ligado a seus próprios específicos sociais, nem todos os indivíduos estão dispostos a aderir aos modelos culturais que este nível requere.

 

O termo “cultura” surgiu em 1871 como síntese dos termos Kultur e Civilization. Este, termo francês que se referia às realizações materiais de um povo;  aquele, termo alemão que simbolizava os aspectos espirituais de uma comunidade

1.3 Tylor

 

Naquele ano, Edward Tylor sintetizou-os no termo inglês Culture. Com isso, Tylor abrange num só vocábulo todas as realizações humanas e afasta cada vez mais a idéia de cultura como uma disposição inata, perpetuada biologicamente.

O primeiro conceito etnográfico de cultura surgiu com Tylor, que a entendia como “um todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”

Como que complementando o conceito de Tylor, Jaques Turgot escreveu que o homem é possuidor de um tesouro de signos e que tem a faculdade de multiplicá-los infinitamente, de retê-los, de comunicá-los e transmiti-los aos descendentes como herança.

Tylor entendia a cultura como um fenômeno natural. A diversidade cultural, por exemplo, era explicada por Tylor como resultado da desigualdade dos estágios evolutivos de cada sociedade. A reação ao evolucionismo de Tylor veio através de Franz Boas, com a publicação do seu artigo “The Limitation of the Comparative Method of Anthropology”, no qual atribui à antropologia as tarefas de reconstruir a história do povos e de comparar a vida social de diferentes povos, com o particularismo histórico.

 

Segundo David Schneider, “Cultura é um sistema de símbolos e significados. (...)”. Para Max Weber, o homem é um animal que vive preso a uma teia de significados por ele mesmo criada

 

1.4 Clifford Geertz

 

Partindo desse raciocínio, Clifford Geertz sugere que essa teia e sua análise seja o que chamamos de cultura. A  missão do antropólogo é desvendar esses significados, estabelecendo relações entre si, de forma a ensejar uma interpretação semiótica do objeto analisado.

Segundo a noção de Gilbert Ryle, de uma “descrição densa”. E fazer a etnografia do objeto, elaborar uma descrição densa, “é como tentar ler um manuscrito estranho, desbotado, cheio deelipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos...

E uma boa interpretação só será possível, continua ele, através do estabelecimento dessas relações, da seleção de informantes, da transcrição de textos, do levantamento de genealogias, do mapeamento de campos etc., em suma, através de um levantamento etnográfico. 

1.5  Leslie White

 

Para o estudioso Leslie White, o símbolo é a unidade básica do comportamento humano. A civilização só existe em razão do comportamento simbólico, característico do homem. A partir da teoria da evolução de Darwin, muito se questionou sobre o que é o homem e qual a sua diferença em relação aos demais animais (mamíferos superiores).

Diante de dados anatômicos, percebeu-se que a caixa craniana do homem era maior e que, por essa razão, seu cérebro também o era. Dessa forma, o pensamento, o raciocínio, a compreensão etc. estavam vinculados a um maior poder de associação de ideias derivado das faculdades mentais humanas.

No entanto, Leslie constatou que a diferença entre os homens e os outros animais era uma diferença qualitativa e não quantitativa. Isto quer dizer que o homem usa símbolos para existir, mas que estes símbolos são criados, inventados, pelos próprios humanos, diferente do animal, que pode ser condicionado por símbolos, mas jamais poderá criá-los. Esse poder de criar símbolos é especificamente humano (não há outros seres que o façam, nem graus intermediários).

Símbolo é uma coisa cujo valor ou significado é atribuído pelos seus usuários. Este valor nunca é determinado pelas características físicas do objeto em questão, isto é, de suas propriedades intrínsecas, mas sempre por algo arbitrário que se torna convencional.

Por exemplo, a palavra VER. Nenhuma destas letras, juntamente ou separadas, indica uma ação de visualizar algo (em francês se diz VOIR, em inglês, TO SEE etc.). O sentido faz parte da valoração coletiva sobre algo, é imaterial, mas é preciso que alguma coisa física represente o sentido, perpassando nossa experiência.

Leslie também faz a distinção entre símbolo e signo. O primeiro é a criação do valor de algo. O signo é a indicação de um valor já criado. É uma forma física cuja função é indicar alguma outra coisa, qualidade ou fato.

O sentido de um signo pode ser inseparável de sua forma física (como, por exemplo, o termômetro com a coluna de mercúrio que indica a quantidade de calor) ou apenas separado, desde que analogamente evidencie a coisa (previsão do tempo, por exemplo).

 

2 Cultura e níveis

 

Na análise concreta dos produtos humanos, então quando se deseja pesquisar as relações que intercorrem, é necessário atingir o mesmo nível de relevância, ou tomar holisticamente todos os níveis possíveis.

2.1 Sobrevivências

 

Qual é o significado a atribuir às palavras. As chamadas sobrevivências de tyloriana memória, por exemplo, entendidas como formas de cultura atrasadas em comparação com ao seu originário contexto  económico social, estes são realmente tais apenas num museu. Até que um facto cultural continua a viver há sempre um sistema econômico que lhe é funcional. É verdade que certos traços culturais continuarão a existir mesmo após o desaparecimento das formas de vida económica e social que os originaram, mas isso é possível porque eles são reinterpretados com novas funções e em um novo contexto. Quando os evolucionistas falavam do folclore como duma massa de sobrevivências, esqueceram, o conjunto de sistemas de comunicação que organizava o universo existencial de fatos e estilos de vida de pessoas que vivem e não por fantasmas.

2.2 Mudanças

 

A mudança económico, social e cultural ocorre de forma síncrona. Isto significa que a realidade humana não pode ser vista como uma secção transversal articulada  de níveis de natureza, económica, social, cultural, organizados em ordem cronológica e necessária, mas como uma esfera organizada em áreas interessadas por uma intrincada rede de relacionamentos. A mesma natureza que através do biológica universal surge como determinantes para o comportamento humano, na realidade, pode ser determinada por sua vez a partir da cultura. Sabe-se, por exemplo, como um dos fatos essenciais da civilização, que o cozinhar alimentos, deterinou no homem o desaparecimento do diastema maxilofacial.

 

2.3 Niveis sociais e culturais

 

Portanto, a complexidade dessas relações deve ser referida a discrepância que determina entre os níveis culturais e económicos.  Ao contrário do que se poderia esperar de fato, níveis sociais e níveis culturais não têm o mesmo plano.  Enquanto cada nível cultural está ligado ao seu próprio nível social, nem todos os indivíduos que pertencem a esse nível aderem a modelos culturais que lhes são próprios.  Por várias razões que não são apenas imputáveis a estratificação sócio-econômica, um número considerável de membros da classe médio-baixa por exemplo imita comportamentos culturais específicos doutras classes com a tendência a mais óbvia de concentrar-se sobre os padrões das classes hegemônicas.

Na verdade se o status sócio-cultural do indivíduos se apresenta muitas vezes inconsistente e por vezes contraditório, a nível de estruturas profundas e o seu universo cultural permanece profundamente enraizado no contexto sócio-económico do seu universo de origem, também porque este é o lugar da formação da sua personalidade básica.  Mas quando se escolhe de aderir conscientemente a padrões culturais que pertencem a outros níveis esta escolha provoca mudanças estruturais.

De facto muitos jovens de extração pequeno-burguês, embora nos seus comportamentos não afectam diretamente as estruturas sociais do seu nível de pertença os comportamentos e as ideologias alternativas manifestam, ainda que inconscientemente, eles se movem dentro dos fundo ideológicos e dos modelos específicos a este nível.

2.4 Cultura como representação colectiva

 

Portanto a cultura, em concorrência com o momento sócio-econômico, destaca-se como um controlador dos nossos comportamentos: não temos nós o controle da nossa cultura, é a nossa cultura que nos controla. Há formas de agir e de pensar que não são obra de um indivíduo, mas emanam duma autoridade moral que transcende o indivíduo (Durkheim 1963: 156).

Para Radcliffe-Browna ideia de que a cultura determina o comportamento do indivíduo era  "um absurdo”.  Para Leslie White no sistema cultural humano é o factor cultural que determina os acontecimentos " (1969, 116), a ideia é ser rejeitada é considerar a cultura apenas como o conjunto de  "representações coletivas ".  A ideia básica é que a cultura seja um conjunto de representações colectivas.

2.5 Os códigos

 

A relação destes modelos com as situações concretas em que se encontram a operar os indivíduos, determina precisamente a discrepância entre modelos ideais e modelos reais. Muitas vezes o modelo ideal assume um papel conservador para garantir a continuidade do grupo; o outro o modelo real desempenha uma função inovadora porque intimamente relacionado com a transformação gradual do contexto sócio-económico em que a cultura, enquanto realidade comunicativa, tornou-se factor organizativo e constitutivo. Vista a correlação entre língua e cultura, a primeira coisa que vamos reconhecer na cultura é um código. Portanto o código consiste numa gramática e num dicionário. Podemos considerar os modelos de uma cultura a sua gramática. Porque as culturas são organizadas em relação a contextos sociais específicos relacionados com os processos de produção, em cada sociedade socialmente estratificada há sempre mais códigos, e mais modelos.

 

 

3 Modelos

 

Os modelos prescritos são aqueles considerados ideais. Em certo sentido, são os modelos ideais. Modelos não proibidos são aqueles na verdade permitidos e aceites.  Modelos proibidos são aqueles considerados contrários à norma e punidos.  Modelos não prescritos são aqueles rejeitados pela norma mas não punidos.

3.1 Conflitos de Modelos

 

E este confronto-conflito permanente entre modelos, em que alguns deles sucumbem, outros, em ambientes limitados e restritos acabam para transformar-se num imperativo social mais amplo, que é o pano de fundo daquilo que nós chamamos de história cultural.  Este trabalho dramático opera-se constantemente diante dos nossos olhos, maioria das vezes sem nós, imerso e oprimido pelo tempo vivido é reflexo direto da dialética entre as classes e gerações.  Classes e gerações certo no conflito diário dos respectivos modelos, encontram a sua condição de permanente conflito e o risco de mergulhar no caos e na guerra, mas é paradoxalmente na necessária implementação desses modelos, que dia após eles derrotam o caos e dão-se uma medida e um cosmos.

3.2 Langue e Parole

 

Na cultura e em todas as culturas, são instantaneamente reconhecíveis dois planos:

  • aquele das palavras
  • e aquele da langue, usando apenas por razões de clareza, a dicotomia saussuriana. 

A existência destes dois planos é presente nessa visão «onde a vida é reduzida a vegetação pura, a história não pode ser feita em profundidade, para o individuo é muito mais importante o momento colectivo de tempo, o peso da tradição, o ambiente, necessidade social desde que o indivíduo e a força da personalidade.

3.3 A articulação dos momentos individuais e coletivos na cultura. 

 

Emile Durkheim (em 1963) desejando indicar o primeiro, falou de representações coletivas;

Lévi-Strauss (1966), fala de estruturas inconscientes do espirito. 

Braudel  para indicar a sequência de do comportamento humano explícitos, fala de uma história cheia de eventos. 

Os termos utilizados por diversos autores também nem sempre são claros.  Nem sempre é seguro, por exemplo, o que tenciona indicar Lévi-Strauss com a expressão  "estruturas inconscientes do espírito ".

Hjelmslev usa o esquema, Norma, uso, Parole (Hjelmslev 1970, 69 ff.).  Não no sentido de que cada cultura pode ser rastreada até um desses níveis, mas no sentido de que cada um desses níveis está presente em todas as culturas. 

Bogatjrév e Jakobson (1967), perceberam que no folclore o momento da langue é prevalente naquela da parole.  Assim, podemos reconhecer na cultura, segundo Hjelmslev, um nível de esquema, está presente em todos os produtos culturais: convencido como estamos daquilo que o Iluminismo chamou de identidade da natureza humana.

Um nível de padrão, não deve ser confundido com regras explícitas, onde cada sociedade elabora o esquema em substâncias conteúdas expressivas e profundas, historicamente determinadas.  Um nível de Uso comunitário onde tudo isso vem para explicar na praxe o relacionamento de contextos mais complexos de cada sociedade.  Um nível de uso individual, em que os factos culturais recebem com mais ou menos força a marca da personalidade individual, ou seja, da  Parole.  Estes quatro níveis são atravessados por ritmos de tempo diferentes, do mais rápido para mais lento e produzindo em termos menos conscientes conforme o proceder da Parole para o Esquema.

3.4 A pesquisa antropológica

 

Para ler nesta chave um facto cultural, a primeira coisa a fazer é distinguir no seu interno o nível da langue e da parole, entendendo-se que o último, enquanto invenção individual varia de indivíduo para indivíduo, ou seja, da mais ou menos consciência do tempo estruturado e continua a ser excluída da investigação do antropólogo por ser mais pertinente à observação do historiador; Enquanto os níveis de langue como tempos de iteração, ou seja da invariância, ou seja, do tempo vivido, são o lugar privilegiado de pesquisa antropológica.

 

4 Componentes e níveis

 

4.1 Dupla tarefa do antropologo 

 

Com base nestas premissas compete ao antropólogo uma dupla tarefa. Diante de um produto cultural, ele deve primeiro entender quais são os elementos invariantes e as suas relações, e depois identificar a matriz ideológica. Deve ou seja, ignorando o momento conotativo quando é um facto de um único indivíduo (e isso, claro, não porque ele é desprovido de importância, mas porque, como dissemos, não pertence ao seu feixe de observação) compreender o significado denotativo, ou os apontamentos do grupo, e isto é a ideologia profunda e a sua periferia social.

4.2 Duas componentes quatro níveis

 

Desenvolvendo o que Hjelmslev propõe é que não basta identificar em cada facto cultural uma componente de expressão cultural e uma de conteúdo, cada uma na sua articulação de forma e substância, mas também distinguir os níveis de Esquema, Norma, Uso, Parole relativamente aos dois planos de expressão e de conteúdo.

Cada fato cultural será assim dividido em duas componentes e quatro níveis tão baixos que o do evento em que consiste a sua implementação prática e matriz ideológica e temporal. 

4.3 Aplicação antropológica

 

A transferência do modelo de Hjelmslev do domínio linguístico ao antropológico impõe ajustes necessários e adições No que diz respeito aos ajustes, deve-se apurar o significado a ser dado ao termos de esquema, norma, uso, parole que somente a custo de arbitrariedades poderia permanecer como o de Hjelmslev, no que diz respeito aos acréscimos, por meio do uso apropriado de níveis estruturais.

4.4 O Nível Parole

 

 A representação de uma cultura produzida por este modelo define e especifica as fronteiras da pesquisa antropológica. O nível Parole na verdade, é a execução individual, está disposto sobre um plano de irreversibilidade sujeito à uma rápida passagem do tempo deve necessariamente ser estudado com o método histórico, enquanto os outros níveis, sujeitos a dimensões temporais mais lentas, pertencentes ao domínio da reversibilidade prestam-se à observação de tipo sistemático, o que caracteriza precisamente, as diversidas e muitas vezes contraditórias, escolas antropológicas.

4.5 Propostas

 

 Neste sentido ainda hoje se aplicam  as propostas de Propp, Levi-Strauss, Lotman, Greimas: tanto no que respeita à análise de textos narrativos como para a interpretação de outros tipos de produtos culturais muitas vezes e com razão referidos a modelos narratológicos. Claro que o problema de identificação de um método, ou mais métodos permanece. Outro problema igualmente crucial e interessante, acerca da análise da organização dos fenômenos culturais, é aquele do relacionamento entre o lado da expressão e aquele do conteúdo, a forma e a substância dentro de cada lado, e talvez por maior razão entre os vários níveis. 

4.6 Expressão e conteúdo

 

Considerando tanto o lado da expressão como o do conteúdo, é interessante saber, se entre os dois existem relações de interdependência, determinação, ou constelação. Se encontramos a expressão significante e o significado no conteúdo, como faz o mesmo Hjelmslev (1968), sabemos que, entretanto, um texto já manifestado expressão e conteúdo se encontra numa relação de interdependência não sendo mais arbitrário o relacionamento entre o significante e o significado, uma vez que se realizam na função do sinal (Hjelmslev 1968 53).

 No que diz respeito às relações entre os diferentes níveis e em relação ao lado da expressão Hjelmslev já colocou esses problemas. e resolveu-os em base ao pressuposto de que é sempre a variável que determina a constante e não o contrario. A Norma em seguida, determina  Uso e o acto da  Parole e o grupo Norma, Uso acto de Palavras determina o Esquema (Hjelmslevl970, 78).

 

5 Simbolo e estrutura

5.1 Simbolo e estrutura

 

No panorama do conhecimento contemporâneo o estruturalismo tem colocado tudo em questão: as barreiras artificiais erguidas entre uma ciência e outra, seus métodos, suas conquistas. 

Todo um arsenal de idéias, de clichês, preconceitos, no sentido de Husserl, foi varrido 'e a vassoura que varreu é o conceito de estrutura'. 

Claro, se se atribuir a esta nova ferramenta, como alguns querem, uma função puramente operacional que não envolve escolhas ideológicas, é, no máximo, adicionar um novo capítulo para a história da ciência

Se, no entanto, uma ciência não aspira a representar os fenômenos em estudo na sua realidade objetiva, ninguém vai salvá-la da falácia. Nem será possível quebrar o ciclo de subjetivismo, os direitos indiscutíveis do idealismo crítico em todas as suas formas

5.2 Os modelos

 

Para que não restem dúvidas, é bom esclarecer que não se questiona as origens subjetivas dos modelos ou dos regimes criados mas rejeita-se a opinião daqueles que acreditam que tais relações reais estejam somente naqueles modelos.

5.3 Estruturas formais

 

Para Chomsky  a mesma atividade mental é a base de ambos os modelos enquanto estruturas, de modo que se pode considerar as estruturas formais abstractas ficções metodológicas que servem originalmente de princípios reguladores da actividade constitutiva do assunto. Muitos mal-entendidos seriam eliminados se sempre se distinguisse claramente, que os modelos são esquemas e estruturas elaboradas teoricamente como sistemas de relações latentes nos fenômenos observados.

5.4 Estrutura social

 

Lévi-Strauss - por exemplo, afirma categoricamente que “o conceito de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas a modelos construídos de acordo com ela»

A elaboração de modelos é de fato a primeira tarefa do cientista, porque é através deles que se pode descobrir e classificar a confusão de fenômenos. 

As abstrações, Lombardo Radice, representam um “significativo acto extraordinariamente poderoso para resolver com um único raciocínio formal vários problemas concretos à primeira vista muito diferente”.

5.5 Estruturas objectivas

 

O reconhecimento da objetividade das estruturas, Como o conjunto de relações que existem dentro do fenômeno entre os referidos elementos. Alguns acreditam que as estruturas dos fenômenos culturais sejam uma reflexão de estruturas mentais

5.6 Dicotomia

 

Outros acreditam que as estruturas sejam como realidades independentes coisas adequadas. A partir daqui a dicotomia irremediável aparente entre estruturas concebidas como entidades conceituais que estão sujeitas às características de persistência e imutabilidade relacionadas com o conceito de natureza e ao contrario as estruturas vistas como realidade objetiva. 

 

5.7 Sincronia e diacronia

 

Daí a falsa antinomia implícita entre a visão sincrónica e diacrónica das estruturas. Os 'conceptualistas', é claro, acentuam os aspectos sincrônicos, enquanto que entre os 'realistas' a dimensão diacrônica.

O etnólogo francês pressupõe a existência de 'leis universais que regem as atividades inconscientes da mente.' 

Essas leis ou possibilidades inconscientes não são ilimitadas e são chamadas assim: os processos mentais, atitudes psicológicas, estruturas lógicas, restrições mentais, as leis da mente humana, categorias cerebrais

5.8 Categorias segundo Lévi-Strauss

 

Estas categorias de acordo com Levi-Strauss - não parecem produzir as estruturas. Elas, portanto, seriam realidades objetivas, produto da atividade dos sistemas inconscientes do espírito, ou 'padrão temporal das leis universais que constituem as atividades inconscientes da mente.' 

Daí o conceito minimalista que as estruturas são a realidade subjacente em todos os costumes, as formas inconscientes, sistemas sociais e culturais em que você incorpora as atividades ou restrições mentais

5.8.1 As estruturas

 

As estruturas seriam um reflexo mental o resultado de um facto da natureza, ou dados estáticos e universais? Lévi-Strauss afirma que as estruturas são modos temporais, da existência de leis universais do espírito, na lei ou na verdade diacrônica e sincrônica existem estruturas.

Levi-Strauss afirma categoricamente que 'o conceito de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas a modelos construídos de acordo com ela'

 

6 Simbolo e Cultura

 

Nenhum relatório sobre os usos do simbolismo é completo se não se reconhece que os elementos simbólicos da vida tendem a apresentar-se numa forma tumultuada, como a vegetação duma mata tropical.

Withehead, Symbolism, New York, Fordham University Press, p. 69

Os primeiros etnógrafos procuraram descobrir o sentido dos rituais completamente incompreensíveis praticados nas sociedades tribais e tradicionais: os nativos celebravam, sem saber a sua lógica cultural e simbólica.

Raymond Firth no seu trabalho  Símbolos  aludiu à contribuição única dos antropólogos para o estudo do simbolismo, que aumenta o conhecimento fornecido pelos lógicos, linguistas, psicólogos, teólogos, historiadores, artistas e especialistas de outras disciplinas

 

  • Uma visão Geral sobre o estudo do simbolismo no campo da antropologia e doutras disciplinas afins, como sociologia, psicologia e linguística. Este estudo está localizado no contexto das culturas em quanto sistemas simbólicos e parte da compreensão do ser humano como ser simbólico por excelência.
  • O símbolo como um objeto singular de estudo da antropologia simbólica e da pesquisa etnográfica no campo. As diferentes correntes desenvolvidas por alguns dos principais autores analisaram a produção simbólica, e observaram os seus significados e as suas funções no ambiente socio-cultural. A estrada se abre a partir das primeiras teorias, através de escolas antropológicas que apoiam a ação do antropólogo que não deve tomar o sentido literal dos símbolos mas perscrutar o seu significado subjacente e essencial. Nesta base, a perspectiva antropológica visa a fornecer uma descrição e uma análise rigorosa dos actos simbólicos nos seus aspectos verbais e não verbais. Devemos estudar as diferentes escolas: funcionalista,  sociológica francês, estrutural-funcionalista, fenomenologia do sagrado, antropologia estrutural, escola moderna simbolista, estruturalismo e da antropologia simbólica-cognitivo na França e nos EUA e antropologia simbólica britânica, Antropologia simbólica contemporânea.

 

6.1 O símbolo como parte das culturas e das sociedades humanas.

6.1.1 Antropologia filosófica: Ernst Cassirer

 

O homem como animal simbólico Na filosofia incluem um autor fundamental na análise do simbolismo como Ernst Cassirer (1874-1945), que se preocupava especialmente pela natureza e função da linguagem define o símbolo como uma categoria da cultura.

Por ele, o símbolo diferencia o homem do animal; os animais se adaptam diretamente ou automaticamente  ao ambiente físico, enquanto que os humanos têm entre o ambiente possuem um universo que consiste na linguagem simbólica, mito, arte e religião, formas linguísticas, imagens artísticas, símbolos míticos e rituais religiosos.

Estes são os fios que tecem a rede simbólica, um tecido complicado de experiência humana são meios artificiais que se interpõem entre o ser humano no processo de ver, conhecer ou tratar a realidade ao seu redor. Através do sistema simbólico, o ser humano adapta-se ao ambiente. A aquisição deste mecanismo adaptativo intermediário transformou sua vida inteira; graças a ele o homem vive numa nova dimensão da realidade num universo simbólico.

Há uma diferença fundamental entre a mente humana e a mente dum não homem.

O homem usa símbolos que nenhuma criatura pode usar.

A mais importante forma de expressão simbólica é a linguagem que permite a comunicação de ideias, a tradição, a acumulação de informações e, finalmente, progresso e da civilização.

A maioria dos traços característicos da vida humana e de todo o progresso cultural, baseia-se nestas condições. Neste contexto, é claro, que língua é essencial. E a diferença entre o linguagem proposicional e linguagem emotiva representa a verdadeira fronteira entre o mundo humano e o mundo animal. Cassirer observa que em nenhum animal é dado o passo decisivo da linguagem subjetiva. Podemos admitir que os antropóides fizeram um passo importante no desenvolvimento de certos processos simbólicos, mas é preciso ressaltar que eles não atingiram o limiar do mundo humano. Eles entraram, por assim dizer, em um beco sem saída (Cassirer, 1997 56).

Assim, os sinais são identificados com o reino animal, enquanto os símbolos ver com o intelecto humano. Há um complexo sistema de sinais e sinais presentes no comportamento animal, especialmente em animais domésticos; mas os símbolos são a própria linguagem simbólica do ser humano

Sinais e símbolos, de acordo com Cassirer. Eles correspondem a dois universos de argumentos diferentes: o sinal é uma parte do mundo físico do ser, enquanto o símbolo é uma parte do mundo humano porque o sinal possui um sentido, tem um valor físico ou substancial, o símbolo unicamente possui um valor funcional.

Insistindo na diferença básica acrescenta que o animal tem uma imaginação e inteligência prática, enquanto o homem tem desenvolvido uma nova fórmula de inteligência exclusiva e de imaginação simbólica. A este respeito, ele fala sobre a transição no desenvolvimento mental da psique individual de uma atitude apenas pratica para uma atitude simbólica. Isto significa chegar a entender que tudo tem um nome.

(Considerando que a área de significado é muito mais ampla do que o sinal estrito da palavra), e a função simbólica é um princípio de aplicabilidade universal, ou seja, cobre todo o campo do pensamento humano. Juntamente com este destaques o símbolo é universal e também tem a sua variabilidade (vários símbolos podem expressar a mesma ideia); Não é rígida e inflexível, mas móvel (pode expressar mesmo significado em diferentes línguas, e em uma língua idéia ou pensamento pode ser expresso em termos diferentes). O signo ou sinal, no entanto, referem-se a coisa referida um modo fixo e único.

6.2 Leslie White define cultura através da simbolização.

6.3 Def de simbolização

 

'Simbolizar' é o facto de dar um sentido a factos ou coisas, esta atribuição de sentido é captada e apreciada.

A linguagem articulada é a forma mais característica de simbolização. Simbolizar é Movimentar significados sensoriais, Somente o homem é capaz de simbolizar.

White propõe  o termo 'simbolados' para descrever os fenômenos que consistem na simbolização dependente, trata-se de significados que podem ser aplicados a quase todas as culturas como conjunto de idéias e atitudes, ações e objetos materiais. Como exemplo do tipo de coisas e eventos simbolizados cita uma palavra, um machado de pedra, um feitiço.

Quando esses factos são interpretados  em termos da sua relação com a organismos humanos, ou seja, num contexto somático relativo à própria estrutura do corpo, pode ser chamado de comportamento humano e a ciência que o estuda é a psicologia; quando eles viram e interpretados de termos de seu relacionamento, ou sua relação com qualquer outra coisa do que o organismo humano pode ser referida cultura

6.2 Tarefa do antropólogo

 

O desenvolvimento de modelos é de facto a primeira tarefa do antropólogo, porque é através deles que se pode descobrir e classificar a confusão dos fenômenos. As Abstrações, representam um 'meio poderoso para resolver num único raciocínio formal vários problemas concretos muito diferentes.

Alguns acreditam que as estruturas dos fenômenos culturais sejam uma reflexão das estruturas mentais. Outros acreditam que as estruturas sejam realidades independentes das coisas. A dicotomia existe entre estruturas concebidas como entidades conceituais normalmente relacionadas com o conceito de natureza e estruturas em quanto realidades objetivas.

6.3 Natureza e Cultura

 

A oposição entre natureza e história do fundo (ou cultura): a natureza como espaço estático, 'não humano', em oposição a uma história enquanto 'humana'.

As estruturas, a fim de existir precisam de uma realidade no tempo e no espaço, são sempre e simultaneamente estáticas e dinâmicas. As estruturas do reino natural, aparentemente imóveis, apelam a sua razão de existir por processos internos constantes, as relações dinâmicas permanentes de seus elementos constituintes: relações que os avanços da ciência de hoje permitem-lhe criar novos processos que quebram novas estruturas. O homem é a natureza e a cultura. Há uma fronteira entre o humano e o não-humano. De acordo com Levi-Strauss, 'o homem é um ser biológico e, simultaneamente, um indivíduo social', a oposição entre natureza e cultura reside no facto de que 'tudo o que é universal, para o homem, pertence à ordem da natureza e é caracterizada pela espontaneidade, e que tudo está sujeito a uma norma pertence à cultura e apresenta os atributos do relativo e particular.

6.4 Oposição  

 

Há muitos fenômenos de 'natureza' que parecem pertencer já ao âmbito da 'cultura'. Quanto à oposição entre natureza e cultura foi proposto de marcar a linha divisória entre as duas ordens, referindo-se à presença ou ausência de fala articulada. Mas, por outro lado, têm aparecido processo de comunicação complexas que às vezes apresentam símbolos reais, a serem descobertos entre os insetos, peixes, aves e mamíferos. Sabe-se também que certas aves e alguns mamíferos (e mais particularmente os chimpanzés em estado selvagem) sabem como embalar e usar as ferramentas.

Há neste ponto uma oposição sem sentido entre 'conceptualistas' e 'realista' sobre o caráter das estruturas. O dilema se as estruturas são mentais, entidades culturais, ou reais, isto é, formações históricas, é insolúvel. As estruturas são naturais e culturais, por causa da sua realidade humana que é natureza e cultura.

6.5 Marx

 

Marx:  "esses mesmos homens que estabelecem as relações sociais, em conformidade com a sua produtividade material, eles também produzem princípios, ideias, categorias, de acordo com suas relações sociais. Então estas ideias, estas categorias não são relações que se expressam eternamente. São produtos históricos e transitórios" (Marx 1950, 89). 

As categorias, diz Marx, são produtos históricos e transitórios.

6.6 Malinowski 

 

 Este relatório foi contrário claro para Malinowski, quando escreveu:  "como para  a presente análise, no entanto, só precisamos estabelecer quais sequências vitais deveriam ser biologicamente definidas em primeiro lugar.  Elas são adequadas para a cultura, principalmente através da redefinição dos impulsos, ou mesmo pelo fato de que a satisfação de um impulso, o fortalecimento do impulso, é um factor constante psicológico e fisiológico que controla o comportamento humano em toda a grande classe de actividades tradicionais.  Podemos ver claramente que todas as grandes áreas de atividades culturais altamente complexas e diferenciadas são altamente desenvolvidas do nível primitivo, relacionadas com as sequências vitais »  (Malinowski 1962, 88). 

6.7 Estruturas e natureza

 

A estreita conexão entre estruturas culturais e a natureza, que, com base no que foi afirmado por Malinowski é assim estabelecida, ajuda a compreender o problema dos universais, onde se apresenta a permanência de determinadas estruturas.  É evidente que enquanto mudam ao longo do tempo como respostas culturais a problemas vitais, em seguida se tornam uma estrutura biológica que deve, sob pena de inadequação da resposta, ficar aderente à estrutura. 

 O que já foi dito sobre as categorias como um produto histórico, fornece mais esclarecimentos para a questão da permanência ao longo do tempo de certas estruturas.  E claro que, sendo relacionadas com as relações sociais, em conformidade com a produção material, o seu mandato coincide com a duração de situações sociais e económicas, que as geraram.  Além disso, certos «sistemas» são mais lentos no seu desenvolvimento do que as forças econômicas e sociais históricas, que as geraram. Isso explicaria a permanência de determinadas estruturas, mesmo após o desaparecimento da situação social que as produziram. 

Finalmente a história não é identificada com o fluxo homogêneo do tempo.  Tem um desenvolvimento descontínuo e procede de acordo com ritmos em vários campos de trabalho humano: trata-se dum fenómeno diacronico.

 

AA 2018

Plano de Sumários

 

 

 

 

 

 

    •  

       

       

        • UNIDADE 1 Os estudos simbólicos na antropologia

       

      1 As diversas escolas de antropologia

      2 Varias funções atribuídas aos sistemas simbólicos

      3 Alternativas e problemas nos estudos simbolicos

      4 As varias definições de símbolo  

      5 A natureza do símbolo (Convencional/Natural)  

      6 A oposição signo/símbolo

      7 Essência do símbolo

      8 Noções de índice, ícone, sinal e signo 

           

       

       

        • UNIDADE 2 Os sistemas simbólicos que estruturam o mundo 

       

      9 Antropologia cultural americana

         9.1 Caracter estruturante dos sistemas simbólicos

         9.2 O relativismo linguístico e cultural

         9.3 Linguagem pensamento e realidade

         9.4 O condicionamento psico-cultural da percepção

      10 O Sistemas simbólicos e a dinâmica social

         10.1 A escola britânica de antropologia

         10.2 Os símbolos como instrumento de acção social 

         10.3 Carácter pratico do sistema simbólico

         10.4 O contesto institucional na interpretação dos significados

         10.5 Os sistemas simbólicos e os conflitos sociais  

       

       

        • UNIDADE 3 Os sistemas simbólicos como comunicação

       

      11 Estrruturalismo

         11.1 Carácter estruturado dos sistemas simbólicos

          11.2 O modelo linguístico da interpretação dos significados

          11.3 A analise estrutural  

      12 A cultura como sistema simbólico   

         12.1 O carácter semiótico da cultura

         12.2 A interpretação na descrição etnográfica

         12.3 A antropologia interpretativa de Geertz

         12.4 O estudo do imaginário: Durand

       

       

        • UNIDADE 4 Os sistemas simbólicos na cultura angolana

       

      13 Os Tchingandji 

      14 Rituais da circuncisão    

      15 Rituais nas práticas divinatórias 

      16 Simbologia do feitiço

      17 Rituais Fúnebres

      18 Rituais nas práticas terapêuticas  

       

       

        

       

       

       

 

Primeira Lição dia 9 de Março

Símbolo

Entre os as sociedades tradicionais de Angola, a importância do ritual na vida dos angolanos no tempo colonial foi impressionante. Não se podia passar uma semana num bairro mesmo pequeno, sem que um batuque ritual fosse ouvido em uma ou outra das aldeias.

Def de ritual

Por 'ritual' intende-se o comportamento formal prescrito por ocasiões que não são atribuídas à rotina diária, tendo referência a crenças em seres ou poderes místicos.

Def de símbolo

O símbolo é a única unidade de ritual que ainda conserva as propriedades específicas do comportamento ritual; É a última unidade da estrutura específica de um contexto ritual.

Uma vez que este curso é, no essencial, uma descrição e análise da estrutura e das propriedades dos símbolos, basta dizer aqui, seguindo o Concise Oxford Dictionary, que um 'símbolo' é uma coisa considerada pelo consentimento geral como típica ou representativa referida à natureza ou que lembra algo possuído como qualidades análoga ou por associação de um facto ou pensamento.

Os símbolos que observados no campo são, empiricamente, objetos, atividades, relacionamentos, eventos, gestos e unidades espaciais numa situação ritual.

O método de pesquisa

Devemos pedir aos especialistas da cultura tradicional angolana para interpretar os símbolos do seu ritual. Como resultado, obtemos muito material exegético. É metodologicamente importante manter a capacidade de observar o material interpretativo distinto um do outro. A razão para essa se tornar evidente.

Não se pode simular símbolos analíticos sem estudá-los no seu contexto cultural, pois os símbolos são essencialmente envolvidos no processo social. Nos grupos humanos os símbolos foram adaptados às mudanças internas e adaptados ao seu ambiente externo.

Elementos simbólicos

Do ponto de vista do símbolo ritual as características são,

  1. um fator de ação social,
  2. uma força positiva
  3. um campo de atividade.

O símbolo torna-se associado a uma série de

  • interações humanas,
  • propósitos,
  • fins e meios,

independentemente de estes serem explicitamente formulados ou devem ser inferidos a partir do comportamento observado. A estrutura e as particularidades de um símbolo se tornam os de uma entidade dinâmica, pelo menos dentro do contexto apropriado de ação.

Estrutura e Propriedades dos Símbolos Rituais

A estrutura e as propriedades dos símbolos rituais podem ser inferidas a partir de três classes de dados:

(1) forma externa e características observáveis;

(2) interpretações oferecidas por especialistas e por actores sociais;

(3) contextos significativos amplamente trabalhados pelo antropólogo.

Aqui está um exemplo. No culto nganguela (Lilunga 1997: 210) as cerimonias prevêem

  1. Mahamba,
  2. Vukongo,
  3. Kulila Kalunga,
  4. Kulisengula, Imbulumgu.
  5. Kulisengula vutyi.
  6. Kulikutila imbuto,
  7. Tuhya vavahya .

Para os Bakongo, a característica observável mais importante é a arvore de Nsanda, que proponho chamar a 'árvore dos mais velhos’ à qual pode-se atribuir vários significados. Em primeiro lugar, eles dizem que a árvore símbolo da unidade dos membros da linhagem. Cada aldeia tem este símbolo 'dominante'.

Símbolos dominantes

Aqui é suficiente afirmar que os símbolos dominantes são considerados não apenas como meios para o cumprimento dos propósitos declarados de um ritual, mas também e mais importante referem-se a valores que são considerados como fins em si mesmos, isto é, a valores axiomáticos.

Em segundo lugar, Os Bakongo relacionam o significado com um facto observável pertencente à natureza, que é objeto de outro ritual e menos elaborado.

A Nsanda

O tema principal da Nsanda é de fato o vínculo entre os bana ba kanda. Este tema da Nsanda é expresso em vários símbolos complementares indicativos do ato da caça e de propiciação. Em terceiro lugar, as raizes da arvore correm no terreno da aldeia e penetram dentro das casas. Aqui, a referência passou da descrição da unidade, para um laço social de profundo significado, tanto doméstico relações estruturais mais amplas da comunidade Bakongo.

A árvore Nsanda é o lugar de encontro dos membros da linhagem (kanda). Representa os antepassados. A árvore da Nsanda guarda no chão os símbolos da linhagem, ferros de catanas, enchadas, nkisi. É onde as aves ngau constroem os seus ninhos, símbolo da benção da aldeia. Um ou outro velho dormiu lá em baixo para nossa avó e nossa mãe e para nós mesmos as crianças. Esse é o lugar do nosso costume tradicional.

Esta árvore nsanda se refere aos princípios e valores da organização social bakongo. Em um único nível de abstração, a árvore nsanda representa a matrilinearidade, o princípio sobre o qual depende a continuidade da sociedade kongo. Mais do que qualquer outro princípio da organização social, confere ordem e estrutura na vida social dos Bakongo. Além disso, no entanto, ‘kanda’ significa mais do que matrilinearidade, de acordo com com muitas outras afirmações que coletei. Defende o costume da kanda (nkisi nsi). O princípio da matrilinearidade, a espinha dorsal da organização social bakongo, como elemento da estrutura semântica da árvore nsanda, simboliza o sistema total de inter-relações entre grupos e pessoas que compõem a sociedade bakongo. Alguns dos significados de símbolos importantes podem ser símbolos, cada um com seu próprio sistema de significados. No seu nível mais alto de abstração, portanto, a árvore nsanda representa a unidade e a continuidade da sociedade bakongo. Homens e mulheres são componentes desse contínuo espaço-temporal.

Yala nkuwu

Ao discutir o simbolismo da árvore Yala Kuwu, a rainha das nsanda, vendo a sua seiva branca no contexto do ritual da puberdade pode significar seja o esperma como também o leite. O homem bakongo bebe dos seios da kanda. Assim, nutrição e aprendizagem são equiparados ao significado conteúdo da árvore nsanda. Debaixo desta arvore as crianças ‘vão à escola'; Diz-se que a criança engole a instrução como um bebê engole o leite a casca do Yala nkuwu deixa fluir um alcaloides que serve para descobrir mentirosos e feiticeiros. Mas, a árvore sala nkuwu é uma abreviatura para o processo de instrução em assuntos da linhagem que segue o episódio crítico na iniciação de meninos e meninas, na circuncisão no caso dos meninos e pelos longos julgamento de mentir dos ndoki. Por exemplo, um chefe é frequentemente chamado 'mãe do seu povo', enquanto é caçador-médico que inicia um iniciando a um culto de caça.

 

 

 

Segunda Lição dia 16 de Março

 

A Antropologia do simbólico surge em meados dos anos 60, mas não eram seus criadores, aqueles que a baptizaram com este nome; foram os antropólogos posteriores, que analisaram a investigação que tinha sido desenvolvido pelos seus colegas.

Desde o início, os antropólogos têm estudado diferentes sociedades, considerando suas ações, formas de organização, trabalho, etc. Mas um dos factos mais importantes que foram encontrados é a linguagem simbólica. Esta linguagem é verbal e não verbal e sem conhecer a sua lógica cultural era praticamente impossível compreender o significado que diferentes sociedades deram aos seus rituais cotidianos ou religiosos. Assim a antropologia simbólica, apresenta-se como um estudo de símbolos e significado que as culturas em cada sociedade possuem e como esses símbolos foram mantidos e refuncionalizados ​​ao longo da história.

Muitos estudiosos têm definido com este termo 'a construção cultural da realidade através de diferentes manifestações simbólicas' e que é precisamente o que a antropologia do simbólico tem que estudar- Enfim são manifestações simbólicas referentes de cada sociedade que muitas vezes determinaram e influenciaram o seu desenvolvimento. Uma outra vertente abre-se na observação e análise de ambos os símbolos verbais e não-verbais para distinguir bem entre factos de rotina da sociedade e factos pessoais ou acidental, em outras palavras,  cada individuo executa individualmente um protocole simbólico que pertence não somente ao seu universo cultural mas é partilhado com a realidade cultural da sociedade.

 

Contexto histórico


Considera-se que o nascimento da antropologia como disciplina ocorreu durante o Iluminismo, quando na Europa as primeiras tentativas sistemáticas foram feitas para estudar o comportamento humano. As ciências sociais - que incluem, entre outros, jurisprudência, história, filologia, sociologia e, claro, antropologia - começaram a se desenvolver nessa época.

A antropologia supera as divisões entre as ciências naturais, sociais e humanas, explorando as dimensões biológica, linguística, material e simbólica da humanidade em todas as suas formas. Este movimento moderno foi criado em 1960 com as obras de Clifford Geertz, David Schneider e Víctor Turner.

Esses antropólogos reexaminaram o simbolismo em seus contextos culturais específicos, tratando os símbolos que pertencem à rede relativamente autônoma de significados que compõem uma cultura particular. Antropologia simbólica chamada de atenção cuidadosa aos detalhes do simbolismo e aos múltiplos níveis em que um símbolo pode significar.

Geertz descreve esses objetivos em seu caso de descrição densa, que ele promoveu como metodologia e objetivo da etnografia. Esses escritores trouxeram ao estudo dos símbolos de uma variedade de relações diferentes com o estruturalismo e o funcionalismo, mas eles compartilhavam fé em o poder da interpretação para traçar a complexidade do simbolismo, mesmo em contextos em que tais reconstruções exigem um alto grau de especulação.

Apesar dessas e outras objeções, as preocupações gerais da antropologia simbólica são muito vivas, e a ênfase de Geertz na etnografia como prática narrativa teve influência importante fora do campo da antropologia

Mary Douglas


Mary Douglas nasceu na cidade italiana de San Remo em 1921.

Quando sua mãe morreu quando tinha 12 anos, ela foi morar com seus avós, recebendo uma educação rígida que mais tarde influenciaria seu interesse em religião e compromisso social.

Em 1949, ele começou seu doutorado na aldeia de Lele, que morava entre os rios Kasaí e Loange (na República Democrática do Congo).

Em suas investigações de antropologia social, ele se concentrou em questões que não tinham sido estudadas anteriormente, como a relação entre rituais litúrgicos com tabus em alimentos, higiene ou pureza. E para isso, ele não só pesquisou a sociedade lele ou contemporânea, mas também pesquisou os textos bíblicos e o pensamento mítico.

Victor Turner

Víctor Turner nasceu em Glasgow em 28 de maio de 1920.

Ele estudou poesia e clássicos no University College de Londres. Seus estudos, no entanto, foram interrompidos pela Segunda Guerra Mundial. Durante esse período de cinco anos, Victor estava interessado em antropologia, então ele voltou para a universidade para estudar em alguns dos melhores antropólogos da época.


Aos 29 anos, Turner se formou com honras em Antropologia na Universidade de Londres em 1943 e Manchester (graduado em 1955). Também neste período (1950-1954), Turner trabalhou com o Ndembu, uma tribo da África Central, estudando sua sociedade e práticas religiosas. Mais tarde, ele reorientou seu interesse no ritual e, portanto, passou o resto de sua carreira a estudá-lo.

A Floresta dos Símbolos

Inclui o estudo da tribo da África Central do Ndembu, na qual ele observa como há correspondências entre os elementos do mundo natural e sensível e os elementos do mundo espiritual e eterno. Estudar os símbolos dentro dos rituais de Ndembu, a classificação das cores dentro de seus rituais e especialmente os ritos de passagem.

Função dos rituais

Turner sustenta que a função do ritual é a coesão social: um dos propósitos do ritual é fazer com que os indivíduos aceitem seu destino na vida, isto é, assumir os papéis que a sociedade lhes atribui, ao mesmo tempo em que o ritual se adapta e periodicamente readapta os indivíduos às condições básicas e aos valores indiscutíveis da vida social. O ritual torna o desejável obrigatório para manter essa coesão social.

Classificação de símbolos rituais

Na Floresta dos Símbolos, ele classifica os símbolos rituais em dois grandes grupos:

- Símbolos dominantes ou elementos estruturantes: aqueles que tendem a ser extremidades em si mesmos, com alto grau de consistência e constância através do sistema simbólico total.

- Símbolos instrumentais ou elementos variáveis: aqueles que são usados ​​como meios implícitos ou explícitos em cada ritual.

Ritos de passagem (Van Gennep)

Turner estuda os Ritos de Passagem, como aqueles rituais que indicam e estabelecem transições entre diferentes estados (compreensão por estado de qualquer tipo de situação estável culturalmente reconhecida) divididos em três fases:

- Fase preliminar: separação do indivíduo de um de seus status social anterior

- Fase liminar: fase limiar

- Fase pós-liminar : reagrupar o indivíduo para o novo status.

Centra seus estudos na fase liminar: é condição de não ser um membro cheio de nenhum status, já não é o que era, mas não alcançou o novo status. Observando que esse período é um estágio de reflexão (do anterior e do futuro), onde a força do hábito desmorona e abre caminho para a especulação.

O estudo dos Ritos de Passagem será uma das principais contribuições de Turner para a teoria sobre o processo ritual.

Clifford Geertz



Ele nasceu em São Francisco em 23 de agosto de 1926 e morreu em 30 de outubro de 2006. Ele teve que interromper seus estudos para servir na Marinha dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1950 ele se formou em filosofia e seis anos depois recebeu seu doutorado em antropologia na Universidade de Harvard. Ele passou por várias escolas antes de se juntar à equipe de antropólogos da Universidade de Chicago (1960-70); mais tarde tornou-se professor de ciências sociais do Instituto de Estudos Avançados em Princeton de 1970 a 2000, onde foi emérito até sua morte. Geertz presta especial atenção ao papel dos símbolos na sociedade. Ele considera que os símbolos são o quadro da ação social e que a cultura é um 'sistema de concepções expressadas em formas simbólicas através das quais as pessoas se comunicam, perpetuam e desenvolvem seus conhecimentos sobre as atitudes em relação à vida'. A função da cultura é dar sentido ao mundo e torná-lo compreensível.

Para ele, a cultura não é algo que está dentro das cabeças dos homens, mas são símbolos através dos quais os membros de uma sociedade comunicam sua visão do mundo, suas orientações de valor e tudo o resto. para futuras gerações.

Ele foi o criador do método etnográfico baseado no estudo descritivo e interpretativo dos sistemas culturais através de pequenos grupos de indivíduos em seu próprio ambiente.

Entende a antropologia como observação, gravação e análise detalhadas.

O papel dos antropólogos, portanto, é tentar interpretar os símbolos-chave de cada cultura.

Geertz argumentou que, para estudar a cultura de um ponto de vista antropológico, é impossível aplicar uma lei ou uma teoria específicas, a única maneira de estudar os comportamentos humanos no contexto cultural a que pertencem é a experiência e a observação do pesquisador, desta forma as manifestações de cada cultura, de acordo com Geertz, devem ser estudadas da mesma forma que a arqueologia estuda o solo, 'camada por camada', do mais externo, ou seja, de onde os símbolos culturais são eles se manifestam mais claramente, para a camada mais profunda, onde a matriz desses símbolos é a qual o significado deve ser identificado.

Seus trabalhos abordam as áreas de poder, mudanças políticas e econômicas, mitos, religião, família ... Analise a natureza simbólica das características culturais o que ele chama de estruturas simbólicas.

Tente separar a observação distante através de uma experiência humana e próxima.

Geertz realizou inúmeras pesquisas etnográficas no Sudeste Asiático e no norte da África.

Ao contrário da maioria dos antropólogos de seu tempo, Geertz não se concentrou em grupos culturalmente primitivos e isolados. Em vez disso, ele estudou sociedades complexas, primeiro na Indonésia e depois em Marrocos, que preservaram suas tradições durante séculos. Em seu livro de 1968, 'Islam observed', ele descreveu as influências culturais do Islã sobre economia, comércio, política e estrutura familiar.

Talvez ele seja mais conhecido por seu ensaio: 'Deep Game: Note on the cockfight in Bali', que apareceu em 'The Interpretation of Cultures'. Mais do que uma descrição de uma briga de galas e as apostas que a acompanham, 'Deep play' era uma ampla e profunda interpretação metafórica de como as pessoas de Bali se viram em relação à violência, status social, moral e crenças.

'Todas as pessoas, diz o provérbio, praticam sua própria forma de violência', escreveu Geertz. A briga de gatos reúne temas: a selvageria animal, o narcisismo masculino, o jogo pelo dinheiro, a rivalidade do status, a excitação das massas, o sacrifício sangrento - cuja conexão principal é o relacionamento deles com o furor e o medo do furor, segurando essas coisas a uma série de regras que, por um lado, as contêm e, por outro lado, permitem que elas se desdobrem, criem uma estrutura simbólica em que uma e outra vez a realidade do seu significado íntimo possa ser sentida de forma inteligível '

 

 

 

Terceira Lição dia 23 de Março

 

Leslie White

Para o estudioso Leslie White, o símbolo é a unidade básica do comportamento humano. A civilização só existe em razão do comportamento simbólico, característico do homem.

A partir da teoria da evolução de Darwin, muito se questionou sobre o que é o homem e qual a sua diferença em relação aos demais animais (mamíferos superiores).

Diante de dados anatômicos, percebeu-se que a caixa craniana do homem era maior e que, por essa razão, seu cérebro também o era. Dessa forma, o pensamento, o raciocínio, a compreensão etc. estavam vinculados a um maior poder de associação de ideias derivado das faculdades mentais humanas.

O específico do homem

No entanto, Leslie constatou que a diferença entre os homens e os outros animais era uma diferença qualitativa e não quantitativa. Isto quer dizer que o homem usa símbolos para existir, mas que estes símbolos são criados, inventados, pelos próprios humanos, diferente do animal, que pode ser condicionado por símbolos, mas jamais poderá criá-los. Esse poder de criar símbolos é especificamente humano (não há outros seres que o façam, nem graus intermediários).

O valor do Símbolo

Símbolo é uma coisa cujo valor ou significado é atribuído pelos seus usuários. Este valor nunca é determinado pelas características físicas do objeto em questão, isto é, de suas propriedades intrínsecas, mas sempre por algo arbitrário que se torna convencional.

Por exemplo, a palavra VER. Nenhuma destas letras, juntamente ou separadas, indica uma ação de visualizar algo (em francês se diz VOIR, em inglês, TO SEE etc.). O sentido faz parte da valoração coletiva sobre algo, é imaterial, mas é preciso que alguma coisa física represente o sentido, perpassando nossa experiência.

Símbolo e signo

Leslie também faz a distinção entre símbolo e signo. O primeiro é a criação do valor de algo. O signo é a indicação de um valor já criado. É uma forma física cuja função é indicar alguma outra coisa, qualidade ou fato.

O sentido de um signo pode ser inseparável de sua forma física (como, por exemplo, o termômetro com a coluna de mercúrio que indica a quantidade de calor) ou apenas separado, desde que analogamente evidencie a coisa (previsão do tempo, por exemplo).

Def de cultura

Leslie White define cultura através de simbolização.

Def de simbolização

'simbolizar' o facto de dar um sentido a factos ou coisas, e esta atribuição de sentido é captada e apreciada.  A linguagem articulada é a forma mais característica de simbolização. Simbolizar é  Movimentar significados sensoriais, Somente o homem é capaz de simbolizar.

White propõe  o termo 'simbolados' para descrever fenômenos que consistem ou dependem da simbolização. Este conceito pode ser aplicado à prática da totalidade da cultura como um conjunto de idéias e atitudes, ações e objetos materiais. Como exemplos do tipo de coisas e acontecimentos que consistem ou dependem de nomes de simbolização: uma palavra, um machado de pedra, um fetiche, prevenir-se contra a sogra, a relutância em tomar leite, a santificação do sábado....

Conceito de cultura

Cultura é para o White, em última análise, o tipo de coisas e eventos que dependem do simbolizar, assim que eles são vistos numa resposta extrasomática. Ao mesmo tempo, tais coisas e eventos englobam cultura manifestada no tempo e no espaço:

1) em organismos humanos em forma de crenças, conceitos, emoções, atitudes

2) no processo de interacção social entre os seres humanos.

3) nos objectos de materiais que rodeam os organismos humano integrados nos padrões de interacção social. 

De facto, o verdadeiro lugar da cultura, de acordo com White, são as interacções dos indivíduos e, no lado subjectivo, no aglomerado de significados que cada um deles inconscientemente assume na sua participação nessas interacções. 

• a noção de símbolo é restrita aos elementos oníricos ou culturais associados sistematicamente representações inconscientes.

• os elementos comuns do sonho dos quais não são obtidas constantes explicações são opostos aos símbolos, porque sempre podem ser interpretados no mesmo forma.

• a relação constante entre um elemento do sonho e suas interpretações é chamada relação simbolica.

• As relações simbólicas aparecem em sonhos: os  mitos, contos, linguagem comum, a imaginação poética e o folclore.

• são normalmente inconsciente, inevitável, universais e de e constituem cuplas opositoras

Sigmund Freud (1856-1939)

De acordo com Freud, finalmente, o que exprimimos com símbolos é aquilo que nós temos reprimido. Os símbolos são definidos como produto de atitudes identitárias inconscientemente reprimidas. São máscaras para não enfrentar a realidade que devem ser deitadas. Expressam a falta de harmonia ou dissonância e têm a função de ajudar a fugir duma dolorosa realidade. Portanto, a terapia era de libertar o paciente da repressão e dos símbolos que estavam escondidos.

Jones, discípulo de Freud continuou a desenvolver esta teoria, propondo algumas associações simbólicas, mais amplas do que seu mestre e estabelecendo que apenas o reprimido precisa de ser simbolizado. Na sua abordagem, as relações simbólicas referem os aspectos mais básicos de vida (corpo, nascimento, família, etc.) em pertencem ao domínio do inconsciente. 

Edward Sapir (1884-1939)

Era um autor dentro da tradição antropológica, fortemente influenciado pelas teorias de Freud. A sua concepção sobre a cultura e o método antropológico foi sempre relacionada, também, ao seu trabalho em linguística. A linguagem foi, segundo ele, o fenómeno cultural por excelência. Sapir estabeleceu uma nova relação entre linguagem e cultura: relativismo linguístico, posteriormente desenvolvida por seu discípulo Whorf. Inicialmente, baseia-se na sua tese como as línguas faladas têm algumas leis universais, mas há uma grande diversidade de expressões linguísticas que impedem a comunicação entre eles. Do seu ponto de vista, a língua é um símbolo verbal de relacionamento humano. E, o que é fundamental, reflecte não apenas cultura mas moldá-a para que ela constitua um guia simbólico à realidade social. Ele impõe diferentes visões do mundo. As categorias lexicais são as que organizam a percepção da experiência. 

Por outro lado, para Sapir (1969), o símbolo é sempre um substituto de um tipo de comportamento intermediário. O seu significado não pode ser derivado diretamente da experiência. Salienta, além disso, a sua capacidade de condensação de energia; ou seja, por ser uma forma muito condensada de conduta que permite uma libertação imediata de stress emocional de forma consciente e inconsciente (football). Sapir distingue entre símbolos de referência e símbolos de condensação. Os primeiros não tem a qualidade emocional destes últimos; definido como um consciente formas econômicas para fins de referência como discurso, escrita, o código de telégrafo, etc. Símbolos de condensação, por sua vez, têm uma qualidade emocional, de energia e até mesmo do perigo, que foi retomado por autores da corrente moderna antropologia simbólica como Douglas e Turner. 

Carl G. Jung (1875-1961)

É o principal representante de uma tendência da psicanálise. Jung transforma a psicologia freudiana da libido (instinto sexual) e adiciona a energia psíquica, que tem sua origem no inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. Para este autor, o inconsciente coletivo é o princípio formativo básico do simbolismo ritual.  Distingue, também entre sinal e símbolo. O primeiro é uma expressão semelhante abreviada de uma coisa conhecida enquanto o segundo é a melhor expressão possível de um facto relativamente desconhecido, mas mesmo assim reconhecido ou postulado como existente. O inconsciente coletivo. mitologia e religião (como fenômeno positivo e saudável),  De acordo com Jung, contém toda a herança espiritual da evolução humana, que é constantemente reproduzida na estrutura psíquica de cada indivíduo: mesmo os sonhos são feitos basicamente de um material coletivo. Como na mitologia e o folclore dos diferentes povos, certos motivos que se repetem de forma quase idêntica aparecem em sonhos. Eu chamo estas razões 'arquétipos' e com isso quero dizer formas e imagens de natureza coletiva que existem em todo o mundo, como elementos constituintes dos mitos, e ao mesmo tempo como produtos individuais e autóctones  de origem consciente.

Os símbolos de Jung são o começo da salvação do homem. Eles são um pouco sobre-humanos e apenas parcialmente conhecidos. Eles expressam algo cuja natureza é desconhecida. A sabedoria de que são portadores os símbolos é armazenada nos sonhos e às vezes emerge na forma de arquétipos: imagens simbólicas do sumo poder, de cujo conteúdo não há nenhum tratamento consciente. Mas que possam emergir do subconsciente com um lançamento dinâmico de força e ajudar a mente do indivíduo em condições favoráveis. Também enfatiza os aspectos poéticos, universais e aspectos positivos relacionados com o simbólico, porque eles formam o conteúdo do inconsciente coletivo presente na mitologia e na religião

 

Quarta Lição dia 6 de Abril: o paradigma de Lévi-Strauss

 

A Antropologia simbolicoa segue uma estrutura decididamente e conscientemente não simétrica, mas descontínua; por ser antropologia aplicada segue umas estratégias formuladas noutra esfera da antropologia pois não desenvolveu ainda um paradigma novo. Assim reflete as descontinuidades perceptíveis no real. Quais são?
Há, de fato, descontinuidades entre o psicológico, o expressivo, o sintático, o semântico, o sociológico e o ambiental; as descontinuidades subsistem a nivel linguistico entre o paradigma que deve ordenar o material recolhido pela etnografia e a elaboração de um texto. A antropologia simbólica se estende ao longo desta 'descontinuidade’, cuja interconexão é justamente o dilema (e razão de ser) das ciências sociais. Cada fragmento do comportamento simbólico, nos diferentes pianos, levanta questões a ser analizadas em diferentes níveis.
uado dcntro da antropologia simbólica nem huh rever contribuições mais idiossincráticos, mas sim uma coordenação epistemológico de cada quos enfo-, exemplificada através de referências representação tiva de seus princípios orientadores. Uma vez que os numerosos 'estudos de caso' desprovidos de seqüelas teóricas foram descartados e os vários estilos epistemológicos do simbolismo se caracterizaram, é evidente que a organização de seu território tem conseqüências imediatas. Um deles diz respeito à fluidez com que as comparações conceituais podem ser estabelecidas ou variantes menores podem ser comparadas na interpretação dos mesmos fenômenos; Em um campo qualificado e parametrizado, as idéias podem ser comparadas produtivamente em sua relação com os respectivos paradigmas e contextos de significado, e coordenadas em seu devido nível de analiticidade.
O paradigma nos deve levar a trânsitar da realidade legítima e transparente de um símbolo para a elaboração de uma categoria que permita de avaliar e entender a dimensão antropologica do simbolo.
Falta aqui, como falta também no simbolismo antropológico constituído, todo o estoque muito rico de conhecimento. E não podemos ingenuamente reivindicar como simbólico qualquer texto antropológico, parágrafo ou alusão em que o símbolo apareça em algum momento como um termo explícito ou como um significado oculto.
Também é doloroso que essa antropologia simbólica reflita um estado de evolução teórica a que é realizada nos países ocidentais.
Como o objetivo deveriamos justificar sistematicamente o símbolo, e encontrar um 'paradigma', 'estratégia' ou 'abordagem', escolhidos para abordar o assunto a partir da antropologia. Afinal, a antropologia simbólica, é governada por um conjunto variado de 'paradigmas exemplares' (cf. Kuhn, 1970: 272), aplicados a diferentes planos analíticos,qualificados como
1) emico
2) ética,
3) idiográfica
3) nomotética,
4) relativista
5) universalista,
Mas o que sabemos é que Paradigmas exemplares, sáo usados como grelhas ou 'modelos', que se ajustam e repetem de facto o mesmo modelo é aplicado aos eventos da vida simbólica e a interpretação cultural.
Consistente com esta premissa, que traduzem a realidade cultural e os artefatos da cultura simbólicao podemos analisar, os sistemas africanos de adivinhação como também os símbolos da cultura angolana.
A antropologia simbólica recolhe o produto da colecta de dados etnográficos como uma entrada principal para a teorização: portanto a realidade etnográfica, do trabalho de campo prevalecem na antropologia.
Um elemento importante é o uso da metáfora como um mediador entre os símbolos e o pensamento analógico. Em outras palavras, devemos identificar campos paradigmáticos que garantem a possibilidade de converter o dado etnográfico numa síntese antropológica representativa que possa servir como paradigma. Há portanto que considerar a dicotomia, defendido por todos os antropólogos entre duas formas contraditórias de pensamento definido: proposicional e simbólicas.

Lévi-Strauss e o pensamento selvagem (1962)
Essas formas antagônicas de pensamento nascem, na antropologia, com Lévi-Strauss. Por ele cada um dos tipos de pensamento parecem qualificados exatamente ao contrário do que é comum no simbolismo moderno e esta sería uma característica de um pensamento pré-lógico, e selvagem, ou pelo menos etnográfico.

 

Quinta Lição dia 13 de Abril: Durkheim e Lévi-Strauss

O que a antropologia deve a Durkheim

Na Sorbonne em 1960, Lévi-Strauss  presta homenagem ao fundador da escola sociológica francesa saudando a sua conversão para a antropologia feita seu livro de 1912, As formas elementares da vida religiosa.  Lévi-Strauss atribui À fundação do L’Année Sociologique  o repentino interesse de Durkheim

por tal ciência. Nas resenhas que publicou nesse periódico, do qual foi o fundador, Durkheim se deu como tarefa comentar e criticar o que aparecia no mundo como literatura sociológica. Desse modo, passou a inteirar-se sistematicamente do que faziam e observavam os etnógrafos. "de campo", tais como Boas, Spencer e Gillen, Cushing etc.

Ao aceder diretamente às fontes, Durkheim teria feito, segundo Lévi-Strauss, uma importante descoberta: voltando-se para os dados particulares da observação direta, abandonando os simples compiladores como Tylor e Wundt, a antropologia durkheimiana pôde libertar-se das pretensões histórico-filosóficas, que faziam dos fatos meras ilustrações de hipóteses especulativas e ganha autonomia como uma nova ciência experimental.

Talvez a noção de etnologia então abraçada por Lévi-Strauss hoje já nos pareça um tanto antiquada: "espécie de inventário humanista de todas as formas de expressão suscetíveis de serem adotadas pela

natureza humana". No entanto, para além de seu valor humanístico, Lévi-Strauss imputa à etnologia um valor heurístico no campo das ciências sociais, ao mesmo tempo muito próximo e bastante crítico

àquele expressado por Durkheim. Ao assumir em 1951 a cadeira de Religiões dos povos não civilizados,  fundada em 1888 na Ecole Pratique des Hautes Études, e que fora de Léon Marillier, Marcel Mauss e Maurice Leenhardt, Lévi-Strauss lhe muda o nome para Religiões comparadas dos povos sem escrita.  Naquele contexto de descolonização, em que os "ouvintes do ultramar" começavam a discordar das interpretações de Lévi-Strauss e seus alunos, essa mudança não foi inocente: sensível aos novos tempos, tornara-se impossível cultivar a colaboração dos não europeus mantendo o suposto de que as religiões em estudo eram praticadas por povos "não civilizados".

Lévi-Strauss considerou o epíteto "sem escrita" valorativamente mais neutro, além de acrescentar

uma estabilidade relativa ao objeto que o deixava mais próprio à pesquisa experimental. Foi nesse quadro institucional e ideológico francês de meados dos anos 1950 que Lévi-Strauss experimentou métodos de análise das representações míticas e das práticas religiosas antes de migrar, nas décadas seguintes, para a construção sistemática de seu modelo estrutural.

São os escritos desse período que nos permitem, então, perceber com mais clareza o que as suas interpretações sobre as religiões ditas primitivas devem (ou não) a Durkheim. O ensejo deste artigo será, portanto, em parte, o de examinar se e como Lévi-Strauss reportou-se ao modelo durkheimiano das religiões ditas primitivas e quais desdobramentos particulares imprimiu a esse legado. Demonstraremos a centralidade de determinado conceito de representação  nessa teoria do simbólico, de viés cognitivista, e examinaremos, à luz das perspectivas atuais, as suas limitações para a compreensão.

Paradoxalmente, é no decorrer de seu acrimonioso debate com Georges Gurvitch em torno do conceito de estrutura que Lévi-Strauss se alinha como herdeiro da escola sociológica francesa. Para Lévi-Strauss a contribuição central de As formas elementares da vida religiosa  é ter mantido claramente a distinção metodológica entre estrutura social e estrutura mental. O que  interessa a Lévi-Strauss, é a ideia de "categorias de pensamento", tal como aparecem no

estudo durkheimiano sobre o totemismo. Voltemos, pois, o nosso olhar para a obra clássica de E. Durkheim, As formas elementares da vida religiosa,  para retomarmos o modo como o tema da religião está associado, nesse autor, à noção de representação.

 

 

As formas elementares da vida religiosa (1912) é uma obra que pretende colocar o fato religioso em bases teóricas distintas do evolucionismo, é um verdadeiro mapa do pensamento do século XIX relativo ao estatuto da religião em suas relações com a filosofia e a teoria do conhecimento.

Durkheim toma o totemismo como uma forma elementar de religião que, pela sua simplicidade, permitiria acessar o fundamento de toda configuração religiosa como um modo de conhecimento sistemático do mundo a partir de sua divisão nas categorias sagrado e profano, formas primeiras e universais de "representação".

O totemismo também é estratégico para a tese durkheimiana de que as categorias de pensamento não são dadas apriori,  isto é, não são anteriores à experiência nem imanentes ao espírito. Durkheim dá especial atenção aos processos de simbolização, colocando a noção de "representações coletivas" no centro de sua teoria do conhecimento. O primeiro sistema de representações que o homem teria construído para si seria religioso.

Desse modo, segundo Durkheim, as "crenças religiosas" nada têm que ver com a ideia de deus ou de vida eterna, mas diriam respeito a uma representação  do mundo que tem, universalmente, um caráter dual e oposto.

 O totemismo, é uma religião sem deus, pois o pensamento religioso em toda parte é o de representar o mundo "em dois domínios, um que compreende tudo o que é sagrado, e outro que compreende tudo que é profano” Nesse sentido, crenças, mitos, lendas etc. seriam "sistemas de representações" que expressam a natureza das coisas sagradas, as suas virtudes, os poderes que lhes são atribuídos e as suas relações com as coisas profanas. Sagrado e profano são categorias de pensamento que, na teoria durkheimiana, classificam o universo conhecido e cognoscível em "dois géneros que compreendem tudo o que existe". Essa polaridade antitética, pilar que sustenta qualquer classificação do real, divide o mundo em dois domínios heterogéneos e separados, mas que podem se comunicar, desde que regras disciplinadoras desse contato sejam respeitadas.  Por meio das crenças, a sociedade define a qualidade das coisas sagradas, e, pelo rito, define institucionalmente as modalidades autorizadas de atitudes do homem diante do sagrado.

 Os símbolos lógicos são construídos pelo homem, que toma como modelo a vida coletiva. As classificações são sistemas cujas partes estão dispostas em ordem hierárquica de género e espécie, categorias estas que o homem emprestou de seu modo de agrupar a vida social em mvila, kanda e família.

 As crenças designam as coisas sagradas e as conectam mediante relações de subordinação, equivalência, hierarquia, oposição etc. Ao experimentar essas relações na vivência social, o homem se vê pela primeira vez capaz de conceber e operar categorias abstractas. As categorias mentais, tais como tempo, espaço, género etc, são para Durkheim a "ossatura da inteligência". E essas categorias "nasceram da e na religião, são produto do pensamento religioso".

O conceito de "formas elementares" nos remete a duas ordens de realidade distintas, embora conectadas: o mundo das representações coletivas, que se desenvolve no plano das relações sociais e diz respeito aos conteúdos das coisas sagradas, e o das categorias de entendimento, que se desenvolve no plano da mente humana. Durkheim não tem dúvidas quanto ao modo universal de operação dessas categorias, entendidas como "um quadro abstracto e impessoal que envolve não apenas a nossa existência individual, mas a da humanidade”

 

Sesta Lição dia 20 de Abril:

Antropologia Simbólica de Geertz

 

A noção de símbolo representa a essência e a idéia portante da antropologia Clifford Geertz. Lamentando a falta de interesse pelas ciências sociais para o estudo dos significados e sua impermeabilidade à obra de filósofos como Peirce, Wittgenstein, Cassirer, Ryle, ou Morris, ou críticos literários como Coleridge, Eliot, Burke, Empson, Blackmur, Brooks ou Auerbach, Geertz coloca o centro de seu esforço intelectual no desenvolvimento daquilo que Kenneth Burke chamou de 'ciência da ação simbólica' (Geertz, 1973, pp. 263-64). Esta disciplina trata do estudo dos símbolosque permitem aos indivíduos e grupos de viver, de comunicar, de mudar, refunzionalizando continuamente símbolos. Geertz parte duma síntese dos argumentos e conceitos extraídos de diferentes fontes - fenomenologia hermenêutica, a filosofia analítica, sociologia , crítica literária, filosofia pós-empirista - e desenvolveu, neste modo, uma 'fenomenologia científica da cultura 'com base na análise das maneiras em que a estrutura de significado que enquadram a experiência são implementadas por membros de uma sociedade particular num dado momento histórico particular.

Max Weber

Base da unidade de análise é o conceito de comportamento significativo, compreendido e motivado e definido por Max Weber.
Segundo Weber, 'o objetivo da sociologia não é considerar o ' estado interno 'ou o comportamento externo, mas a ação. 'Agir', apesar do facto que se trata sempre de um comportamento inteligível em face a certos factos sociais totais portanto é um comportamento específico em base a um sentido (subjetivo) 'possuído' ou 'intencionado' , também sendo mais ou menos despercebido '(Weber, 1922, p.224).

Analise simbólica do facto social

A necessidade de enquadramento metodológico convida a analisar o comportamento do agente e a considerar o comportamento significativo, referindo-o aos objetivos e valores em que o ator social baseia as suas ações: a interpretação antropológica define a sua especificidade em dirigir a análise dos sistemas simbólicos 'respeito aos atores '(Geertz, 1973, p.52). Baseado na síntese de Schutz e influencia por Scheler, Weber e Husserl, James, G.H. Mead e Dewey, Geertz se apropria do postulado da ‘interpretação subjetiva' para atender à necessidade analítica e para entender a o significado que a ação possui para o agente social (Geertz, 1973, p. 342). Retomando o discurso dos atributos (Habermas, Weber e Parsons) caracterizado pela qualidade do método de análise científica do comportamento humano, mediado pelo mundo da vida social (Habermas, 1980, pp. 63-64), a 'semântica' geertziana articula o conceito de Dilthey «Auslegung», o que significa que a interpretação no sentido da exegese textual, com a de Verstehen, a interpretação no sentido de compreensão da intensão que uma pessoa tem, com base em sinais através dos quais a vida psíquica é expressa. A exegese de Geertz faz o caminho inverso em relação a Dilthey, indo a partir da objetificação das forças da vida até as conexões psíquicas. A suposição de Geertz é que o acesso ao outro só pode ocorrer por meio dos seus significados, objetivados nos discursos dos atores que vivem numa determinada forma de vida: a sua análise etnográfica é baseada nas acções do ator, na relação entre 'ação e os significados, que o seu professor Parsons chamou de' sistema cultural '(Parsons, 1951).

A imposição social

Reinterpretando em termos holísticos a regra que define a antropologia enquanto ciência, sistematizando exortação  de Malinowski de 'entender o ponto de vista nativo' (Malinowski, 1922, p. 25), Geertz se apresenta como um problema central de ' análise antropológica a compreensão do modo como os atores sociais pensam, sentem e percebem. Ele visa à análise dos significados subjetivos que constituem as ações dos indivíduos no mundo social e considera a ação humana a partir de descrições intencionais e das formas pelas quais os agentes interpretam o significado de seu comportamento. A ação - de acordo Geertz - não tem significado direto assume um significado simbólico, tornando-se símbolo significativo devido às atividades humanas ', o significado não é inerente a objetos, ações ou outros procedimentos que possuem, mas - como apontou Durkheim, Weber e muitos outros - é imposto sobre eles; e, portanto, a explicação de suas propriedades deve ser encontrada naquilo que a impõe - nos homens que vivem na sociedade '(Geertz, 1973, pp. 389-90). Pela partilha de cargos que compõem a sociologia e a tradição ser feita a partir da hermenêutica, Geertz considera a interpretação como uma categoria ontológica: a condição humana é uma circunstância hermenêutica que se define numa interpretação uniforme dos atos próprios e os dos outros (Geertz, 1973, p. 424).

Verstehen = compreender a rede simbólica de significados

O uso do conceito de Verstehen por Geertz indica um processo complexo pelo qual o homem interpreta o significado de suas ações e daqueles que interagem com ele. Serve para analisar o ponto de vista do ator, colocando a ação em relação à configuração de ideais, atitudes e valores nos quais se baseia. O sentido subjetivo é simbólico e é Verstehen ou seja compreensão da rede simbólica complexa que fornece significado à existência humana: " a nossa analise se concentra nos significados, nas formas em que os balineses (ou qualquer outra pessoa) dão a uma sensação que eles provam [ ...] e isto os coloca dentro de estruturas maiores de significado, estas estruturas são estáveis, mais amplas de significado, organizando as acções e os valores que vivem dentro deles '(Geertz, 1983 pp 226-27).

Descrição densa = reconstruir os níveis de significado que não aparecem

Este aspecto da Verstehen, é ligado com um termo definido por G. Ryle (1949) descrição densa, 'Descrição densa’, que convida à reconstrução dos níveis de significado que não aparecem explícitamente nos agentes, e na multiplicidade das estruturas complexas conceptuais que informam a realidade. A descrição densa são 'versões do mundo' e outras 'formas de vida', ou 'sistemas abstratos’ eventos sociais, comportamentos, instituições, processos. A regra metodológica requer que a analise se oriente em relação aos atores, levando em consideração o seu 'ponto de vista' e reconstruindo os níveis de cultura nos quais eles baseiam os seus significados. De tal modo que remetem à comparação de comportamento e ação de Weber, Geertz explicou o significado da análise etnográfica 'densa' ao comparar tiques involuntários e piscadelas: os primeiros são comportamentos simples irreflexos, enquanto os últimos são comportamentos significativos, este é o objeto específico da etnografia (Geertz, 1983, pp. 42-43).

Acção - agente - símbolo

Para o observador externo, os dois tipos de ação não diferem. Mas assumem o significado apenas contextualmente, referindo-se às perspectivas do agente e inserindo a ação no seu contexto, e na sua forma de vida. Como Ricoeur afirma, depois de mencionar explicitamente a interpretação geertziana do conceito de 'descrição densa', é apenas em função de uma certa convenção simbólica que podemos interpretar o significado de uma determinada ação: o mesmo gesto de levantar o braço pode, dependendo contexto, ser entendido como uma maneira de cumprimentar, chamar um táxi, votar (Ricoeur, 1977, p. 99) ou mandar vir…
A perspectiva é essencialmente linguística e comunicativa. O significado cultivado subjetivamente só pode ser expresso em símbolos: a linguagem que falamos ou, melhor, que fala através de nós (Wittgenstein, 1953) torna-se 'o meio' para a compreensão dos horizontes da cultura outra. Geertz recolhe a sugestão de Ricoeur para se voltar à linguagem como ela é concebida pela filosofia analítica, examinando 'o que é dito quando compreendemos de forma abrangente o que fazemos, por que fazemos, o que nos motiva a agir assim, como e com que meios isso é feito e em vista do que '(Ricoeur, 1983, pp. 37-38). Na análise linguística, segundo Ricoeur, podemos apreender 'o signo em que o homem' diz ou faz
'(Ricoeur, 1983, p.38), o índice de uma experiência se encontra nos enunciados que expressam a estrutura.

Compreender a partir do ponto de vista do nativo

Assim, a abordagem geertiana se opõe às reduções dualistas, ao reducionismo e aos fundacionalismos que postulam realidades internas ao sujeito como antecedentes mentais ou causas finais da ação. A passagem pela expressão linguística nos permite confiar na expressão pública da ação, na objetivação da experiência no discurso, no estudo das formas disponíveis para a observação exterior e para a reflexão sobre o significado. O entendimento é assim 'despsicologizado' (Ricoeur, 1979, p.83): entendimento não significa referir-se às intenções do autor, por meio de relações empáticas ou identificações emocionais. Em vez disso, de acordo com Geertz, a intenção do autor está no mesmo texto ou na mesma ação. Esse princípio, que Ricoeur chama de 'atomização da ação', concebe a compreensão da vida psíquica por meio dos signos, dos 'traços' externos e públicos que o sujeito deixa para trás.

O trabalho do antropólogo

Também se refere à dimensão social e pública do pensamento como 'tráfico de símbolos significantes' (Geertz, 1983, p.87). O conceito geertziano de trabalho antropológico subtrai a identificação do Verstehen, excluindo a possibilidade da epoché (Husserl), ou reduções fenomenológicas . Abrir-se à alteridade não significa uma neutralidade objetiva, nem um esquecimento de si mesmo baseado na objetividade do método. Uma identificação total é impraticável, tanto para a alteridade necessária que deve distinguir entre discursos antropológicos e nativos, como também porque os antropólogos são ontologicamente baseados na sua cultura e conhecimento (Geertz, 1973, pp. 73-97; Malighetti, 2008, pp. 64-74).

Concepção da cultura

Para uma ciência empírica das idéias Segundo Geertz a principal fonte de confusão empática dentro da tradição antropológica é a concepção 'cognitivista' que vê a cultura como composta de estruturas psicológicas através das quais indivíduos ou grupos de indivíduos orientam o seu comportamento. De acordo com essa concepção, o elemento intencional e, portanto, significativo do comportamento, seria considerado como uma idéia, algo antecedente à ação a ser traçada de volta   em volta casualmente (Geertz, 1973, p.48). Essa hipótese tem suas origens no dualismo cartesiano que divide a vida humana em uma parte física e, portanto, observável como qualquer outro processo físico, e em uma parte mental, que causa a primeira, mas que é inacessível à observação. De acordo com o que Ryle chamou de 'a lenda dos dois mundos', fazer ou dizer algo significativo, implicaria em fazer duas coisas, isto é, considerar algumas proposições apropriadas e depois colocá-las em prática.

Entrar na mente do outro

Nessa perspectiva, o entendimento se identificaria com 'uma ampla gama de leituras mentais' (Geertz, 1973, p.52): a mente dos outros, como antecedente causal do comportamento, seria conhecida apenas por inferências extraídas do comportamento observadas num corpo cujos motivos constituiriam sinais de certos estados mentais por analogia com o que sabemos sobre nós mesmos. No Ryle crítico, as posições dos partidários do 'Lenda da vida dupla' são reduzidos a um 'erro de categoria', que estabelece uma analogia causadora improvável entre os acontecimentos da vida mental e os factos mecânicos, acreditando que a compreensão envolve a inferência além da meccanica do que é visto ao que acontece na mente do ator, 'um pouco 'como pelos movimentos dos sinais num entrocamento da ferrovia infere-se a partir das trocas dos carris as manovras que o operador esta fazendo’ (Ryle, 1949, p. 11). É impossivel inspecionar uma mente pois navegamos na ignorância das leis que governam os pensamentos da mente e sua relação com os movimentos corporais, não sujeitos às leis conhecidas da física ou às psicológicas ainda a serem descobertas (Ryle, 1949, p.41). Se é permissível ver aquilo que um corpo faz, não se pode inferir nada acerca de uma mente: qualquer alegação que deduz o pensamento a partir das obras é injustificada. Além disso, não só é impossível confirmar a semelhança com a observação da relação entre movimentos dos dois corpos e os pensamentos das respectivas mentes, mas também é bastante difícil de escapar do solipsismo 'a alma não pode escapar de uma absoluta solidão: apenas os corpos se encontram '(Ryle, 1949, p.8).

Mas o que é a mente?

Com base nisso, Geertz considera a mente não como o ponto oculto e privado de Arquimedes, a partir do qual explicar o comportamento. Em vez disso, a define como 'uma classe de habilidades, inclinações, habilidades, tendências, hábitos'. Referindo-se a Dewey, Geertz refere-se a ela como a um «fundo ativo e atento à espera das percepções que os fenomenos imprimem nela». Como tal, não é uma ação nem uma coisa, mas um 'sistema organizado de provisões que encontram sua manifestação em certas ações e coisas' (Geertz, 1973, p.103). Citando as palavras de Ryle, Geertz argumenta que a mente não é um 'lugar onde você trabalha ou joga, 'nem' de outra pessoa que trabalha ou brincadeiras por trás de uma teia impenetrável' ou 'outra ferramenta com a qual você trabalho ou um meio de brincar '(Ryle, 1949, p.47, citado por Geertz, 1973, p.99). Em vez disso, identifica o 'tabuleiro de xadrez, o anfiteatro, a mesa, a cadeira, o painel de instrumentos, o estudo, o campo de futebol,' como lugares onde 'as pessoas trabalham e jogam tão estúpidamente ou inteligentemente’ (Geertz, 1973, p.99). Falar da mente ou dos atributos mentais de uma pessoa não significa referir-se a uma loja que aceita objetos excluídos do mundo chamados 'físicos': ela inclui, em vez disso, o que a pessoa conhece, cuida e está sujeita a fazer no mundo comum.

Acção simbólica

Dizer algo de forma significativa de uma forma consciente não envolve, portanto, fazer um pouco de teoria e um pouco de prática, dizendo em voz alta ou mentalmente algo determinado por “algum outro movimento oculto”. Isso significa que, ao contrário, 'fazer uma coisa numa determinada maneira e com alguma atitude', não por acaso, mas voluntariamente 'com um método, com cuidado e ficando alerta' (Ryle, 1949, pp. 249-50 ). O exercício das qualidades mentais não se refere a episódios ocultos, ações sombrias, vistas como um preâmbulo das manifestações 'públicas', que ocorrem 'na mente'. Em vez disso, indica provisões que são exercidas pela observação de cânones e critérios. Seu desenvolvimento pode ser indiferentemente aberto ou coberto, pode consistir de ações executadas ou imaginadas, em palavras pronunciadas ou ditas apenas para si mesmas (Ryle, 1949, p.37). A esse respeito, Geertz enfatiza que pensar não é um ato oculto mas é uma capacidade derivada. No entanto pensar é um assunto privado: antes de tudo é um ato aberto realizado com os materiais da cultura comum como evidenciado pela forma como aprendemos a lidar ou lendo mentalmente, habilidades mais sofisticadas e complexas daquelas que se somam com papel e lápis ou lendo em voz alta (Geertz, 1973, p. 124). A análise do fator intencional é fundamentada por Geertz sobre a consideração do pensamento como atividade pública e intersubjetiva. Geertz argumenta que o pensamento consiste na construção e manipulação de sistemas simbólicos, não acontecimentos fantasmagóricos.

 

Sétima Lição dia 27 de Abril: a interpretação

A interpretação Simbólica

A interpretação simbólica dos actores sociais

Geertz Identifica o pensamento no que foi definido por G.H. Mead, um 'tráfego de símbolos significativos' (Geertz, 1973, p. 87), o uso, ou seja, de elementos enraizados em contextos de comunicação, práticas e formas de vida interpessoal que podem ser encontrados na experiência e que servem para dar-lhe significado: 'língua, arte, mito, teoria, ritual, tecnologia, direito e aquele conjunto de princípios, receitas, preconceitos e histórias plausíveis que os vaidosos chamam de senso comum '(Geertz, 1983, pp. 193-94). A partir desta perspectiva Geertz, seguindo os ensinamentos de Parsons e articulando a concepção weberiana da ação significativa, a pesquisa fenomenológica de Schutz e as concepções de Wittgenstein sobre o comportamento em conformidade com as regras, considera a própria intersubjetividade no coração da subjetividade humana e critica o que, Husserl chamou de ' teorias sobre a confidencialidade de significado' (Geertz, 1973, p. 390). Para Geertz, simbolizar não é uma operação espiritual ou psicológica. O significado compreendido subjetivamente é dado apenas pelo uso, nas conexões simbólicas e nos esquemas sociais do símbolo. Isso depende de uma praxe social pública, incorporada na ação e descodificada a partir da própria ação através dos actores que compõem o protocole social.

Analise antropológica do simbólico

A análise cultural não implica, portanto, 'a abandonar a análise social para uma caverna platônica de sombras, entrando em um mundo iper-uráneo da psicologia introspectiva ou, pior, da filosofia especulativa e vaguear para sempre numa neblina de' Cognição' sentimentos ',' tentativas 'e outras entidades fugazes' (Geertz, 1973, p.142). Opondo-se à 'lenda dos dois mundos' significa deixar a idéia de que há 'uma porta trancada com a chave ainda a ser descoberta'. As demonstrações a serem analisadas e as únicas que podem ser consideradas 'mentais' são ações e reações humanas, o que o homem diz, com um tom de voz ou gestos. Sem negar que a caracterização do comportamento humano por meio de predicados mentais na verdade vai além da aparência perceptível, este é ultrapassado, no entanto, não implica uma referência a causas ocultas subtraídas á pesquisa: significa, ao contrário, considerar as habilidades e propensões de quem age cumprindo a acção. Ao identificar o mental em algo totalmente observável, não atribuível às ações do indivíduo por si mesmo, mas às suas habilidades e aptidões, como também às suas disposições em cumprir certos tipos de ações e produzir certos tipos de resultados (Geertz, 1973, p. 104 ), Geertz faz desta forma o estudo do significado de um fato empírico: a construção, a aprendizagem e o uso de formas simbólicas são 'acontecimentos públicos sociais como o casamento e observáveis como a agricultura '(Geertz, 1973, p. 142). As mesmas idéias não são, segundo Geertz, 'coisas mentais não observáveis' (Geertz, 1980, p.135). Pelo contrário, são 'significados veiculados' e, portanto, 'visíveis, audíveis e ... pegáveis' (Geertz, 1983, p.152). Eles são, portanto, 'públicos' (Geertz, 1983, p 152). 'Acessíveis plenamente à explicação aberta e corrigível ' (Geertz, 1980, p 135). Da mesma maneira - Geertz diz - que 'o peso atômico do hidrogênio e função das glândulas supra-renais são compreensível através de' uma investigação empírica sistemática '(Geertz, 1983, página 152).
Ao fundir a análise cultural e social na semiótica, Geertz transformou antropologia em 'uma ciência tão positiva quanto qualquer outra' (Geertz, 1973, p.328). Os significados das motivações, das intenções, expressos simbolicamente, ainda que vagas e elusivos, são compreendidos através de uma 'ciência empírica das idéias' Geertz, 1980, p. 135). O estudo do pensamento se torna o que Joseph Levenson (Geertz, 1973, p.390) chamou de 'estudo dos homens que pensam'. Isso não acontece em algum lugar secreto, mas no mesmo lugar onde os homens fazem tudo o restante, verificando 'na carteira do aluno ou no campo de futebol, no gabinete do artista ou no bancal do mecánico, no tabuleiro de xadrez ou na mesa do juiz '(Geertz, 1973, pp. 132-33).

Compreender o dado etnográfico

Embora o princípio geertziano da interpretação objetiva afirme que os conceitos e os modelos empregues pelo antropólogo deveriam basear-se nas maneiras em que os indivíduos interpretam as suas acções e as dos outros, não limita, no entanto, a compreensão das perspectivas dos atores sociais. Pelo contrário, Geertz acredita que as interpretações antropológicas, por sua natureza, são diferentes dos relatos dos informantes, baseando o seu poder nesta alteridade culltural 'o etnógrafo não percebe - e nem pode perceber - o que percebem os seus informantes. Aquilo que ele percebe, e de certa maneira bastante incerto, é o que eles percebem 'com' - ou 'por meio de' ou 'através', ou qualquer seja o termo '(Geertz, 1983, p 74).

A interpretação do antropólogo

O principal objectivo da antropologia é relacionar as interpretações dos nativos com as interpretações científicas, os 'conceitos mais perto da experiência' com os conceitos 'distantes' (Kohut, 1984), as categorias internas com categorias externas, as noções êmicas com as éticas, o discurso anormal com aquele normal (RORTY, 1979), o paradigma com o não-padrão (Kuhn, 1962). O 'truque', segundo Geertz, é colocar-se 'do ponto de vista dos nativos, tentando entender o que eles pensam que estão fazendo. No entanto, embora ninguém saiba disso melhor do que eles [...] em outro sentido, esse projectar-se no outro é falso. As pessoas usam conceitos mais perto da experiência, espontâneamente, inconscientemente e conversando, e reconhecendo apenas ocasionalmente e superficialmente que são conceitos envolvidos: 'Isto é o que significa perto da experiência - que as ideias e realidades que eles informam são indissoluvelmente e naturalmente ligadas entre si '(Geertz, 1983, pp. 74-75)

A interpretação do nativo

O compreender não consiste simplesmente em colocar 'o ponto de vista do nativo' em uma pretensão romântica de igualdade, ou numa linguagem neutra e imediata. O texto cultural não existe antes da sua interpretação, ditado pelos informantes perfeitamente instruidos, 'em virtude do conhecimento especial ou habilidades, autoridade e qualidade do intelecto ou o caráter' (Casagrande, 1960, p. 9) e, em seguida, explicado e contextualizado, num segundo momento, pelos etnógrafos. Não só o 'ponto de vista nativo' representa uma perspectiva específica, necessariamente parcial, de indivíduos que interpretam em termos originais a sua própria cultura e entram e dialogam com suas peculiaridades, num limitado conhecimento relacionado à história pessoal, sexo, idade e status. Antes de tudo, as suas palavras são sempre mediadas. O que os nativos dizem não são verdades culturais, simples explicações de conceitos presentes na sua mente, mas respostas detalhadas às perguntas de etnógrafos presentes no campo, os resultados da interação entre as questões do antropólogo e os modelos culturais informantes. Uma vez que os nativos são construídos como informantes, a sua voz já é escrita pela compreensão e pela escrita antropológica. Os dados antropológicos são, de fato, complexos e articulados, 'construção de construções '' interpretações de interpretações' (Geertz, 1973, pp. 52-53), que consistem na textualização do que, de acordo com as palavras de Sperber (Sperber, 1982 , p.26), o etnógrafo registrou, daquilo que ele foi capaz de entender, daquilo que os seus informantes quiseram e souberam dizer a partir do que tinham percebido.

A interpretação do texto

A imersão analítica no mundo privado dos informantes é científica na medida em que consegue traduzir a linguagem privada dos nativos para a linguagem pública e especializada da antropologia. Esta operação implica sempre uma diferença irremediável entre a letra original da expressão e a sua reprodução (Gadamer, 1965, p 442.): Origina um abismo entre dois horizontes diferentes e é marcada pela incapacidade do antropólogo de entrar e participar da outra cultura (Quine, 1960; Khun, 1962; Feyerabend, 1975). A força da interpretação está na lacuna que permite ao analista construir significado. Dispersar a autoridade etnográfica entre os informantes significa - de acordo Geertz - negar um estatuto de disciplina científica específica à antropologia: 'Isto significa que as descrições de cultura kimbundo, bakongo ou tutchokwe deve ser expressa em termos dessas interpretações que pensamos que os Bakongo, o Kwanhama ou Ganguela dão ao que eles vivem, às fórmulas que usam para definir o que lhes acontece. Isso não significa que essas descrições sejam elas próprias kwanhamas, guanguels ou umbundu; isto é, parte da realidade que eles estão claramente descrevendo. Elas são antropológicas: isto é, parte de um sistema de análise científica em desenvolvimento '(Geertz, 1973, pp. 52-53). A dinâmica simbólica identifica o trabalho do etnógrafo em encontrar recursos na sua própria língua, na sua própria cultura para compreender os fenômenos por ele incompreensíveis sem que ele os carregue dos seus próprios preconceitos sobre eles. A abordagem geertziana precisa evitar, de conjugar a etnografia com a maneira de apresentar-se dos fenômenos que estuda 'aprisionado em seus horizontes mentais' e limitada à representação das concepções nativas ', uma etnografia da feitiçaria escrita por um feiticeiro '. Doutro lado exige-se de não projetar a própria imaginação científica unilateralmente 'uma etnografia da feitiçaria escrit por um engenheiro ' (Geertz, 1983, p. 57). Como Heidegger (1927) e Gadamer (1965) mostraram, o entendimento não consiste simplesmente em completar as antecipações de alguém. Baseia-se, em vez disso, em um retorno contínuo às coisas: a interpretação de um texto envolve a revisão contínua do projeto preliminarmente esboçado baseado-se naquilo que resulta da ulteior penetração do texto ». Esta constante renovação do projeto constitui o movimento da compreensão e interpretação.

Oitava Lição dia 4 de Maio: o círculo hermenéutico

Compreender e interpretar

Compreender e interpretar

Esta constante renovação do projeto constitui o movimento de compreensão e interpretação. Evitando erros derivados de pré-suposições confirma que o entendimento consiste na elaboração e articulação de anticipações que podem ser validadas somente em relação às 'coisas em si': o intérprete tem acesso ao texto não permanecendo 'No quadro dos preconceitos presentes nele', mas deve colocar à prova a legitimidade, a origem e a validade, dos seus próprios pré-entendimentos (Gadamer, 1965, pp. 313-14). A partir desta perspectiva, o método interpretativo inaugurado por Geertz é baseado nas interpretações exige que o antropólogo se coloque numa relação dialética com as suas pré-concepções formas de vida que procura compreender. Concebe a elaboração teórica como um processo dinâmico e aberto, que produz sempre novos projetos e sempre novas 'acomodações' para a realidade, instrumentalizando e reformulando os modelos teóricos de partida, elementos constitutivos do horizonte a partir dos quais o antropólogo interpreta a realidade e a linguagem com a qual dar significado ao mundo.

Círculo hermenéutico

Em seu aspecto construtivo, o círculo hermenêutico implica uma relação dialética entre a teoria e seus referentes, ligando os pontos de vista do antropólogo e os do informante. Na situação interpretativa há um vínculo de 'co-pertencimento' que liga o intérprete e o que ele interpreta: os sujeitos se tornam reciprocamente objetos um para do outro. Cada pessoa interpreta, dentro de sua própria cultura e o objeto adquire sentido dentro do seu ambiente cultural. Na operação cognitiva - considerada de um ponto de vista metodológico - o sujeito carrega-se a si mesmo e, por sua vez, deixa-se objectivar. Não podemos dividir o mundo em 'objetos' e 'sujeitos' que existem separadamente, 'as coisas em si' podem ser entendidas ao perceber que seu significado as transcende e aparece através de nosso entendimento. E não podemos nos entender como 'sujeitos' se não entendermos que somos sempre formados pela nossa experiência, nossa história e nossa cultura. Desse modo, Geertz se apropria da perspectiva hermenêutica, acreditando que o ser e a coisa, antes de qualquer contraposição objetivante de sujeito e objeto, estão ligados pelo evento histórico da pré-compreensão. As interpretações do antropólogo e dos nativos misturam-se e apelam uma para outra: não se podem ser entendidas independentemente uma da outra.
Estar aberto às opiniões dos outros implica que estas estão situadas dentro dos próprios sistemas de apreciações: não 'transposições entre almas ' mas uma fusão de horizontes produtivos de um levantar-se a uma universalidade maior, que não só vai além das próprias peculiaridades, mas também da do outro '(Gadamer, 1965, pp. 355-56).

Elaborar conceitos

Esta constante renovação do projeto constitui o movimento de compreensão e interpretação. Evitando erros derivados de pré-suposições confirma que o entendimento consiste na elaboração e articulação de anticipações que podem ser validadas somente em relação às 'coisas em si': o intérprete tem acesso ao texto não permanecendo 'No quadro dos preconceitos presentes nele', mas deve colocar à prova a legitimidade, a origem e a validade, dos seus próprios pré-entendimentos (Gadamer, 1965, pp. 313-14). A partir desta perspectiva, o método interpretativo inaugurado por Geertz é baseado nas interpretações exige que o antropólogo se coloque numa relação dialética com as suas pré-concepções formas de vida que procura compreender. Concebe a elaboração teórica como um processo dinâmico e aberto, que produz sempre novos projetos e sempre novas 'acomodações' para a realidade, instrumentalizando e reformulando os modelos teóricos de partida, elementos constitutivos do horizonte a partir dos quais o antropólogo interpreta a realidade e a linguagem com a qual dar significado ao mundo.

Círculo hermenéutico

Em seu aspecto construtivo, o círculo hermenêutico implica uma relação dialética entre a teoria e seus referentes, ligando os pontos de vista do antropólogo e os do informante. Na situação interpretativa há um vínculo de 'co-pertencimento' que liga o intérprete e o que ele interpreta: os sujeitos se tornam reciprocamente objetos um para do outro. Cada pessoa interpreta, dentro de sua própria cultura e o objeto adquire sentido dentro do seu ambiente cultural. Na operação cognitiva - considerada de um ponto de vista metodológico - o sujeito carrega-se a si mesmo e, por sua vez, deixa-se objectivar. Não podemos dividir o mundo em 'objetos' e 'sujeitos' que existem separadamente, 'as coisas em si' podem ser entendidas ao perceber que seu significado as transcende e aparece através de nosso entendimento. E não podemos nos entender como 'sujeitos' se não entendermos que somos sempre formados pela nossa experiência, nossa história e nossa cultura. Desse modo, Geertz se apropria da perspectiva hermenêutica, acreditando que o ser e a coisa, antes de qualquer contraposição objetivante de sujeito e objeto, estão ligados pelo evento histórico da pré-compreensão. As interpretações do antropólogo e dos nativos misturam-se e apelam uma para outra: não se podem ser entendidas independentemente uma da outra.
Estar aberto às opiniões dos outros implica que estas estão situadas dentro dos próprios sistemas de apreciações: não 'transposições entre almas ' mas uma fusão de horizontes produtivos de um levantar-se a uma universalidade maior, que não só vai além das próprias peculiaridades, mas também da do outro '(Gadamer, 1965, pp. 355-56).

A circularidade

O ideal da circularidade entre a antecipação de significado e o entendimento baseia explicitamente no exame de pré-concepções e convida a representar a realidade social do Outro através da análise da sua própria experiência no seu mundo e considera a prática etnográfica, como prática social como parte da análise, e o trabalho de elaboração textual (Malighetti, 1991, 2000, 2004). Também exibe a natureza auto-referencial e reflexiva da antropologia, sublinhando que o acesso ao Outro é sempre mediado pela sua ontologia, a partir de sua participação a uma comunidade linguística (Ricoeur, 1965, 1977) e histórica (Gadamer, 1965). Neste sentido, o trabalho etnográfico é, sem duvida posicionado no ponto de vista do antropólogo (Malighetti, 1998), fundado em uma hierarquia discursiva e hegemonia epistemológica do Outro: o antropólogo não pode desistir de exercer a sua autoridade, que confere qualidade aos discursos, selecionando-os, e manifestando-os em textos que baseiam a sua função de autor (Geertz, 1988).
A aparente simetria no nível do diálogo é sempre subsumida por uma assimetria complexa: no nível etnográfico, a relação é inevitavelmente estratificada. A relação cognitiva entre o antropólogo e os nativos ocorre dentro das relações entre as línguas 'fracas' e as linguagens 'fortes' que governam o fluxo do conhecimento. O principal objetivo da etnografia é falar sobre algo para alguém. Embora o trabalho de campo seja uma interlocução entre primeira e segunda pessoas, os antropólogos devem escrever para terceiros (Fernandez, 1985): o projeto é determinado pela comunidade científica, o ponto de partida e a chegada da produção etnográfica.
Nessas perspectivas, Geertz colocou o problema da 'fixação do significado' (Geertz, 1983, p.40) no centro da reflexão e da praxis etnográfica mostrando como a escrita coincide com o poder decisivo de sujeitar a palavra do Outro a uma série. de elaborações inerentes ao próprio projeto de antropologia: 'Aqui estão três características da descrição etnográfica; é interpretativo; o que ele interpreta é o fluxo do discurso social; e a interpretação inerente a ela consiste em salvar o 'dito' deste discurso das ocasiões evanescentes em que foi feito e fixá-lo em termos que permitam que seja lido '(Geertz, 1973, p. 59). O trabalho do etnógrafo é considerado sinônimo da atividade de inscrever (Ricoeur, 1965), transcrevendo os diferentes conteúdos dos discursos orais nas anotações feitas no campo e no texto final.

Elaboração do texto

A aparente simetria a nível do diálogo é sempre subsumida por uma assimetria complexa: a nível etnográfico, a relação é inevitavelmente estratificada. A relação cognitiva entre o antropólogo e os nativos ocorre dentro das relações entre as línguas 'fracas' e as linguagens 'fortes' que governam o fluxo do conhecimento. O principal objetivo da etnografia é falar sobre algo para alguém. Embora o trabalho de campo seja uma interlocução entre primeira e segunda pessoas, os antropólogos devem escrever para terceiros (Fernandez, 1985): o projeto é determinado pela comunidade científica, o ponto de partida e a chegada da produção etnográfica.
Nessas perspectivas, Geertz colocou o problema da 'fixação do significado' (Geertz, 1983, p.40) no centro da reflexão e da praxis etnográfica mostrando como a escrita (a produção de um texto) coincide com o poder decisivo de sujeitar a palavra do Outro a uma série. de elaborações inerentes ao próprio projeto de antropologia: 'Aqui estão três características da descrição etnográfica; é interpretativa; o que ele interpreta é o fluxo do discurso social; e a interpretação inerente a ela consiste em salvar o que foi 'dito' deste discurso das ocasiões evanescentes em que foi dito e fixá-lo em termos que permitam que seja lido '(Geertz, 1973, p. 59). O trabalho do etnógrafo é considerado sinônimo da atividade de inscrever (Ricoeur, 1965), transcrevendo os diferentes conteúdos dos discursos orais nas anotações feitas no campo e no texto final..

 

Nona Lição dia 25 de Maio: a cultura simbólica angola

O simbólico na cultura angolana

O processo de simbolização

Como definido acima, de fato, a cultura angolana é algo menos e algo mais do que entendido na definição bem conhecida e substancialmente compartilhada de Edward Bumett Tylor em Primitive Culture (1871): «Cultura, ou civilização, entendida em sua ampla sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moralidade, direito, costumes e qualquer outra capacidade e hábito adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade».
E algo a menos porque se tomada em uma chave metodológica exclui do seu estudo os factos da cultura angolana e os seus aspectos não-semióticos, na realidade, do nosso ponto de vista, inexistentes como cultura angolana no seu específico. É algo mais porque não apenas identifica o traço distintivo da cultura, mas também consiste na própria realidade do homem em quanto tal. De facto, as coisas são produzidas ou não produzidas pelo homem, pelo que elas são significativas para os homens; nesta senda entram no seu horizonte existencial, chegando a estabelecer a matéria e os instrumentos através dos quais e nos quais ele se conhece e se reconhec, eles produz e reproduz o seu mundo. Sinais e símbolos em substância não são apenas uma característica que marca o homem como tal: a sua essência, o seu destino. Mas a condição humana também consiste na produção e consumo de sinais e símbolos. Nada para o homem tem realidade fora deles e ele mesmo perderia a sua identidade como homem sem eles.
É claro que a distinção, implícita no que acaba de ser dito, entre realidade e significado, não realidade, corre o risco de re-propor a velha dicotomia constitutiva da cultura ocidental: cultura versus natureza, que seria uma versão mais moderna do antigo: espírito versus matéria. Este risco, no entanto, é facilmente evitável, sustentando firmemente que a realidade cultural angolana não significada é uma parte constitutiva, como Morgan já sabia (1871), da realidade significada.

O papel da sociedade angolana

O processo de significação elaborado pelo antropólogo, que estuda a cultura símbólica angolana, ou seja, a atribuição de significados a muquixi, tchingandji, nkisi, máscaras seja no momento da codificação como naquele da decodificação, embora culturalmente condicionada aos parámetros culturais angolanos, por essa razão, é inseparável da própria realidade natural e social que o rodeia. Pois é a sociedade angolana que nos fornece os códicos de leitura e interpretação dos factos culturais. Para ser ainda mais claro: existem factos culturais produzidos pelos processos cerebrais, mas estes últimos não poderiam existir sem eles. Além disso, sendo o processo de significação uma comunicação, a cultura angolana é impensável fora da dimensão social e da socialização, de modo que, integrando Aristóteles, é fácil entender que a sociedade angolana é a condição inevitável para elaborar uma linguagem que permita aos factos culturais de ser lidos e interpretados, conhecidos e apresentados como um texto. Assim, os parámetros tradicionais com os quais o antropólogo lê o mundo cultural angolano são, por vezes, ignorados; ou, se calhar, se tornaram privilégio só de alguns, ou fechados nas conversas dos velhos que vivem nas aldeias. A cultura angolana não aparece mais como um todo ordenado e dividido em compartimentos, mas como um continuum onde cada elemento é a condição para a existència de outros e se torna a condição de todos os outros: não num conjunto ordenado e consequencial, mas como um jogo de palavras cruzadas cujo interesse consiste na solução perenemente procurada, mas nunca definitivamente encontrada.

Fronteiras e status da cultura

O conceito de cultura angolana ocupa um espaço tão vago que dificulta a delimitação de suas fronteiras. O significado do termo e seus equivalentes, entre Bakongo, Tuchokwe, Ovimbundu, Akwakimbundu e Kwanhama, entre a província do Kwanza-Sul e aquela do Zaire, de grupo para grupo, de indivíduo para indivíduo, e mesmo de momento para momento no comportamento verbal do candongueiro ou no grito da quitandeira, ou num assalte do gatuno, oscila em um arco semântico que vai da indicação apenas de produtos muito particulares do intelecto, considerado qualitativamente valioso, até chegar à denotação de toda a realidade angolana. Isso naturalmente acaba com o encerramento ou a dilatação de um fenômeno até ao ponto de negá-lo. É realmente óbvio que no primeiro caso o que pode ser cultura angolana para alguns, para outros não é, enquanto que no segundo caso é evidente que um uso holístico do termo para entender tudo o que pertence ao universo cultural angolano, leva a identificar a cultura angolana com a vida, o movimento, a praça, o engarrafamento etc. Quando queríamos aceitar a definição de cultura dada por M. Herskovits (1952, 6): tudo aquilo no ambiente é devido ao homem, nós de fato encontramos a pergunta perturbadora sobre o que não é cultura angolana, já que a mesma representação do ambiente é devida ao angolano que opera dentro dessa representação. Em outras palavras, se a cultura angolana é tudo o que é devido ao homem, ela inclui tudo, até mesmo o contínuo espaço-tempo que nos rodeia, porque mesmo essa conceitualização muito particular da realidade é um produto humano. Parece, portanto, evidente que um conceito funcional de cultura deve se referir a um fenômeno mais concreto e claramente delimitado (Carnaval da Vitória). Embora saindo dos parámetros globais da realidade, sem desconsiderar o trabalho levado a cabo pelos antropólogos até hoje, terá que se colocar entre parênteses como irrelevante do ponto de vista operacional todas as interpretações que não se adaptam ao nosso contexto cultural (Rossi, 1970).
Uma primeira aproximação ao problema nos leva a conceber toda a realidade cultural angolana em dois grandes subconjuntos: o da realidade esperada e o da realidade não testada. Separamos o segundo porque, até o momento em que ele permanecer, não pode pertencer à cultura, pois não pertence ao homem, então o discurso se move dentro da realidade experimentada da cultura. Aqui é possível reconhecer imediatamente duas grandes classes de fenômenos, aqueles que ordenamos sob o rótulo comum de realidade objetiva e aqueles que, com um termo vago, mas ainda adequado, podemos chamar de realidade, intelectual. Alguns autores inclinam-se a identificar a cultura com esta última classe de fenómenos, e acabam, mais ou menos conscientemente, de cavar um sulco intransponível entre cultura e natureza dividindo assim o homem em dois troncos distintos e entre eles. antitéticos. É por isso que não somos capazes de fazer os nossos TFC, porque acamos de ter a cabeça cheia de ideias mas na prática etnográfica não somos capazes de operar. A superação dessa dicotomia envolve uma análise da realidade intelectual e objetiva. Na série de fenómenos pertencentes a realidade fenoménica da cultura enquanto manifestação, encontramos, por um lado, os processos mentais e, por outro, os produtos desses processos, enquanto os elementos que constituem o segundo podem ser transformados pelo homem ou podem permanecer não processados. Como primeira aproximação seria possível entender por cultura angolana a soma dos produtos símbolicos derivantes dos processos mentais e das transformações através desses produtos operadas na realidade fenoménica do mundo que nos rodeia.

Processos mentais e fenómenos

Deste modo, os processos mentais e a realidade objetiva não convertida permaneceriam fora da cultura, como momentos naturais do fenômeno que descrevemos. Nesta definição do conceito de cultura angolana são fáceis duas objeções: a) a distinção entre processos mentais e produtos ideológicos não coincide com a ocorrência real de pensamento: os dois momentos não são apenas contemporâneos, mas também inseparáveis; b) a diferença entre realidade objetiva transformada e realidade objetiva não processada é discutível; até mesmo a realidade objetiva que não foi transformada porque é experimentada, portanto, representada, é o produto de uma transformação.
Essas objeções são de grande ajuda tanto para superar a falsa oposição entre natureza e cultura, metodologicamente útil, seja como um fato objetivo, a fonte de mal-entendidos perniciosas; ambos para chegar a uma definição mais correta dão o mesmo conceito de cultura. Na verdade, eles mostram que a natureza e a cultura são dois aspectos do continuum da realidade humana angolana, distinguíveis apenas por uma necessidade cognitiva. Nesta chave que irá limpar a teoria científica da cultura funcionalista formulada por Malinowski (1962), e aclaram-se as dificuldades insuperáveis ​​enfrentadas por muitos autores quando tentaram voltar aos fenômenos naturais ou culturais, tais como a proibição do incesto (Branco 1969, 281 ff .). Para além das características que a distinguem como tal, a cultura só pode resultar a partir da relação entre o homem e a natureza, proporcionada pela fórmula, fornecida por Leslie A. White (1969, 45) para o comportamento humano: organismo humano x estímulos culturais —-> comportamento humano.
Se a cultura angolana é assumida como resultado da relação entre o angolano e a natureza, sua diferença em relação à última é idêntica àquela que existe entre os elementos de um relacionamento e seu produto. Considerando, portanto, que no homem e na natureza existem constantes e variáveis, também na cultura, serão reconhecidas constantes, mesmo que relativas, e variáveis. Isto significa os três traços aparentemente contraditórios, mas distintivos da cultura: o seu ser universal e individual, estático e dinâmico, inconsciente e consciente (Herskovits 1952, 7). A cultura é universal porque é um caráter constitutivo e permanente de todos os homens, sendo maxi individual, porque em cada um deles manifesta-se com resultados diferentes. É estático porque sua persistência ao longo do tempo requer repetição, mas é dinâmica porque o homem sob a pressão das várias condições a que está sujeito é forçado a um trabalho contínuo de reinterpretação e invenção. A estabilidade da cultura é favorecida pela sua transmissão de geração em geração, isto é, pelos velhos chamados a transmitir aos jovens os valores proprios da cultura angolana, e pelos jovens chamados a viver o processos de inculturação. Nesta senda operam-se, e operaram-se mudanças, desde o tempo colonial, a causa dos chamados fenômenos de aculturação forçada, no passado, e global no presente. Sem descuidar das complexas relações de troca que são determinadas pelo contato entre diferentes culturas, favorecido pelo ambiente multi-cultural de Luanda. Finalmente, a natureza estática da cultura, assegurada pela repetição da tradição, permite a fruição inconsciente, enquanto o dinamismo trans-cultural das migrações, devido aos processos de reinterpretação e invenção, promove a produção consciente e contínua de valores.
Em outras palavras, não pode haver nenhum fato social fora da cultura que o abrange; e por outro lado, não há fenômeno cultural que não seja também um fato social; seja porque reflete modelos sociais de comportamento seja porque também se destina contra a vontade de seu produtor para um uso social. A filosofia antiga tinha percebido que a cultura era uma condição da natureza social do homem, não só enquanto membro duma espécie, mas também pela sua capacidade de existência. É absolutamente evidente que o homem existe como um ser social: unus homo, nullus homo. É muito significativo e também não acidental que Aristóteles tenha baseado seus argumentos nesse problema na linguagem. De fato, é o logos que, ao fazer uma ponte entre o homem e o homem, garante e garante a sociabilidade. O progresso da linguística, identificando o funcionamento interno da linguagem, nos permitiu hoje entender o porquê. E graças ao fato de que a linguagem, não é só palavras, ou seja fatal de comunicação ato individual, mas coletiva reversível definha além de qualquer possível nova situação e invenção expressivo, que a comunicação, portanto, sociabilidade ainda permanece garantida entre os homens

 

 

 

 

AA. 2019

 

 

Plano de Sumários

 

 

 

    •  

       

       

        •  

            • UNIDADE 1 Estrutura e propriedade dos símbolos rituais

           

          1 Introdução aos estudos simbólicos

          2 diversos significados de símbolo

          3 noções fundamentais: índice, ícone, sinal.

          4 símbolos: sua natureza, estruturas simbólicas

          5 interpretação dos sistemas simbólicos 

           

           

          UNIDADE 2 Campo da análise simbólica 

          6 Noções de linguística estrutural 

          7 De Saussure  

          8 oposição signo-símbolo na linguística

          9 Convencionalidade e arbitrariedade dos símbolos 

               

           

           

            • UNIDADE 3 Linguagem, pensamento e realidade 

           

          10 Sapir e a linguística 

          11 Lee Whorf e as categorias linguísticas do pensamento primitivo   

          12 hipotese Sapir-Whorf

          13 Influência cultura-linguagem

          14 Função gnoseológica dos sistema simbólicos  

           

           

           

            • UNIDADE 4 As representações colectivas 

           

          15 Escola sociológica francês

          16 Kant e as categorias do entendimento    

          17 Origem social das categorias

          18 Representações individuais e colectivas

          19 Cognição, emoção e representação

           

           

            • UNIDADE 5 Caracter classificatório dos sistemas simbólicos e o poder

           

          20 classificação da Escola sociológica francês

          21 Formas diferentes de classificação

          22 sociologia política de Bourdieu

          23 sintese entre objectivismo e subjectivismo   

          24 sistema simbólico da estrutura estruturada e estruturante

            

           

           

           

           

       

       

        

       

       

       

 

Primeira Lição dia 5 de Março

Porque o simbólico?

Temos de perguntar primeiro se existe, de facto, algo assim como uma antropologia simbólica instituída e frontalmente, e só depois, se for o caso, investigar sua história e a sua contribuição e a sua estrutura. O ESTUDO ANTROPOLÓGICO da cultura, dos sistemas de símbolos e significados, é a ciência dos termos básicos com os quais nos vemos como pessoas e como membros da sociedade, e de como esses termos básicos são usados ​​pelas pessoas para construir para si um modo de vida.

Questões

A antropologia simbólica coloca, e tenta responder a questões como: “Qual é o significado do efiko?” Ou “Porque celebrar o alembamento?” Ou “Qual é a natureza da cultura angolana?” E, assim fazendo, a antropologia simbólica analisa de modos de agir e ser no mundo que se substituem como alternativas àqueles hábitos e instituições que desde então sempre tomamos como os mais “naturais”: os nossos. As pessoas em todos os lugares agem com base no conhecimento e na crença - sobre o mundo, sobre si mesmos, sobre a própria ação. As crenças formam, entre todas as pessoas, um sistema: esse sistema pode ser visto como um complexo de conjuntos de proposições sobre o mundo, que, em um exame mais aprofundado, revelam-se ordenados em suas relações uns com os outros.

Os Campos

Existem, por exemplo, proposições de natureza ontológica, sobre um ou outro aspecto do mundo, outras de natureza psicológica, outras de natureza cultural; Esses conjuntos de formas são chamados de ‘campos’. Há também, em cada sistema de crença, proposições sobre as distinções entre campos, que traçam fronteiras e definem limites e entre um campo e outro e em que maneira os campos se relacionam entre si. Este segundo tipo de proposições usam uma ’meta linguagem', que exprime todo um sistema de crenças: é uma cultura simbólica sobre a linguagem (mukixe, mulozi, kindoki). Algumas crenças são compartilhadas por todos os membros de um grupo (sereia da Ilha de Luanda); outras são específicas de um ou outro subgrupo ou categoria de pessoas dentro de um grupo maior (mahamba); e outros ainda são mantidos apenas por indivíduos.

Cultura como sistema

Cada um deles constitui sistemas em diferentes níveis: o sistema de crenças compartilhado (mais ou menos) por todos os membros de um grupo é chamado de “religião” que tem as suas componentes ideológicas; o sistema de crenças de um indivíduo - o complexo de convenções que uma pessoa compartilha com os outros e aquilo que é exclusivo dessa pessoa - é uma componente identitarias; as crenças que definem um subgrupo são frequentemente chamadas de “metacultura”.

Sistema de símbolos

Dizer que cultura é um sistema de símbolos pode ser um pouco enganador, mesmo for para caracterizar a cultura angolana. Assim também, a descrição de um sistemas de crenças como conjuntos de proposições e um complexo de conceitos pode enganar. Porque sabemos que a cultura não está disponível para nós em forma de proposições, mas de factores identitários que não podemos expressar pois compõem o complexo daquilo que definimos como nossa própria cultura, nosso próprio modo de vida, nossas próprias crenças, de modo a não lhes tirar grande parte de sua riqueza, e da sua complexidade, do seu poder incisivo que direciona as nossas vidas e confere significado à nossa existência de angolanos; e não podemos entender em plenitude a cultura de outro povo reduzindo as suas crenças a um conceito.

Cultura angolana simbólica

É claro que toda cultura - inclusive a angolana - tem uma maneira de se expressar em forma de símbolos e simplificada em conceitos, que são usados principalmente para exprimir a cultura, usados principalmente nas escolas para crianças, mas também discutidos na antropologia como constituintes a alteridade cultural. E, de facto, a colecta de dados antropológicos é muito parecida com a colecta de peças que ingenuamente uma criança usa para compor um puzzle. Ambos tentam de compor um padrão significativo com as informações colectadas. Ambos usam as suas próprias observações e as suas relações com os outros como experiência vivida suplemento fundamental aos conceitos apreendidos na escola ou no estudo. A diferença é que aquilo que move uma criança é em grande parte inconsciente e natural, moldado pelo processo de desenvolvimento e pelos impulsos e necessidades da criança como uma pessoa inteira, enquanto aquilo que move o antropólogo é uma característica da própria cultura que o antropólogo quer definir e significar: a necessidade de entender a crença de explicar o seu significado de compor os símbolos que orientam esse esforço. Assim, enquanto as crianças concretizam o que aprendem como suas próprias experiências no mundo, os antropólogos abstraem um padrão geral daquilo que investigam; eles compõem um sistema que mais ou menos compreende a vida das alteridades culturais e, desse modo, fornece mais informações que permitem de comparar as culturas.

Def de antropologia do simbólico

A “antropologia simbólica” constitui uma aplicação da antropologia social e cultural, que define e diferencia o perfil de uma cultura e a estuda enquanto símbolos e sistemas culturais e sugere implicações antropológicas que teorizam a vida de um povo.

Seu objecto

O objecto, o significado, e os elementos (objetos, pessoas, relações, atos)  que compõe a antropologia simbólica são fruto daquilo que as pessoas entendem, comunicam e agem dentro de seus panoramas simbólicos e como compõem as inter-relações destes elementos dentro de um sistema chamado cultura. As culturas são marcadas por modalidades às quais as pessoas conferem significados e sentidos dentro dos seus próprios mundos.

Seu método

A análise desses conjuntos implica uma diversidade metodológica e uma abordagem a essas questões específica que costumamos definir como antropologia do simbólico. Ao dizer isso, não pretendemos, contudo, implicar “meras” diferenças técnicas. Em vez disso, por metodologia, entendemos algo de epistemológico ou seja o “sentido angolano, no qual a metodologia virtualmente significa técnicas práticas de pesquisa”. Embora seja necessário fornecer um sentido na história da antropologia e nas manifestações contemporâneas dos estudos simbólicos na antropologia, o esforço é de interpretar a cultura angolana em termos simbólicos. Esta é a grelha com a qual filtramos aquilo que outros antropólogos podem ter estudado a esse respeito.

Cultura social

Os antropólogos preocupados com os símbolos e a forma simbólica começam com a premissa de que a ação social tende a ser ordenada num complexo, para ser, em algum grau, previsível ou compreensível por ambos os participantes da cultura e os seus estudiosos e observadores. Vida social - composta de pessoas, de deuses e fantasmas e feitiços, de crenças sobre o possível e sobre o real e sobre o que é certo e o que é errado, bem como ações, coisas, relacionamentos e instituições - é constituído logicamente, alcançando uma coerência para aqueles que o vivenciam na sua particularidade. Uma pessoa pode, por exemplo, argumentar que feitiços existem, como outro pode argumentar que eles não pegam, no entanto por aqueles que acreditam em feitiços, estes são tratados como entidades reais. A nossa preocupação não é apurar se estes pontos de vista são ou não “científicos”  ou - se eles se opõem ao domínio das crenças ou do conhecimento ocidentais chamados Religião ou Ciência; por vezes na ação social, aquilo que é pensado como real é tratado como real; e esse tratamento, por si próprios e pelos outros, contribui para a confirmação da “realidade” e constitui um aspecto decisivo do significado simbólico dessa realidade.

Símbolo e significado

Os antropólogos, ao considerarem os símbolos e significados e o seu lugar na ação social, foram influenciados pelas investigações em psicologia (Freud) e linguística (De Saussure).  A partir do trabalho de Freud, percebe-se o peso que o aspecto inconsciente possui na elaboração das crenças, particularmente em significar, conhecer e sistematizar aquilo que as pessoa acreditam. Na Interpretação dos Sonhos, Freud descreveu os processos pelos quais os símbolos podem assumir múltiplos significados, o processo no qual a mente desloca o conteúdo da experiência em uma cadeia de raciocínio e o processo complementar por meio do qual essa cadeia de raciocínio e memória é condensado durante o processo de deslocamento.

Def Refuncionalização

Assim, a refuncionalização é o processo através do qual um símbolo (com implicações negativas para a pessoa) é substituído por outro símbolo (menos ameaçador, mais aceitável). O segundo símbolo (ou terceiro ou quarto e assim por diante), menos ansioso, é usado para dizer, obliquamente, o que não podia ser dito antes, diretamente; simultaneamente, vários conjuntos de significados são deslocados para um símbolo que se torna a condensação de muitos significados diferentes ou cadeias de significado.

Códigos e padrões culturais

Freud explicou, assim, ao traçar os processos interativos de condensação e refuncionalização, como o pensamento consciente se torna um código para o inconsciente (reprimido). Desvendando esse código, a estrutura das necessidades e da compreensão que motiva a pessoa, o padrão implícito de significância que dá sentido à experiência e à ação da pessoa, pode ser descoberta.

História dos estudos sobre a Antropologia psicanalítica

Grande parte das explicações de Freud sobre os detalhes desses processos - particularmente suas declarações sobre a importância do instinto ou da sexualidade, ou sobre a psicologia das mulheres - agora é descartada ou objeto de grande debate; e muito desse questionamento tem sido o resultado do trabalho comparativo de antropólogos como Bronislaw Malinowski e Margaret Mead. Mas o esqueleto básico do funcionamento da mente e a dinâmica das relações entre consciente e inconsciente, de código e significado - do complexo, afinal, dos símbolos na consciência humana - é a contribuição que deu Freud para a compreensão das pessoas. (A Interpretação dos Sonhos é provavelmente a mais importante das obras de Freud);

A Introdução Geral à Psicanálise de Freud pode ser útil para aqueles que querem fundamentar psicanalitcamente o processo de simbolização . Existem numerosos estudos de Freud que tentam aplicar seus insights aos fenômenos sociais: destes, o mais abrangente e interessante é Eros and Civilization, de Herbert Marcuse , mas veja também Childhood and Society, de Erik Erikson, Fuga da Liberdade, de Erich Fromm, e Géza Róheim, Psicanálise e antropologia. Nos últimos anos, houve várias tentativas de relacionar as descobertas de Freud com teorias mais gerais da ação simbólica. Entre estes, a comunicação de Bateson e Ruesch: A Matriz Social da Psiquiatria, A Linguagem do Eu, de Jacques Lacan, e Freud e Filosofia de Paul Ricoeur são os mais significativos.)

Códigos linguísticos simbólicos

Embora a linguística tenha sido bastante desgastada e mecanicamente aplicada nos últimos anos (por exemplo, pela escola etnolinguistica ou muitos seguidores do estruturalismo francês), o estudo da linguagem deu fortes indícios de o que Freud definiu como «mente individua» é verdadeiro também das crenças dos grupos: que os grupos têm códigos simbólicos, ou sistemas de signos, que ordenam as crenças mantidas por seus membros, que moldam o desenvolvimento de novos conhecimentos no grupo ao mesmo tempo em que tendem a assegurar que as antigas observações sejam repetidas; e que esses códigos, como os códigos conscientes dos indivíduos, representam uma condensação de um conjunto complexo de motivos, experiências, conhecimento e desejo, que ajudam a moldar e expressar ao mesmo tempo em que mantêm muito do que não é dito e abaixo da superfície. Os linguistas - como a psicanálise, a crítica literária, a filosofia e muitas outras disciplinas - nos deram técnicas com as quais desvendar esses códigos e ali nos possibilitam ver a crença, a elaboração da crença e o desenvolvimento da crença, em ação.

Teorias antropológicas

É necessário considerar, a partir de uma perspectiva histórica, os desenvolvimentos e tendências na sociedade ocidental da qual a antropologia é herdeira. Ao fazer isso, tomamos uma posição que contrasta com a visão dominante das origens da antropologia; essa visão, como expressa, por exemplo, por Marvin Harris no seu livro A evolução do pensamento antropológico (1968), é que a antropologia é um refinamento do impulso e da necessidade de compreender os muitos povos “estranhos” e “alheios” com os quais os europeus começaram a entrar em contato durante e após o período do Renascimento, que, foi o período onde a antropologia derivando da tentativa iluminista de encontrar uma base racional para a diversidade humana, começa a descrever e interpretar as culturas. Enquanto Harris sugere que o impacto da antropologia reside nos factos brutos da diversidade humana, é evidente que o deu ímpeto à entrada da antropologia são os problemas da nossa própria sociedade que deram significado à diversidade humana para nossos antepassados. Em geral, sentimos que a influência de qualquer tipo de elementos “externos” sobre as ações humanas é facilmente superestimada; em particular, os grupos humanos sempre e em todos os lugares se conscientizaram das suas diferenças humanas e desenvolveram maneiras de compreendê-las e de agir de maneiras diferentes. É necessário repensar a cultura angolana segundo os moldes da antropologia simbólica que analisa os artefactos inextricáveis da cultura africana. E isso é porque a alteridade, assumiu e continua a assumir uma grande importância.

 

Dolgin, L. J., Kemnitzer, S. D., & Schneider, M. D. (1977). Symbolic Anthropology. A Reader in the Study of Symbols and Meanings. New York: Columbia University Press.

Freud, S. (1900). Die Traumdeutung. Vol IV. A interpretação dos sonhos. Leipzig: Franz Deuticke.

Freud, S. (1920). Conferências introdutórias sobrea a Psicanálise. Leipzig: Imago.

Marcuse, H. (1975). Eros e civilização. Rio de Janeiro: Zahar.

Erikson, E. (1993). Childhood and Society. London: Paladin Grafton.

Fromm, E. (1975). Fuga dalla libertà. Milano: Mondadori.

Róheim, G. (1967). Psychanalyse et anthropologie. Paris: Gallimard.

RueschJurgen, & Bateson, G. (1951). Communication. The social Matrix of Psychiatry. New York: Norton.

Lacan, J. (1973). The Language of the Self: The Function of Language in Psychoanalysis. London: Hopkins.

Ricoeur, P. (1970). Freud: una interpretación de la cultura. Madrid: Siglo veintiuno.

Harris, M. (1971). L’evoluzione del pensiero antropologico. Una storia della teoria della cultura. Bologna: Il Mulino.

 

Segunda Lição dia 12 de Março

O significar

A característica distintiva da cultura é o significar. As coisas produzidas ou não pelo homem entram no seu panorama existencial na medida que são significativas. Os signos e os símbolos não somente caracterizam o homem mas constituem a sua essência e o seu destino. É próprio da condição humana produzir e consumir sinais e símbolos.

Realidade significante

A realidade significante é parte constitutiva da realidade significada e isso rompe com a clássica dicotomia entre natureza e cultura, entre matéria e espirito.

Enquanto se produzem os significados e enquanto se atribuem significados seja no momento da codificação como naquele da descodificação nós usamos grelhas socioculturais. Os conceito que nós usamos são estritamente ligados aos factos culturais donde provêm.

Processo de significação

O processo significativo se desenvolve dentro do processo comunicativo, de tal forma que significar é comunicar e a linguagem que nasce é identificada por aquela sociedade que a suporta e usa.

Para Herskovits a cultura é tudo aquilo que no ambiente é devido ao homem, sobretudo o seu continuum espaço-temporal. Temos dois tipos de realidade a) realidade objectiva b) realidade intelectual.

Na realidade intelectual nós encontramos de um lado os processos mentais, e os produtos destes processos (conceitos).

Na realidade objectiva encontramos elementos que foram ou não transformados pelo homem. Portanto revisando o conceito de cultura

Natureza e cultura

Cultura é o conjunto dos produtos vindos dos processos mentais e das transformações operados por estes processos na realidade, isto evidencia que natureza e cultura são dois aspectos que pertencem ao continuum da realidade humana. A cultura é portanto o resultado do relacionamento entre o homem e a natureza.

A cultura é portanto

  • Universal
  • Individual
  • Estática
  • Dinâmica
  • Inconsciente
  • Consciente

Características da cultura

Segundo estas características a cultura é

  • Universal porque caracteriza, constitui e permanece em todos os homens
  • Individual porque em cada homem se manifesta com modalidades diferentes
  • Estática porque permanecendo no tempo ela se repite e é transmitida de geração em geração por fenómenos inculturantes. Esta repetição consente uma fruição inconsciente
  • Dinâmica porque o homem condicionado e constrangido reinterpreta e redescobre e nos contactos entre culturas há relações aculturantes, sujeita à processo de refuncionalização e invenção há uma produção cultural consciente

Cultura como campo de significados

Não há actividade humana sem que haja intervenção intelectual, não se separa o homo faber do homo sapiens. Não existe nenhum facto social fora da cultura e não há nenhum facto social que não seja também cultura. A cultura é a condição da socialidade do homem de facto o homem existe enquanto ser social. Aristoteles diz que é o logos que criando pontes entre os homens assegura e garante a socialidade. A linguagem é uma parte constitutiva da cultura e a cultura é por si mesma linguagem e funciona enquanto linguagem.

Comportamento comunicativo

Cada comportamento cultural e cada produto humano é um facto comunicativo. A cultura para garantir a socialidade necessita de comunicar-se. Portanto a cultura não é somente instrumento comunicativo mas é por si mesma comunicação. A cultura possui uma arquitectura parecida àquela da linguagem. Língua e cultura são duas modalidades paralelas da mesma actividade do espirito humano. Cada fenómeno cultural é mais ou menos conscientemente um facto comunicativo: a cultura é o momento no qual o relacionamento entre homem e natureza se exprime e se realiza num sistema de sinais e isto determina as condições do homem enquanto ser social. Se os factos culturais são processos comunicativos.

Sistemas simbólicos

Homens que preferiram morrer para defender uma bandeira, não agiram em defesa de um símbolo abstracto mas porque movidos por valores quais a pátria, o grupo, a família. A bandeira portanto é a objectivação de um signo que é interpretado como referente de factos simbólicos.

Na analise concreta da cultura humana é necessário manter-se a nível simbólico. Até que um facto cultural continue a viver haverá  sempre um sistema  simbólico funcional ao qual se refere.

É verdade que continuam a existir certos traços culturais mesmo após o desaparecimento dos sistemas simbólicos aos quais que foram inicialmente ligados, mas isso é possível, porque eles são reinterpretados em um novo contexto e com novas funções (refuncionalização).

Enquanto cada nível simbólico está ligado a seus próprios específicos sociais, nem todos os indivíduos estão dispostos a aderir aos modelos culturais que este nível requere.

Por várias razões que não são apenas para ser referidos a estratificação socioculturais

 

Terceira Lição dia 19 de Março

 

As raízes filosóficas do problema do significado

até a segunda metade do século XVIII, o pensamento social ocidental estava preocupado em encontrar uma base natural para a ordem social. A maioria dos pensadores sociais até este período tinha fundado a ordem social sobre uma natureza humana imutável e universal (semelhante à doutrina medieval do Direito Natural). No final do século XVIII, com o idealismo filosófico hegeliano e o desenvolvimento da filosofia radical no continente, isso mudou. A sociedade começou a ser reconhecida não como o resultado de leis imutáveis, mas como o efeito das ações socializantes das pessoas. Isto foi diretamente devido a uma série de tendências no desenvolvimento social europeu, filosofia e cultura, que se uniram para realizar e desenvolver as aspirações humanas.1 Um espectro estava de fato assombrando a Europa: a dissolução da sociedade europeia como tal.

Surgimento das ciências sociais

A antropologia, assim como várias outras disciplinas relacionadas, surgiram das tentativas das pessoas de compreender e superar o que era percebido como uma ameaça mortal à própria civilização.   Como Santayana observou, “aqueles que não conhecem a história estão condenados a repeti-la”.2 Aqui está implicita a noção de que a própria antropologia é um fenômeno social - que o tipo de crítica que ela representa é um fato social que teve algum efeito sobre outros fatos sociais, além de ter sido afetada por eles. 

Cultura como sistema

Uma das lições a serem tiradas desse tipo de análise é que as fronteiras que traçamos em torno dos fenômenos (como “o sistema de parentesco” ou “religião” ). Qualquer forma social particular é, de fato, uma conjuntura de tendências, forças e estruturas que, por sua vez, são aspectos de um sistema sociocultural total ou totalidade; e uma análise de tal conjuntura é complexa - implica analisar uma multiplicidade de relações entre várias forças e estruturas sociais, no esforço de deconstruir até chegar ao facto cultural em si, através das múltiplas mediações, na tentativa de chegar à totalidade sociocultural, em direção àquelas características que produziram o evento ou forma particular. Chegamos assim a identificar um sistemas simbólicos numa ampla gama de actividades humanas atentos a colher qual é o significado, que moldou as formas pelas quais ele é entendido e que vincula a sua compreensão no contexto das práticas sociais.

Filosofia grega

A filosofia grega clássica definia o problema do significado ou crença em termos de conhecimento: conhecia-se a Verdade, os modos adequados de fazer as coisas e os objetivos apropriados da ação. O problema das finalidades foi concebido como o estudo das paixões, que se pensava serem os elementos “mais básicos” do espírito, e esse problema foi considerado separado do problema mais autêntico e importante do que era a Verdade: as pessoas não sabiam (ou não podiam) ter acesso a Verdade por causa das paixões.

Idade média

Na idade média O pensamento social essencialmente seguiu o exemplo grego (William de Ockham, Santo Agostinho, Thomás de Aquino ou São Jerônimo). Assim também, a esse respeito, os filósofos do liberalismo - os utilitaristas da ingleses (Hobbes, Locke e Hume) e os racionalistas do continente (Cartesio). O que essas filosofias têm em comum é a noção de que, de alguma forma essencial, a Verdade, ou o Bem, que são a base da cooperação e da sociedade humanas, são conhecíveis, existem e podem ser encontrados.

Relativismo contemporâneo

Essa visão está em contraste dramático com o relativismo contemporâneo que afirma a existência de uma multiplicidade de 'verdades' e 'bens'; e que estas pertencem de forma diversa a vários povos. Estas visões mais antigas (que ainda têm seus adeptos) sustentavam que a Verdade, ou o Bem, fossem acessíveis somente aos “melhores” homens porque tinham sido capazes de se libertar dos objetos das paixões e podiam desenvolver com a sua razão o conhecimento da Verdade e do Bem. A filosofia servia ao grupo dominante formado pelos “melhores” homens que tinham o privilégio aristocrático com honra, razão e virtude de ter acesso à Verdade.

Liberalismo

Mas os pensadores liberais, de Descartes no continente e Hobbes na Inglaterra a John Stuart Mill e Kant, mantiveram um modelo de sociedade baseado em concepções neoclássicas do direito natural e um desenvolvimento metafísico da ordem social em direção a um objetivo derivado e predefinido externamente. O significado tornou-se, na versão liberal, fruto da descoberta “científica” que era objetivo e o fruto da aplicação da disciplina.

No fim do século XVIII e início do XIX, no entanto, a situação da filosofia e do pensamento social mudou como um resultado direto da crises que apareceu na própria sociedade liberal. Essas crises tomaram duas formas: a) um colapso social geral com décadas de turbulência no continente e b) a reivindicação pelo poder social por parte das classes mais baixas da Grã-Bretanha. Ambas as crises - moldadas produziram uma consciência da possibilidade de múltiplas verdades sociais e da opacidade da ordem social: as coisas não eram como pareciam e como antes. Na Grã-Bretanha, o liberalismo social se combinou com um protestantismo fortemente influenciado pelo movimento puritano e com um capitalismo industrial altamente desenvolvido e competitivo para produzir uma definição específica do Bem.

Maximizar o bem

O horrendo 'estado da natureza' de Hobbes3 - a 'guerra de todos contra todos' que ele apresentara a seus contemporâneos era a maior ameaça à humanidade - revolucionado: o bem agora era encontrado no mercado competitivo., onde o esforço individual de capitalizar e de acumular a riqueza privada, através da “mão invisível do comércio” de Adam Smith,4 maximizaram o bem - definido como riqueza material e conforto - para o número máximo de pessoas. Esta visão justificava a ganância: o direito inalienável de acumular privadamente e sem limites a riqueza e o poder. Mas em tal sistema, nem todos podiam acumular infinitamente: havia algumas pessoas que não possuíam meios. Nasceram os sindicatos, a reforma post-laboral, o horário de oito horas. Os pensadores liberais voltaram-se para a doutrina do puritanismo universalista incentivar o uso dos poderes, talentos, habilidades e energias de uma pessoa ao máximo possível.

Evolucionismo social

Essas idéias deram origem tanto ao evolucionismo social dos conservadores evolucionistas britânicos  (Henry Maine e Lubbock) - desde que, se a ordem social permitisse que às pessoas de alcançar o nível de seus próprios poderes, então a distribuição da riqueza e do poder refletia a distribuição das capacidades individuais de capitalizar. O pensamento social britânico, até os anos do pós-guerra, foi dominado por um conservadorismo que se baseou fortemente no evolucionismo social e num liberalismo intimamente ligado a um funcionalismo sociológico que colocava o individuo à raiz da vida social. Só quando o próprio tecido social britânico começou a enfraquecer, durante e depois dos anos 1930, a questão da conformidade à natureza, emergiu a filosofia e o pensamento social de Ludwig Wittgenstein, um imigrante austríaco.

Pragmatismo

A tradição pragmatista nos Estados Unidos - Charles Sanders Peirce, William James, John Dewey e Josiah Royce - era uma exceção, mas as influências continentais em todos esses homens eram consideradas capazes; e o projeto pragmatista - estreitamente relacionado a problemas do desenvolvimento da ciência tecnológica. A preocupação da conformidade à natureza, como fonte e significado da ação humana - o desenvolvimento das várias economias nacionais em direção ao capitalismo; a abordagem às diferenças culturais, o conservadorismo religioso e os conflitos nacionalistas tornaram a Europa um país cada vez mais instável, sangrento e inquietante. 

Kant

Uma das figuras-chave em ambas as principais tradições continentais - a francesa e a alemã - é o filósofo Immanuel Kant. Kant foi o primeiro filósofo na tradição européia, que via os vários problemas da filosofia - a natureza e direção da ordem social, a raiz e as possibilidades do conhecimento e a natureza das pessoas - como espécies de um único problema: a natureza da forma simbólica que sistematizava tudo com a razão. Kant abordou a autonomia da razão e a sua justa hegemonia sobre a vida social com a sua capacidade exclusiva de reconhecer e implementar o bem.  Kant foi assim confrontado com um universo social que não era unidade, um conhecimento sem continuidade, uma sociedade como coleção amorfa de átomos individuais sem nenhuma relação entre si. Kant via essa visão como uma ameaça à ordem pública e ao avanço do conhecimento; mais importante, porém, ele via isso como uma ameaça à liberdade humana: o estado absolutista estava muito próximo de Kant para ele ver a possibilidade de uma ordem social baseada na razão, era baseado em uma teoria do funcionamento da mente humana e na presunção de que a ordem dos fenômenos naturais ou do mundo social era externa à mente (isto é, imposta ao mundo por Deus). Kant se comprometeu a criticar essa teoria, que é uma versão modernista da doutrina platônica das formas, e ir além dela. Fez isso agarrando-se à ciência natural, especialmente física, química, matemática e astronomia copernicana - como o arquétipo da atividade mental e como um modelo moral e intelectual de raciocínio correto. Criticou o filósofo inglês David Hume, que afirmava que tudo o que a razão poderia construir a partir da observação e da experiência era a determinado por eventos que repetiam-se com certa regularidade; qualquer outra conclusão era o resultado de “hábitos mentais” um pensamento rigoroso que combatia a superstição em que se baseava a sociedade de sua época. Kant argumentou que esses “habitos” eram a base do próprio pensamento e, portanto, a chave para suas possibilidades. A partir da análise do pensamento científico de Kant na Crítica da Razão Pura, surgiu uma teoria geral das formas simbólicas e sua relação com o pensamento, que tem sido extraordinariamente influente, especialmente nas ciências sociais e na psicologia.

Durkheim e Weber

Os grandes sociólogos clássicos - Weber, Durkheim, Mauss e seus vários seguidores - operavam em problemas definidos por Kant; o mesmo ocorreu com as grandes figuras da psicologia do século XIX, como Wundt, o fundador da psicologia da Gestalt, e Freud. Os principais filósofos da linguagem - de Saussure, Wittgenstein e Peirce - também estavam preocupados com problemas definidos, em grande parte, por Kant. De um vasto leque de pessoas que ele influenciou, é difícil identificar apenas o que elas têm em comum. Algumas características cruciais, no entanto, podem ser isoladas. Kant argumentou que havia estruturas básicas de pensamento que eram inteiramente independentes do conteúdo do pensamento.  Todos os seguidores de Kant nas perguntas que fazem, preocupam-se com o papel que a forma desempenha nos processos do pensamento. Os trabalhos de Weber e Freud, representam um formalismo dinâmico. Weber, por exemplo, isolou “tipos ideais” de atividades humanas e mostrou como as aproximações desses tipos interagiam no desenvolvimento de várias formas de autoridade política e de ação social: um fenômeno concreto não era uma instância de uma determinada estrutura, mas um produto da interação de várias formas ideais.  Freud estava preocupado em mostrar como certas estruturas e tendências básicas da mente, que ele conceitualizava como instintos, interagiam - especialmente na infância - para produzir certos estados mentais. Para Weber e para Freud, a forma é mais dinâmica e permanece radicalmente distinta do conteúdo. O modelo dessas relações forma / conteúdo, avançado por Durkheim, foi o mais influente na antropologia e em outros estudos simbólicos. Durkheim viu várias formas socioculturais - religião, sistemas classificatórios, conjuntos de motivos - como “representações coletivas” da estrutura da sociedade (ou a estrutura da “mente social”), no mesmo sentido em que Kant via idéias particulares sobre a mundo, como teorias científicas, como representações de faculdades mentais ou tendências inatas da mente. Para Kant, as senhas e os dados fornecidos por eles ao intelecto eram uma espécie de energia que era moldada pelas formas implícitas na mente e no pensamento, e que, por sua vez, animavam as formas e davam-lhes direção. A sociedade é, do mesmo modo, para Durkheim, uma forma: um “sistema de restrições” que dá forma aos impulsos inatos das pessoas, que por sua vez significam a forma social e lhe dão energia. Este modo particular de separação da forma e o conteúdo talvez seja o argumento mais famoso de Durkheim: sua refutação da doutrina utilitarista do contrato social em seu primeiro livro, A divisão do trabalho na sociedade. O que Durkheim fez aqui foi mostrar que quando dois indivíduos fazem um acordo ou um contrato - se o contrato é um pacto para obedecer às regras da sociedade (como Hobbes ou Rousseau) ou um contrato comercial - existem certas formas sociais implícitas em o seu acordo, que lhe são necessário: noções sobre o que é o acordo, sobre que cumprimento ou incumprimento implica, daquilo que constitui a execução do acordo, definições de todas as questões abordadas pelo acordo, etc. , o contrato social pressupõe a existência de uma constituição a priori da natureza dos contratos. Agora, Durkheim argumentou que essa constituição deveria ser tratada como se fosse sui generis: o que significava que a única característica significativa dela era que ela existia. E em todos os casos, para Durkheim, a função da forma social era moldar os atos individuais na imagem coletiva, para realizar ações empreendidas por motivos que não faziam parte da realidade social, por exemplo, Durkheim argumentou em seu estudo clássico do Suicídio que as várias razões que as pessoas davam por matar-se - ruína financeira, desapontamento amoroso, solidão, devoção à honra ou a um ideal - eram irrelevantes para os fatos sociais do suicídio, que eram flutuações na taxa de suicídio no espaço e no tempo. Estas seriam explicadas, segundo Durkheim, por referência a certas características das relações sociais que se resumem basicamente em formas diferentes de pertença a grupos sociais.  Para Durkheim e seus seguidores contemporâneos, a história deve ser tratada como uma série de acidentes: a natureza das formas sociais deve ser explicada, não com referência aos eventos nos quais as formas são sedimentadas, mas com referência a uma estrutura abstrata que dá relevância e ordem aos eventos em si e que, portanto, determina o curso da história. Para Durkheim, essa estrutura deveria ser entendida  como  uma função básica: a criação de padrões de solidariedade entre pessoas e grupos. Ele havia encontrado duas maneiras pelas quais pessoas e grupos estão unidos: um, que ele chamou de “solidariedade orgânica”, era representada por sociedades industriais maiores e complexas, nas quais os grupos estavam unidos por sua diferenciação e pela mútua cooperação. interdependência. A segunda forma, que Durkheim denominou 'solidariedade mecânica', era caracterizada por sociedades sem uma divisão de trabalho sofisticada ou extensa, composta de uma série de grupos semelhantes, unidos por sua adesão a um sistema de crenças ou sua ligação a um único símbolo (ou conjunto de símbolos), como a sua terra. Durkheim argumentou, na Disisão do Trabalho e mais tarde nas suas palestras sobre o socialismo, que uma sociedade caracterizada pela “solidariedade orgânica” seria ameaçada por conflitos setoriais e de grupos de interesse, a menos que fosse também unida por uma solidariedade “mecânica” à crenças ou símbolos. O restante do trabalho de sua vida foi dedicado a entender o funcionamento desses sistemas de crença. O trabalho de Durkheim pode ser tomado, nesse sentido, como uma investigação sobre as raízes e a base do consentimento que, em sua opinião, mantinha a sociedade unida. A borda crítica da investigação de Durkheim foi perdida ao longo dos cinquenta anos desde sua morte, no entanto: sociólogos e antropólogos agora assumem a existência de um consentimento que, para Durkheim, era algo ainda a ser alcançado pelas sociedades modernas. Os antropólogos - que, à medida que continuaram o trabalho de Durkheim, descobriram que a base do consenso nas sociedades primitivas, reside num nível cada vez mais abstrato (ou simbólico). Curiosamente, porém, os seguidores de Durkheim - especialmente Lévi-Strauss,  também mostraram que as chamadas sociedades segmentárias, que Durkheim afirmou serem mantidas juntas pela “solidariedade mecânica” por crenças comuns, também são mantidas unidas pela “solidariedade orgânica” da diferenciação e da troca interna; mas criadas, no caso de muitas sociedades primitivas, não pelas relações supostamente “reais” da divisão do trabalho, mas pelas distinções simbólicas que são atribuídas a grupos, por exemplo, em “totémicos”. sistemas de classificação. Mas esta linha de investigação foi negligenciada pela antropologia e em parte, até mesmo pelo estruturalismo de Lévi-Strauss, que dá tamanha importância à atividade simbólica que descarta a história e as vidas das pessoas, ao todo, consideram que o nível simbólico é, em certo sentido, uma realidade secundária, que apenas reflete e copia alguma força determinante externa (no caso de Lévi-Strauss, a força estática da estrutura biológica).

Weber

A noção de Weber sobre o papel do significado na ação social é muito mais simples que a de Durkheim.  Weber preocupava-se com o significado da ação social porque na medida em que a ação humana era intencional, era motivada por desejos e satisfações. Assim, Weber, como Durkheim, sustentavam que um tipo de consenso - no caso de Weber, um consenso de valores - estava na base da ordem social. Para Weber, esse consenso tinha um formulário e um conteúdo. O componente da ação social era mais sentimental do que uma ordem lógica,  Mas Weber, ao definir o significado da maneira como o fez, também dissolve o conteúdo em uma consequência funcional da forma. A principal objeção atual à abordagem de Weber é dupla. Primeiro, argumenta-se, a concentração de Weber no significado como um sistema de valores ignora as dimensões cognitivas (ou lógicas) do significado, que eram tão importantes para Durkheim: as maneiras pelas quais os sistemas simbólicos em essência criam objetos para os sentidos. Outra objeção à abordagem de Weber é seu individualismo. Para Weber, significado ou intenção sempre foi uma característica da ação, e a ação sempre foi empreendida por indivíduos; o que tornou a ação “social” foi o facto de que ela foi orientada ou inspirada pelas ações dos outros. A abordagem de Weber tem muito em comum, nesse sentido, com abordagens fenomenológicas contemporâneas.

Um grande problema para a análise criada pela tendência individualista da teoria de Weber é descrever e compreender como é que os entendimentos ou significados individuais se tornam expressos em códigos e linguagens socialmente compreensíveis, e o efeito que tal expressão tem no conteúdo e nas implicações do entendimento original, esse problema da teoria weberiana torna-se o problema da relação entre interpretação individual (ou grupo) de eventos à luz de um código simbólico coletivo ou abrangente: e o problema agora vai para o coração da nossa compreensão de crença e símbolos: em uma palavra, cultura. A noção de sistema de Weber é fraca em comparação com a de Durkheim; mas o senso de Weber da complexidade do funcionamento dos sistemas é mais rico que o de Durkheim. A hostilidade de Weber à análise das estruturas - que ele via como reificações das categorias do analista - é complementada pela distinção radical de Durkheim entre estruturas e as pessoas que as preenchem, usam ou criam, e sua suposição de que são as estruturas que determinam as características significativas da ação. O que é necessário no estudo do significado é uma abordagem que equilibra essas duas perspectivas. Uma teoria que atenda a essa necessidade deve ter algumas características reveladas por nossas críticas a Durkheim e Weber. Primeiro, deve, como a abordagem etnometodológica, recusa-se a dar primazia absoluta na ação simbólica às estruturas formais das representações coletivas ou aos processos individuais de compreensão, interpretação, ajustamento e expressão. Deve, de fato, focar nos processos sociais nos quais esses dois tipos de força interagem: as relações sociais de comunicação e interpretação, e aquelas propriedades do próprio sistema simbólico, e do sistema social do qual o sistema simbólico é uma parte que dá coerência à comunicação: que estabiliza a ordem simbólica ou que a torna regular. O facto de que tal mudança é regular é provado pelo fato de que, mesmo durante os períodos da mudança simbólica mais radical, temos muito pouco a perceber um ao outro : esse fato também significa que nós não podemos ver as relações estruturais dos símbolos de maneira estática, “elementar”.

O significado

Para Kant, e para Weber e Durkheim, o significado era uma alternativa ao caos, é uma alternativa à desorientação cognitiva, que supera definindo o mundo (como coisa “natural”) através de um processo de discriminação e distinção entre os objetos nele contidos; Para os fenomenólogos e seguidores de Weber, o significado é uma alternativa à desorientação existencial, superada pela articulação de uma estrutura de valores em que as pessoas podem encontrar um lugar para si mesmas. A primeira coisa que podemos notar sobre os estudos da atividade simbólica que têm sido feitos desde Durkheim e Weber é que  essa dicotomia é um falso.

Estruturas simbólicas

Estruturas simbólicas - das formas 'elementares' às formas mais específicas e especializadas de ideologia, etos e visão do mundo - servem igualmente a ambas as funções. Além disso, a orientação cognitiva tem consequências afetivas ou existenciais (como é bem mostrado, por exemplo, no estudo de Lévi-Strauss, A efectividade dos símbolos , in Antropologia Estrutural, 1963); e o sentido do lugar de alguém no mundo, ou dos valores de alguém, tem um profundo efeito na percepção do mundo como objeto. O debate sobre essas duas formas de determinismo está na raiz de muitos dos conflitos e diferenças nos estudos simbólicos de hoje. Além disso, é extraordinariamente raro encontrar um estudo que não seja informado por uma ou outra posição. Mas ambos erraram o alvo; e seu co-domínio sobre o campo dos estudos simbólicos é o maior obstáculo para o desenvolvimento do campo e para a realização de seu potencial como uma ferramenta para o desenvolvimento da crítica sociocultural e nossa compreensão de nosso próprio potencial de desenvolvimento. Deve ser lembrado, no entanto, que a posição básica - que o significado é uma alternativa ao caos - é uma criatura do século XIX, uma inovação, na verdade, das grandes crises que varreram a sociedade européia entre a Revolução Francesa e a Primeira Guerra Mundial. Então, as alternativas para a sociedade burguesa - e as tendências duais do colapso da ordem social e da instituição de regimes absolutistas - foram obscurecidas pela proximidade dos estados absolutistas, que eram uma memória opressiva para todos os interesses sociais. Filosofia que foi formada em resposta à tradição liberal; e quando essas alternativas também eram obscurecidas pela aparente impossibilidade de realizar quaisquer alternativas “utópicas” concebíveis, a turbulência social era o caos - ou, no mínimo, a ameaça iminente do caos.

Totalitarismo e alienação

Para Weber, o totalitarismo e para Durkheim, a alienação incapacitante e o colapso social eram possibilidades animadas e poderosas que obscureciam qualquer outra. Mas uma das lições desse século de turbulência, assim como do encontro antropológico com formas extremamente diversas de sociedade, é que a ordem social, como tal, pode sobreviver à turbulência; de fato, agora percebemos que a turbulência  é o estado natural de existência das sociedades, que agora sabemos não ser uma sucessão de formas, mas de arenas nas quais o processo de formação da ordem social está perpetuamente ocorrendo. As ameaças do caos moldaram as teorias sociais que esperavam ajudar a evitá-las. Weber, na tradição platônica, olhou com horror para a institucionalização da paixão; Durkheim, o eu Seguidor consciente de Kant, viu com igual horror as possibilidades negativas da liberdade essencial das pessoas, o efeito destrutivo e centrífugo do que ele sentia ser a natureza essencialmente atomística da existência humana. Ambos viam crença e entendimento - significado - como a salvação da sociedade, como o controlador ou tradutor das tendências destrutivas. Essa visão é sentida, curiosamente, que a ação simbólica recebe uma posição secundária na formação da ação social. Os símbolos e seus significados, para servir ao papel que Weber e Durkheim previam e sinceramente esperavam, tinham que se referir a uma realidade completamente independente, para que pudessem controlá-la. Havia, no entanto, uma posição alternativa ao conjunto criado por Weber e Durkheim. Essa foi a tradição criada por Hegel e Marx. Sua aceitação foi dificultada pelo aparente misticismo do primeiro e pelo intransigente radicalismo do segundo. Mas tanto Hegel quanto Marx viram que a alternativa ao significado não era o caos: ele não existia. O significado - como uma estrutura cognitiva para a ação e uma constituição dos objetivos e desejos das pessoas que atuam - era um elemento essencial da existência humana, um aspecto da externalização do homem na ação e no trabalho.

 

1 Dolgin, L. J., Kemnitzer, S. D., & Schneider, M. D. (1977). Symbolic Anthropology. A Reader in the Study of Symbols and Meanings. New York: Columbia University Press.

2 Coleman, M. A. (2009). The Essential Santayana: Selected Writing. Indiana: University Press.

3 Pacchi, A. (1965). Convenzione e ipotesi nella formazione della filosofia naturale di Thomas Hobbes. Firenze: Nuova Italia.

4 Smith, A. (1996). A riqueza das Nações. São Paulo: Npva Cultura

 

Quarta Lição dia 26 de Março

 

 

Abordagens Contemporâneas e Problemas no Estudo do Significado

Tendo situado a problemática da antropologia cultural na história do pensamento social ocidental, podemos perspectivar uma história das simbologias africanas aplicando os resultados da semântica à antropologia africanista. Mas antes é bom considerar a forma como a antropologia dos símbolos e significados realiza o seu projeto.

Modalidades actuais de analise simbólica

Passamos por duas tarefas interrelacionadas: o delineamento e a crítica metodológica dos modos atuais de análise simbólica, considerando o intuicionismo fenomenológico, a semântica formal e outras perspectivas fundadas em um modelo linguístico de cultura, incluindo o estruturalismo. Finalmente, sugerimos brevemente uma direção de investigação antropológica que consistentemente, embora muitas vezes implicitamente, se opõe ao funcionalismo sociológico subjacente a cada uma das três perspectivas que acabamos de mencionar. A nossa consideração sobre o papel do significado na ação social começa com uma discussão de três inferências que foram tiradas da afirmação geral de que o significado é compartilhado, ou culturalmente constituído, implica símbolos que representam algo em algum aspecto; é necessário saber individuar a perspectiva metodológica que inspira uma ou mais escolas da antropologia cultural contemporânea,

O cerne da questão - a relação postulada entre significado, experiência e realidade - pode ser trazida. em foco mais claro.

Significado como Fenômeno Pessoal e Social

Após ter constatado a dimensão a dimensão social compartilhada do significado, a primeira conclusão a ser tirada da observação é que o significado social implica uma expressão simbólica  a partir de uma perspectiva fenomenológica, intuicionista ou hermenêutica (por exemplo, Geertz, 1973;1 Ricoeur, 1967). 

Significação

A noção de significado coincide com o acto de atribuir ou dar sentido ao mundo real através de um signo. Esta noção implica a possibilidade da compresença independente de um actor que viva e experimente a natureza real e objetiva de um mundo que conhece, signifique e interprete através de signos aos quais atribua um significado. A significação, requere que haja um significado e uma atribuição, por um lado, e uma experiência, por outro, e que existam independentemente, e possam ser relacionados uns aos outros por um actor que coloque um significado atribuído a um signo vivendo uma experiência.

Condicionamentos

Na base, dessa postura metodológica se pressupõe que haja a experiência objectiva e não condicionada pelo passado; também se pressupõe que o “preconceito” não interfira no processo de percepção e significação e que, portanto, os objetos sejam ou possam ser percebidos “enquanto tais”.

Percepção

Alem da distorção da percepção há o problema da própria natureza da percepção; e nisso nos confrontamos diretamente com a relação entre significado, experiência e realidade: a noção de que o significado se desenvolve através da simples associação da experiência a um signo. Desse ponto de vista, uma experiência é resumida num signo e, assim torna-se significativa e emerge um significado, ou a um conjunto de experiências é associado um signo que as torna significativas, através da atribuição deste signo. No entanto, há independência entre experiência e significado, e a criação de significado através da atribuição de signos à experiência.

As experiências do passado

O processo de percepção, deve ser enfatizado ao refutar a ideia de que significado e experiência sejam ou possam ser separados, é fundamentado na experiência passada, que é parte da constituição de um “conjunto” em base aos quais os eventos são realmente vistos e experimentado por actores reais em situações reais. Vital para esta experiência passada são os significados aprendidos que constituem um filtro para o experimentador conhecer e atribuir significados.

Agentes de socialização

No processo perceptivo e experiencial, há experiências prévias que ocorreram sob a orientação e interação de outras pessoas que se tornam paradigmáticas. As primeiras pessoas que orientam as interações das crianças e, portanto, as experiências e as percepções, são aquelas que as cuidam, educam e socializam. Essas pessoas disseram à criança o que deve procurar, como procurar, e como reagir - o que, em suma, significa:  'Não chore agora', ou: 'Você pode chorar agora', confortando em vez de proibir. Ou: 'Não toque nisso', ou 'Sinta isso. Sinta como é bom ”. É claro que foram eles também a ensinar à criança os nomes das coisas e indicaram o que esses nomes significam e implicam: eles ensinaram o que acontecerá se, e como a criança se sente quando, o que se deve fazer, e o que deve pensar e quando. Os agentes de socialização definem a situação das crianças, que não são deixadas livres de experimentar cada vez uma nova situação inteiramente por conta própria, mas acumularam experiência de situações acontecidas no passado.

Elaborar o significado

Mas mesmo que elas fossem deixadas sozinhas, a experiência anterior iria ser computada com as experiências sucessivas, e assim os significados seriam construídos na base de experiências passadas. Nesta senda, o significado é o produto, não somente da associação da experiência “bruta” com um “código” de nomes já analisados, mas da integração de sucessivos passado e presente em experiências objectivas, de um mundo existencial, que cada indivíduo cria, assume, apreende ( tornando próprias as experiências dos outros) e projecta interagindo com o mundo real e com os outros.

Significados individuais e sociais

Os Significados são construídos de maneira individual - como aqueles que foram construídos no contexto de relações sociais (familiares) - e não precisam necessariamente que sejam concordantes com os significados que outros membros da sociedade atribuem: assim, cada criança enfrenta, até certo ponto, por si própria a tarefa de tornar-se inteligível para os outros, sendo acreditada e respeitada por outros.

Socialização

Do ponto de vista do actor, esse processo é natural, por realizar-se no contexto de significados e signos atribuidos por outros, que estão além do controle do actor e que preexistiam antes que o actor entrasse e fizesse experiência na situação. Estas são parte da sabedoria e tradição, e parte da cultura dessa sociedade. As crianças não criam significados por conta própria, nem reagem num mundo como se tudo fosse novidade ma assumem significados que foram já elaborados por repetidas experiências que outros actores fizeram; A socialização constitui, entre outras coisas, a aprendizagem dos símbolos e significados numa sociedade e numa cultura cujas regras permitem a geração de novos significados inteligíveis, e estes são incorporados no conjunto perceptivo e experiencial da criança.

Def de cultura simbólica

Assim, a cultura é, ao mesmo tempo, o aspecto (ou o momento) repetitivo e compartilhado coletivamente da experiência e exisência na partilha e repetição da experiência de outros. Eventos, objetos, e experiências de vida, estão inseridos em um conjunto de significados enquadrados em um sistema de símbolos culturais. A “realidade” existe “lá fora”, mas não como “experiência pura” ou “evento puro”. Nesse sentido, a cultura é o aspecto significativo e simbólico da realidade concreta ou objetiva, e que permite a sua apropriação e conhecimento à consciência de outros.

Teoria geral da pratica simbolica

As tarefas da antropologia cultural, em fornecer uma teoria geral da prática simbólica, estão por trás das questões particulares que os antropólogos simbólicos perguntam: quais são as condições de existência? Como a vida é percebida, definida e simbolizada? Quais são os padrões especificados e diferenciados de acordo com as premissas sobre a natureza do universo? Como é que são formulados e como é que eles são exprimidos?

Representações colectivas

Para entender Durkheim, como é que eles são representados? As “representações coletivas” de Durkheim são “coletivas” porque compartilhadas por membros da sociedade e “representadas” em virtude de uma correspondência com a estrutura da realidade em que os seres humanos agem, vivem, se encontram, numa condição real.

As Orientações e motivações do ator, devem ser diferenciadas das orientações e motivações do sistema cultural onde se encontra. Cada actor apresenta problemas um pouco diferentes, embora estejam relacionados (como o sistema cultural é o leque de escolhas dentro das quais as pessoas criam e interagem numa vida em constante mudança).

Símbolos e significados

Se procurarmos explicar qualquer conjunto particular de símbolos ou significados, não podemos fazê-lo com base na experiência de um actor em particular, ou mesmo da experiência de um grupos de atores, precisamente porque a sociedade e seu sistema de significados existem antes do actor ter nascido. Isso não é negar a existência de certas características comuns da mente humana; mas as pessoas parecem, por exemplo, ser capazes de aprender uma língua, mas isso não significa que ao estudá-la inventem uma linguagem. Pode significar que a gama de formas linguísticas possíveis é limitada, embora não saibamos precisamente quais seriam essas limitações.

Produção de símbolos e significados

Apuramos o facto de que a estrutura da mente humana é capaz de, entender e produzir, sistemas de símbolos e significados, mas por que esses símbolos e formas simbólicas, e não outros? Se considerarmos, no entanto, a orientação do actor e considerarmos as motivações individuais, podemos ver como uma pessoa olha para o sistema existente, por assim dizer, usando signos e símbolos fornecidos pelo sistema e assim pode ser, manipulado e encaixado nas próprias motivações da pessoa. No entanto, embora devamos insistir na diferença entre as representações coletivas e os conjuntos de significados individuais - e embora devamos admitir, também, que a análise deve prosseguir, às vezes, como se a linha entre os dois fosse clara e definida, dando a cada dimensão uma certa medida de independência em relação a outra - também devemos perceber que essas duas coisas não são de facto “coisas”, mas  são símbolos.

Representações colectivas

As representações coletivas e os conjuntos de significados dos indivíduos são meramente aspectos de um todo único e complexo. Um aspecto ou interpretação pode predominar por um certo tempo ou em certo modo mas qualquer exame empírico é concebível, fora dos determinismos sócio-culturais impostos. O ponto aqui é que as estruturas simbólicas e enunciados particulares estão em uma relação dialética, na qual ambos os elementos assumem seu caráter real apenas como um produto da interrelação: a estrutura é, para usar a frase de Barthes,3 'o sedimento’, o fundo, a grelha construidos com séries e séries de actos particulares, congelados com o olhar do analista ou reificados por actores que tentam controlar os actos futuros de outros, e cada acto é de facto uma concretização de uma ou mais estruturas.

A linguagem simbólica

 É nessa dialética - mediada às vezes por necessidade e sempre por todo um complexo de relações sociais e processos históricos - que o significado está continuamente elaborado. A terceira conclusão extraída da noção de significado social envolve signos que representam algo usando de uma forma que se tornam “sinais” e significados que podem ser distinguidos e classificados. Tal inferência é desenhada com especial facilidade quando a linguagem é usada como modelo para a análise cultural e, especificamente, a modalidade que consideramos errada e que foi aceite por alguns que analisam a cultura do ponto de vista da lógica e semântica formal. Análises da linguagem, no entanto, mostram que, embora a função convencional da linguagem seja fornecer um container de objetos a serem usados ​​como sinais em conformidade a um conjunto de regras para seu uso, mesmo a linguagem não pode ser classificada tão simplesmente a partir dos objetos escolhidos como sinais, mas não significa, que aqueles que são significados, não sejam também signos.

Comunicar significados

A linguagem é também a linguagem usada para a análise e comunicação do significado. Um acto de linguagem pode ser visto - talvez um pouco mecanicamente, mas com uma certa precisão - como a união de um plano de expressão e um plano de conteúdo, reunidos por uma regra ou relacionamento. Mas essas unidades, juntas, podem se tornar o conteúdo ou o veículo expressivo de outro acto de linguagem, que é mais complexo da unidade mais simples, uma vez que exprime a expressão, o conteúdo e a relação entre eles. Qualquer expressão pode ser manipulada dessa maneira, e de várias formas a segunda de fins e géneros literários que exprimem a nossa cultura a sátira e comédia fornecem exemplos claros. Fazemos algo muito semelhante quando usamos palavras para definir outras palavras, ou para construir imagens, ou para dar sugestões sociais: de facto, é muito difícil isolar uma expressão linguística natural, sem um aspecto metalinguístico.  

Símbolo e significado

Sustentar que o significado e o símbolo são, em si mesmos, objetos é cometer uma falácia mal colocada (uma resposta); a nível sistêmico, há uma constante permutabilidade entre significado e símbolo em termos de contexto ou uso. Mas o significado e o símbolo não são dependentes como coisas do contexto: são relações, não objetos.

Ignorar este ponto, ver o significado e os símbolos como coisas, permitiu aos analistas culturais erigirem uma distinção entre estruturas simbólicas e estruturas concretas, diferenciar religião, ritual, mito, arte - formas “essencialmente” simbólicas - da economia, política, parentesco ou vida cotidiana - tidos como estruturas “essencialmente” concretas, baseadas nos factos “reais” de bens, poder, reprodução humana ou vida comum. Mas as Estruturas “concretas” são tanto produtos de um modo de vida como religião ou arte: nenhum ato humano é sem estilo, sem a forma que lhe dá significado. Ao considerar o que significa dizer “cultura” segundo a def de Tylor. E observando as implicações do caráter ativo ou criativo que acabamos de atribuir à ação simbólica, começamos examinando a noção, que tem sido aceite pela maioria dos estudiosos da cultura, de que os símbolos têm muitos significados, isto é, que eles são polissêmicos, multivocais ou multivalentes (uma exceção geral a essa noção são as linguagens especiais e funcionalmente específicas, por exemplo, a notação matemática).

Caracter polissémico doa símbolos

O caráter polissêmico dos símbolos é significativo para entender as relações da estrutura simbólica a ser analisada: se um símbolo tem vários significados, então a relação entre seus vários significados se torna importante e frequentemente problemática (ambiguidade). O caso limite das relações polissêmicas é aquele em que os significados de um símbolo não estão relacionados. Uma posição frequentemente adotada é que as relações polissêmicas implicam um significado primário, com outros significados sendo como derivações ou extensões do primeiro. Quando um conjunto de significados não tem relação com o que parece ser o mesmo significado primário, temos um caso de homonímia, isto é, dois símbolos aparentemente idênticos, que na verdade são bem diferentes porque têm diferentes conjuntos de significados. Um exemplo simples pode ser fornecido pelas palavras “Ngala” e “ngala” em umbundu. As palavras se escrevem iguais, mas se pronunciam com um tom diferente.  Ao postular um sentido primário e significados secundários, os significados secundários podem, como notado, estar relacionados ao significado primário sistematicamente (como por extensão metafórica).

Símbolos básicos  

A questão da primazia com os sistemas simbólicos tem sido tratados através das noções de símbolos “chave”, “núcleo”, “mestre” e “central” (seja para inteiras culturas ou para grandes partes delas): juntamente com os conceitos de “Metafora raiz” (Popper 1942) e “configuração” (Kroeber 1944), essas noções, não surpreendentemente, levantam exatamente o mesmo problema que o da polissemia. Duas relações básicas foram sugeridas como existentes entre os símbolos centrais e todos os outros elementos simbólicos. Símbolos centrais têm sido caracterizados como símbolos “elaborados”, com outros símbolos e significados vistos como derivados, analisados ​​como extensões “lógicas”, extensões metafóricas, ou mesmo como elaborações temporalmente sequenciais do “núcleo”.

Epitomes

Em contraste, os símbolos centrais podem ser visto como “epitomes” no sentido de que eles expressam ou evocam em um único ou pequeno conjunto de símbolos a matriz de símbolos e significados de uma cultura aparentemente diferentes; o símbolo “epitomizador” pode indicar sucintamente as características comuns dos diferentes significados e as maneiras especiais pelas quais eles se assemelham e se relacionam.Em contraste, os símbolos centrais podem ser vistos como “epitomizadores” no sentido de que eles expressam ou evocam em um único ou pequeno conjunto de símbolos a matriz de símbolos e significados de uma cultura aparentemente diferentes. o símbolo “epitomizador” pode indicar sucintamente as características comuns dos diferentes significados e as maneiras especiais pelas quais eles se assemelham e se relacionam.

 

1 Geertz, C. (2008). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC.

2 Ricoeur, P. (1967). Teoria da interpretação. Lisboa: Edições 70.

3 Barthes, R. (1964). Elementos de semiologia. (Cultrix, Ed.). São Paulo.

 

Sexta Lição dia 4 de Abril

 

Abordagens estruturalista e modelos linguísticos

 

Metáforas, metonímias e analogias

Há duas relações especialmente importantes entre significados e signos que emergiram análise antropológica da linguística: metáfora, metonímia e analogia. Seitel define os termos da seguinte maneira: “A metáfora, no sentido mais geral, é a relação que se estabelece entre entidades de domínios separados em virtude da relação que cada um tem com entidades em seu próprio domínio.” (1999: 143) E “Metonímia, no sentido mais geral é qualquer relação que se obtém entre entidades em virtude de sua inclusão mútua dentro do mesmo domínio ”(1972: 29 e 32). “Analogia”, escreve Maranda, “é uma operação da mente. Ela repousa sobre o reconhecimento das relações entre os termos: semelhança e contiguidade, em outras palavras, metáfora e metonímia. ”(1971: 117).

Embora esta exposição seja didaticamente útil como um ponto de partida para a análise do significado da ação social, é crucial observar que a exposição estrutural é baseada na compreensão de relações que são essencialmente estáticas. Como normalmente usado na análise cultural, os termos metáfora e metonímia são formulados de tal maneira a “operar” inteiramente sem especificação contextual.

Usos diferentes dos significados

Assim, quando um signo ocorre em um dado contexto definido normativamente ação, seu significado primário pode ser uma coisa, mas quando ocorre em outro contexto, então seu significado primário pode ser completamente diferente. Todas essas “coisas” podem constituir o corpus total de significados de um signo, mas nenhum deles tem qualquer prioridade, exceto no contexto onde é usado. Todos os usos, na medida em que cada um ocorre em um contexto normativo, são igualmente válidos e igualmente parte do significado. Os antropólogos, assim como as crianças, extraem de seus informantes um modo de discurso especializado: a explicação simplificada (e muitas vezes simplística), na qual a ambigüidade e a flexibilidade de princípios são tão necessários à vida real são filtrados. A criança, naturalmente, enriquece essas fórmulas com uma experiência e consciência cada vez mais sutis e complexas; Os antropólogos devem complementar sua observação com uma teoria e aplicá-la na vida cotidiana que seja igualmente abrangente e flexível.

O significado do signo é compartilhado.

O que faz um sentido “primário” é o fato de que é o significado que é normativamente apropriado para esse contexto particular; todos os outros significados associados a esse signo, mas em outros contextos, tornam-se subordinados.

Denotação e conotação

Isso também cuida do problema de denotação versus conotação. A denotação é simplesmente o significado próprio do signo dado sob as condições normativamente especificadas da sua ocorrência. Nosso conhecimento de que o signo também é usado em outros contextos e com outros significados, que podem ser utilizados nesta situação, bem como naqueles para os quais são normativamente envolvidos, tornando-se assim suas conotações. Mas denotação e conotação não podem ser estabelecidas fora do contexto. O argumento que estamos fazendo, portanto, é que a descrição estrutural-processual do sistema cultural como um todo (o conjunto daqueles aspectos que integram a sua estrutura, fornecem o padrão básico para sua existência). Esta forma holística parte de dados normativos e sócio-estruturais para descobrir as maneiras pelas quais o significado é articulado em, um contexto e numa situação ou numa problemática. Esta produção de sentido servem para reproduzir a ordem existente, com novas maneiras, talvez, através de novas situações e para novos actores. Mas, à medida que a análise continua, ela revela também como as normas e a estrutura sociais em si  são sedimentadas pela ação social, à medida que os mesmos significados são usados ​​por diferentes grupos sociais.

Texto e contexto

Os actores diferenciando-se dos outros estabelecem ou rejeitam relações de poder: assim, o papel produtivo ou constitutivo da ação simbólica também se torna objecto de análise. Geertz a partir de um modelo linguístico de cultura tendem a tratar a própria cultura como um “texto”, como algo que pode ser dividido em unidades para análise ou que pode ser entendido em geral através do estudo de material textual delimitado. Nossas noções de significado, símbolo e contexto tendem em outra direção.

Vemos o contexto ( separável do significado) como conjuntos de símbolos em relação a outros símbolos em sistemas estruturados no nível mais amplo; a relevância do contexto deriva do fato de que qualquer símbolo pode estar situado em mais de uma estrutura, sendo seu significado variável dentro dessas estruturas específicas de acordo com o contexto.

Estruturalismo

Devemos agora tornar explícita nossa crítica à abordagem estruturalista da cultura. A abordagem estruturalista - os principais defensores contemporâneos dos quais são Claude Lévi-Strauss, Roland Barthes (1964) (um crítico literário francês) e Michel Foucault (um psicólogo e filósofo francês), bem como Durkheim, Mauss, Saussure e outros - separa radicalmente nos problemas a forma de pensamento (e, portanto, sua expressão) do seu conteúdo; Nisto, o estruturalismo difere de uma perspectiva fenomenológica que tenta transcender a extrema diferenciação de

Kant: forma e conteúdo

Kant da forma e do conteúdo através do estudo do funcionamento da forma. O método de Kant não era determinista, pois não se preocupava em mostrar a causa dos fenômenos mentais, mas apenas em demonstrar que todos os fenómenos mentais se baseavam em estruturas mentais básicas. O programa estruturalista é o mesmo: a análise diz respeito a mostrar que o objeto - um texto, ou forma social, ou modo de ação - exibe alguma estrutura elementar. Além de calcular as muitas forças que entram na ocorrência de um fato social, ou na produção de um texto ou num acto, devemos isolar as estruturas 'elementares', descobrí-las, explicá-las, ou mesmo uma interpretá-las . De facto, é claro no processo de abstração que esse procedimento envolve, o fenômeno em si é perdido e deixa de ser o objeto de investigação, sendo substituído por uma estrutura “elementar” e o fenómeno não ou evento que supostamente “representa” é muito grande e, como é apresentado pelos estruturalistas, a relação é muito direta, muito sem mediação e interação com outros aspectos da prática mental, simbólica ou social.

Teoria das estruturas

Os estruturalistas afirmam (ver Lévi-Strauss, 1966: 116-17) que o programa de pesquisa que eles usam é provisório. Uma teoria da cultura, afirmam, não pode especificar mediações entre estruturas elementares e eventos reais, porque muitos deles estão fora da cultura. A cultura, como um aspecto ou tendência na determinação de eventos, deve, de acordo com os estruturalistas, ser estudada por conta própria antes que uma descrição razoável de sua relação com outros aspectos possa ser empreendida. Era a mesma realidade que tinha prefixado Franz Boas no seu artigo sobre as limitações do método comparativo na antropologia.   E, como observado acima, esta posição resulta na proposição completamente absurda de que há aspectos da condição humana, formas de ação, ou tipos de instituições, que não são simbolicamente constituídos e que atuam separados das operações de significado. , interpretação e significação. A ação humana sem um componente significativo é inconcebível. Significado, ação e a pessoa ”O que dissemos até agora é do ponto de vista de um sistema de símbolos e significados como um sistema, suspendendo o problema da sua relação com a orientação do ator à situação de ação.

Pessoa reduzida a palhaço

Agora nos voltamos para uma discussão desse problema, lembrando que a estrutura da situação de ação está em grande parte antes de qualquer pessoa em particular, que não cria e não pode inventar a cultura no local, mas aprende em grande parte a desempenhar os papéis e funções. aceitar os significados que a sociedade compartilha com essa pessoa. No entanto, como já foi observado, um ator assim concebido é uma espécie de manequim social, dificilmente um ser humano, alguém preenchido com uma cota de normas e papéis, e que, se corretamente configurado, pode sobreviver à vida. Para o bem ou para o mal, as pessoas não são manequins sociais. Elas estão “ligadas” até certo ponto, tendo aprendido seus papéis sociais e tendo aprendido o que significa quando certos sinais são dados. Mas eles também podem ser outra coisa: eles podem aproveitar a situação, sofrer estados agudos de intencionalidade, sentir alegria e dor mesmo quando não são socialmente supostos, tentar obter fins - muitos dos quais foram aprendidos segundo a ideologia dominante. Os que pesquisam, competem uns com os outros por objetivos escassos. Inteligência e intencionalidade tornam o actor social mais do que o manequim social. Com um pouco de inteligência e algum propósito mais ou menos sábio em mente, o actor pode pegar o conjunto de significados que são sabidamente associados a diferentes normas de uso e criar uma metáfora.

Criatividade  e inovação

Nenhuma teoria pode explicar ou prever adequadamente esse processo - essa criatividade é um facto fundamental que torna a investigação social diferente de outras, e não é redutível ou explicável em termos de qualquer outra coisa; mas podemos estudar as relações entre esses actos criativos e o ambiente social em que eles ocorrem. As pessoas podem ir junto com um inovador ou resistir a toda a tentativa de inovar. Mas o ser humano, agindo, pode colocar nova vida em antigos significados, pode definir um significado particular como primário e rebaixar todos os outros ao status conotativo   e se for carismático, ou em uma posição de liderança estabelecida, ou for capaz de mobilizar forças sociais, então novos significados terão que surgir, novas metáforas terão que ser criadas. E, embora, até certo ponto, o resultado desse processo seja moldado pelo código simbólico, que limita a gama de possíveis significados, bem como fornece os materiais e ferramentas (e, em certa medida, pelo menos o ímpeto) para criar novos significados, O processo também é modelado, e seu resultado é determinado pelos processos sócio-organizacionais que diferentes grupos ou indivíduos mobilizam no processo de “circulação” de novos significados, o debate sobre eles, as várias ações práticas que têm, como um dos suas características, a negociação de significados novos ou antigos então, metáfora e metonímia não se aplicam à estrutura de sistemas de significados afastados das intenções dos actores. Uma metáfora é feita por um poeta ou um orador; não é um caráter inerente da estrutura de um sistema de significado, nem descreve apenas relações entre signos. No nível da cultura como um sistema de símbolos e significados, não há metáforas, apenas símbolos dentro de estruturas de outros símbolos, associados e diferenciados uns dos outros. Há formas específicas em que significados e símbolos se relacionam uns com os outros.

 

Seitel, P. (1999). The Powers of Genre. Oxford: University Press.

Lévi-Strauss, C. (2015). Antropologia Strutturale. Milano: Il Saggiatore.

Foucault, M. (2000). As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes.

Boas, F. (2005). As limitações do método comparativo na antropologia. In Antropologia cultural (pp. 25–39). Rio de Janeiro: Zahar.

 

Sétima Lição dia 11 de Abril

 

 

Estilo, comunicação e constituição da cultura

Devemos reafirmar a noção de que os seres humanos formam sociedades, que os membros da sociedade compartilham um sistema de símbolos e significados, tecnicamente chamado “ cultura ”, e que esse sistema de símbolos e significados representa a realidade do mundo em que vivem suas vidas. Se esse sistema de símbolos e significados está estreitamente integrado e estreitamente integrado (ou mesmo vagamente integrado) é uma questão em torno da qual há muita discordância.

Cultura simbólica

 O grupo de pessoas - sejam de duas ou trezentas ou algumas centenas de milhões - tem que interagir  umas às outras tudo isso deve ser compartilhado, mesmo que nem todos concordem com a definição de cada um. Eles devem ter pelo menos alguma noção do que as outras pessoas acreditam, eles devem ser capazes de dar sua resposta aos outros, e receber a resposta dos outros a eles, para interagir com eles e certamente se comunicar com eles. E a comunicação é a condição sine qua non de qualquer sociedade humana.

Cultura simbólica como sistema

Se a cultura de um grupo de pessoas constitui, em certo sentido, um todo integrado, qual é o fundamento para sua integração? Um modo de integração tem a ver com os papéis sociais que as pessoas desempenham para preencher os pré-requisitos funcionais para a manutenção de qualquer sistema social e, é claro, para as pessoas dentro dele. As pessoas devem ser alimentadas. Elas devem se reproduzir. E deve haver alguma ordem para tal; a integração do sistema cultural fornece definições comuns do estado de coisas chamado vida, alguma forma de conceituar todas as coisas que tornam a vida física e social possível; e dá sentido também àqueles que fazem valer a pena viver; o estilo de vida que é a singularidade e a identidade de qualquer pessoa tem sido comprovado pelas pessoas muitas vezes como valioso como comer.

Cultura simbólica catalizadora nos conflitos sociais

A cultura é, portanto, indispensável à integração do sistema social em dois sentidos: proporciona a constituição, por assim dizer, dos papéis e relações individuais a partir dos quais a vida cotidiana é construída; e fornece as características unificadoras - que podem ser vistas como uma dimensão estética - dessas atividades. Qualquer que seja a relação postulada entre cultura e sociedade, entre pensamento e ação - se eles podem ser vistos como distinguíveis na análise (como argumentado por Kroeber e Parsons 1958), ou como um embutido no outro, ou como aspectos inseparáveis ​​de uma única unidade - a vida deve ter significado, as coisas que as pessoas fazem devem ser comunicáveis ​​- e isso implica um sistema de signos ou símbolos em que esse significado é incorporado e expresso.

Abstrair os símbolos

Apesar das dúvidas funcionalistas, não sabemos o suficiente sobre a vida cultural das pessoas. Até aqui sabemos o suficiente para saber o quão pouco sabemos. Nós devemos assumir a capacidade de aprender e inventar  e usar a linguagem,  como uma forma de comunicação;   Mesmo aceitando que existem capacidades específicas para a cultura em termos de espécie humana, a questão sobre quais são os parâmetros destes, quais são os universais qual é o alcance das variantes e em que sentido eles ocorrem. É importante também considerar o aspecto simbólico da cultura como um aspecto fundamental que as pessoas vivem. Cada acção realizada por uma pessoa tem seu aspecto simbólico, seus significados. Podemos a partir das ações concretas das pessoas. abstrair esses significados e enquadrá-los no sistema de significados é verdade, mas devemos lembrar que os abstraímos. Como abstração, a cultura não pode seguir suas próprias leis; em vez disso, as regularidades que mostram são aquelas que são inerentes às ações das quais o simbólico e o significativo são abstraídos.

Como Formular símbolos

Fundamental para o estudo da antropologia simbólica é a preocupação com a forma como as pessoas formulam sua realidade. Devemos, se quisermos entender isso e relacioná-lo a uma compreensão da ação deles, examinar sua cultura, não as nossas teorias; estudar seus sistemas de símbolos, não as nossas suposições  sobre o que poderia ou deveria ser; o que eles realmente fazem, não aquilo que presumimos ser universal e, portanto, atribuímos a eles - muitas vezes apenas descobre-se que o que pensávamos ser universal afinal não era tão universal. Em outras palavras a nossa tarefa não é estudar formas, mas a praxis (que faz uso, cria e se relaciona com formas) - considerar a autoconsciência e ação consciente - e para isso, precisamos de um método, uma teoria, que não se dissolva ma antes que suporte a nossa pesquisa sobre a cultura simbólica.

A análise das formas “religiosas”

Antes de nos voltarmos para a consideração da práxis, discutimos várias abordagens para o estudo de formas religiosas que consideramos importantes. Primeiro porque o estudo de símbolos e significados com a antropologia (objecto da 'antropologia do simbólico’) começou, em grande parte, com estudos sobre o comportamento religioso, formas rituais, magia, mito e festas. Por muito tempo foi sustentada a noção marxista de que os aspectos simbólicos da realidade, embora importantes mas eram essencialmente epifenomênicos e, em última análise, menos que 'reais'. Nesta senda a religião, magia, ritual e arte têm, com outras formas “expressivas”, exercitaram um monopólio sobre as funções simbólicas, tornando o pensamento e a racionalidade subalternos.

Símbolos representativos da sociedade

A religião (como arte, música e magia) existe para representar as realidades da vida social, desenvolvida numa visão que abrange certos tipos de ação (às vezes chamadas de “instituições”) “Baseadas” e socialmente reconhecidas e ordenadas a lidar com os factos reais e concretos da vida: que são fatos colocados são as vezes,  fora do sistema social.

Instituições econômicas e de parentesco

Assim, as instituições econômicas lidam com a produção, distribuição e consumo de bens e serviços ; As instituições de parentesco são vistas como o reconhecimento social dos fatos biológicos reais da reprodução sexual mas  o sistema de parentesco  é melhor compreendido à luz dos conceitos dos nativos. Algumas pessoas, sustentam, crenças errôneas sobre aspectos da reprodução, são factos que existem e devem ser tratados no contexto das condições que suportam, e  adaptam e  sustentam à vida social. Assim, por exemplo o casamento, o parentesco, funcionam para regular o comportamento sexual e as normas econômicas, funcionam para regular as necessidades de compra, se estas tendências não fossem canalizados haveria o caos.

Rituais de passagem

A concepção de ritos de passagem de Van Gennep fornece um exemplo analítico esclarecedor  (Van Gennep 1909/1960). Esses ritos característicos, tendendo a ocorrer durante a transição de uma pessoa de um status para outro (por exemplo, da juventude para a idade adulta, da iniciação para a maturidade), têm sido entendidos como eficazes para aliviar a dificuldade inerente de tais transições. Existem, no entanto, várias tendências dentro deste quadro analítico geral. A variante patentemente funcionalista assume um efeito dinâmico dos rituais no  seu cenário social, independentemente do conteúdo específico do ritual;

Ritual catalizador social

O ritual é, portanto, visto como o coagulador para a disjunção social (Turner, 1957, é um excelente exemplo dessa abordagem). Uma abordagem mais simbólica entende o ritual como uma incorporação directa de transições e movimentos sociais, sendo essa corporificação simbólica responsável pela eficácia dinâmica do ritual como agente social terapeuta para reajustar divisões (basta ver que nos obitos os que eram inimígos se reconciliam. O obito como lugar para recompor as relações sociais). Dentro da perspectiva simbólica, tem sido sugerido que os rituais se desenvolvem em reação e encapsulam uma réplica cultural a objetos e eventos socialmente ameaçadores. Diferentes explicações do ritual assumem a prioridade (lógica ou temporal) de um sistema social não simbólico que induz o estresse que é encontrado, por sua vez, por respostas rituais. Assim, enquanto a economia lida com a realidade fundamental de um mundo exterior e parentesco com realidades mentais da biologia humana, o ritual é tomado para lidar com problemas que a vida social cria para si mesma, problemas que seguem, em geral, prioridades' da própria vida social. Tais análises assumem que o ritual e suas atividades “expressivas” afins são análogas a um curativo para a sociedade.

Cultura material e vida social simbolizada

Corpo; religião e arte (incluindo gráficos, música, dança, máscaras, mukixi) são examinadas como declarações simbólicas de problemas com a vida e são pensadas para ter a mesma função. Assim, a religião, em geral, como o ritual, é vista para proporcionar conforto, é vista como uma forma de auto-expressão projetando-se na forma representativa do além, a alegria do paraíso ou o inferno da vida. A realidade “básica” sobre parentesco, economia ou mudanças de status celebrados por rituais ocorrem apenas em sociedades e são, antes de tudo, atividades socioculturais. A suposição de que a vida social é anterior à cultura levou a criar o ritual, enfatizando a natureza especial ('ritual') do ritual (diferente do cotidiano) ou seus aspectos simbólicos, ignorando toda a organização social do ritual. Do mesmo modo, os aspectos simbólicos e significativos da economia, do parentesco e das transições de status foram negligenciados. Quando o ritual e o parentesco são comparados, descobrimos que cada um deles implica um sistema de status, papéis e regras que dirigem o papel de como devem ser desempenhados, como os estatutos sociais se relacionam e como as pessoas se movem através desses status. Cada um tem seus usos; cada um aplica seus aspectos simbólicos e significativos. De facto, a crença de que o parentesco ordena os factos da reprodução biológica é em si uma declaração cultural interessante. Não é mais suficiente distinguir domínios semânticos que contrastam, interagem ou permanecem independentes, e associar significados, símbolos ou funções a esses. Símbolos existem no contexto de outros símbolos, em estruturas ordenadas; as formas simbólicas devem ser seguidas através das estruturas, se quisermos fazer mais do que considerar os problemas que colocamos externamente, se é que devemos explorar as estruturas de significado em uso.

A práxis simbólica

No nível das relações formais entre símbolos e estruturas simbólicas; temos pressupostos funcionalistas sobre o 'representatividade’, derivada do status quo, que mantem a natureza da atividade simbólica. Temos dois pontos básicos sobre a atividade simbólica:

(1) estruturas simbólicas formais são estruturas em uso (são entidades que são usadas por uma pessoa ou grupo para se referir a uma diferente entidade, para uma audiência);

(2) as relações funcionais entre estruturas simbólicas e outros aspectos da vida social devem ser entendidas, não como uma operação superorgânica que serve a um papel a priori nas relações de outras operações superorgânicas, mas como uma estrutura de intencional dos actores. Assim, por exemplo, a distinção entre símbolos que impelem e dirigem a ação e aqueles pelos quais o mundo é imaginado, compreendido e expresso é dissolvida a nível formal (sintático); há uma política do look e da performance que a nível simbólico predilige símbolos oficiais como tipos de uso: qualquer símbolo pode ser usado de qualquer forma e, embora esse uso seja limitado pelo lugar do símbolo em estruturas que pré-existam a situação específica, as próprias estruturas são reformuladas à medida que são usadas.

Praxe simbólica

O processo ilustrado aqui é a praxis: a complexa unidade de pensamento e ação, significado (como um aspecto objetivo ou consequência da ação, bem como significado intencional) e intenção. A ação não se origina apenas da construção cultural e simbólica do mundo de uma pessoa, de dentro mas na elaboração do sentido que pessoa assume dentro do grupo, e é interpretada e interpretada por “nativos”, bem como por antropólogos, à luz de tais situações. Devemos perguntar não apenas como os símbolos são estruturados e tornados significativos, apesar de estudar os processos pelos quais as formas simbólicas criam-se e são criadas em ação, mas também sobre a dominação, incluindo as formas de opressão que são sustentadas, promovidas e produzidas na vida cotidiana das pessoas. Cada ação ou situação de ação produz ou se torna um resultado e, como tal, torna-se parte do ambiente de eventos futuros em virtude da sua reificação como um sinal de valor (mais geral ou abstrato) ou objeto que geralmente é considerado seja bom ou desejável. Toda situação de ação é lugar onde se celebra tal reificação; e como essa reificação é a chave prática e a raiz ontológica da dominação, toda situação de ação é o local ou a negociação ou a luta contra a dominação.

Antropologia do significado

Portanto, uma sociologia da reificação, e especialmente sua base na vida cotidiana, é um projeto central de uma antropologia do significado que unifica a teoria e coloca em unidade: os processos simbólicos com os quais as pessoas entendem seu próprio mundo e suas ações, seus objetos e consequências. O processo de reificação é aquele em que as pessoas apropriam-se de suas histórias criadas como “naturais”, através das quais as construções culturais são imbuídas de um sentido do inevitável. Dentro da antropologia, a noção de objetivação tem sido usada, a celebração litúrgica implica uma externalização e re-internalização do significado através da ação autoconsciente de o mundo e a redescoberta do self em ação, que envolve a superação da alienação no momento da auto-realização; e, em segundo lugar, aquelas reificações que envolvem a alienação de pessoas de suas próprias externalizações (isto é, a incapacidade de ver as ações de uma pessoa como sendo verdadeiramente suas). O problema é viver uma profunda harmonia com a natureza na qual os rituais se encaixam. O ponto aqui é que, ao discutir o papel do significado na ação social, estamos lidando com dois tipos de processos, cujas relações são claramente mostradas na noção de reificação. Por um lado, toda ação humana implica a realização externa de uma ação simbólica cujo  objeto refere a um conjunto de compreensões, noções sobre a natureza das coisas, ações e pessoas, que são moldadas pelos desejos e intenções dos seres humanos enquanto actores que vivem numa sociedade.

Cultura e níveis

Na análise concreta dos produtos humanos, então quando se deseja pesquisar as relações que intercorrem, é necessário atingir o mesmo nível de relevância, ou tomar holisticamente todos os níveis possíveis.

Sobrevivências

Qual é o significado a atribuir às palavras. As chamadas sobrevivências de tyloriana memória, por exemplo, entendidas como formas de cultura atrasadas em comparação com ao seu originário contexto  económico social, estes são realmente tais apenas num museu. Até que um facto cultural continua a viver há sempre um sistema econômico que lhe é funcional. É verdade que certos traços culturais continuarão a existir mesmo após o desaparecimento das formas de vida económica e social que os originaram, mas isso é possível porque eles são reinterpretados com novas funções e em um novo contexto. Quando os evolucionistas falavam do folclore como duma massa de sobrevivências, esqueceram, o conjunto de sistemas de comunicação que organizava o universo existencial de fatos e estilos de vida de pessoas que vivem e não por fantasmas.

Mudanças

A mudança económico, social e cultural ocorre de forma síncrona. Isto significa que a realidade humana não pode ser vista como uma secção transversal articulada  de níveis de natureza, económica, social, cultural, organizados em ordem cronológica e necessária, mas como uma esfera organizada em áreas interessadas por uma intrincada rede de relacionamentos. A mesma natureza que através do biológica universal surge como determinantes para o comportamento humano, na realidade, pode ser determinada por sua vez a partir da cultura. Sabe-se, por exemplo, como um dos fatos essenciais da civilização, que o cozinhar alimentos, deterinou no homem o desaparecimento do diastema maxilofacial.

Niveis sociais e culturais

Portanto, a complexidade dessas relações deve ser referida a discrepância que determina entre os níveis culturais e económicos.  Ao contrário do que se poderia esperar de fato, níveis sociais e níveis culturais não têm o mesmo plano.  Enquanto cada nível cultural está ligado ao seu próprio nível social, nem todos os indivíduos que pertencem a esse nível aderem a modelos culturais que lhes são próprios.  Por várias razões que não são apenas imputáveis a estratificação sócio-econômica, um número considerável de membros da classe médio-baixa por exemplo imita comportamentos culturais específicos doutras classes com a tendência a mais óbvia de concentrar-se sobre os padrões das classes hegemônicas.

Na verdade se o status sócio-cultural do indivíduos se apresenta muitas vezes inconsistente e por vezes contraditório, a nível de estruturas profundas e o seu universo cultural permanece profundamente enraizado no contexto sócio-económico do seu universo de origem, também porque este é o lugar da formação da sua personalidade básica.  Mas quando se escolhe de aderir conscientemente a padrões culturais que pertencem a outros níveis esta escolha provoca mudanças estruturais.

De facto muitos jovens de extração pequeno-burguês, embora nos seus comportamentos não afectam diretamente as estruturas sociais do seu nível de pertença os comportamentos e as ideologias alternativas manifestam, ainda que inconscientemente, eles se movem dentro dos fundo ideológicos e dos modelos específicos a este nível.

Cultura como representação colectiva

Portanto a cultura, em concorrência com o momento sócio-econômico, destaca-se como um controlador dos nossos comportamentos: não temos nós o controle da nossa cultura, é a nossa cultura que nos controla. Há formas de agir e de pensar que não são obra de um indivíduo, mas emanam duma autoridade moral que transcende o indivíduo (Durkheim 1963: 156).

Para Radcliffe-Browna ideia de que a cultura determina o comportamento do indivíduo era  "um absurdo”.  Para Leslie White no sistema cultural humano é o factor cultural que determina os acontecimentos " (1969, 116), a ideia é ser rejeitada é considerar a cultura apenas como o conjunto de  "representações coletivas ".  A ideia básica é que a cultura seja um conjunto de representações colectivas.

Os códigos

A relação destes modelos com as situações concretas em que se encontram a operar os indivíduos, determina precisamente a discrepância entre modelos ideais e modelos reais. Muitas vezes o modelo ideal assume um papel conservador para garantir a continuidade do grupo; o outro o modelo real desempenha uma função inovadora porque intimamente relacionado com a transformação gradual do contexto sócio-económico em que a cultura, enquanto realidade comunicativa, tornou-se factor organizativo e constitutivo. Vista a correlação entre língua e cultura, a primeira coisa que vamos reconhecer na cultura é um código. Portanto o código consiste numa gramática e num dicionário. Podemos considerar os modelos de uma cultura a sua gramática. Porque as culturas são organizadas em relação a contextos sociais específicos relacionados com os processos de produção, em cada sociedade socialmente estratificada há sempre mais códigos, e mais modelos.

Van Gennep, A. (1977). Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes.

Turner, V. (2005). Floresta de Símbolos. Niteroi: Univerdidade Federal Fluminense.

 

 

Sétima Lição dia 18 de Abril

Cultura e significação

a convicção de que a cultura é o universo da significação.

Como definido acima, na verdade, a cultura é algo menor e algo mais do que é entendido na definição bem conhecida e substancialmente compartilhada de Edward Bumett Tylor em Primitive Culture (1871:1):

«A cultura, ou civilização, entendida em seu amplo sentido etnográfico, é aquele conjunto complexo que inclui conhecimento , crenças, arte, moral, direitos, costumes e quaisquer outras habilidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade» .

É algo menos porque se visto do ponto de vista metodológico, exclui da análise antropológica os factos culturais e os seus aspectos não semióticos, na realidade, do seu ponto de vista, inexistentes por serem culturais. É algo mais porque não só se identifica ao significar o traço distintivo da cultura, mas também torna a realidade do próprio homem consistente.

Traços distintivos da cultura

Constituem o material e as ferramentas através das quais e nos quais eles se conhecem e se reconhecem, produzem e reproduzem o seu mundo. Sinais e símbolos na essência não são apenas um traço característico do homem como tal: sua essência, seu destino. A condição humana também consiste na produção e consumo de sinais e símbolos. Nada para o homem tem realidade fora deles e ele mesmo perde sua identidade como homem.

Cultura versus natureza

É claro que a distinção, implícita no que acabamos de dizer, entre uma realidade que é significada e uma realidade que não é significativa, corre o risco de representar a antiga dicotomia constitutiva da cultura ocidental: cultura versus natureza, uma versão mais moderna do antigo: espírito versus matéria. No entanto, esse risco é facilmente evitável, tendo em mente que a realidade não significada é uma parte constitutiva, como Morgan (1871) já sabia, da realidade significativa.

Significação

A produção de significação, isto é, a atribuição de significados tanto no momento da codificação como da descodificação, ainda que culturalmente condicionada, talvez precisamente por essa razão, é inseparável da realidade natural e social. Para ser ainda mais claro: os fatores culturais existem como produtos dos processos cerebrais de atribuição de significados, mas estes não poderiam existir sem aqueles. Além disso, conforme o significado da comunicação, a cultura é impensável fora da dimensão social, então, integrando Aristóteles, é fácil entender que a sociedade é a condição inescapável da língua, sabendo bem que é a comunicatividade que permite a existência da sociedade.

Continuum

Assim, as grelhas tradicionais com as quais estamos acostumados a ler o mundo saltam. A cultura não nos aparece mais como um todo ordenado dividido em compartimentos, mas como um continuum no qual cada elemento é a condição que permite a existência dos outros e de todos os outros. Portanto a cultura não é um conjunto taxonómico de sentidos filologicamente encaixados uns com os outros, mas a cultura se apresenta como um rebus de palavras cruzadas cujo fascínio consiste na solução. perpetuamente procurada, mas nunca definitivamente encontrado proveniente do conjunto de leis que a organizam e a sistematizam na sociedade.

Conceito e estatuto da cultura

O conceito de cultura ocupa um espaço tão vago que é quase impossível delimitar suas fronteiras. O significado do termo e seus equivalentes, de nação para nação, de grupo para grupo, de indivíduo para indivíduo, e mesmo de momento para momento no comportamento verbal do mesmo indivíduo que a produz. A cultura, abana-se  em um arco semântico, que parte da indicação apenas de produtos muito especiais do intelecto, considerados qualitativamente valiosos, até a denotação significativa de toda a realidade humana. Isso naturalmente termina com a restrição ou a dilatação dum fenômeno cultural até ponto de negá-lo. Na verdade, é óbvio que aquilo que no primeiro caso  pode ser individuato, definido e descrito como cultura para alguns, para outros não é.

Cultura vida do universo

Mas no segundo caso, o da dilatação de um fenomeno é evidente que o uso alargado e totalizante de  um termo até o ponto de incluir nesse termo tudo o que pertence ao homem,  leva a identificar a cultura com a vida, com o universo de significados que marca uma cultura etc. Quando nós queríamos aceitar a definição de cultura dada por M. Herskovits :

«tudo o que no ambiente é devido ao homem» (1952, 6),

nós de fato encontraríamos a questão perturbadora de definir aquilo que não é considerado cultura, dado que a mesma representação do próprio ambiente é devida ao homem e que nós operamos dentro dessa mesma representação. Em outras palavras, se a cultura é tudo o que é devido ao homem, essa abrange tudo, até mesmo o contínuum espaço-temporal, porque mesmo essa concepção muito particular da realidade é um produto humano. Portanto, parece evidente que um conceito funcional de cultura deve referir-se a um fenômeno mais concreto e claramente delineado. Mesmo que se começa a partir de uma modelagem global da realidade, sem desconsiderar o trabalho filosófico realizado até agora nesse sentido, deve-se colocá-lo entre parênteses como operacionalmente irrelevante (Rossi, 1970).

Uma primeira aproximação do problema leva a ordenar o conjunto da realidade em dois grandes subconjuntos: aquele da realidade sendo experimentada e o outro da realidade não experimentada. Deixando de lado este último, porque, até que permaneça assim, não pode pertencer à cultura, pois não pertence ao homem, o discurso se coloca dentro da realidade experimentada.

Duas classes de fenômenos

Aqui é possível reconhecer imediatamente duas grandes classes de fenômenos, aqueles que ordenamos sob o rótulo comum de realidade objetiva e aqueles que, com termos vagos mas adequados, podemos dizer realidade, intelectual. Alguns autores estão inclinados a identificar a cultura com esta última classe de fenômenos, acabando, mais ou menos conscientemente, por cavar uma lacuna intransponível entre cultura e natureza e assim dividindo o homem em duas secções distintas e entre elas antitéticas. Ao ultrapassar essa dicotomia deve-se perspectivar uma análise da realidade intelectual e outra da realidade objectiva. Na série dos fenómenos que pertencem à primeira, encontramos, por um lado, os processos mentais e, por outro, os produtos desses processos, enquanto os elementos que constituem o segundo podem ser transformados ou não transformados pelo homem. Numa primeira aproximação seria possível entender por cultura

«a soma dos produtos de processos mentais e as transformações por meio de tais produtos operadas na realidade».

Desta forma, os processos mentais e a realidade objetiva não transformada permaneceriam fora da cultura, como momentos naturais do fenômeno que temos descrito. Duas objeções podem ser colocadas a essa definição do conceito de cultura: a) a distinção entre processos mentais e seus produtos não corresponde à produção concreta do pensamento: os dois momentos não são somente contemporâneos, mas também inseparáveis; b) a diferença entre realidade objetiva transformada e realidade objetiva não transformada é questionável; mesmo a realidade objetiva não transformada, como experimentada e, portanto, representada, é o produto de uma transformação.

Essas objeções são de grande ajuda tanto para a superação da falsa oposição entre natureza e cultura, metodologicamente útil, mas, se considerada como um dado objetivo, fonte de perigosas ambiguidades; seja para chegar a uma definição mais correta do conceito de cultura em si. De fato, eles destacam que natureza e cultura são dois aspectos do continuum da realidade humana, distinguíveis apenas por uma necessidade cognitiva. Nessa chave, a teoria científica da cultura formulada por Malinowski (1984) é esclarecida, e as dificuldades insuperáveis ​​encontradas por muitos autores são compreendidas quando tentam restaurar fenômenos como a proibição do incesto à natureza ou à cultura (White, 1949). , 281 e segs.). Além dos traços que a distinguem como tal, portanto, a cultura só pode resultar a partir da relação entre o homem e a natureza, sempre que na sua suposição sincrônica ela seja entendida como culturalmente mediada, segundo a fórmula de L. A. White (1949, 45) para o comportamento humano:

organismo humano x estímulos culturais = comportamento humano.

Cultura resultado da harmonia com a natureza

Se a cultura é tomada como resultado do relacionamento harmônico entre o homem e a natureza, sua diferença em relação a esta última é idêntica àquela que existe entre os elementos de um relacionamento e seu produto. Considerando, portanto, que no homem e na natureza existem constantes e variáveis, também na cultura elas terão que ser reconhecidas e, de fato, elas são reconhecidas como constantes, embora relativas e variáveis.

Traços distintivos

Os três traços aparentemente contraditórios mas distintivos da cultura são assim compreendidos:

1) o seu ser universal e individual,

2) estática e dinâmica,

3) inconsciente e consciente (Herskovits 1952, 7).

A cultura é universal, porque é o caráter constitutivo e permanente de todos os homens, mas é individual, porque em cada um deles manifesta-se com resultados diferentes. É estática porque sua persistência ao longo do tempo impõe sua repetição, mas é dinâmica porque o homem, sob a pressão das várias condições a que está sujeito, é forçado a um trabalho contínuo de sua reinterpretação e invenção. A estabilidade da cultura é favorecida pela sua transmissão de geração para geração, isto é, pelos chamados processos de inculturação, e sua mudança também pelos chamados fenômenos de crescimento cultural, pelas complexas relações de troca que são definidas pelo contato entre culturas. diferente. Finalmente, a natureza estática da cultura, assegurada pela repetição, permite a sua fruição inconsciente, o dinamismo, em vez disso, é devido aos processos de reinterpretação e invenção, que  promove a sua produção consciente.


 

Tylor, E. B. (1871). Primitive Culture. London: John Murray.

Buttitta, A. (1996). Dei segni e dei miti. Una introduzione alla antropologia simbolica. Palermo: Sellerio.

Herskovits, M. (1952). Economic Anthropology. New York: Alfred Knopf.

Malinowski, B. (1984). Una teoría científica de la cultura. Madrid: Sarper.

White, L. (1949). The Science of Culture. A Study of Man and Civilization. New York: Grove Press.

 

Lição dia 25 de Abril

 

Gabriele Bortolami

A Cultura Angolana e a perspectiva da antropologia do mundo contemporâneo,

In IIIª Semana_da_Sociologia da COESO (Luanda 25-26 Abril de 2019).

 

 

 

Formas de explicar a diversidade

Nos últimos anos, a antropologia tem sido crescentemente desafiada por formas alternativas, altamente articuladas e publicamente visíveis de explicar a unidade e a diversidade da humanidade. Por um lado, disciplinas humanistas (às vezes agrupadas como 'estudos culturais')  e, por outro lado, abordagens baseadas em ciências naturais (psicologia evolucionista ou sociobiologia de segunda geração, sendo a mais poderosa), propõem respostas para alguns dos problemas tipicamente levantados na antropologia social - relativas, por exemplo, à natureza da sociedade, à complexidade étnica, parentesco, ritual e assim por diante.

Etnografia, história e letteratura

Os relatos credíveis da cultura e da sociedade devem ter um componente etnográfico, e que o conhecimento adequado de sociedades tradicionais ou de outras formas remotas.

A Antropologia é menos um assunto do que um vínculo entre assuntos. É em parte história, em parte literatura; em parte ciências naturais, em parte ciências sociais; esforça-se por estudar os homens tanto de dentro quanto de fora; representa uma maneira de ver o homem e uma visão do homem - a mais científica das humanidades, a mais humanista das ciências (Cliffor, 2002).  É como uma viagem que leva o viajante das úmidas florestas tropicais do Kwilo Futa ao semi-deserto frio do Kwando Kubango; das ruas da cidade alta de Luanda às cabanas de barro da Serra de Canda; dos arrozais de Sanza Pombo aos campos de milho do Bailundo. O objetivo deste curso é duplo: fornecer mapas úteis e indicar alguns dos principais pontos culturais da nossa Angola (bem como alguns sites menos visitados).

Objectivo da antropologia

O objetivo da antropologia não é elaborar uma lista das variedades culturais das pessoas, mas nos ensinar a compreender o problema multi-facetado, fascinante, (complexo e muitas vezes insondável, multi-dimensional da vida humana). Assim, descobriremos semelhanças e diferenças, tramas e distâncias. Em suma, aprenderemos a conhecer um pouco mais sobre os seres humanos, mover nossos pensamentos e nossos passos melhor em uma realidade que é tão global e lotada e repleta de particularidades em alto risco de degeneração ou conflito.

O que requere a antropologia

A antropologia é, ao contrário, uma disciplina que requer observação constante, atenção, a habilidade de estabelecer ligações entre coisas que aparentemente são desprovidas de vínculos e, acima de tudo, uma boa dose de desapego interessado. Aqueles que estudam antropologia devem, de facto, estar interessados  em coisas que são ‘alheias’, ou suscitam alguma perplexidade entre nós, tais como certas crenças, práticas de rituais, relações de parentesco ou celebrações colectivas da morte não devemos julgá-los instintivamente, pensando que nosso próprio modo de ser seja o mais importante  (Augé, 1998).

O homem é essencialmente um ser de cultura O longo processo de hominização começou há mais ou menos quinze milhões de anos. Da cultura derivam os papéis e as funções que se reservam ao homem ou à mulher. Onde não há constrangimento é a cultura que determina o comportamento.

Por assim dizer a cultura remete aos modos de vida de uma sociedade.

Implica a adaptação do homem ao meio ambiente.

Noção de cultura

A noção de cultura é importante para acabar com as explicações que invocam a natureza como único meio de explicação do comportamento humano.

A noção de cultura se aplica somente ao ser humano E ela oferece a possibilidade de conceber  a unidade do homem na diversidade de seus modos de vida e de crença.

Esta é a razão pela qual o exame do conceito científico de cultura implica o estudo da evolução histórica, da sociedade angolana ligada à génese do Estado Nação e à ideia moderna de cultura. Esta génese revela que, há formas diferentes de entender a realidade cultural angolana. Este esforço revela questões sociais fundamentais  (Cuche, 1999).

Onde nasceu o conceito de cultura

No contexto do Iluminismo francês a cultura era a soma dos saberes acumulados como totalidade ao longo da história e transmitidos pela humanidade, e reflecte o universalismo e o humanismo associados ao progresso da humanidade. A ideia de cultura participa do otimismo do momento, baseado na confiança no futuro perfeito do ser humano. No contexto colonial a cultura foi associada à civilização e designava a afinação dos costumes, e concretamente a praxe colonial de arrancar o selvagem da irracionalidade e da ignorância para civiliza-lo.

Tylor e a Cultura angolana

Segundo a definição de Tylor a cultura angolana já não é clara e simples, exige, no entanto, uma análise atenta. Pode-se ver que ela não pode ser puramente descritiva e objetiva ela rompe com as definições restritivas e individualistas. Será que é a expressão da totalidade da vida social do homem angolano? Ela se caracteriza por sua dimensão coletiva. Enfim, a cultura angolana é adquirida mas não depende da hereditariedade biológica. A cultura é adquirida e a sua origem e seu carácter são atributos sociais. Se Tylor é o primeiro a propor uma definição conceptual de cultura, ele não foi exatamente o primeiro a utilizar o termo cultura em etnologia. Ele mesmo, no uso que faz desta palavra, é também  influenciado diretamente por etnólogos alemães que, de acordo com a tradição romântica germânica, utilizavam Kultur  com um sentido objetivo, principalmente por se referir à cultura material. Na cultura material angolana podemos por cada etnia definir aquilo que significa e simboliza a angolanidade (Cuche, 1999: 36)

A Aculturação

A aculturação permitiu de ultrapassar as divisões culturais e sem aparecer um fenómeno negativo justificou as modalidades habituais para uma sociedade evoluir culturalmente, permitiu também de renovar o conceito de cultura. Nas sociedades complexas há sempre encontros culturais. Mas há hierarquias sociais que determinam hierarquias culturais, mas de facto as culturas locais não são privas de autonomia nem de capacidade de autogerir-se.

Cultura e identidade

A defesa da autonomia cultural é ligada à preservação da identidade colectiva. Cultura e identidade são conceitos que indicam a mesma realidade, vista por diferentes pontos de vista. Pesquisas sobre sociedades angolanas diferentes fizeram aparecer a coerência simbólica do conjunto das práticas (sociais, económicas, políticas, religiosas) do povo angolano em particular e das etnias e culturas angolanas em particular.

O estudo atento do encontro das culturas angolanas revela que este encontro se realiza segundo modalidades que levam a resultados contrastantes segundo as situações de contacto  (Bortolami, 2017: 447-448) .

A pesquisa etnográfica em Angola

A antropologia é uma disciplina baseada em trabalhos etnográficos aprofundados que lidam com questões teóricas mais amplas no contexto de condições locais particulares - para parafrasear um volume importante da série: grandes questões exploradas em lugares pequenos. A série tem uma missão particular: publicar trabalhos que se afastam da etnografia descritiva de estilo antigo  (Esterman, 1960) - que é fortemente orientada para os estudos de área - e oferecem argumentos teóricos genuínos que interessam a um público muito mais amplo, mas que estão localizados e baseados em sólida pesquisa etnográfica.

«O indígena mais alienado, da aldeia mais perdida do continente, mais distante ele é, mas ele pertence a um mundo maior. A relação com o outro é estabelecida em proximidade, real ou imaginaria. E o outro, sem o prestígio do exotismo, é simplesmente o estrangeiro, muitas vezes temido, mais por que é diferente do que demasiado próximo. O campo da antropologia como estudo da modalidade das relações com o outro, amplia-se ainda mais, (...) torna-se mais complexa»  (Augé, 1998: 25).

Se a antropologia procura um lugar no mundo intelectual contemporâneo, então certamente deve ser através de tal pesquisa (Rosman, 2009: 28-45).

Pergunta de partida

Partimos da pergunta: 'O que é que esse material etnográfico pode nos dizer sobre as maiores questões teóricas que dizem respeito às ciências sociais?', podemos também revirar a questão dizendo 'o que é  que essas ideias teóricas podem nos dizer sobre o contexto etnográfico?'. Como Clifford Geertz disse uma vez: Os antropólogos não estudam as aldeias; eles estudam nas aldeias (Geertz, 2004).

Por lugar queremos dizer não apenas localidade geográfica, mas também outros tipos de 'lugar' - dentro de sistemas políticos, económicos, religiosos ou outros sistemas sociais. Portanto, publicamos trabalhos baseados na etnografia dentro de movimentos políticos e religiosos, grupos ocupacionais ou de classe, jovens, agências de desenvolvimento, nacionalistas; mas também o trabalho que é mais temáticamente baseado - no parentesco, na paisagem, no estado, na violência, na corrupção, no eu (Kanneh, 1998).

Antropologia disciplina global

Hoje, a antropologia é uma disciplina global, mas está distribuída de forma desigual pelo mundo. Por muitos anos, era comum distinguir entre uma antropologia 'social' britânica e uma 'cultural' americana. Hoje, esse limite é impreciso (Appadurai, 1996).

Estudo comparativo da sociedade angolana e da cultura

Devemos adquirir um modo de pensar antropológico. O estudo comparativo da sociedade e da cultura é uma atividade intelectual fundamental, com implicações importantes para outras formas de envolvimento com o mundo (Augé 1998: 27). Através do estudo de diferentes sociedades, aprendemos algo essencial não apenas sobre os mundos das outras pessoas, mas também sobre nós mesmos. Em certo sentido, os antropólogos se destacam em tornar o familiar exótico e o exótico familiar através da comparação e do uso de conceitos comparativos e a tal coisa abunda na etnografia colonial (Guerreiro Viegas, 1968).

Área de interesse da antropologia social

A antropologia social e cultural tem toda a sociedade humana como sua área de interesse, e tenta entender as maneiras pelas quais as vidas humanas são únicas, mas também o sentido em que somos todos semelhantes. Quando, por exemplo, estudamos o sistema econômico tradicional dos Bakongo, uma parte essencial da pesquisa consiste em entender como sua economia está conectada com outros aspectos da sua sociedade. Se esta dimensão estiver ausente, a economia dos Bakongo torna-se incompreensível para os antropólogos. Se nós não sabemos que os Bakongo tradicionalmente não podiam comprar e vender terras, porque eram possesso da kanda, seria claramente impossível interpretar a situação econômica deles, as mudanças impostas à sua sociedade durante o colonialismo no século XX. A antropologia tenta explicar a diferenciação social e cultural do mundo, mas uma parte crucial do projeto antropológico também consiste em conceptualizar e compreender semelhanças entre os sistemas sociais e as relações humanas. Como um dos principais antropólogos do século XX, Claude Lévi-Strauss (1908–2009) expressou:

«Antropologia tem a humanidade como objeto de pesquisa, mas ao contrário das outras ciências humanas, tenta apreender seu objeto através de suas mais diversas manifestações»   (Lévi-Strauss, 1983: 49).

Diferentemente formulada: a antropologia descobre como as pessoas podem ser diferentes, mas também tenta descobrir em que sentido pode-se dizer que todos os seres humanos têm algo em comum. Outro proeminente antropólogo, Clifford Geertz (1926–2008), expressa uma visão semelhante em um ensaio que trata essencialmente das diferenças entre humanos e animais: se quisermos descobrir o que o homem faz, só podemos encontrá-lo naquilo que os homens são: e o que os homens são, acima de todas as outras coisas, é diferentes. É no entendimento do que é a diversidade - seu alcance, sua natureza, sua base e suas implicações - que chegaremos a construir um conceito de natureza humana que, mais do que uma sombra estatística e menos que um sonho primitivista, tem tanto substância quanto verdade (Geertz, A interpretação das culturas, 2008: 52). Embora os antropólogos tenham interesses abrangentes e frequentemente altamente especializados, eles compartilham uma preocupação comum em tentar entender as duas conexões dentro das sociedades e as conexões entre as sociedades (Cheater, 1989).

Teorias antropológicas angolanas

À medida que nos aprofundarmos nessa pesquisa através do método e das teorias da antropologia social e cultural, há uma infinidade de maneiras de abordar esses problemas. Se alguém está interessado em entender por que e em que sentido os Ovimbundo acreditam nas bruxas (e porque a maioria dos europeus deixaram de fazê-lo)  (Malungu, 2005) por que há maior desigualdade social entre Kamussequele, e Kwanhama? (Guerreiro 1968: 129). Se alguém está interessado no estudo da religião, na educão de filhos, no poder político, na vida econômica ou na relação entre homens e mulheres, pode recorrer à literatura antropológica e buscar inspiração e conhecimento. Os antropólogos também estão preocupados em explicar as inter-relações entre os diferentes aspectos da existência humana e, geralmente, investigar essas inter-relações, tomando como ponto de partida um estudo detalhado da vida local em uma sociedade particular ou em um ambiente social mais ou menos delineado (Malinowski, 1966).  Pode-se, portanto, dizer que a antropologia faz grandes perguntas, enquanto, ao mesmo tempo, extrai seus horizontes mais importantes a partir de lugares pequenos. Por muitos anos, era comum ver seu foco tradicional em sociedades não industriais de pequena escala como uma característica distintiva da antropologia, em comparação com outros assuntos que lidam com cultura e sociedade. No entanto, devido a mudanças no mundo e na própria disciplina, essa não é mais uma descrição precisa.

Estudo dos sistemas sociais

Praticamente qualquer sistema social pode ser estudado antropologicamente e a pesquisa antropológica contemporânea apresenta uma gama enorme, tanto empírica quanto teoricamente. Alguns estudam feitiçaria em Luanda, outros estudam a diplomacia. Alguns viajam para o deserto de Namibe para trabalho de campo, enquanto outros pegam o candongheiro para a Camama. Alguns analisam as adaptações econômicas dos migrantes, outros escrevem sobre as redes sociais, outros sobre as crenças  (Bortolami, 2017).

HISTÓRIA ANGOLANA E CULTURA

As palavras fazem a história. Se isto é verdadeiro para todas as palavras, é particularmente verificável no caso do termo "cultura". O "peso das palavras", é grandemente influenciado por esta relação com a história, e é a história que faz a cultura (Cuche 1999: 17).

O civilizado angolano

O colono português admitia um degrau de desenvolvimento na estrutura social: o civilizado. O Estado enquanto estrutura sócio-política deve libertar de tudo aquilo que é irracional; a civilização era intendida como o processo de assimilação da cultura africana àquela europeia  (Serrão Ravara, 1970).

Processos de aculturação

O aculturado pertencia à camada distintiva da burguesia intelectual urbana e os traços característicos dos assimilados, manifestavam uma cultura,  sinceramente e profundamente ligada, à pátria lusitana especificamente portuguesa. Isto escondia um mecanismo psicológico ligado a um sentimento de inferioridade do assimilado angolano cuja classe social criada pela administração colonial portuguesa se sentia alinhada ao poder e às honras da portugalidade que legitimava o assimilado a possuir uma certa consciência de pertença ao ultramar português  (Pinheiro, 1963).

Os civilizados

Dentro das populações angolanas as que viviam em contextos urbanos eram mais avançadas que outras neste movimento, e submetidas a um processo de civilização podiam ser consideradas como "civilizadas", todos os povos, mesmo os mais "selvagens", tinham vocação para entrar no mesmo processo de assimilação cultural.

Nacionalismo angolano e cultura

Os então nacionalistas angolanos alimentavam aspirações nacionais sonhando de pertencer à um “povo, de ter uma história e de procurar um destino”  (Savimbi, 1979). Pois cada cultura exprimia à sua maneira um aspecto da nova nação angolana. Este modelo cultural era propriamente ligado ao sonho iluminista de marca francesa-alemã onde a unidade nacional era realizável e possível com uma intelligentsia cuja missão nacional era procurar a unidade no plano cultural das diversas etnias angolanas.

Cultura socialista

Em Angola na véspera da independência o termo civilização perdeu a sua conotação aristocrática da burguesia intelectual portuguesa passando a evocar modelos culturais ligados ao mundo socialista que sonhava uma unidade cultural angolana além das diferenciações étnicas que se opunham ao sonho socialista. Portanto a noção de cultura angolana debateu-se entre assimilados à pátria lusitana e aspirantes ao comunismo soviético (Pimenta, 2005).

 

A civilização colonial

No período colonial estabeleceu-se a diferença entre "cultura" e "civilização” segundo os moldes e a característica do contexto da época. Nós agora privilegiamos finalmente "cultura", e é por compreender que "civilização", mesmo se tomada em um sentido puramente descritivo, perdeu seu caráter de conceito significativo na cultura angolana pois a sociedade colonial aplicava este conceito às sociedades consideradas "primitivas".

A etimologia da palavra civilização remete à constituição das cidades coloniais (Serpa Pinto, Carmona, Pereira d’Essa, Silva Porto etc), mais tarde depois do período colonial o sentido que a palavra tomou nas ciências históricas designa principalmente as realizações materiais, pouco desenvolvidas nessas sociedades.

Abordagens exóticas

A invenção da noção de cultura revela que se trata de um termo mais adequado para a cultura ocidental.  O problema da cultura africana reflecte uma concepção que reinava durante o período evolucionista onde ao apreciar exoticamente e etnocentricamente a cultura africana achavam que se tratasse de uma sociedade sem cultura, e que as sociedades africanas não se colocassem o problema de definir sua própria cultura pois não a possuíam.

Civilização evolucionista

A civilização foi sempre entendida em termos evolucionistas foi definida como um processo de melhoria  das  instituições,  da  legislação,  da  educação longe  de  estar  acabado é um processo que  afecta  a  sociedade  a começar pelo  Estado,  que  deve-se  libertar de  tudo  o que  é  ainda  irracional  e que impede o seu funcionamento.

Finalmente, a  civilização  pode  e  deve-se  estender  a  todos  os  povos  que  compõem  a  humanidade (Cuche, 1999: 22).  Se  alguns  povos  estão  mais  avançados que outros  neste  movimento,  se  alguns  (França, Inglaterra)  estão  tão  avançadas  que  já  podem  ser  consideradas  como  "civilizadas",  todos os  povos,  mesmo  os  mais  "selvagens",  têm  vocação  para  entrar  no  mesmo  movimentode  civilização,  e  os  mais  avançados  têm  o  dever  de  ajudar  os  mais  atrasados  a  diminuir  esta  inferioridade. Eis a justificação da intervenção colonial tanto invocada que até camuflou-se de luso-tropicalismo em autores que sempre foram na avanguarda  (Paulo Freire)  (Bender, 1978).

"Cultura", para Tylor, na nova definição dada, tem a vantagem de ser uma palavra neutra que permite pensar toda a humanidade e romper com uma certa abordagem dos "primitivos" que os transformava em seres à parte (Tylor, 1873: 1).

Em Angola

A “cultura angolana” que foi cultivada entre a camada pertencente à burguesia intelectual portuguesa na segunda década do 1900, foi sucessivamente convertida num marco distintivo do nacionalismo angolano cultivado nas camadas da classe intelectual que se destacava sempre mais dos moldes administrativos coloniais. Esta camada social almejava sua cultura com sinceridade, profundidade e espiritualidade que mais tarde tornou-se um traço característico da identidade angolana.

  

Panoramas culturais

A cultura angolana, no sentido antropológico, é aquele processo que coloca todos os angolanos com suas características étnicas, pertencentes a um determinado nível social, situados num determinado momento histórico e circunscritos num determinado espaço no mesmo nível. A antropologia cultural oferece uma perspectiva que permite romper pontos comuns, estereótipos e preconceitos que escondem os mecanismos de construção da realidade cultural angolana. Por exemplo, nesta sala nos permite compreender, monitorar as actividades de um grupo por meio da pesquisa de campo, integrando-nos da língua, hábitos e costumes, crenças e comportamentos.

Compartilhar

De acordo com a perspectiva antropológica, os membros de uma sociedade vêm o mundo de maneira semelhante porque compartilham a mesma cultura. Consequentemente, os angolanos têm diferentes visões do mundo porque suas culturas são diferentes. Alguns eventos da existência humana, como nascimento e morte, são comuns a todos os homens; outros elementos da vida, como regras de namoro, casamento, óbitos são diferentes. Além disso, de uma cultura para outra, o significado que as pessoas atribuem a esses eventos muda.

Celebrações colectivas da morte

A morte, por exemplo, para alguns povos marca a simples passagem de uma pessoa para outro mundo; para outros, é o epílogo da vida. Entre algumas populações é considerado um acontecimento natural e inevitável, em outros acredita-se que é sempre causado pelo feitiço, pelo que cada morte desperta a suspeita e o pedido de vingança (ndokimulozi). Em Angola, a morte é acompanhada de manifestações marcantes de luto pela pessoa desaparecida; em outros lugares, nos Estados Unidos, por exemplo, a dor está escondida como se fosse algo para se envergonhar. Assim, o homem, na sua capacidade simbólica, atribui significado a coisas, eventos, ações e povos, e os antropólogos designam esse processo como cultura.

Abordar a diversidade

Quando as pessoas dão o mesmo significado à experiência, elas compartilham e expressam a mesma cultura, quando isso não acontece, as diferenças culturais são determinantes e o panorama cultural se enriquece de mudanças. Um dos objetivos dos antropólogos é entender as razões dessa diversidade para superar a confusão inicial causada pelo confronto entre diferentes culturas. De fato, entre todas as práticas e crenças humanas existentes, muitas podem parecer estranhas: por exemplo, o efiko (Kwanhama), a casa das tintas (Cabinda) ou outros ritos praticados nas comunidades de interesse etnográfico. Os apresamentos e as abordagens etnocêntricas que expressamos sobre as crenças e práticas de outras pessoas criam um dilema. De fato, se acreditamos que os significados que os outros atribuem à experiência sejam errados, incorremos no preconceito etnocêntrico, que é intolerável intelectualmente e impede qualquer tipo de compreensão e abordagem antropológica. Se, ao contrário, acreditamos que as crenças e práticas devem ser enquadradas no seu próprio contexto etnográfico a que pertencem e podem ser apreciadas neste contexto, incorremos em preconceitos etnocêntricos.

Etnocentrismo

A ideia de que é impossível fazer julgamentos morais sobre as crenças e práticas dos outros parece moralmente intolerável, pois levaria a aceitar qualquer crença ou prática. Talvez então, antes de condenar crenças ou práticas que são prejudiciais aos direitos humanos, devemos nos esforçar para compreender seu significado no contexto da cultura a que pertencemos. O conflito entre etnocentrismo e relativismo tem uma implicação prática; durante a pesquisa, de fato, os antropólogos no campo se encontram em uma encruzilhada: ou manter a 'distância ética' do objeto de estudo e permanecendo 'objetivos’ ou mudar perfil ético participando das crenças e práticas analisadas?

Não é fácil entender as diferentes visões de mundo (Bakongo, Curoca, Tutchokwe, Vahelelo, Akwakimbundo). Então o antropólogo, para ver a realidade por trás das aparências, deve se livrar de suas próprias pré-comprensões sobre os diferentes aspectos que compõem a cultura angolana e tomar uma abordagem participativa. No entanto, os antropólogos concluem que a compreensão de outras culturas só pode ser parcial, pois só se pode saber algo sobre o que significa o efiko sendo Kwanhama.

Bibliografia

Appadurai, A. (1996). Dimensões cukturais da globalização. Lisboa: Teorema.

Augé, M. (1998). Hacia uma antropologia de los mundos contemporáneos.Barcelona: Gedisa.

Bender, G.J. (1978), Angola under the Portuguese. Berkeley: California University Press

Bortolami, G. (2017). Feticci e credenze religiose dei Bakongo.Roma: Eurilink University Press.

Cheater, A. (1989). social Anthropology.London: Routledge.

Cliffor, J. (2002). Dilemas de la cultura. Barcelo: Gedisa.

Cuche, D. (1999). A nocção de cultura nas ciências sociais. São Paulo: Verbum.

Esterman, C. (1960). Etnografia do Sul-Este de Angola. Lisboa: Junta de investigação do Ultramar.

Geertz, C. (2004). O saber local. Novos ensaios de antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes.

Geertz, C. (2008). A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC.

Guerreiro Viegas, M. (1968). Bochimanes !Khu de Angola. Lisboa: Junta da Investigação do Ultramar.

Kanneh, K. (1998). African Identities. London: Routledge.

Lévi-Strauss, C. (1983). O onhar distanciado. Lisboa: Edições 70.

Malinowski, B. (1966). Argonauts od Western Pacific. London: Routledge.

Malungu, M. (2005). Os Ovimbundu de Angola.Roma: Vivere in.

Pimenta, T. F. (2005). Brancos de Angola. Autonomismo e Nacionalismo (1900-1961). Coimbra: Minerva.

Pinheiro, J. (1963). Subversão e contra-subversão. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar.

Rosman, A. (2009). The Tapestry of Culture. New York: Rowman.

Savimbi, J. (1979). Angola. A resistência em busca duma nova nação. Lisboa: Agência Portuguesa de Revistas.

Serrão Ravara, R. M. (1970). Contrinuição para uma política de reordenamento no ultramar. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar.

Tylor, E. B. (1873). Primitive Culture. London: Routledge.

 

 

Lição dia 2 de Maio

 

 

 

 

IDENTIDADE E HISTÓRIA DOS BAKONGO

A área de investigação deste estudo diz respeito ao grupo étnico Kongo, cujo ambiente geográfico abrange três nações africanas: o norte de Angola, a República Democrática do Congo (de Matadi a Kisantu) e o antigo reino de Loango. No norte de Angola, a etnia Bakongo é distinguida em muitas linhagens. Cada linhagem tem uma expressão linguística particular que constitui uma variante do kikongo, a língua falada pelos Bakongos. Entre as linhagens Bakongo, uma diz respeito sobretudo ao campo de pesquisa, e será a dos Muxicongos que fala a variante de Kikongo chamada Kisansala. Esta variante é a mais prestigiada por ser a língua falada em Mbanza Kongo, capital do antigo reino de Kongo, e centro de irradiação da cultura kongo.

Localização geográfica

Para conhecer o contexto em que se localizam as tradições orais coletadas, é necessário conhecer a literatura produzida a partir da segunda metade do século XVI até os dias atuais. São relatos de viagens feitas por mercadores, ou por missionários, mas também de toda historiografia portuguesa, italiana e flamenga.

A etnia dos Bakongo está localizada no norte e nordeste da República de Angola, na fronteira com a República Democrática do Congo. As fronteiras deste território estão localizadas entre a 4ª latitude sul paralela e o 11º meridiano longitude Este centro urbano mais importante é a cidade de Mbanza Kongo. Os limites culturais são marcados pelo rio Zaire a norte, da Ponta do Padrão a Noki, seguindo uma linha convencional que acompanha o 5º paralelo de latitude sul até ao rio Kwango. Esta fronteira forma uma espécie de fronteira com a Manianga, Nsundi, Mbata, Lula, Nkanu e mais a leste com os Bayakas da região de Kasongo Lunda. A região é atravessada pelo rio Zaire, um nome que é usado para designar todo o território. Deste topónimo, na mesma região, a província do Zaire foi derivada após a independência. Além disso, há outra grande hidrovia na área, chamada M'Bridge, que deságua no Atlântico. Na mesma área, finalmente, há o rio Loge, que tem sua foz no oceano perto de Ambriz.

Clima

Em geral, a região de Bakongo, devido à sua posição entre o 4º e o 18º graus de latitude sul, o clima é o das bandas equatoriais com baixas pressões; mais ao sul, começa a zona de transição, caracterizada por anticiclones tropicais de baixa pressão. Por esse motivo, no Norte há um clima mais nublado com chuvas mais abundantes. A terra é ondulada com depressões perto dos rios que formam os lombos na direção norte-sul. No Zaire, em que área, como mencionado anteriormente, a maioria das aldeias de Bakongo já está estabelecida há algum tempo, o clima é subúmido e envolve uma faixa de 150 km ao longo da área semi-árida da costa atlântica. O clima úmido tem picos mais altos e ocorre mesmo em áreas isoladas das serras da Serra de Kanda e da Serra de Mukaba. É caracterizada por uma estação chuvosa entre setembro e abril, com uma precipitação média que varia entre 1500 e 750 mm. No Norte, o céu está mais nublado e a chuva é mais abundante, enquanto na faixa costeira o céu está claro e as chuvas escassas. A temperatura média não excede 27,4 graus Celsius e não cai abaixo de 17,2. Durante as chuvas frequentes, a chuva atinge valores superiores a um milímetro por minuto e, assim, a água adquire grande força erosiva. O tipo dominante de vegetação é a savana, enquanto ao longo dos rios e nas estufas existem trechos de floresta tropical. A aparência da cobertura vegetal depende da extensão do período chuvoso e do período seco. No nível produtivo, esse tipo de clima favorece a agricultura monocultural da qual os Bakongo se tornaram especialistas. Este sistema climático e produtivo determina que eles têm, durante a estação seca, horários fixos de caça e pesca ainda conduzidos nas formas coletivas tradicionais.

Organização social

Em relação à organização social tradicional, fora da atual estrutura estatal de Angola derivada da colonização portuguesa, até recentemente o Bakongo constituía uma realidade sociocultural de um tipo organizado de acordo com uma estrutura monárquica de estado. Cada linhagem dependia diretamente de uma relação de sujeição ao rei do Congo, que absorveu simbolicamente todas as suas reivindicações. O rei controlava o reino através de vassalos que organizavam administradores

hierarquicamente eles coletavam impostos; a dependência foi expressa, portanto, concretamente pelo pagamento de um imposto anual e ajuda militar em favor do soberano em caso de guerra. O aparato estatal, de tipo tributário, estava entrelaçado, para a arrecadação do imposto (mpaku), com a organização tradicional: o tributo era pago pelos membros da linhagem a uma das autoridades que mantinham a aldeia chamada senhor de Nsanda (Mfumu em Nsanda), por sua vez, prestou homenagem ao homem que administrava um conjunto de aldeias chamado Duque, que pagou diretamente ao rei. Essa hierarquia colocou a figura do rei aos olhos de seus súditos em um contexto simbólico extremamente distante, embora fosse muito fácil para qualquer um ser recebido na audiência.

O reino do Kongo

Os atributos e prerrogativas da realeza foram assumidos pela similitude também pelos princípios que governaram as províncias de Nsundi, Mpemba, Mbamba, Soyo, Mpangu, Mbata. Eles estavam ligados por relações de vassalagem ao rei que residia na capital Mbanza Kongo. Para o rei, no entanto, foi reservado o privilégio de nomear os outros princípios, com base no carisma da soberania que foi conferido a ele pelo consentimento das linhagens de descendência real (Mpanzu, Nsaku, Nzinga). Os príncipes que administravam as províncias antes da atribuição de títulos nobres europeus eram chamados de Mani e estavam intimamente ligados ao rei; alguns deles faziam parte do tribunal, do qual participavam regularmente para pagar impostos e organizar a administração do reino. No início do século XX, a administração colonial impôs uma nova figura de um rei que ia além da organização tradicional de linhagens pertencentes ao grupo de famílias que se enquadravam entre aqueles com aspirações de sucessão ao trono real. Na história da colonização do Zaire, de fato, em 1483, os portugueses vieram pela primeira vez. Naquela época, o Congo já era um estado mais ou menos centralizado, organizado em torno da capital do reino. Em 1630 após a conquista do Nordeste do Brasil. os holandeses chegaram e intensificaram seu comércio com as regiões do Golfo da Guiné. Naquela época, como se sabe, as fronteiras ainda não estavam bem definidas e as competências coloniais sobre essas regiões, até a Conferência de Berlim, eram bastante indefinidas. De acordo com os acordos relativos de 1886 entre Portugal e Bélgica, as fronteiras entre Angola e Congo foram definidas. Na sequência destes factos, os Bakongo do Norte de Angola foram divididos naqueles da actual República Democrática do Congo.

Em relação ao problema do sistema monárquico do Reino do Congo, é necessário ter em mente o sistema que os europeus encontraram no momento de sua expansão.

Autarquias...

A administração colonial usou a nomeação de líderes locais (Soba), que controlavam um determinado território (sobado), colaborando com as autoridades portuguesas (Chefe do Posto). Esse expediente visava controlar o território governando a organização de linhagens, nas quais, entre outras coisas, a estrutura social tradicional, o aparato produtivo e a divisão do trabalho se baseavam. Esse tipo de reorganização administrativa determinou que os Bakongo foram reunidos em grandes linhagens (Makanda), controladas administrativamente por uma autoridade local chamada Soba e, no nível tradicional, pela Linhagem Chefe (Mfumu a Kanda).

Hoje

Os Bakongo estão presentes em duas províncias angolanas: Zaire e Uije. Segundo as estatísticas fornecidas pelo censo de 2014, 8,24% da população angolana fala a língua Kikongo (Governo de Angola, 2016, p. 51) na província do Zaire há 594.428 indivíduos, enquanto na província de Uije, cerca de 1.483 0,118. Portanto, levando em conta o crescimento demográfico médio e o constante aumento dos vários grupos, após o retorno dos ex-refugiados de guerra, no último censo de 2014 a população de Bakongo tinha 2.077.546 habitantes. Ocupam principalmente a província do Uíge, com uma área de 58.698 quilómetros quadrados e a do Zaire com uma superfície de 40.130 quilómetros quadrados; Assim, existe uma densidade demográfica entre 20,7 e 5 habitantes por quilómetro quadrado, respectivamente (Government of Angola, 2014, p. 89).

Grupos étnicos angolanos

Angola apresenta uma composição complexa de grupos étnicos distribuídos no Sul, na fronteira com o cinturão de Caprivi, onde estão presentes os seguintes grupos étnicos: Herero, Nhanheca-Humbe, Cuanhama, Cuangari, Xindonga. No centro, coincidindo com o planalto central, encontra-se o grupo étnico mais numeroso, o Ovimbundu, composto por: Bieni, Bailundo, Sele, Sumbe, Kissandje, Dombe, Hanha, Ganda, Huambo, Sambo, Caconda, Chicuma, Kyaka e Galangue. Para o leste, em correspondência com as fronteiras zambiana e congolesa, estão os descendentes de Tuchokwe dos grandes reinos Lunda e Lwena e os Nganguela. Costuma-se identificar subgrupos de transição na fronteira entre os Ovimbundu e os Akwakimbundu como os Ngoya de Waku Kungo. Fontes históricas apresentam os Jagas entre os outros grupos que desempenharam um papel importante na determinação do fluxo de eventos, mas é difícil defini-los e localizá-los, uma vez que foram absorvidos como é concebível por outros grupos étnicos do Leste e do Norte Angolano. O Norte é povoado pelos Akwakimbundu, que foram privilegiados em comparação com outros grupos de contatos com os portugueses que chegaram a Luanda. Este grupo que desempenhou um papel de liderança na política angolana e foi combatido pelos Bangalas e pelos Ndembos, mas sobretudo pelos Bakongos que, como vimos, se estenderam do Norte para ocupar a vizinhança imediata da capital, para além do rio Libongo. A maior parte da literatura do século XIX em diante, como foi analisada, diz respeito aos Bakongos, que também estão presentes na República Democrática do Congo, colonizados pelos belgas e os que vivem no Congo e na República Centro-Africana, colonizados pelos franceses. Portanto, uma distinção poderia ser feita entre os Bakongo de Angola e os da antiga república zairense. Em qualquer caso, a actual Mbanza Congo (San Salvador), a antiga capital do reino do Congo, é considerada o centro histórico de onde todas as grandes linhagens Bakongo irradiam para ocupar os territórios do norte de Angola até se estabelecerem no território além do rio Zaire. No entanto, acredita-se que a atual Mbanza Congo (San Salvador), a antiga capital do reino do Congo, seja o centro histórico de onde todas as grandes linhagens Bakongo se irradiaram para ocupar os territórios do norte de Angola e se instalar no território além do rio Zaire.

Grupos linháticos bakongo

Um habitante do antigo reino do Congo foi distinguido por pertencer a um desses três grupos linháticos:

1) Nzinga: Kinzinga, Kikola, kikongos, Kimangunu, Kimata, Kimbala, Kimbamba, Kimbanda, Kimbemza, Kinanga, Kinganga, Kingoyo, Kinkanga, Kinkazi, Kinkenge, Kinkungu, Kintadi, Kinyangi, Kola, Kyandu, Madida, Mayanzi, Mbamba, Mbinda, Mikonmo, Mikunga, Mpangala, Mwingu, Ngandu, Ngoyo, Nkondo, Nsanda, Nzundu, Yanga, Yanzi, Zimba etc .;

2) NSAKU: Kinsaku, bidi, Boko, Fumvu, Kakongo, Kibokola, Kikyowa, Kimbata, Kimbidi, Kimowa, Kimpemba, Kimpungi, Kimwemba, Kimyala, Kindunga, Kingemba, Kingimbi, Kingudi, Kinimi, Kinkala, Kinkuwu, Kinsanga, Kinsembo, Kinsongi, Kintudi, Kintumba, Kinyati, Kivunda, Kiyaka, Kizombo, Kwimba, Lemba, Lukuti, Long, Malele, Masangi, Matamba, Mayaka, Madidi, Mbemba, Mpemba, Mubidi, Mutampa, Ntunga, Ngudi para Nza, Nkamba, Nkumba, Nsanga, Ntampa, Ntombo, Ntumba, Songa, Vunda, Yidi etc.

3) Mpanzu: Kimpanzu, Kangu, Kibangu, Kilumbu, Kilwangu, Kimbembe, Kimbimbi, Kimbongo, Kimpanana, Kimpangu, Kimpudi, Kimwanza, Kindamba, Kindundu, Kingoma, Kingombe, Kinkenzi, Kinkosi, Kinlombo, Kinsuka, Kinsundi, Kintambu, Kinzumbu, Kiwembo, Kumbi, Kyonzo, Lamba, Lombo, Mangungu, Mayombe, Mbinza, Mpanga, Mpombo, Ngombe, Ngungu, Nkolo, Nsundi, Tadi, Tava, Spade, Vungu, wombe, Rambling, ecct. (Cuvelier, 1972. Batsikama, 1971, p. 243. Balandier, 1963, p. 19).

 

Movimentos migratórios e origens

Para o Muxicongo, como ocorre em muitas outras populações africanas, a tradição oral é a única fonte a partir da qual podemos encontrar informações sobre o período em que se instalaram no território em que vivem atualmente. Os Bakongo pertencem ao grupo Bantu que vivia em uma vasta área do continente africano, especialmente nas regiões subequatoriais. É concebível que, na era pré-colonial, os Bantu conhecessem as tecnologias do processamento de ferro; é igualmente certo que eles viviam no cinturão da savana subsaariana, distinguindo-se em dois grandes fluxos migratório: o primeiro contornando a floresta equatorial, avançou para a região dos grandes lagos, onde alguns grupos se estabeleceram, enquanto outros continuaram a empurrar para as regiões do sul do continente. A segunda migração desceu para o sul, cruzou a floresta equatorial e se espalhou ao longo da bacia hidrográfica do rio Zaire e seus afluentes. Nesta área, depois de cumprir condições favoráveis ​​para a agricultura, caça e pesca, ele se estabeleceu. Os Bakongo atuais pertencem a esta última corrente migratória. Ao considerar este processo migratório, acredito que a concepção de acordo com a qual os grupos humanos frequentemente se encontraram e entraram em confronto está correta; eles se fundiram em grupos comuns assimilando uns aos outros ou submetendo os mais fracos culturalmente.

Mitos de origem

Neste processo inelutável e contínuo, em que o contato cultural é inevitável, como acontece nos processos de aculturação, cada grupo preserva sua própria tradição por várias gerações, transferindo-a, em muitos casos, para uma dimensão meta-histórica e mítica que é a base da muitas tradições orais. Daqui, de fato, vêm os fundamentos e mitos etiológicos dos grupos étnicos Bakongo, daí o estereótipo constante do mito que está na origem da colonização e integração com as populações indígenas dos lugares onde a migração ocorre.

Por outro lado, deve-se ter em mente que as tradições orais, como é bem sabido, só podem facilitar a reconstrução histórica das origens de uma população; nem podem ser considerados significativos para uma análise antropológica. Em vez disso, eles podem ser interessantes para descobrir o mito e os nomes dos ancestrais de um grupo étnico.

É difícil para um indivíduo conhecer todas as linhagens de seu grupo; entretanto, mesmo que certas memórias tenham sido perdidas ou se, na tradição oral, existam diferenças nos nomes, a maioria dos Bakongo conhece a história, a origem e o território de sua linhagem, e também os tabus (nkonko) que regulam o vida. Atualmente, as principais linhagens da etnia Bakongo são numerosas e aqui as principais estão listadas: Muxikongo, da antiga capital do reino do Kongo e do Bandongo, Bazombo (com centros de irradiação Makela do Zombo e Mbanza Zombo), Basorongo (das antigas cidades costeiras do Soyo, Nzeto e Ambriz) Nsoso, Suku, Guenze, Coje, Vili, Bayombe, Woyo, Kakongo e Sundi (de Cabinda), Bayaka (das regiões de Sakandika e além de Benga e Kimbele), o Bapombo (da região de Sanza Pombo e Buengas), Hungu.

 Um aspecto importante de toda realidade cultural é a linguagem; O kikongo é a língua do Bakongo. Pertence ao grupo do Bantu ocidental e tem uma estrutura de tipo tônica. As variantes do Kikongo são: Kifyoti (Cabinda), Kilinji (Cabinda), Kikoxi (Cabinda), Kikwakongo (Cabinda), Kimboka (Cabinda), Kimboma, Kindibu (Matadi), Kindingi (Cabinda), Kinzenge, Kihungu (Bembe e Songo). ), Kilari (Brazzaville), Kimbata, Kinsandu, Kintandu (Kisantu), Kipaka, Kipombo (Sanza Pombo), Kisansala (Mbanza Kongo), Kisolongo (Soyo), Kituba (Kwilu, Kabinda), Kisuku, Kisundi (Mbanza). , Kivili (Cabinda, Pointe Noire), Kiwoyo (Cabinda), Kiyaka (Sakandika), Kiyombe (Cabinda, Mayombe), Kizombo (Makela do Zombo). Entre essas variantes, a Kisansala é considerada a mais importante, pois constitui a língua do reino de Kongo.

Antropologia da organização social

É necessário considerar como premissa que no início do século XX a história dos povos africanos, de acordo com uma perspectiva historicista, estava subordinada à construção de um passado europeu, como elemento de comparação de uma condição arcaica e primitiva. Em essência, os africanos eram vistos como povos sem história, antes que os europeus os incorporassem.

Hominização

Os Bakongos são comerciantes e agricultores que criam mandioca e jinguba como produtos básicos, que são suplementados por frutas tropicais, feijão, peixe e ocasionalmente carne de porco. Tanto homens quanto mulheres participam de tarefas de lavoura, e interesses especiais e energia são investidos lavras de mandioca, já que constitui uma colheita significativa. O tamanho, a textura e a quantidade de mandioca cultivada podem conferir prestígio, status e influência política ao cultivador; mandioca e jinguba também são itens de troca necessários na maioria dos rituais (Malinowski 1965: 52-83).

Ambiente Econômico, Social, Religioso E Político

No século XVI, alguns dos kanda 'maiores', que talvez pudessem ser chamados matrilineares, ainda poderiam ser mobilizadas para fins políticos. Os Mbala, que ocupavam uma extensa área do noroeste do Congo, provavelmente era um kanda desse tipo. Parece ter sido dividida em seis segmentos que ocupavam as terras conhecidas como Ntadi (Cuvelier 1934: 99), Kiondo, Savona, Kiova (Cuvelier 1934: 7), Kainza e Masongo. Se tais grandes linhagens já foram um fenômeno geral, então, nos séculos XV e XVI, a mudança de circunstâncias, provavelmente incluindo a migração e a evolução de outras estruturas políticas, fez com que a maioria delas se segmentasse matrilinearmente em kanda autônomas menores. Uma explicação alternativa dessas matrilinearidade é que elas representaram o estágio final de um processo que começou com o desenvolvimento de estruturas políticas extra-kanda, este processo culminou na legitimação através da Mvila, que, como resultado da migração ou segmentação, não tinha política. relacionamento, mas que compartilhavam o mesmo nome com aqueles que acreditavam que descendiam da mesma 'mãe'. Tais categorias podem ser convenientemente denominadas Mvila, embora o termo não apareça nas fontes existentes. Várias Mvila são conhecidas a partir dos séculos XVI e XVII, mas não há evidências de que elas exercessem influência política, seja dentro do reino, seja em relação à sua kanda constituinte.

Os sacerdotes, que se encontravam em toda a região do Congo ao sul do Zaire, representavam um tipo bastante diferente de estrutura política da kanda, baseando-se em agrupamentos locais, em oposição a grupos de descendência. O facto de que chefes semelhantes com reinos semelhantes já governaram toda a África central ocidental sugere que eles eram muito antigos.

Mvila za makanda

Os Bakongo vivem em aldeias, cada uma das quais é “propriedade” de uma ou mais linhagens matrilineares ou kanda. Os membros das kanda são membros de superlinhagens matrilineares (Mvila), espalhadas num vasto território. Embora as Mvila tenham certo significado ritual, são as kanda linhagens que figuram predominantemente na vida kongo, já que são as unidades jurais primárias. As linhagens “proprietárias” em uma aldeia são aquelas com direitos de propriedade sobre certos locais e terras de lavoura circundantes administradas pelo Mfumu a Ntoto; todos os residentes na aldeia que não são membros de linhagens possuem legalmente “talhões” ou “pedaços” (ntoto) e residem lá usando a terra dos proprietários com permissão e graça. A kanda  fornece o “Mfumu a Kanda”, que é semelhante ao “Mfumu a Vata”, a sua influência deriva de qualidades pessoais e habilidades manipulatórias, e não de um ofício estritamente hereditário. Enquanto o Mfumu a Vata deve vir da linhagem proprietária sênior, dentro da kanda, a genealogia real tem pouco a ver com a escolha dos sucessores do Mfumu a Kanda. Algumas aldeias eram conectadas, em virtude da localização espacial e interação política, em sobados. Cada aldeia do sobado tinha seu próprio sobeta, mas um soba é 'chefe' do agrupamento de aldeias, mais importante e mais influente numa área maior do que o sobeta amplamente regulado pela interação de seus sobetas e chefes, dependendo de sua posição, suas relações de parentesco. Concorrendo uns com os outros para ter mais prestígio, aos chefes é atribuído um poder relativo, atribuição que contribui em certa medida para a sua posição de prestigio. O grau de chefia é parcialmente atribuído e até certo ponto alcançado, numa complicação que explica algumas das divergências sobre a classificação relatadas por Malinowski (1948: 113). Os aldeões comuns, então, tentam se juntar a um ou outro esfera de influência do Mfumu a Kanda, relacionando-se com ele através de vários tipos de laços de parentesco.

A matrilinearidade

 

A ligação preferida é matrilinear. Finalmente, até laços afins podem ser utilizados com sucesso. Assim, embora o padrão de residência ideal para os Bakongo seja regulado por princípios matrilineares, considerações políticas e pessoais frequentemente alteram o padrão. Idealmente, um homem mora na sua própria aldeia morada por membros da sua própria linhagem, a mulher casada se muda para lá na aldeia do marido antes ou no casamento. As mulheres vivem dispersas em várias aldeias, com seus maridos pertencentes a outras linhagens. Todos os homens da aldeia deveriam ser donos, mas, na verdade, geralmente há muitos não-proprietários, todos residentes na aldeia por causa de laços de parentesco ou afins com os donos. Esses laços são aceitáveis, excepto em casos extremos de rivalidade política, quando os proprietários podem exigir que os rivais saiam da aldeia e construam em assentamentos periféricos  belo.

Descendência

Deve-se notar que certos conceitos antropológicos, como “descendência” e “afinidade”, são muito usados ​​sem referência à maneira como as pessoas em estudo falam sobre as relações. que são os referentes dos conceitos.  O problema do papel do pai decorre da categorização do pai como reconhecido fisiologicamente  como Malinowski insistentemente considerava o “pai” ou seja  como “o marido da mãe” yakal’a nkento, além de pertencer a uma linhagem “forasteira” e, portanto, um afim em vez de um cunhado (1929b: 6-7), porque o pai parecia ser desnecessário à identidade jurídica das crianças. Apesar do pai ser realmente afim de seus filhos, existia uma relação de afecto entre ele e os filhos, que às vezes parecia resultar em privilégios especiais para as crianças quando, por princípio legal, estas eram dirigidas por sobrinhos Ngudi a Nkazi. Malinowski interpretou a situação como resultado do conflito entre ‘os direitos da mãe’ e o ‘amor do pai' (1926: 101). Fortes ressalta que para Malinowski o amor do pai era uma realidade psicológica oposta e às vezes subversiva do ideal estrutural dos direitos da mãe (1964: 160, 169).

A implicação parece ser que é uma associação linhática que dá ao lar da mulher (que inclui filhos e marido) o direito de descendência.

Alembamento

Finalmente ao interpretar os dados de Malinowski, achamos que o alembamento representa os interesses de um casamento, seja pelas linhagens dos noivos, de seus pais ou quem quer que seja (1962: 155). Hoje numa era global o alembamento precisa ser explicado, como fenômeno simbólico complexo, a lista dos bens de troca são incluídos pelos Bakongo no ritual do alembamento. Há outros presentes que são citados por Malinowski, que se consideram como 'espúrios' ao alembamento, embora nenhuma dessas distinções seja feita pelos próprios Bakongo: (a) o ngudi a nkazi recebe o alembamento de uma linhagem cujos membros não são propriamente afins, mas que são co-residentes na sua aldeia; (b) os filhos são frequentemente apresentados pelos pais na família da noiva mesmo após o divórcio ou a morte da mãe. Para avaliar essa posição e sugerir possíveis alternativas, é necessário primeiro considerar a matrilinearidade, já que ela é obviamente um importante aspecto conceitual e jurídico da vida kongo. Neste contexto, a paternidade e a afinidade podem ser discutidas com o objetivo de esclarecer os problemas que insurgem na casística do alembamento. Deve-se ter em mente a seguinte discussão: ao referir-se ao pai e ao papel do pai, devemos distinguir o que os bakongo chamam de pai “menor” nleke ou “verdadeiro” (pai), e a categoria de parentesco do papa mbuta, que inclui o próprio ou verdadeiro, bem como pai classificatório.

Papel da mulher

A mulher tomava especial relevância devido à kanda, analizando o trabalho feminino e, em certas circunstâncias, a capacidade reprodutiva, o poder era atribuído à kanda dominante, e era restrito à kanda aliada. Assim, na sociedade altamente estratificada de Mbanza Kongo nos meados do século XVII, uma família que representa um segmento de linhagem normalmente tinha pelo menos várias esposas. Havia também uma clara preferência pelos casamentos entre primos cruzados matrilineares e patrilineares, os quais teriam reforçado as relações existentes entre os grupos, sendo o filho da irmã do pai o pai classificatório da kanda e o filho do irmão da mãe como criança. O casamento recriava na próxima geração o mesmo relacionamento. O casamento matrilinear entre primos geralmente ocorrera dentro de políticas de assentamentos. É um instrumento bem conhecido para centralizar poder, riqueza e ofícios de autoridade. Se não for conduzido como uma endogamia, torna-se uma relação assimétrica entre grupos desiguais nos quais a posição da prole pode ser controlada. É especialmente útil controlar a capacidade reprodutiva dos escravos. O casamento cruzado patrilinear ocorre entre assentamentos e comunidades e é usado como uma estratégia para criar redes interligadas regionalmente. Várias formas de contrato de casamento estavam disponíveis nos séculos XVI e XVII como hoje. O arranjo mais usual era o homem fazer um presente para a mulher com a intervenção e aceitação dos tios maternos (ngudi a nkazi) de ambas as partes. A estabilidade numa casa na aldeia do marido (patrilocalidade) , no entanto, era a condição mínima para um casamento e, nesses casos, nenhum presente era dado. Quando um homem buscava obter direito de paternidade sobre um bebê, ele apresentava um pequeno presente de panos e vinho de palma ao pai, bem como à mãe. A dissolução de um casamento entre membros de linhagens recíprocas de baixo status era fácil e frequente; Era desconhecido entre membros de linhagens recíprocas de alto status, onde o casamento cimentava relações políticas importantes, ou membros de grupos de status grosseiramente desiguais, em que a posição política da mulher se aproximava à de um escravo. Embora a maioria das kanda pudesse, nos séculos XVI e XVII, ser denominada matrilineares, há alguma evidência de que, antes da evolução do Reino de Kongo, algumas kanda estavam profundamente segmentadas e controlavam um número de áreas distintas de terra que eram intercaladas com aquelas da vizinha kanda (Hilton 1985: 22).

Mulher e Homen kongo

 

Debatemos sobre a natureza do relacionamento entre mullher e homem nas culturas angolanas matrilineares. Uma visão era que o pai era relacionado à criança por laços de filiação, mas não de descendência. Outra visão afirmava que o pai era apenas o marido da mãe da criança e, portanto, não tem poder sobre a criança. Esse debate foi apenas um exemplo especial da diferença entre a teoria da aliança, conforme desenvolvida por Lévi-Strauss (em suas Estruturas Elementares de Parentesco, 1949/69) e a teoria da descendência, praticada especialmente por Fortes (resumida em Kinship and the Social Order, 1969), e como é comum em tais controvérsias, a questão tornou-se fortemente polarizada. Para uma abordagem cultural poderíamos perguntar que símbolos marcaram afinidade e que símbolos marcam a filiação e que símbolos podem lançar uma nova luz sobre o sistema de parentesco dos Bakongo, assim uma vez novamente demonstrando o poder de uma análise cultural ou simbólica.  O objetivo seria considerar as relações matrilineares e afins em uma 'sociedade matrilinear', do ponto de vista cultural. A sociedade em estudo é a de Mbanza Kongo. Os problemas interpretativos abordados dizem respeito à matrilinearidade e à afinidade. Há problemas do ponto de vista cultural, começando com a maneira como os próprios Bakongo veem os problemas, espero esclarecer algumas das questões envolvidas e ao fazê-lo mostram a utilidade de uma análise cultural, enfatizando a perspectiva cultural, a estrutura social.

 

Aspectos Simbólicos Matrilineáres

 

Existem várias ligações simbólicas entre membros da mesmo linhagem que derivam de mitos e crenças na substância comns. Cada linhagem é associada a um mito  ligado a um lugar especial que relata as façanhas de uma ancestral mítica  e seu (s) irmão (s) (Hilton 1985: 12). O surgimento geralmente estabelece a subdivisão da linhagem a partir da Mvila e os direitos dos Zimfumu locais de aldeias, terras e campos (Powell 1956: 45). Esses mitos fornecem a gama de nomes pelos quais uma linhagem pode ser chamada - o nome dos ancestrais emergentes, o local de emergência ou o nome da aldeia em que a  linhagem é proprietária (Cuvelier 1934: 5). Os membros da linhagem não só compartilham um mito de origem da linhagem como uma unidade, mas também compartilham a crença de que o nascimento de membros individuais de linhagens é causado pela entrada de um “mwan’a kanda”  em um linhagem representada pelo útero da mulher (vumu) onde o sangue (menga) se acumulou. A criança é sempre a continuidade de um dos ancestrais da kanda da mulher (Hilton 1985: 12). É a força ativadora, a causa real da concepção, embora existam várias pré-condições necessárias para a concepção, que geralmente têm a ver com o papel do pai - isto é, o “abrir caminho” (zibula) e “parar o sangue” realizado por relações - mas que, uma vez que não são consideradas causas suficientes, são processos mecânicos que poderiam ser realizados de outras maneiras.

Mbumba

O mbumba (espírito dos mortos), que às vezes leva a criança à mãe, pode aparentemente ser um parente matrilinear ou um cunhado (Hilton 1895: 14). Neste sentido o mundo elaborado pelos relacionamentos sociais geridos por mulheres e as “conversa dos homens”, usada em situações “formais” (ou seja, em termos relevantes) formam duas realidades completamente diversas. Outro relato, “o discurso das mulheres”, que é igualmente “verdadeiro”, mas “diferente”, depende e é em parte movido por espíritos da kanda e, acredita-se que os membros da linhagem compartilham uma substância comum, o sangue, (menga) que é transmitido da mãe para os filhos. A mãe alimenta a criança no útero e, portanto, “a mãe faz a criança sair do sangue”. . . . 'Irmãos e irmãs são da mesma carne, porque vêm da mesma mãe' (Malinowski 1929b: 4). Durante as relações sexuais marido e mulher juntam o sangue (bundana menga). Os membros da linhagem dizem que, quando as crianças nascem, “'Os parentes se regozijam, pois seus corpos se tornaram mais fortes quando uma das suas irmãs ou sobrinhas tem muitos filhos'”.  E como um elefante não se lamenta pelo peso da tromba assim os ngudi a nkazi nunca se lamentam por ter muitos bana ba nkazi. Por outro lado, quando um membro da kanda morre, é “'como se um membro fosse cortado ou um galho cortado de uma árvore'” (Malinowski 1929b: 150). Pode-se notar que, embora se acredite que os membros da kanda e até mesmo os parentes  sejam relacionados pelo “sangue” (embora os últimos sejam distantes), a relação não é enfatizada pelo traçado da genealogia, seja entre os membros da kanda (Malinowski 1965: 345 Powell 1956: 98-100) ou entre os ancestrais fundadores das várias kanda pertencentes à mesma mvila. (Powell 1956: 45-49). O parentesco matrilinear, seja de kandas diferentes ou de membros da mesma linhagem, é designado pelo termo vumu (ventre) como 'meus parentes'  e por Malinowski como 'meus parentes' (1929b: 495). 501). Assim, alimentar uma pessoa pertencente à própria kanda é um dever.  O tema da subsistência comum ou compartilhada é também realizado através de rituais. Por exemplo, com a morte de um parente, aqueles pertencentes à mesma kanda (matrilineamente relacionados) caem sob um tabu que proíbe o toque do cadáver ou lidar com isso de qualquer forma. De dal maneira que nem o acompanham no cemitério deixando esta tarefa para os jovens, e ficam sentados no lugar do obito. Este é um tabu lógico, uma vez que se acredita que a doença e a morte são causadas pelo mfumu a nkutu (Van Wing ), uma exalação material como névoa, invisível para todos, excepto aos feiticeiros e bruxas, um elemento que o cadáver exala e que podem prejudicar outros da mesma família (Malinowski 1929b: 150). Algumas das implicações dos símbolos da matrilinearidade são estruturais, do fato de que a lealdade (nlemvo) aos colegas das mesma kanda é esperada daqueles que compartilham o “sangue”, mesmo que tal apoio seja prejudicial à posição pessoal. Por exemplo, em disputas (mambo) em que se pensa que as preocupações da linhagem estão em jogo (principalmente aquelas de caráter ritual, ou do feitiço, ou de terras), espera-se apoio (ngwizani) de todos os membros, residentes e não-residentes, mesmo que o privilégio de residir em outra aldeia esteja comprometida. Distinções são feitas, entretanto, entre casos que envolvem interesses linháticos e casos que são considerados como envolvendo pessoas privadas. Nos últimos casos, os membros da kanda são livres de expressar sua solidariedade através do apoio ou não na maneira que escolherem, uma vez que não é concebido como um assunto da kanda. Tal caso seria exemplificado na defesa que um homem faz contra as acusações de feitiçaria, a menos que as acusações sejam feitas por parentes, caso em que seria uma matéria de tratar com o mfumu a kanda. A substância comum também simboliza os privilégios da associação linhática. Na medida em que essa classificação é atribuída à sociedade kongo, ela é determinada pela afiliação linhática, e não pelo membro do clã (Malinowski 1929b: 500). O direito de propriedade da terra também é exercido pelos membros da kanda, pois somente eles podem deter o título permanente da terra que foi subdividida pelo Mfumu a Ntoto.


 

Lévi-Strauss, C. (1982). As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis: Vozes.

Hilton, A. (1985). The Kingdom of Kongo. Oxford: Clarendon.

Cuvelier, J. (1934). Nkutama a Mvila za Makanda. Tumba: Mission Catholique.

Wing J. Van (1938), Études Bakongo. Sociologie, Religion et Magie. Bruxelas, Desclée de Brouwer.

 

Lição dia 9 de Maio

 

Aspectos da tradição oral

Os episódios narrativos acerca das makanda,  nos diferentes gêneros usados pelos Bakongo  para  celebrar  a  sua memória histórica,  são  unidas a nomes  e títulos políticos, das linhagens. Os velhos quando contam  recitam  uma  formula que define a própria linhagem,  e num  conjunto  estereotipado  de  episódios   relacionados dão a cada nome uma fisionomia (Miller 1995: 22).

«“ Ntinu Nsaku ne Vunda kavundila va ntoto, va yandu ye nkuwu. Dia vunda, nua vunda. Vo dia vunda, vo k’uvundidi ko, u mwayi batuma nkuni ye maza- „ Bavova vo Nsaku i Nanga kia Ntinu. Ntinu Nsaku (kuY oyo) tutukidi ku Fisimanga kuna Nkungu ye Mayanzi, (Tat’eto Titi kia Mpanzu ).

Ku simu dia Nzadi Bwende, bavova vo Nsaku i mpila mosi ye Ma- kaba, Mumba kia Makaba, Makaba Mbakala, Nsaku Mbakala. Bavova vo ne Nteye wawuta wana kumi ye zole. Bakatuka kuna simu dia Nzadi, bele tunga Mbanza Kongo. E fulu kiakina kia zunga kia mbanza Kongo vana ntete muakala nzanza yankatu kwandi. Ntinu Nimi a Lukeni lua Nzinga uyádidi wene, utumbamene ezina vo:ne Kongo o Ntotela. Mpaka zabwa. Nsaku vo: "Ngeye k’ulendi yala ko, e kuma mono mbuta. „ Kansi Nimi a Lukeni lua Nzinga wakisi- mbila Kongo. E kuma Nsaku mbuta yandi wavovele vo : “ Konso una uyala muna Kongo, Ntinu Nsaku ufwete kunzuba e nsesa. Dianu konso Ntotela uyala mu Kongo, Ntinu Nsaku neVunda uvaika kawanda nsesa. Avo Ntinu Nsaku, kena vo ko kawanda e nsesa, e yuna ka Ntotela ko. Una mambu ma Nzambi ma Katolika mayiza muna nsi a Kongo, yandi Ntinu Nsaku wavita tambula mambu ma Nzambi ye bo- tama. I bosi o Nsaku yandi wa mwan’ambuta wasisilwa maza masa- ntu matuka kuna Roma kwa Papa. Ozevo konso ntotela kaka uyala ufwete zubwa e nsesa a maza masantu ye mwangwa maza masantu. Kanda dia Nsaku una bakatuka muna Kongo, bele muna Kialundwa. Katuka muna Kialundwa, ele muna nzila a Lunda. Asaukidi Lunda, ezi tunga mongo a Ungundi, i bosi basaukidi Nkiende, balueke e Mpo- zo. Atungidi Bangu, e Mpozo mu ndimba. Muna Bangu ntu nsambwadi miakala mo. 1 Nlaza. 2, Mbenza. 3. Kiangala. 4. ne Mvemba Nsindi. 5. Nkuwu anene. 6. Ntinu Nsaku. 7. Vita a Nimi» (Cuvelier 1934: 86-87).

   Quem narra  serve-se  de  um conjunto relativamente pequeno de discursos para compor um determina do número de pontos acerca das origens, direitos ou responsabilidades dos títulos ou linhagens envolvidas. Cada linhagem  explica a razão de um dever ou privilégio reconhecido, e o facto de o conjunto de makanda  associadas a um  título  serem  em  número  finito  e  estereotipados,  deriva  do facto que a linhagem é a unidade juridicamente e politicamente significativa na sociedade kongo: como um informante disse: “A posição de um homem, sua terra, sua riqueza são as da sua linhagem; assim é a sua fama  e o seu poder.  Isto exclui como possibilidade de casamento as mulheres da sua própria linhagem. Uma vez que a riqueza, o prestígio e o poder podem ser todos aumentados pela propriedade da terra, a distribuição de terra é uma preocupação do Mfumu a ntoto. Além disso, a terra pode ser permanentemente transferida apenas para aqueles dentro da linhagem. Embora um homem possa obter o uso da terra de seu pai, esse privilégio geralmente é revogado após a morte do pai e certamente é revocado com a morte do filho, então a linhagem proprietária  recupera o uso da terra.

Parentesco, nacionalidade e religião na cultura angolana: rumo a uma definição de parentesco.

 

Ideologias são baseadas em noções culturalmente constituídas do “muntu”. Em Bantu Phiçosophy (1959), Placide Tempels demarcou o conceito de “pessoa” como um objeto de análise;  o parentesco kongo é um sistema cultural fundado nas noções de laços de  “sangue”  (menga) e um “código de conduta” compartilhado. Esses conceitos, englobados respectivamente na cultura kongo, define as ligações entre as pessoas em termos de quais grupos de makanda (a “família”) são culturalmente construídas.  Assim, três áreas aparentemente distintas da vida social são vistas como sendo reforçadas - e produzidas pelos Bakongo através do uso - da mesma forma ideológica.

O parentesco foi definido tradicionalmente na antropologia em termos de elementos concretos, relações de sangue e casamento. Assim, Morgan lida com o parentesco em termos de relações de consangüinidade e afinidade, Malinowski em termos de relações sexuais que são reguladas pela sociedade através do matrimónio. Relacionamentos e relações sexuais são tratados como fatos de vida cientificamente demonstráveis ​​e a questão que se coloca é a de como a sociedade particular organiza suas formas culturais com relação a esses factos da vida.

Particularismo histórico kongo

O povo Bakongo encontra-se hoje no norte de Angola, no sul da República Democrática do Congo, no sul do Gabão e na República do Congo. Um subconjunto da cultura Bantu mais ampla que hoje se estende por grande parte da África oriental, central e meridional, os Bakongo se estabeleceram na África Central como resultado de grandes migrações em todo o continente. Acredita-se geralmente que os Bantu tenham se originado nas proximidades do vale do rio Cross, uma área coberta pelo atual Chade e Sudão. O arqueólogo John Desmond Clark, em seu livro A Pré-História da África, chama a disseminação de pessoas de língua bantu “um dos problemas mais intrigantes e desafiadores dos estudos africanos de hoje” e afirma que sua rota e impacto total no povoamento do continente só será conhecido 'através de uma correlação de muitas linhas de evidência', incluindo traçar as semelhanças genéticas entre os grupos e mapear as variações linguísticas mensuráveis ​​hoje. De acordo com o geográtra James L. Newman, duas grandes correntes de expansão e migração começaram há aproximadamente cinco mil anos. A primeira se espalhou para o sul a partir de regiões que atualmente compreendem o Chade e o Sudão em direção e através do atual Camarões antes de virar levemente para leste e se espalhar para cobrir a atual República do Congo, a República Democrática do Congo e o norte de Angola. A segunda corrente seguia mais para o leste, indo também para o sul, até o atual Quênia, Uganda e Tanzânia. A história oral de Bakongo identifica Ntinu Nsaku Nevunda como o fundador, herói, senhor da guerra, portador da civilização e criador do Reino do Kongo. A seguinte legenda citada por van Wing fala sobre a relação direta entre expansão e rotas migratórias que originalmente facilitou a aquisição de terras vizinhas.

Mitos de origem

«No Kongo do rei o primeiro homem depois do rei é aquele que não cede, Sou eu, Mpungu. Foi a velha avó Nkumba-Nkumba que deu à luz a todos nós. Quando saímos do Kongo havia nove caravanas, nove equipes de líderes O osso de nossos ancestrais, nós trouxemos, nós os usamos para ungir os chefes, e os anéis de grama também. As estradas tinham certeza, as aldeias onde dormíamos eram pacíficas. Chegamos ao vau de Nsimba. Nós ficamos juntos, não nos separamos. Chegamos a muitos rios, a águas de todos os tipos. Uma mulher, a mãe de uma kanda, ficou no vau do Mfidi».  Segundo Balandier, essa lenda alude a uma migração sob uma única autoridade e destaca a origem matrilinear dos Bakongo:  «Foi a velha avó Nkumba-Nkumba que deu à luz a todos nós. . . . Uma mulher, mãe de um clã, permaneceu no vau do Mfidi». A população que se deslocou e se estabeleceu no que hoje é a República Democrática do Congo e o norte de Angola encontrou um rico ambiente de subsistência na floresta equatorial e ao longo das áreas costeiras. Eles provavelmente encontraram assentamentos de primeiros ancestrais de um povo conhecido hoje como Mbuti, cuja vida na floresta de Ituri na atual República Democrática do Congo foi datada há 20 mil anos, e outros assentamentos humanos. , evidência de cuja indústria de Tschitolian foi documentada em territórios controlados hoje por Angola e pela República Democrática do Congo desde aproximadamente dezessete mil anos atrás e tão recentemente quanto A. D. 1000. Os recém-chegados continuaram o cultivo de inhame e a prática de pesca e caça evidenciada durante a migração. Nesta nova terra, os Bakongo prosperaram e acabaram se tornando um dos reinos mais poderosos da África. O termo Kongo é inerentemente problemático na medida em que conflui num único termo, uma história regional complexa e múltiplas identidades culturais. O domínio do reino do Kongo na África Central desde o século XIII até o período colonial certamente moldou o desenvolvimento da região, mas a dependência do termo Kongo para descrever uma complexa fusão de culturas e uma dispersa e variada população encobre a história da região. de guerra, ocupação, migração e escravidão. Este problema agravou-se na sequência de contatos, como exploradores, missionários e administradores coloniais não reconheceram, apreciaram ou respeitaram diferenças culturais locais ou dinâmicas internas de poder e influência. À medida que o tráfico de escravos se expandia, portugueses e outros invasores europeus exacerbavam as questões do deslocamento e da confluência cultural capturando membros de grupos localizados no interior, trazendo-os para dentro e através das terras do Congo e exportando-os para as Américas juntamente com os escravos Kongo. Uma camada adicional de confusão com o termo Kongo surge de suas grafias alternativas. Autores como Georges Balandier e Robert Farris Thompson usam o Kongo com a letra K para se referir ao povo e à cultura e o Congo com a letra C para se referir ao rio ou aos dois estados modernos. Além disso, a etimologia do termo Kongo é por si só incerta. De acordo com Balandier, o termo Kongo se traduz como “terra da pantera, embora 'aliado da pantera' seja uma tradução mais precisa”. Membros do conselho tradicional do Congo (lumbu) explicam que o termo Kongo era o nome do primeiro rei, muito antes da chegada dos portugueses. A palavra Kongo também está associada a uma deformidade na coluna vertebral de uma pessoa que faz com que o corpo se curve e se refira a uma planta com raízes torcidas que se assemelham visualmente a essa deformidade e pode ser usada como medicamento tradicional para tratá-la.  Anne Hilton observa que o Ne Kongo foi a primeira autoridade religiosa e especialista em medicina tradicional, um nganga, que sofria desta doença e encontrou uma cura natural para o seu problema. Apesar das limitações inerentes e sérias do termo Kongo, acredito que seja necessário usar este termo no decorrer da exploração deste livro dos princípios culturais que informam as religiões baseadas no Kongo na África Central, Cuba, e em outros lugares do mundo. diáspora. A nomenclatura do Kongo foi usada como um termo abrangente para a categorização de escravos após a exportação de certos portos na África e chegada às Américas, e dados sobre as nuances culturais e políticas dentro da categoria não estão disponíveis.

Cosmogonia kongo

Os africanistas e todos os amantes da sabedoria africana, da mesma forma, devem estar interessados ​​no estudo das línguas africanas, a fim de evitar erros tendenciosos de ontem. Como alguém pode ser um verdadeiro africanista se não é capaz de falar uma única língua africana? Como poderiam representar um sistema se ele ou ela não conseguem realmente perceber uma palavra? Há idéias que são mal compreendidas, pois foram colhidas em todos os tipos e falsas representações culturais, fantasias que intercorrem no processo de 'preencher os espaços em branco' (Bunseki Fu Kiau 1980: 10).

 A cosmogonia do Kongo, chamada Nza Kôngo, fala do estado do universo, da concepção humana e da existência de Deus. Como ponto de partida, um mito que traça a origem do universo gira em torno do conceito de kalûnga. Literalmente traduzido, kalûnga significa “[aquele] que é completo por [um] eu, o tudo em todos”. Essa noção de completude surge da história da criação, que posiciona kalûnga como «uma força completa por si mesma, emergindo de dentro do mbôngi, o vazio / nada e [tornando] fonte de môyo, a fonte de toda a vida na terra»  e como  a fonte do poder universal que fez as coisas acontecerem no passado, faz as coisas acontecerem hoje e, acima de tudo, é capaz de fazer as coisas acontecerem amanhã” Como dito por Fu-Kiau, no vazio do começo dos tempos, a força aquecida de kalûnga Enfurecido, explodindo como uma enorme tempestade, finalmente explodindo sobre si mesmo. A partir desta explosão, uma massa física de energia foi produzida. Quando esta massa esfriou, solidificou-se, dando origem à terra (nza). O processo de resfriamento produzia água que formava rios e montanhas esculpidas. O mundo, nza, permaneceu desde então uma realidade física flutuando em águas infinitas dentro do espaço cósmico: metade emergiu para a vida terrestre e metade submergiu para a vida subaquática e o mundo espiritual. Como a fonte de toda a vida é a força de kalûnga, tudo relacionado à terra compartilha essa vida. Os Bakongo acreditam que criaturas e objetos de todos os tamanhos e formas, de plantas a insetos e animais, de rochas a seres humanos, contêm kalûnga. Kalûnga é hoje um símbolo de força e vitalidade que representa o processo e princípio de mudança. Os Bakongo acreditam que a existência é dividida em duas partes. Essas partes são consideradas dois mundos separados, 'este mundo' (nza yayi) e 'a terra dos mortos' (nsi a bafwa).  Kalûnga é frequentemente usado para significar a divisão entre os mundos vivos e os mortos. Esse uso decorre de seu papel como a força que dividiu o vazio ou o nada de toda a existência. A fronteira entre os mundos é tradicionalmente conceituada como um corpo de água, como “Nzadi, o grande rio”, ou “Mbu, o oceano” .10 A água, assim, representa o começo da vida, assim como seus estágios finais. Como um limite líquido, a kalûnga é porosa, continuando a permitir um encontro entre os vivos e os mortos. Wyatt MacGaffey, escrevendo sobre a crença do Kongo em dois mundos, descreve os rituais “ocorrendo na fronteira entre os mundos” como “meios de manipular as relações entre este mundo e o outro”. Vendo a terra como flutuando no espaço líquido, os Bakongo acreditam que a própria terra é um container. A crença dos Bakongo não distingue claramente entre vida humana, natureza e entidades espirituais, e é neste único pacote que o mundo espiritual e o mundo dos vivos estão ligados. Dividido apenas por kalûnga, a interação entre as esferas da vida e do espírito é considerada uma forma e fonte da medicina. Para manter a harmonia existente entre os dois mundos, os humanos devem manter contato com seus ancestrais no outro mundo e facilitar seu retorno espiritual. Isso é feito através de performances rituais em que os nganga utilizam sistemas de escrita gráfica para permitir o contato entre os vivos e os mortos. Essas relações inter-mundanas são necessárias não apenas para os ancestrais, mas também para os vivos. Um provérbio comum do Congo, tanto na África Central, afirma: “Sem os mortos, não há nada.”

Explorando a literatura simbólica

 A  escrita gráfica entre os Bacongo não é uma imitação da fala e seu significado não é fonocêntrico, isto é, dependente da interpretação de sons específicos. É um sistema de comunicação que não é derivado, mas que interage com múltiplas formas de notação de significado, incluindo símbolos, pictogramas, imagens em vídeo, morfemogramas e logografias, bem como figuras, gestos e figuras tridimensionais e ações complexas. A escrita gráfica do Kongo é melhor entendida sistemicamente do que através de uma catalogação dos significados subjacentes a signos alfabéticos distintos. Integrando os sistemas de crenças à estrutura cosmogónica, a escrita gráfica do Kongo serve para um papel de gravação, narração de histórias e construtivo e vai muito além da teoria dos retratos, na qual símbolos ou imagens específicas servem como representação direta de conceitos e significados faláveis. Teorias baseadas em paradigmas linguísticos enraizados nas tradições ocidentais não levarão a uma compreensão dos sistemas de escrita gráfica do Congo (Barbaro Martinez 2013: 4).

A consideração da cultura material do Congo passa por um estudo dos mesmos objetos e «reduziram a totalidade do fenômeno a um aspecto selecionado por sua consonância com instituições angolana» Há uma segunda abordagem, por muitos museus e coleções particulares, que parte da noção de primitivismo e visa a produzir um prazer visual teatral, toma em consideração as formas de expressão gráfica que são usadas pelo nganga ngombo durante as práticas divinatórias. A antropologia simbólica inclui a análise do sistemas de signos, numerologia, formas de exegese religiosa, ritos de passagem, iniciações e eventos sonoros, como bailes de máscaras. Essa definição mais expansiva permite entender a expressão gráfica complexa como distinta de um sistema que meramente funciona para gravar a linguagem. O surgimento de uma cultura nova, onde exploram o contexto histórico social, político, econômico e religioso, a cosmologia, o ambiente geográfico e ecológico específico e a função cultural da arte. Também contribuindo substancialmente para o campo da comunicação visual na arte africana as expressões gráficas em práticas culturais e religiosas específicas, como ritos divinatórios e de iniciação, e explora-se as relações entre poder e forma e entre mudanças de forma e mudanças na sociedade. Explorar  o conflito, o drama social e a formação de instituições políticas e sociais entre o povo do Congo. Determinar as relações sociais e o desenvolvimento de uma estrutura a partir do conhecimento criado e partilhado em um grande contexto sociopolítico fornecem uma base útil para o estudo do desenvolvimento de sistemas de escrita gráfica com significados simbólicos examina a maneira como as culturas africanas transmitem significado através de práticas gráficas. O estudo facilita uma discussão sobre características específicas das tradições gráficas angolanas sem perder de vista o papel comunicativo mais amplo desempenhado por tais formas gráficas, um papel enraizado em especificidades culturais. cidade, história e conhecimento local.  Quando  Bronislaw Malinowski descreveu, a transculturação apurou que houve «!uma troca de factores importantes» com a fusão de múltiplos componentes culturais  determinada por forças que incluíam “o novo habitat, bem como os antigos traços de ambas as culturas, a interação de fatores econômicos e simbólicos peculiares ao Novo Mundo, bem como um nova organização social do trabalho manifesta o uso da linguagem visual e a organização e imaginação de práticas sociais.

Miller, J. (1995). Poder político eparentesco. Luanda: Arquívo Histórico Nacional.

Van Wing, J. (1938). Études Bakongo II. Religion et Magie. Bruxelles: Georges Van Campenhout.

Bunseki fu kiau, K. (1980). A frican Cosmology of the Bântu-Kôngo. New York: Athelia.

Barbaro Martinez, R. (2013). Kôngo Graphic Writing. Philadelphia: Temple University Press.

 

 

Lição dia 13 de Junho

 

Cosmologia simbólica

Não se vive só de pão: em sua evidência, esse fato sinaliza a necessidade convencedora que toda a pessoa humana transcende a materialidade para preencher a própria existência com significados. Uma necessidade antiga e actual que está enraizada no mistério da vida e da morte. «A kanda é imortal. Uma aldeia pode bulumuka, ser aniquilada. Uma linhagem não pode sair. Sempre haverá 'abaixo da terra' em suas aldeias os antepassados, bakulu, e sempre haverá sob o céu as mães da linhagem, que fornecerão à riqueza humana mbongo Bantu» (Van Wing 1959: 85).

Uma atenção, aquela dirigida aos mortos, presente desde o começo. Nutrição, reprodução e preservação da vida individual, como garantia da vida coletiva, têm sido os principais objetivos perseguidos pelo homem africano. Para alcançá-los, ele sempre considerou um relacionamento contínuo com as forças intangíveis e entidades que povoam e governam o mundo como indispensáveis. O homem, já na época de suas origens, sabia que sua existência estava ligada a uma multiplicidade de fatores independentes de seu controle. A capacidade de gerar, a doença, o acidente, a fortuna na caça e na guerra, as boas e más temporadas, terremotos, inundações e mais 'vêm' de potências e lugares invisíveis. Desta consciência a esfera do sagrado é constituída desde a antiguidade

«Em suma, a prosperidade do clã na terra e de cada um de seus membros depende do Bakulu. É, portanto, uma questão de satisfazê-los por um culto fiel, que consiste nas práticas ensinadas pelos antigos, na manutenção dos túmulos e na observação das leis transmitidas de geração em geração. A esse preço, garantimos a proteção dos ancestrais. Mas sua influência benéfica é exercida apenas em seu domínio, o domínio do clã. Em solo estrangeiro o mucongo não tem nada a esperar de seu Bakulu e tudo temer de espíritos hostis. No somente do clã, esses muitos e formidáveis ​​espíritos são combatidos pelos amigos Bakulu (Em suma, a prosperidade do clã na terra e de cada um de seus membros depende do Bakulu. É, portanto, uma questão de satisfazê-los por um culto fiel, que consiste nas práticas ensinadas pelos antigos, na manutenção dos túmulos e na observação das leis transmitidas de geração em geração. A esse preço, garantimos a proteção dos ancestrais. Mas sua influência benéfica é exercida apenas em seu domínio, o domínio do clã. Em solo estrangeiro o mucongo não tem nada a esperar de seu Bakulu e tudo temer de espíritos hostis. No solo do clã, esses muitos e formidáveis ​​espíritos são combatidos pelos amigos Bakulu» (Van Wing 1959: 118).

Mentalidade simbólica

Incapaz de identificar com clareza suficiente a substância e a forma da religiosidade pré-histórica, é certo que:

«No nível individual, a espécie humana apresenta igualmente um carácter único, viste que, dado a sua aparelhagem cerebral lhe dar a possibilidade de confrontar situações traduzidas em símbolos, o indivíduo está em condições de se emancipar simbolicamente dos laços simultaneamente genéticos e sócio-étnicos. É baseado nesta emancipação que se fundamentam as duas situações complementares entre as quais se situa a realidade humana viva: aquela em que a confrontação das cadeias operatórias conduz ao domínio material sobre o mundo orgânico e aquela outra em que a emancipação relativamente ao mundo orgânico se faz através da criação de situações intuitivas, nas quais reside a espiritualidade»  (Leroi-Gourhan, 1964: 20).

 Isso é demonstrado pelo desenvolvimento de técnicas, já que até mesmo o elemento-ferramenta do hominídeo mais antigo pressupunha a previsão do trabalho completo e, portanto, o desdobramento de uma 'cadeia complexa de símbolos mentais' (1970-76, p. 8).

Houve um momento em que o homem abriu os olhos para a percepção do mundo, o outro diferente de si mesmo, reconhecendo-se como uma criatura distinta e especial, capaz de manipular tecnicamente o real, mas de explicá-lo e administrá-lo intelectualmente. O homem ganhou assim uma forma superior de consciência da realidade que o colocou diante do mistério dos fenômenos, as forças desconhecidas e imprevisíveis contra as quais sua existência e a da espécie deveriam ser garantidas. Somente no universo dos símbolos suas ansiedades e incertezas poderiam ser respondidas. O hominídeo primitivo, agora Homo erectus, já era, portanto, Homo symbolicus, um ser que não percebia passivamente os fenômenos que o rodeavam e afligiam mas que os interpretava. Estar consciente da simetria entre a vida e a morte, expressa no uso ritual do fogo.

Rituais

Podemos, talvez, avançar a hipótese de que caça-cabeças, mutilação craniana e canibalismo sao ritos que estão entre as mais antigas indicações de psiquismo na vida do Homo erectus. O homo erectus, o hominídeo, poderia, portanto, ter sido capaz de direcionar a cultura para novas alturas a partir das manifestações rituais mais antigas e vagas.

«O homem e seu passado social fornecem ao Bakongo a cosmologia a que chamamos de 'Mundo dos espíritos'. Esses espíritos seriam apenas homens como eles, mas diferentes do corpo e colocados em outras esferas. Para entender este mundo de espíritos, devemos primeiro assimilar a concepção kongo do 'mundo dos homens'. O homem para o Bakongo é composto de quatro elementos: o corpo (ou nitu), o sangue (menga) que contém a alma (moyo) e o mfumu kutu, uma espécie de alma dupla. Vindo dar ao ser humano sua personalidade perfeita, o nome (zina) constitui o homem 'completo» (Van Wing 1938: 7).

Práticas religiosas ou mágicas são expressas através de discursos que desaparecem irremediavelmente com aqueles que os pronunciam, e através de gestos que milagrosamente podem ter sido preservados, terra ou na de figuras desenhadas nas paredes. Mas mesmo no caso mais favorável - que por exemplo. de um cadáver enterrado em uma vala coberta de pós ocre - apenas uma fração dos ritos que caracterizavam o enterro é capturada e, no que diz respeito ao mito que teria fornecido a chave para esses rituais, é reduzido a algo menos que uma aparência de explicação: a simples verossimilhança de uma ideia religiosa (Leroi-Gourhan 1970-76, p. 6).

Religião

Parecia possível assumir os sistemas religiosos das atuais populações de interesse etnológico como uma chave legítima para entender o que emergiu das investigações arqueológicas. Nunca, como neste caso, o uso do método comparativo parece arbitrário e um precursor de erros. Passado e presente não podem ser confundidos sem enganar e gerar  mal entendidos. O processo que torna o uso de uma tecnologia relativamente simples a base de um paralelismo com formas elementares de culto, revela todas as suas limitações quando observamos que, em certo nível de domínio de técnicas e ferramentas, de sistemas de vida e exploração do meio ambiente, certas idéias e formas religiosas não correspondem univocamente. Já não é o momento em que se pode falar de 'tipos culturais', de 'religião caçadora', 'religião dos pastores', 'religião dos colectores', bem como de 'arte dos deuses' ou 'sistema familiar” . Tal abordagem impede a análise condutora das formas culturais do Paleolítico, uma era muito longa e dentro da qual se localiza grande parte da história, mesmo religiosa, do Homo sapiens. Não se pode ignorar, no entanto, que as populações actuais com tecnologia simples muitas vezes têm uma história muito diferente das populações pré-históricas.

Contextualizar

Se é verdade, portanto, que um fenômeno cultural não pode ser entendido sem estar enquadrado em seu contexto histórico-geográfico, será igualmente verdade que nada nos permite estabelecer relações de correspondência directa entre cultos e modos de vida, entre sistemas de pensamento e formas de pensamento. vida socioeconômica.

Se é possível afirmar com alguma certeza que os homens do Paleolítico projetaram suas imagens de percepções de bisonte ou mamute que correspondem a nossa concepção de religião, nada nos permite reconstruir suas idéias e ritos religiosos. Nosso pensamento, herdeiro da filosofia clássica e da especulação cristã, por outro lado, evoluiu em tal direção que é difícil entender 'outras' culturas, não apenas aqueles objetos de estudos etnológicos. É ainda mais difícil tentar reconstruir as crenças dos homens que viveram muitos milênios antes do surgimento da escrita. Nunca deve ser esquecido que acabamos projetando no pensamento do homem pré-histórico a sombra do nosso pensamento e que a palavra 'religião', como a palavra 'arte', tem para nós um conteúdo que pertence à civilização da escrita; é um conteúdo que não pode mais ser aplicado aos conceitos de religião e arte dos antepassados (Leroi-Gourhan 1993: 303-306).

Dentro desse quadro, é completamente arbitrário fazer distinções, que ainda hoje são objeto de debate epistemológico, como o que se passa entre magia e religião. A religião e a magia, querendo considerá-las aspectos de um único fenômeno, ou fenômenos em si mesmos, embora inter-relacionados, são 'fatos' culturais, isto é, pertencentes a uma esfera extra-biológica; factos e comportamentos aprendidos, transmitidos e vividos dentro de um dado sistema social. Objetos, fragmentos ósseos, imagens confusas e incertas traçadas na rocha assumem significados precisos e insuspeitos somente quando corretamente inseridos em seu contexto, quando suas coordenadas espaciais e temporais são identificadas dentro de um local bem definido, e isso também se aplica aos materiais. folclórico (Leroi-Gourhan

1993; Barbaro Martinez, Erverdosa). Apenas nestes basicamente, pode-se esperar acessar, em alguns casos, aos caminhos intelectuais que têm presidido determinadas práticas.

O que pode ser dito sem medo de cair em erro é que a base da experiência religiosa dos ancestrais - do que se deduz do uso simbólico que certos objetos parecem ter, certas disposições espaciais e certas representações (animais, sexuais, astrais) - situa-se a relação com os elementos e os fenômenos do meio ambiente (o fenômeno da vida e da morte em primeiro lugar) e que, portanto, a própria essência de todo simbolismo é fundada, em primeiro lugar, nas correspondências e analogias percebidas na natureza das coisas. Como apontado por de Saussure, por outro lado, 'O símbolo tem o caráter de nunca ser completamente arbitrário: não é vazio, implica um rudimento de ligação natural entre o significante e o significado'

(1916: 25).

O fato é que os primeiros textos escritos já mostram um mundo complexo e diversificado. Eles testemunham sistemas religiosos sólidos e articulados. Eles só podem ser o resultado de uma longa história. Não se pode afirmar que o sentido do sagrado já nasceu no momento inicial do processo de homogeneização; É certo, no entanto, que nos estágios iniciais de sua história o 'homem' foi confrontado com formas de experiência religiosa:

a existência de um pensamento religioso, ou pelo menos de um comportamento positivo em relação ao que para nós é o 'sobrenatural', não pode ser absolutamente posta em dúvida nos últimos cinquenta mil anos da história da humanidade; desde o homem de Neandertal, e ainda mais quando Homo sapiens aparece, há uma abundância de testemunhos de reações que não são diretamente explicáveis ​​como reações vegetativas (Leroi-

Gourhan 1993: 305).

Dimensão simbólica

Homo symbolicus. A dimensão simbólica ocupa todo o campo da expressividade; daí a comunicação. Personagens simbólicos podem incluir, entre outras coisas, temas e motivos literários, ações rituais, objetos de uso, materiais sonoros altamente formalizados. Pelo termo 'símbolo', segundo Cassirer (1923-29:124), deve-se entender qualquer elemento concreto ou conceito abstrato 'materializado' que se torne uma expressão de um significado. Deve-se assinalar que enquanto no signo a relação entre significado e significante é substancialmente arbitrária e unívoca, no símbolo essa relação é analógica e variável, isto é polissêmica (ver Jung 1964: 55; Barthes 1966: 36; Ducrot, Todorov 1972: 134-135; Eliade 1959: 115 e segs.). A este respeito, uma característica essencial do símbolo deve ser notada, ou seja, o símbolo religioso, isto é, 'sua versatilidade, sua capacidade de expressar simultaneamente um grande número de significados cuja conexão lógica não é evidente no nível da experiência imediata' (Eliade 1962). , p. 116).

Símbolo transcendente e imanente

O símbolo possui o caráter de imanência e transcendência (ver Cassirer 1923-29, III, pp. 140 e 143). Revela transcendência e manifesta imanência, não podendo esgotar-se em suas funções indicativas. Estes são do signo, enquanto a especificidade do símbolo, particularmente do símbolo mágico-religioso, é implodir um significado que vai 'além', que contém uma carga de mistério e nunca é completamente interpretável. Nesta característica reside sua força e sua eficácia. 'parte do interesse pelas crenças religiosas por aqueles que as têm, deriva justamente desse elemento de mistério, do fato de nunca poder ser interpretado completamente'.

Símbolo e alegoria

O símbolo não deve ser confundido com a alegoria. Aponta seu significado, fora de si 'no programa conceitual que tem a tarefa de ilustrar'. Na alegoria partimos de uma idéia abstrata para alcançar uma figura, ao contrário, o símbolo é em si uma figura 'fonte de idéias' observou que a diferença substancial entre uma representação simbólica e uma representação alegórica reside no fato de que a última “caracteriza simplesmente um ou uma ideia, que é diferente de si ', enquanto o primeiro é a própria ideia que se faz sensível e incorporada. Existe um substituto. É dada uma imagem que, quando a vemos, nos mostra um conceito que devemos então procurar. Aqui, o próprio conceito desceu ao mundo material e, na imagem, o vemos diretamente e imediatamente. A diferença entre as duas espécies é, portanto, localizada na instantaneidade, da qual falta a alegoria. Inteiramente e em um instante, uma idéia se abre no símbolo, que compreende todas as nossas forças espirituais.

Enquanto no campo das alegorias, o significado e o significante parecem estar delimitados, no caso do símbolo os dois termos permanecem 'infinitamente abertos'. Em particular, o significante, o único termo concretamente cognoscível, refere-se em extensão a diferentes qualidades figuráveis ​​até a antinomia (Durand 1964: 4-15).

No símbolo, o elemento sujeito-objeto e o elemento de significado fundem-se um com o outro, porque se apoiam mutuamente, envolvendo-se mutuamente em uma unidade de solidariedade. Isso acontece, em particular, na passagem do mito para o ritual, que é da narração à memória simbólica.

Símbolo sagrado

Em particular, o símbolo 'sagrado' alude a 'profundidades inesgotáveis' cujos significados através dele são revelados e ocultados ao mesmo tempo. Somos confrontados com uma 'imprecisão de significado', uma expressão que 'embora dotada de propriedades precisas que são de alguma forma semelhantes às propriedades do conteúdo transmitido, refere-se a este conteúdo como uma nebulosa de possíveis propriedades' (Eco 1984: 225). Este conteúdo, embora vago e indefinível, está presente; se esse não fosse o caso, o símbolo se dissolveria, teria a consistência da imagem refletida do nada. Pode-se observar que uma expressão correspondente a 'uma nebulosa de conteúdo não codificada pode parecer a definição de um sinal imperfeito e socialmente inútil', mas é bem verdade que para aqueles que vivem a experiência simbólica, que é sempre de alguma forma a experiência de contato com uma verdade (transcendente ou imanente como ela é), imperfeita e inútil é o signo não simbólico, que sempre se refere a outra coisa em vôo ilimitado de semiose. A experiência do símbolo, por outro lado, parece diferente para aqueles que o experimentam: é o sentimento de que o que é transmitido pela expressão, seja nebulosa e rica, está naquele momento vivendo na expressão (pp. 230-231).

Poderíamos dizer que o símbolo é 'uma figura que é válida não para si mesma, mas para si mesma'. 'Nunca sendo capaz de representar a transcendência, a imagem simbólica torna-se transfiguração de uma representação concreta em função de um sentido sempre abstrato'. Em essência, o símbolo 'sagrado' aparece como uma epifania de um significado inacessível, uma manifestação do não-questionável e do não-representável através e no significante.

Representação simbólica

No símbolo, entretanto, o significado e o significante fundem-se em um produto polissêmico indefinível. Em outras palavras: na representação simbólica existe, entre significante e significado, uma relação conceitual imediata e direta, que implica uma correspondência automática reversível e, quase uma identificação deles (...). O símbolo consiste na apresentação de um signo ou de uma imagem (significante) que se refere a uma realidade (significado) diferente da imagem em si e, no entanto, também concebida como intrínseca a ela, a ponto de acabar identificando-se com ela. Essa referência, embora nem sempre evidente, é, no entanto, directa, imediata e também constante e obrigatória. O símbolo aparece, portanto, como uma conexão natural e não deliberada entre significante e significado, e tem um caráter quase mágico, de valor absoluto e exclusivo, de resumir a singularidade.

Arquétipos

Os arquétipos que não podem ser interpretados como signos ou como alegorias parecem ser símbolos autênticos, porque são inesgotáveis ​​e cheias de alusões, muitas vezes contraditórias e paradoxais. São tidas como representações (imagens) ou formas universais contida, desde os tempos antigos, no inconsciente colectivo. Os símbolos, ao contrário, mantêm e revelam verdades que afundam na experiência sensível, e são garantidas na vida manifestando-se e proliferando no universo histórico da cultura.

Símbolo

O símbolo é, no entanto, um signo cujo conteúdo, complexo, articulado, nunca completamente compreensível, domina a expressão, um signo no qual o sentido transborda e é, portanto, irredutível a modelos formais. Transbordando de toda metáfora e analogia, ela tem o poder de evocar realidades inusitadas e elusivas. Em vez de explicar, 'prelúdios e insinuações de experiências complexas e significativas para o homem'. Alarga os limites da consciência e, assim, possibilita uma experiência total da realidade. Ser capaz de revelar uma modalidade de realidade que não é evidente em termos de experiência, é através dela que um significado novo e profundo é atribuído à existência e, portanto, ao acesso ao sagrado.

O símbolo não só é importante porque prolonga ou substitui uma hierofania, mas sobretudo porque pode continuar o processo de hierofanização e sobretudo porque, quando necessário, é ela mesma uma hierofania, isto é, porque revela uma realidade sagrada ou cosmológica. que nenhuma outra 'manifestação' é capaz de revelar (Eliade 1948, p. 463).

Simbolismo

O simbolismo, considerado do ponto de vista da idéia de aleatoriedade, é como um curto circuito espiritual. O pensamento não busca a ligação entre os dois seguindo as espirais ocultas de sua conexão causal, mas de repente o encontra com um salto, não como uma relação de causa e efeito, mas de significado e propósito. A convicção da existência de tal relacionamento pode ser adquirida assim que duas coisas tenham em comum uma propriedade essencial, que deve se referir a algo de valor geral. Em outras palavras: toda associação baseada em alguma semelhança pode ser imediatamente transformada na consciência de um relacionamento essencial e místico. Do ponto de vista psicológico, isso pode parecer uma função mental muito primitiva.

Pensamento primitivo

O pensamento primitivo é caracterizado por uma fraqueza em perceber os limites da identidade entre as coisas; incorpora na representação de uma certa coisa tudo aquilo que tem alguma relação de semelhança ou de pertencimento a ela. A função de simbolização está intimamente ligada a ela. Além das observações sobre o pensamento primitivo, um eco de uma literatura que está desatualizada, Huizinga capta elementos fundamentais da gênese dos símbolos. Ele também está certo quando observa que:

“em cada relação simbólica deve haver um termo mais baixo e mais alto: duas coisas de igual valor não podem ser símbolos uma da outra, mas referem-se apenas a uma terceira, que é superior. No pensamento simbólico, há espaço para uma multiplicidade ilimitada de relações entre as coisas. Porque tudo pode, com suas diferentes qualidades, ser o símbolo de muitos outros, e também pode significar coisas diferentes com a mesma qualidade; e as coisas mais altas têm símbolos de mil espécies” (p. 236).

Significar

A constituição do significado de cada unidade simbólica e a formação de sistemas simbólicos é certamente um dos fenômenos mais complexos que caracterizam o homem como tal. É, um dos processos mais interessantes da concepção humana que é expresso por símbolos-metáforas que são tudo menos artificiais, mas que, pelo contrário, surgem espontaneamente para uma concatenação ideal imediata; toda qualidade abstrata é difícil de 'imaginar', ao contrário, evoca na mente um objeto concreto, que mais do que qualquer outro torna o resumo acessível à consciência, tem uma linha divisória entre identidade e símbolo ou metáfora que não é claramente rastreável; sentimos a linguagem figurada poética mais emocionalmente intensa que a prosaica e sobretudo a científica, que postula uma correspondência absoluta e inequívoca entre o objeto e a terminologia relacionada; desde que a reconheçamos como uma 'metáfora', ela permanece no domínio da 'poética', mas pode, no entanto, alcançar uma intensificação e sobreposição até substituir o próprio objeto em si. Se essa identificação acontece, nos encontramos na esfera da mitopoiese, ou de uma pseudo-realidade, ou super-realidade, repleta de conteúdos emocionais que aderem ao inexpugnável.

Abordagem simbólica

Não se deve acreditar que o homem 'moderno' e hiper-tecnológico tenha se emancipado de tal maneira de se aproximar do mundo, já que 'concepção humana espontânea' permanece claramente simbólica: 'o simbolismo valorizado como uma combinação imaginária, mesmo profunda, mas absolutamente distinta da realidade, é uma conquista em progresso, e longe de ser completamente alcançada pelo Homo sapiens, em sua fase atual '(p. 66). Como pode ser facilmente deduzido da propagação de filosofias e religiões ou pseudo-religiões de natureza esotérica (muitas vezes deformadas e desviadas filhas da chamada cultura 'oriental') e da proliferação de gurus, mestres e 'terapeutas' qualificados (que paradoxalmente reivindicam reconhecimento de parte da cultura oficial 'científica', o homem ainda se sente angustiado à mercê de forças externas obscuras e indefinidas, e 'Somente conhecendo-as, repetindo apenas uma ação simbólica (onde o símbolo implica todo o poder que é reconhecido pela psicanálise'). , ou, respectivamente, da magia), ele enfrenta a angústia do novo, trazendo-o de volta para a esfera do conhecido e dominável '(1977, p. 48). Talvez seja excessivo argumentar, como já foi dito, que os sistemas de símbolos constituem um 'escudo contra o terror' (Berger 1967, p. 22). Não há dúvida, no entanto, de que eles sempre exercem uma função estabilizadora em relação ao risco de desintegração de não ser do qual o indivíduo e as sociedades se sentem investidos.

Sincretismos simbólicos

A compreensão dos aparatos simbólicos das diferentes civilizações é dificultada pelas tradições culturais neles diversamente estratificadas. Na cultura das crenças religiosas angolanas, por exemplo, há elementos de matrizes espaciais e temporais diferentes que se fundem em um sincretismo com novos movimentos religiosos. As formas religiosas clássicas do cristianismo importadas em Angola não se estabeleceram nem se estruturaram progressivamente como um todo homogêneo com as crenças preexistentes. No seu interior permaneceram tradições e cultos de várias origens e natureza, que fundiram-se interagindo com diferentes substratos regionais. A complicar o panorama simbólico houve as contribuições das várias populações angolanas que cruzaram as suas crenças sem permitir a sua dissolução. A progressiva adesão ao cristianismo, não resulta no cancelamento completo das formas anteriores de religiosidade. Isso particularmente nas áreas rurais em que a palavra evangélica foi apregoada pelos missionários das diferentes denominações; nestas áreas a pregação não penetrou incisivamente os 'costumes e as tradições rituais certamente mais próximas do povo do que de cristianismo'

A história destes sincretismos foi gravada em imagens e palavras, textos literários, artes, material esculpidos e pictóricos, enfeites, capas, tronos, etc.

Função simbólica dos signos

Para complementar e esclarecer o que foi observado até agora, deve-se notar que os símbolos não são uma classe de indicadores semânticos nem de variedades. Estes são signos que, em relação aos sistemas ideológicos e práticas culturais das várias sociedades historicamente dadas, passam a assumir uma função simbólica. O que produziu significado simbólico ao longo das épocas em Angola, pode não ter nenhum significado no sistema de representações simbólicas do Ocidente. Imagens aparentemente semelhantes (a cruz) foram portadoras de significados diferentes, dando origem a refuncionalizações mesmo divergentes, em diferentes contextos (Kangi a Kidito). No entanto, não é questionável que alguns símbolos apareçam com significado semelhante, mesmo em culturas muito distantes no tempo e no espaço, como se fossem realmente 'produtos naturais e espontâneos' por exemplo, atribui caráter universal ao simbolismo do Janco, da Mulemba: eles permanecem como imagem de uma concepção universal que por muito tempo determinou o modelo do mundo das comunidades angolanas do antigas e novas. Há uma série de razões para considerar. Há razões para a interpretação do Yala Nkuwu, que corresponde à imagem da 'árvore universal'. Permaneceu essencialmente como símbolo do poder real em todos os lugares do reino do Kongo e nos mais diversos períodos, embora seja verosímil que sua inevitável manifestação está ligada a um certo estágio de desenvolvimento de uma sociedade kongo bastante antiga.

Símbolos identitários

O problema da identidade e reconhecibilidade, no espaço e no tempo, de certos símbolos, foi a ocasião para extensas discussões por parte de diferentes escolas de pensamento (comparativa, difusionista, psicanalítica, estruturalista) que propuseram soluções diferentes e antitéticas. Os Antropólogos estruturais de sua parte têm se interessado em identificar e analisar as estruturas comuns que articulam os aparatos simbólicos, recusando-se, assim, a tratar os símbolos como entidades independentes. É interessante, no entanto, fazer alguns breves comentários sobre o conceito muito discutido de 'arquétipo'. Ao apontar, mesmo em sua articulação multifacetada, a difusão e a permanência de um símbolo como a mulemba, não apenas como imagem, mas também como detentora de significados compartilhados específicos, não podemos não nos confrontar com a noção de arquétipo. Trata-se dum arquétipo que produziu organizando-se em torno de um núcleo específico de significado, algo que correspondendo às experiências do angolano experimentou no decurso do desenvolvimento da consciência social uma categoria especial de símbolos, de 'modelos dotados não só de uma estrutura e dinâmicas internas, mas também de conteúdos simbólicos que foram transmitidos e que operam na história, orientando comportamentos individuais e coletivos ', e reificando-se em imagens rituais, iconográficas e textuais. É óbvio que os arquétipos (Yala Nkuwu, Kulumbimbi), se concebidos como formas e como substâncias de expressão e conteúdo, não podem ter o caráter fixo e universal. Os traços culturais são independentes e podem ser transmitidos de uma geração para outra somente com a própria cultura, obedecendo aos impulsos estáticos e dinâmicos, ao jogo de permanência e mudança, que constituem sua vida aparentemente misteriosa.

No que diz respeito à presença dos mesmos símbolos em São Salvador, mesmo que nunca entrasse em contacto com Mbanza Kongo, há entretanto que considerar que a relação entre a dimensão simbólica e a dimensão econômica é mais próxima do que parece. Apesar da aparente diversidade de situações, uma parte substancial dos Bakongo por milênios viveu principalmente graças a um número incalculável de homens ligados à cultura kongo, criando um 'macro-contexto' homogêneo, onde o isomorfismo de certos produtos simbólicos deve ser examinado.

Alguns símbolos, portanto, parecem possuir o caráter de 'universalidade', mesmo independentemente dos contextos históricos individuais. Este facto está provavelmente relacionado à sua matriz experiencial, se não ao que os iluministas chamam de 'a identidade da natureza humana'. Se é verdade que a estrutura da mente é idêntica em todos os homens e os iguais são então, diante de experiências análogas, se também quisermos ser emotivas, a formação de imagens análogas é possível, devido à condensação em torno do mesmo signo de fragmentos de significado análogos. O fogo, a árvore, a cruz, a água são exemplos óbvios de como alguns momentos experienciais em sua conceituação cultural, embora ainda sujeitos à deriva da história, podem escapar do naufrágio do significado, mantendo seu valor constante e inalterado. simbólico.

Def de símbolo

O símbolo é definido na união íntima entre o 'conceito' e a 'figura' e, ao contrário dos outros signos, é, em princípio, a tradução cultural de uma 'experiência'. As analogias possíveis de um símbolo com outros símbolos referem-se, portanto, às experiências às quais estão conectadas e aos seus contextos de percepção, isto é, os tecidos sociais e culturais, através dos quais uma experiência sensível específica, transformando-se em sinal assumir conotações simbólicas.

Símbolos dinâmicos

Também deve ser notado que um símbolo também pode ser o objeto de uma experiência sensível que dá origem a símbolos derivados (dinâmica de sinais). A difusão universal de certos símbolos e sua permanência ao longo do tempo, portanto, contribuem para:

1) a identidade das estruturas perceptivas (fisiológicas e cerebrais) que dão origem a respostas semelhantes a certas tensões;

2) a proximidade espacial e / ou estrutural das culturas e, em particular, os contextos econômico-sociais aos quais os sujeitos perceptores pertencem;

3) os modelos culturais tradicionais que detêm forças que actuam estabilizando o nosso comportamento

Para averiguar a verdade do que acaba de ser observado, basta refletir sobre as formas e os tempos da transformação ocorrida no nível ideológico / simbólico na passagem dos regimes de vida baseados na caça e colecta para aqueles estruturados na agricultura e na pecuária. Um processo muito lento e diversificado que, no entanto, levou a uma profunda reorganização e recodificação das imagens mágicas das culturas neolíticas, dando origem a um sistema de crenças e práticas que ainda podem ser detectadas no contexto folclórico.

Tomando a questão em termos de construção e de teias entrelaçadas de significados, observamos que: no nível do “pensador”, isto é, daquele que queria propor-se no mercado como símbolo da cultura angolana revela estruturas profundas, e  procedimentos lógicos que  todos os angolanos aplicaram influenciados por nivelamentos globais, esqueceu-se o kuku e refuncionalizou-se o pensador. Entretanto, os fatos culturais individuais não consistem nos esquemas. Estes constituem apenas sua estrutura fundadora, mais claramente perceptível quando sistemas culturais são encontrados em estados nascentes. Esses esquemas 'comuns' são articulados no nível da norma, que é específica para cada sociedade, em figuras historicamente determinadas. As estruturas normativas dos universos simbólicos assim constituídos expressam-se, por sua vez, no nível do ego, isto é, da prática social, nos contextos individuais, dependendo das diferentes tradições culturais próprias umbumdu, tutcokwe, kongo. O significado manifesto do mesmo símbolo, portanto, nunca pode ser fixo e unívoco, mesmo que no nível das estruturas profundas permaneça constante.

Como compreender o significado de um símbolo

Embora cada símbolo aspire à universalidade, seu significado não pode ser completamente entendido, portanto, fora do contexto mítico-ritual ao qual ele pertence, isto é, de sua história. Em outras palavras: mesmo sendo uma oportunidade inesgotável de semiose, o significado de um símbolo deve ser circunscrito e compreendido através das relações que ele tem com os outros elementos de seu próprio sistema simbólico. A realidade cultural angolana é moldada pelo angolano a partir da sua cultura em que nasceu e das experiências que tem vivido, experiências que o colocam em contato com os outros e com vários aspectos da natureza. (...) Nossas percepções são seletivas e aqueles aspectos do mundo que são selecionados devem ser reduzidos e refuncionalizações em termos de algum sistema de simplificação (ou estrutura) que nos permita compreendê-lo.

Sistema simbólico

É o sistema de símbolos que lhes dá essa ordem, cobrando-lhes significados. Em conclusão, podemos afirmar que o símbolo é multidimensional e cheio de valores que, de outra forma, podem conectar, substituir ou estabelecer tramas de relações subterrâneas, enraizadas na profundidade da psique, mas situadas diferentemente nos vários momentos históricos, como na vida do ser humano individual e na sua cultura simbólica. (...) É a amplitude de suas manifestações, é a persistência essencial no tempo que evidenciam sua real entidade simbólica que nos é revelada. Nesse sentido também o folclore - entendido como a sobrevivência de um símbolo ao longo dos milênios - pode se tornar um documento humano de intenso valor significativo.

Van Wing, J. (1959). Études Bakongo II. Religion et Magie. Bruxelles: Desclee de Brouwer.

Leroi-Gourhan, A. (1977). Il gesto e la parola. Torino: Einaudi.

Van Wing, J. (1938). Études Bakongo. Religion et Magie. Bruxelles: Georges Van Campenhout.

 

 

ANO 2021

 

Primeira Lição dia 16 de Outubro

 

Cultura do simbólico

 Cultura é algo menos e algo mais da definição bem conhecida e substancialmente compartilhada por Edward Burnett Tylor em Cultura Primitiva (1871) 'Cultura, ou civilização, entendida no seu amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, direito, costumes e qualquer outra habilidade e habito adquirido pelo homem como membro de uma sociedade» (1871:1).

Finalidade da antropologia do simbólico

A antropologia do simbólico dedica-se ao estudo da dimensão simbólica, e mais ainda à compreensão do simbolismo mágico-religioso cultivado pelo homem em relação ao mundo e à sociedade, portanto à função social dos códigos simbólicos.

As reflexões que se seguem representam um mundo que hoje dificilmente se encontra sem coerência interna. Um dos problemas recorrentes é a dicotomia sacro versus profano, que se presta a ser equivocada. Nas culturas é difícil estabelecer um limite entre simbolísmo religioso e simbolísmo profano.

Factores mágico-religiosos

 

Na imaginação colectiva do angolano joga muito este factor mágico e é portanto indispensável estudar a função social que assumem os códigos simbólicos. Uma das exigências é exactamente a de recorrer a um mundo simbólico-ritual para resolver os graves problemas que a existência impõe. Uma das características mais recorrentes é o influxo do mundo da morte. Os defuntos estão presentes desde o nascimento, a iniciação, a nutrição a cura, a caça e o sucesso na vida individual e social do angolano.

As forças espirituais que animam o panorama religioso

 

Para ter sucesso na vida precisa recorrer à protecção dos antepassados e das forças espirituais que povoam e governam o mundo. O homem desde o começo da sua existência está amarrado por multíplices factores que não dependem do seu controle. A fertilidade, a doença, o imprevisto, a sorte na guerra e na caça, o sucesso na vida social, o controle das forças da natureza favoráveis e desfavoráveis, as cheias, as chuvas e as secas sempre interpretados com a intervenção de forças superiores que ultrapassam o homem e que o atemorizam.

O contexto sócio-cultural

 

Não é fácil individual com precisão o contexto e os valores, a substância e a forma da religião tradicional que sempre permaneceu no substrato mental do africano, apesar de anos e anos de mentalização área  marxista-leninista. Mas o que nos interessa em tudo isto é o facto que desde os primeiros tempos o homem sempre manifestou uma atitude a traduzir em símbolos a realidade material do mundo que o rodeia, tudo expresso na linguagem ritual com símbolos e sinais compreensíveis dentro da esfera do sagrado administrado por agentes bem definidos e aprovados socialmente.

O sonho do homem

 

Desde sempre o homem sonha de gerir, manipular e transformar a realidade material que o rodeia, e desde então recorreu à magia expressa em símbolos e sinais com valências e significados religiosos. Muitos estão amarrados e dependentes deste mundo expresso misteriosamente com símbolos cuja leitura e interpretação compete à antropologia simbólica.

O sonho de gerir o mundo e as forças da natureza desenvolveu dum lado a ciência, mas do outro cultivou toda uma série de símbolos sinais e significados atribuídos em base a crenças que mesmo hoje animam o panorama religioso do angolano. Sem duvida que assim o homem ganhou a percepção dum mundo diferente onde se reconhece criatura distinta e especial, capaz de manipular, transformar e gerir a natureza.

Forças da natureza

 

Face ao desenvolver-se misterioso dos fenómenos o homem teve que recorrer à reparos para proteger-se a si e a seus ente-queridos. Tudo isto colaborou para a construção de um mundo complexo de simbologias mentais cujos significados eram atribuídos e exprimidos com signos concretos materiais tirados da cultura material. Como poder desvendar este mundo tão complexo? Recorrendo aos agentes do sagrado, e observando ritos celebrados desde então.

O recurso ao simbólico

 

Há que concluir acerca da capacidade do homem de elaborar simbolicamente a sua necessidade de recorrer às forças do além, constituindo complexas redes entrelaçadas de símbolos e sinais. As praticas mágico-religiosas dos nganga, adivinhatórias, médicas, propiciatórias para impetrar sucesso, saúde e autodefesa são celebradas e expressas dentro de um panorama simbólico que a cultura oral elaborou em formulas, provérbios e histórias. Trata-se de objectos abandonados na terra como aquela estátua feitiço que encontrei no meio da estrada em 1984. Para chegar de Damba a Makela no meio de tantas vicissitudes, passava-se nas lavras e no meio da estrada deparei numa estátua virada  a olhar na lavra logo a frente. Recolhi aquele achado e comecei a observá-lo atentamente: era impossível não ficar atemorizados pelas atitudes do rosto da estatua. Pedi explicações e percebi as rivalidades que nascem ou pela colhei mais favorável, ou pela inveja, ou pela ganância da vizinha que acaba por invadir terra que não lhe pertence. Enfim tudo isto levava a recorrer aos «feitiços». O mundo simbólico entra a regular os relacionamentos sociais e controla a ética do comportamento dos membros da sociedade, impedindo ou favorecendo sucesso, a saúde a fertilidade, a caça.

Os sistemas do simbólico

 

É portanto necessário assumir os sistemas religiosos das populações que estudamos para desvendar e descodificar o entrelace de símbolos e significados que enrolam e estratificam a cultura angolana. No fazer isso devemo-nos acautelar por fáceis e superficiais comparações que além de ser arbitrárias nos levam inevitavelmente a erros e mistificações. O antropólogo observa, e observando apreende, no que recolhe reflecte e sintetizando interpreta.

O método apropriado para o simbólico

 

O método fornecido pela antropologia interpretativa nos é de grande ajuda para basear correctamente a leitura e a interpretação do complexo mundo simbólico que anima a cultura mágico-religiosa angolana. Podemos recorrer a paralelismo  com formas elementares de culto que observamos, mas navegamos num mundo cheio de incertezas e limites. Os instrumentos que padronizam esta analise são fracos e o ambiente onde se opera com seus sistemas culturais e religiosos são densos de significados e fortemente estratificados. Ha que confessar uma incapacidade em abraçar e interpretar com categorias analíticas e hermenêuticas a complexa simbologia mágico-religiosa da religião tradicional angolana.

Sistemas culturais do simbólico

 

Quais são os sistemas culturais que animam o panorama da cultura angolana?

Antes de tudo o mundo dos pastores 24 horas em presença do animal ao qual se deve oferecer pastagens diários. O mundo dos agricultores em perene perscrutação da natureza para determinar se os eventos são favoráveis ou desfavoráveis à colheita. O sistema familiar baseado na fertilidade e na economia domestica que permite aos filhos de crescer. O tudo sujeito a grandes transformações que se realizam sem que nos apercebamos, pois obedecem a inputs externos.

 

Porque o simbólico?

Temos de perguntar primeiro se existe, de facto, algo assim como uma antropologia simbólica instituída e frontalmente, e só depois, se for o caso, investigar sua história e a sua contribuição e a sua estrutura. O ESTUDO ANTROPOLÓGICO da cultura, dos sistemas de símbolos e significados, é a ciência dos termos básicos com os quais nos vemos como pessoas e como membros da sociedade, e de como esses termos básicos são usados ​​pelas pessoas para construir para si um modo de vida.

Questões0

A antropologia simbólica coloca, e tenta responder a questões como: “Qual é o significado do efiko?” Ou “Porque celebrar o alembamento?” Ou “Qual é a natureza da cultura angolana?” E, assim fazendo, a antropologia simbólica analisa de modos de agir e ser no mundo que se substituem como alternativas àqueles hábitos e instituições que desde então sempre tomamos como os mais “naturais”: os nossos. As pessoas em todos os lugares agem com base no conhecimento e na crença - sobre o mundo, sobre si mesmos, sobre a própria ação. As crenças formam, entre todas as pessoas, um sistema: esse sistema pode ser visto como um complexo de conjuntos de proposições sobre o mundo, que, em um exame mais aprofundado, revelam-se ordenados em suas relações uns com os outros.

Os Campos

Existem, por exemplo, proposições de natureza ontológica, sobre um ou outro aspecto do mundo, outras de natureza psicológica, outras de natureza cultural; Esses conjuntos de formas são chamados de ‘campos’. Há também, em cada sistema de crença, proposições sobre as distinções entre campos, que traçam fronteiras e definem limites e entre um campo e outro e em que maneira os campos se relacionam entre si. Este segundo tipo de proposições usam uma ’meta linguagem', que exprime todo um sistema de crenças: é uma cultura simbólica sobre a linguagem (mukixe, mulozi, kindoki). Algumas crenças são compartilhadas por todos os membros de um grupo (sereia da Ilha de Luanda); outras são específicas de um ou outro subgrupo ou categoria de pessoas dentro de um grupo maior (mahamba); e outros ainda são mantidos apenas por indivíduos.

Cultura como sistema

Cada um deles constitui sistemas em diferentes níveis: o sistema de crenças compartilhado (mais ou menos) por todos os membros de um grupo é chamado de “religião” que tem as suas componentes ideológicas; o sistema de crenças de um indivíduo - o complexo de convenções que uma pessoa compartilha com os outros e aquilo que é exclusivo dessa pessoa - é uma componente identitarias; as crenças que definem um subgrupo são frequentemente chamadas de “metacultura”.

Sistema de símbolos

Dizer que cultura é um sistema de símbolos pode ser um pouco enganador, mesmo for para caracterizar a cultura angolana. Assim também, a descrição de um sistemas de crenças como conjuntos de proposições e um complexo de conceitos pode enganar. Porque sabemos que a cultura não está disponível para nós em forma de proposições, mas de factores identitários que não podemos expressar pois compõem o complexo daquilo que definimos como nossa própria cultura, nosso próprio modo de vida, nossas próprias crenças, de modo a não lhes tirar grande parte de sua riqueza, e da sua complexidade, do seu poder incisivo que direciona as nossas vidas e confere significado à nossa existência de angolanos; e não podemos entender em plenitude a cultura de outro povo reduzindo as suas crenças a um conceito.

Cultura angolana simbólica

É claro que toda cultura - inclusive a angolana - tem uma maneira de se expressar em forma de símbolos e simplificada em conceitos, que são usados principalmente para exprimir a cultura, usados principalmente nas escolas para crianças, mas também discutidos na antropologia como constituintes a alteridade cultural. E, de facto, a colecta de dados antropológicos é muito parecida com a colecta de peças que ingenuamente uma criança usa para compor um puzzle. Ambos tentam de compor um padrão significativo com as informações colectadas. Ambos usam as suas próprias observações e as suas relações com os outros como experiência vivida suplemento fundamental aos conceitos apreendidos na escola ou no estudo. A diferença é que aquilo que move uma criança é em grande parte inconsciente e natural, moldado pelo processo de desenvolvimento e pelos impulsos e necessidades da criança como uma pessoa inteira, enquanto aquilo que move o antropólogo é uma característica da própria cultura que o antropólogo quer definir e significar: a necessidade de entender a crença de explicar o seu significado de compor os símbolos que orientam esse esforço. Assim, enquanto as crianças concretizam o que aprendem como suas próprias experiências no mundo, os antropólogos abstraem um padrão geral daquilo que investigam; eles compõem um sistema que mais ou menos compreende a vida das alteridades culturais e, desse modo, fornece mais informações que permitem de comparar as culturas.

Def de antropologia do simbólico

A “antropologia simbólica” constitui uma aplicação da antropologia social e cultural, que define e diferencia o perfil de uma cultura e a estuda enquanto símbolos e sistemas culturais e sugere implicações antropológicas que teorizam a vida de um povo.

Seu objecto

O objecto, o significado, e os elementos (objetos, pessoas, relações, atos)  que compõe a antropologia simbólica são fruto daquilo que as pessoas entendem, comunicam e agem dentro de seus panoramas simbólicos e como compõem as inter-relações destes elementos dentro de um sistema chamado cultura. As culturas são marcadas por modalidades às quais as pessoas conferem significados e sentidos dentro dos seus próprios mundos.

Seu método

A análise desses conjuntos implica uma diversidade metodológica e uma abordagem a essas questões específica que costumamos definir como antropologia do simbólico. Ao dizer isso, não pretendemos, contudo, implicar “meras” diferenças técnicas. Em vez disso, por metodologia, entendemos algo de epistemológico ou seja o “sentido angolano, no qual a metodologia virtualmente significa técnicas práticas de pesquisa”. Embora seja necessário fornecer um sentido na história da antropologia e nas manifestações contemporâneas dos estudos simbólicos na antropologia, o esforço é de interpretar a cultura angolana em termos simbólicos. Esta é a grelha com a qual filtramos aquilo que outros antropólogos podem ter estudado a esse respeito.

Cultura social

Os antropólogos preocupados com os símbolos e a forma simbólica começam com a premissa de que a ação social tende a ser ordenada num complexo, para ser, em algum grau, previsível ou compreensível por ambos os participantes da cultura e os seus estudiosos e observadores. Vida social - composta de pessoas, de deuses e fantasmas e feitiços, de crenças sobre o possível e sobre o real e sobre o que é certo e o que é errado, bem como ações, coisas, relacionamentos e instituições - é constituído logicamente, alcançando uma coerência para aqueles que o vivenciam na sua particularidade. Uma pessoa pode, por exemplo, argumentar que feitiços existem, como outro pode argumentar que eles não pegam, no entanto por aqueles que acreditam em feitiços, estes são tratados como entidades reais. A nossa preocupação não é apurar se estes pontos de vista são ou não “científicos”  ou - se eles se opõem ao domínio das crenças ou do conhecimento ocidentais chamados Religião ou Ciência; por vezes na ação social, aquilo que é pensado como real é tratado como real; e esse tratamento, por si próprios e pelos outros, contribui para a confirmação da “realidade” e constitui um aspecto decisivo do significado simbólico dessa realidade.

Símbolo e significado

Os antropólogos, ao considerarem os símbolos e significados e o seu lugar na ação social, foram influenciados pelas investigações em psicologia (Freud) e linguística (De Saussure).  A partir do trabalho de Freud, percebe-se o peso que o aspecto inconsciente possui na elaboração das crenças, particularmente em significar, conhecer e sistematizar aquilo que as pessoa acreditam. Na Interpretação dos Sonhos, Freud descreveu os processos pelos quais os símbolos podem assumir múltiplos significados, o processo no qual a mente desloca o conteúdo da experiência em uma cadeia de raciocínio e o processo complementar por meio do qual essa cadeia de raciocínio e memória é condensado durante o processo de deslocamento.

Def Refuncionalização

Assim, a refuncionalização é o processo através do qual um símbolo (com implicações negativas para a pessoa) é substituído por outro símbolo (menos ameaçador, mais aceitável). O segundo símbolo (ou terceiro ou quarto e assim por diante), menos ansioso, é usado para dizer, obliquamente, o que não podia ser dito antes, diretamente; simultaneamente, vários conjuntos de significados são deslocados para um símbolo que se torna a condensação de muitos significados diferentes ou cadeias de significado.

Códigos e padrões culturais

Freud explicou, assim, ao traçar os processos interativos de condensação e refuncionalização, como o pensamento consciente se torna um código para o inconsciente (reprimido). Desvendando esse código, a estrutura das necessidades e da compreensão que motiva a pessoa, o padrão implícito de significância que dá sentido à experiência e à ação da pessoa, pode ser descoberta.

História dos estudos sobre a Antropologia psicanalítica

Grande parte das explicações de Freud sobre os detalhes desses processos - particularmente suas declarações sobre a importância do instinto ou da sexualidade, ou sobre a psicologia das mulheres - agora é descartada ou objeto de grande debate; e muito desse questionamento tem sido o resultado do trabalho comparativo de antropólogos como Bronislaw Malinowski e Margaret Mead. Mas o esqueleto básico do funcionamento da mente e a dinâmica das relações entre consciente e inconsciente, de código e significado - do complexo, afinal, dos símbolos na consciência humana - é a contribuição que deu Freud para a compreensão das pessoas. (A Interpretação dos Sonhos é provavelmente a mais importante das obras de Freud);

A Introdução Geral à Psicanálise de Freud pode ser útil para aqueles que querem fundamentar psicanalitcamente o processo de simbolização . Existem numerosos estudos de Freud que tentam aplicar seus insights aos fenômenos sociais: destes, o mais abrangente e interessante é Eros and Civilization, de Herbert Marcuse , mas veja também Childhood and Society, de Erik Erikson, Fuga da Liberdade, de Erich Fromm, e Géza Róheim, Psicanálise e antropologia. Nos últimos anos, houve várias tentativas de relacionar as descobertas de Freud com teorias mais gerais da ação simbólica. Entre estes, a comunicação de Bateson e Ruesch: A Matriz Social da Psiquiatria, A Linguagem do Eu, de Jacques Lacan, e Freud e Filosofia de Paul Ricoeur são os mais significativos.)

Códigos linguísticos simbólicos

Embora a linguística tenha sido bastante desgastada e mecanicamente aplicada nos últimos anos (por exemplo, pela escola etnolinguistica ou muitos seguidores do estruturalismo francês), o estudo da linguagem deu fortes indícios de o que Freud definiu como «mente individua» é verdadeiro também das crenças dos grupos: que os grupos têm códigos simbólicos, ou sistemas de signos, que ordenam as crenças mantidas por seus membros, que moldam o desenvolvimento de novos conhecimentos no grupo ao mesmo tempo em que tendem a assegurar que as antigas observações sejam repetidas; e que esses códigos, como os códigos conscientes dos indivíduos, representam uma condensação de um conjunto complexo de motivos, experiências, conhecimento e desejo, que ajudam a moldar e expressar ao mesmo tempo em que mantêm muito do que não é dito e abaixo da superfície. Os linguistas - como a psicanálise, a crítica literária, a filosofia e muitas outras disciplinas - nos deram técnicas com as quais desvendar esses códigos e ali nos possibilitam ver a crença, a elaboração da crença e o desenvolvimento da crença, em ação.

Teorias antropológicas

É necessário considerar, a partir de uma perspectiva histórica, os desenvolvimentos e tendências na sociedade ocidental da qual a antropologia é herdeira. Ao fazer isso, tomamos uma posição que contrasta com a visão dominante das origens da antropologia; essa visão, como expressa, por exemplo, por Marvin Harris no seu livro A evolução do pensamento antropológico (1968), é que a antropologia é um refinamento do impulso e da necessidade de compreender os muitos povos “estranhos” e “alheios” com os quais os europeus começaram a entrar em contato durante e após o período do Renascimento, que, foi o período onde a antropologia derivando da tentativa iluminista de encontrar uma base racional para a diversidade humana, começa a descrever e interpretar as culturas. Enquanto Harris sugere que o impacto da antropologia reside nos factos brutos da diversidade humana, é evidente que o deu ímpeto à entrada da antropologia são os problemas da nossa própria sociedade que deram significado à diversidade humana para nossos antepassados. Em geral, sentimos que a influência de qualquer tipo de elementos “externos” sobre as ações humanas é facilmente superestimada; em particular, os grupos humanos sempre e em todos os lugares se conscientizaram das suas diferenças humanas e desenvolveram maneiras de compreendê-las e de agir de maneiras diferentes. É necessário repensar a cultura angolana segundo os moldes da antropologia simbólica que analisa os artefactos inextricáveis da cultura africana. E isso é porque a alteridade, assumiu e continua a assumir uma grande importância.

 

Dolgin, L. J., Kemnitzer, S. D., & Schneider, M. D. (1977). Symbolic Anthropology. A Reader in the Study of Symbols and Meanings. New York: Columbia University Press.

Freud, S. (1900). Die Traumdeutung. Vol IV. A interpretação dos sonhos. Leipzig: Franz Deuticke.

Freud, S. (1920). Conferências introdutórias sobrea a Psicanálise. Leipzig: Imago.

Marcuse, H. (1975). Eros e civilização. Rio de Janeiro: Zahar.

Erikson, E. (1993). Childhood and Society. London: Paladin Grafton.

Fromm, E. (1975). Fuga dalla libertà. Milano: Mondadori.

Róheim, G. (1967). Psychanalyse et anthropologie. Paris: Gallimard.

RueschJurgen, & Bateson, G. (1951). Communication. The social Matrix of Psychiatry. New York: Norton.

Lacan, J. (1973). The Language of the Self: The Function of Language in Psychoanalysis. London: Hopkins.

Ricoeur, P. (1970). Freud: una interpretación de la cultura. Madrid: Siglo veintiuno.

Harris, M. (1971). L’evoluzione del pensiero antropologico. Una storia della teoria della cultura. Bologna: Il Mulino.

 

Segunda Lição dia 17 de Março

Cultura e significação

A convicção de que a cultura é o universo da significação foi definido, na verdade, a cultura é algo menor e algo mais do que é entendido na definição bem conhecida e substancialmente compartilhada de Edward Bumett Tylor em Primitive Culture (1871:1):

«A cultura, ou civilização, entendida em seu amplo sentido etnográfico, é aquele conjunto complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, direitos, costumes e quaisquer outras habilidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade» .

É algo menos porque se visto do ponto de vista metodológico, exclui da análise antropológica os factos culturais e os seus aspectos não semióticos, na realidade, do seu ponto de vista, inexistentes por serem culturais. É algo mais porque não só se identifica ao significar o traço distintivo da cultura, mas também torna a realidade do próprio homem consistente.

Traços distintivos da cultura

Constituem o material e as ferramentas através das quais e nos quais eles se conhecem e se reconhecem, produzem e reproduzem o seu mundo. Sinais e símbolos na essência não são apenas um traço característico do homem como tal: sua essência, seu destino. A condição humana também consiste na produção e consumo de sinais e símbolos. Nada para o homem tem realidade fora deles e ele mesmo perde sua identidade como homem.

Cultura versus natureza

É claro que a distinção, implícita no que acabamos de dizer, entre uma realidade que é significada e uma realidade que não é significativa, corre o risco de representar a antiga dicotomia constitutiva da cultura ocidental: cultura versus natureza, uma versão mais moderna do antigo: espírito versus matéria. No entanto, esse risco é facilmente evitável, tendo em mente que a realidade não significada é uma parte constitutiva, como Morgan (1871) já sabia, da realidade significativa.

Significação

A produção de significação, isto é, a atribuição de significados tanto no momento da codificação como da descodificação, ainda que culturalmente condicionada, talvez precisamente por essa razão, é inseparável da realidade natural e social. Para ser ainda mais claro: os factores culturais existem como produtos dos processos cerebrais de atribuição de significados, mas estes não poderiam existir sem aqueles. Além disso, conforme o significado da comunicação, a cultura é impensável fora da dimensão social, então, integrando Aristóteles, é fácil entender que a sociedade é a condição inescapável da língua, sabendo bem que é a comunicabilidade que permite a existência da sociedade.

Continuum

Assim, as grelhas tradicionais com as quais estamos acostumados a ler o mundo saltam. A cultura não nos aparece mais como um todo ordenado dividido em compartimentos, mas como um continuum no qual cada elemento é a condição que permite a existência dos outros e de todos os outros. Portanto a cultura não é um conjunto taxonómico de sentidos filologicamente encaixados uns com os outros, mas a cultura se apresenta como um rebus de palavras cruzadas cujo fascínio consiste na solução. perpetuamente procurada, mas nunca definitivamente encontrado proveniente do conjunto de leis que a organizam e a sistematizam na sociedade.

Conceito e estatuto da cultura

O conceito de cultura ocupa um espaço tão vago que é quase impossível delimitar suas fronteiras. O significado do termo e seus equivalentes, de nação para nação, de grupo para grupo, de indivíduo para indivíduo, e mesmo de momento para momento no comportamento verbal do mesmo indivíduo que a produz. A cultura, abana-se em um arco semântico, que parte da indicação apenas de produtos muito especiais do intelecto, considerados qualitativamente valiosos, até a denotação significativa de toda a realidade humana. Isso naturalmente termina com a restrição ou a dilatação dum fenômeno cultural até ponto de negá-lo. Na verdade, é óbvio que aquilo que no primeiro caso pode ser individuado, definido e descrito como cultura para alguns, para outros não é.

Cultura vida do universo

Mas no segundo caso, o da dilatação de um fenômeno é evidente que o uso alargado e totalizante de um termo até o ponto de incluir nesse termo tudo o que pertence ao homem, leva a identificar a cultura com a vida, com o universo de significados que marca uma cultura etc. Quando nós queríamos aceitar a definição de cultura dada por M. Herskovits :

«tudo o que no ambiente é devido ao homem» (1952, 6),

nós de fato encontraríamos a questão perturbadora de definir aquilo que não é considerado cultura, dado que a mesma representação do próprio ambiente é devida ao homem e que nós operamos dentro dessa mesma representação. Em outras palavras, se a cultura é tudo o que é devido ao homem, essa abrange tudo, até mesmo o continuum espaço-temporal, porque mesmo essa concepção muito particular da realidade é um produto humano. Portanto, parece evidente que um conceito funcional de cultura deve referir-se a um fenômeno mais concreto e claramente delineado. Mesmo que se começa a partir de uma modelagem global da realidade, sem desconsiderar o trabalho filosófico realizado até agora nesse sentido, deve-se colocá-lo entre parênteses como operacionalmente irrelevante (Rossi, 1970).

Uma primeira aproximação do problema leva a ordenar o conjunto da realidade em dois grandes subconjuntos: aquele da realidade sendo experimentada e o outro da realidade não experimentada. Deixando de lado este último, porque, até que permaneça assim, não pode pertencer à cultura, pois não pertence ao homem, o discurso se coloca dentro da realidade experimentada.

Duas classes de fenômenos

Aqui é possível reconhecer imediatamente duas grandes classes de fenômenos, aqueles que ordenamos sob o rótulo comum de realidade objetiva e aqueles que, com termos vagos, mas adequados, podemos dizer realidade, intelectual. Alguns autores estão inclinados a identificar a cultura com esta última classe de fenômenos, acabando, mais ou menos conscientemente, por cavar uma lacuna intransponível entre cultura e natureza e assim dividindo o homem em duas secções distintas e entre elas antitéticas. Ao ultrapassar essa dicotomia deve-se perspectivar uma análise da realidade intelectual e outra da realidade objectiva. Na série dos fenómenos que pertencem à primeira, encontramos, por um lado, os processos mentais e, por outro, os produtos desses processos, enquanto os elementos que constituem o segundo podem ser transformados ou não transformados pelo homem. Numa primeira aproximação seria possível entender por cultura «a soma dos produtos de processos mentais e as transformações por meio de tais produtos operadas na realidade».

Desta forma, os processos mentais e a realidade objetiva não transformada permaneceriam fora da cultura, como momentos naturais do fenômeno que temos descrito. Duas objeções podem ser colocadas a essa definição do conceito de cultura: a) a distinção entre processos mentais e seus produtos não corresponde à produção concreta do pensamento: os dois momentos não são somente contemporâneos, mas também inseparáveis; b) a diferença entre realidade objetiva transformada e realidade objetiva não transformada é questionável; mesmo a realidade objetiva não transformada, como experimentada e, portanto, representada, é o produto de uma transformação.

Essas objeções são de grande ajuda tanto para a superação da falsa oposição entre natureza e cultura, metodologicamente útil, mas, se considerada como um dado objetivo, fonte de perigosas ambiguidades; seja para chegar a uma definição mais correta do conceito de cultura em si. De fato, eles destacam que natureza e cultura são dois aspectos do continuum da realidade humana, distinguíveis apenas por uma necessidade cognitiva. Nessa chave, a teoria científica da cultura formulada por Malinowski (1984) é esclarecida, e as dificuldades insuperáveis ​​encontradas por muitos autores são compreendidas quando tentam restaurar fenômenos como a proibição do incesto à natureza ou à cultura (White, 1949:281 e segs.) . Além dos traços que a distinguem como tal, portanto, a cultura só pode resultar a partir da relação entre o homem e a natureza, sempre que na sua suposição sincrônica ela seja entendida como culturalmente mediada, segundo a fórmula de L. A. White (1949:45) para o comportamento humano: organismo humano x estímulos culturais = comportamento humano.

Cultura resultado da harmonia com a natureza

Se a cultura é tomada como resultado do relacionamento entre o homem e a natureza, sua diferença em relação a esta última é idêntica àquela que existe entre os elementos de um relacionamento e seu produto. Considerando, portanto, que no homem e na natureza existem constantes e variáveis, também na cultura elas terão que ser reconhecidas e, de fato, elas são reconhecidas como constantes, embora relativas e variáveis.

Traços distintivos

Os três traços aparentemente contraditórios, mas distintivos da cultura são assim compreendidos:

1) o seu ser universal e individual,

2) estática e dinâmica,

3) inconsciente e consciente (Herskovits 1952:7).

A cultura é universal, porque é o caráter constitutivo e permanente de todos os homens, mas é individual, porque em cada um deles manifesta-se com resultados diferentes. É estática porque sua persistência ao longo do tempo impõe sua repetição, mas é dinâmica porque o homem, sob a pressão das várias condições a que está sujeito, é forçado a um trabalho contínuo de sua reinterpretação e invenção. A estabilidade da cultura é favorecida pela sua transmissão de geração para geração, isto é, pelos chamados processos de enculturação, e sua mudança também pelos chamados fenômenos de crescimento cultural, pelas complexas relações de troca que são definidas pelo contato entre culturas. diferente. Finalmente, a natureza estática da cultura, assegurada pela repetição, permite a sua fruição inconsciente, o dinamismo, em vez disso, é devido aos processos de reinterpretação e invenção, que promove a sua produção consciente. Um exemplo disso é Beatriz Kimpavita:

«Se não fosse Santo António, o que teríamos feito? Santo Antônio é o compassivo, Santo António é o nosso remédio, Santo António é o restaurador do reino do Congo, Santo António é o consolador do reino dos céus. Santo António possui as chaves do céu. Santo António está acima do Anjos e da Virgem Maria. Santo Antônio é o segundo Deus» (Bernardo da Gallo 1710).

 

A identidade cultural dos Bakongo

é como um fruto puro que enlouqueceu, inventado e construído ao longo das gerações tal a ser dito e chamado kongo. Por esse motivo, como em qualquer identidade, é difícil rastrear a pureza original da cultura kongo e, portanto, é igualmente ilusório procurar a alteridade cultural pois prejudicaria uma suposta integridade cultural do Congo.

Portanto a história da identidade cultural do Congo não se diferencia aliás é semelhante à identidade cultural de muitos outros povos. Em princípio o relacionamento era idílico cada um sonhava realidades que deveriam garantir o alcance da tão desejada riqueza, mas depois a desilusão recolocou divisões insurmontaveis… De facto uma das funções da antropologia cultural é de afirmar contra a obsessão das origens, da autenticidade, e da identidade uma certa suspeita acerca da pureza autêntica, étnica ou cultural suporte e cobertura duma realidade que acaba por ser etnocêntrica.

Antropologia não é uma disciplina consoladora. E não apenas porque convida a suspeitar e desconstruir identidades que desejam ser monolíticas e certas. A antropologia, de facto, não diz apenas que as identidades são relacionais, situadas, dinâmicas, mas também olha para as relações de poder, e, portanto, os processos identitários.

Història dos Bakongo

Sem duvida a história dos Bakongo é uma história por vários versos exemplar. Embora em seus aspectos específicos seja, de facto, capaz de ilustrar algumas das circunstâncias e dinâmicas que mais marcaram a história da África subsaariana e seus encontros com os europeus durante os vários estágios de expansão do capitalismo em escala global.

Sem entender essa relação histórica, tão complexa e diversa - composta de mal-entendidos e enganos, momento e oportunismo, sedução e coerção, adaptação e rebelião - não poderíamos entender a história simbólica: a do invisível e sua relação com o visível. Se a estudamos de perto, as formas simbólicas e o mundo espiritual do Congo mostram que elas estão em íntima conexão com a história simbólica europeia e as suas categorias teológicas.

Elementos simbolicos da cultura kongo

De facto, as mesmas noções de 'religiosidade' e 'mundo espiritual' foram forjadas ao longo da longa história do relacionamento entre religião e espíritos, que viu os europeus fazerem destes últimos uma boa categoria hermenêutica para descrever o relacionamento entre ortodoxos e não-religiões chamadas a lidar com o invisível mesmo sem autorização.

Para muitos contextos culturais, essa globalização de espíritos atingiu o estágio em que a antropologia estava dando os primeiros passos como disciplina acadêmica. Nesse sentido, o trabalho de Edward B. Tylor sobre a origem da religião tem sido amplamente influente como uma questão fundamental para investigar o mundo espiritual do 'primitivo'.   Tanto que a definição tyloriana parece constituir um pressuposto teórico fundamental (embora muitas vezes implícito) das interpretações dadas por pastores e missionários que, entre o final do século XIX e o início do século XX, encaravam as formas de religiosidade africana como complexos de crenças e rituais capazes de interagir com forças espirituais. para manipular seu poder de ação no mundo visível.

Leituras antagonicas

Essa leitura certamente não deixou de ter juízos de valor: espíritos e eram de fato sinônimos de demônios para os missionários daquela época. Nesta senda o universo mágico-religioso dos africanos permanece, segundo muitas seitas americanas, como povoado por agentes de Satanás. Na concepção dominante também hoje estas constituem formas de adoração ao diabo ou, mais prosaicamente, como superstições primitivas, os cultos indígenas deveriam ser condenados e abandonados para que a África finalmente empreendesse o caminho das trevas para a salvação.

Nesta perspectiva, a conversão ao cristianismo assumiu significado como condenação e abandono da tradição espiritual africana. Tradição que, por sua vez, foi configurada pela própria conversão como um complexo satânico a ser negado. Em muitas experiências cristãs na África, o relacionamento de constituição mútua entre conversão e tradição espiritual articulou o sentido do relacionamento entre Deus e Satanás, salvação e condenação, cristianismo e paganismo, modernidade e tradição.

O triumfo do domìnio simbòlico

Essa retomada africana da condenação missionária revela como a demonização da tradição foi uma das razões do sucesso do cristianismo na África. De facto, as igrejas independentes (que entraram em Angola durante a primeira metade do século XXI, em um rompimento polêmico com as igrejas da derivação missionária) - demonstram que não são culpados os missionários por terem desacreditado a tradição africana, como muitas das vezes a literatura antropológica quer fazer crer, mas eles, não sem interesses económicos, carregam muitas vezes estas teclas.

Em vez disso, essas igrejas em muitos casos apontaram o dedo para os missionários para acusá-los de não terem cumprido o desafio que a evangelização estava dando aos espíritos, de não terem - em outras palavras, prestado fé até o fim à mensagem que eles próprios transmitiam. De facto, os missionários se limitariam a condenar sem, contudo, lutar contra os espíritos que atormentavam a África.

Esse duplo objetivo polêmico (contra a igreja missionária e contra a tradição) revela como as apropriações africanas do cristianismo foram capazes de dar corpo e expressão a conflitos complexos, não redutíveis à simples questão de colonizados e colonizadores. Conflitos que responderam não apenas a novas circunstâncias, até questões de longa duração em um contexto de profundas mudanças.

Reler interpretando simbolicamente

No entanto, as relações entre Bakongo e europeus têm raízes históricas profundas que nos permitem voltar às fases muito mais antigas daquelas inauguradas pela disputa pela África. A natureza do confronto com o catolicismo no final do século XV indica para nós que, na época, as razões do conflito entre europeus e Bakongo não se encontravam em nenhuma divergência radical das visões do mundo, muito menos em uma diversidade de interpretações dos relacionamento entre homens e forças espirituais. De facto, a existência dessa relação, que estava no cerne da cultura simbólica e das experiências sociais dos Bakongo, parecia ser um elemento que acomuna o catolicismo a muitas outras áreas e contextos do patrimônio cultural tradicional. Um exemplo é a vitória de Afonso Mvemba Nzinga que ocupou Mbanza Kongo com seus soldados camuflados:

 

 

 

 

 

 

 


«Os exércitos vitoriosos congoleses foram levados a ver sinais e símbolos religiosos no céu, mas não havia nada de anormal nisso. Os próprios portugueses regularmente viam anjos e o mesmo acontecia com os europeus. Na maioria das vezes eles achavam fácil aceitar os habitantes do Congo como homens iguais a eles por natureza e como aliados» (Davidson 1966:169).

Quase duzentos anos depois, Beatriz Kimpa Vita, profetisa de uma família nobre kongo, liderará um movimento de massas para restaurar o reino, outrora liderado por Afonso, Beatriz foi queimada como herege em 1706 e o ​​movimento antoniano violentamente reprimido pelas autoridades políticas e religiosas do país.

Apesar da repressão no sangue, a de Kimpa Vita é um dos movimentos da África Atlântica para os quais há mais documentação escrita, graças aos relatórios, diários e cartas dos frades capuchinhos italianos presentes em Kongo na época dos eventos. A análise dessas fontes nos permite reconstruir diferentes aspectos desse movimento político-religioso: de propriedade de Santo Antônio de Pádua, Beatriz interpreta o catecismo à luz da espiritualidade kongo, alcançando autonomamente uma concepção de salvação que, em ruptura aberta com o catolicismo (Lorenzo da Lucca 1717:273-284).

Bibliografia

Tylor, E. B. (1871). Primitive Culture. London: John Murray.

Buttitta, A. (1996). Dei segni e dei miti. Una introduzione alla antropologia simbolica. Palermo: Sellerio.

Herskovits, M. (1952). Economic Anthropology. New York: Alfred Knopf.

Malinowski, B. (1984). Una teoría científica de la cultura. Madrid: Sarper.

White, L. (1949). The Science of Culture. A Study of Man and Civilization. New York: Grove Press.

Filesi, T. (1971). Nazionalismo e religione nel Congo all’inizio del 1700: La setta degli Antoniani. Africa, 26(3), 267–303.

Gallo, B. da. (1710). Conto della Villacazione missionale. Italia Francescana, 1999, 28–66.

Clifford, J. (1999). I frutti puri impazziscomo. Etnografia, letteratura e arte nel secolo XX. Torino: Bollati Boringhieri.

Hilton, A. (1985). The Kingdom of Kongo. Oxford: Clarendon.

Hodges, T. (2002). Angola. Do Afro-Estalinismo ao Capitalismo Selvagem. Cascais: Principia.

Tremlett, P.-F., Sutherland, L. T., & Harvey, G. (2017). Edward Burnett Tylor, Religion and Culture. London: Bloomsbury.

Eller, J. D. (2007). Introducing Anthropology of Religion. New York: Routledge.

Weeks, J. H. (1910). The Congo Medicine-Man and His Black and White Magic. Folklore, 21(4), 447–471.

Buckser, A., & Glazier, S. D. (2003). The Anthropology of Religious Conversion. Lanham: Rowman & Littlefield.

Klass, M., & Weisgrau, M. (1999). Across the Boundaries of Belief. Bolder: Wesyview.

Martins, M. de M. A. (1958). Contacto de culturas no Congo português. Achegas para o seu estudo. Lisboa: Junta de investigação do Ultramar.

Davidson, B. (1966). Madre nera: l’Africa nera e il commercio degli schiavi. Torino: Einaudi.

Lorenzo da Lucca (1717). Lettere. In Relazioni di alcuni missionari cappuccini toscani. Vol 2. (pp. 273–284). Firenze: Archivio Provinciale Cappuccini.

 

 

3 aula dia 23 de Outubro: Cultura Simbólica

 

 

O homem vive de dimensões espirituais

Não só de pão vive o homem: em sua evidência, esse facto indica que o homem precisa de sublimar a matéria apelando-se à uma dimensão metafísica preenchendo-a de existência de significado. Uma necessidade antiga e actual que está enraizada no mistério da vida e da morte. Giambattista Vico, entre os personagens fundamentais da humanidade, já considerava a presença do culto aos mortos, indicando-a, face à perturbadora diversidade de usos e costumes dos vários povos, como um dos poucos traços comuns. Uma atenção, aquela dirigida aos mortos, presente desde o início que a antropologia fixou numa ciência aplicada chamada tanatologia (Huntington-Metcalf). No ciclo de vida do africano há como ensina Malinowski necessidades importantes quais a nutrição, a reprodução e a conservação da vida individual, como garantia da vida colectiva, têm sido importante analisar os objectivos primordiais perseguidos pelo homem há milénios. Para alcançá-los, ele sempre considerou essencial uma relação contínua com as forças e entidades espirituais (mukisi) que povoam e governam o mundo. O homem, já no tempo de suas origens, tinha consciência de que sua existência estava ligada a uma multiplicidade de factores independentes do seu controle. A capacidade de gerar doenças, acidentes, sorte na caça e na guerra, boas e más estações, terramotos, inundações e Covid 19 "vêm" de poderes e lugares invisíveis. A partir dessa consciência, a esfera do sagrado é formada no tempo primordial e celebrada na memória colectiva. Na impossibilidade de poder identificar com suficiente clareza a substância e a forma da religiosidade pré-histórica, é certo, porém, que: «desde as suas primeiras formas, e até às nossas, o homem manifestou e reforçou a atitude (...) de traduzir a realidade material do mundo circunstante em símbolos» portanto a forma ritual e simbólica de fixar estes momentos carrega-se de importante interesse antropológico.

Simbologia da linguagem

Foi o domínio da linguagem a capacitar o homem em criar, paralelamente ao mundo exterior, um mundo omnipotente de símbolos sem os quais a inteligência não teria pontos de referência (Leroi-Gourhan 1964, p. 16). Isso é demonstrado pelo desenvolvimento de técnicas, uma vez que mesmo a cultura material do hominídeo mais antigo pressupunha a instrumentos e, portanto, o desdobramento de uma "complexa cadeia de símbolos mentais" (1970-76, p. 8). Houve um momento em que o homem abriu os olhos para a percepção do mundo, do outro diferente de si, reconhecendo-se como uma criatura distinta e especial, não apenas capaz de manipular tecnicamente a realidade, mas de explicá-la e administrá-la intelectualmente. O homem ganhou assim uma forma superior de consciência da realidade que o colocou diante do mistério dos fenómenos, das forças desconhecidas e imprevisíveis contra as quais sua existência e a da espécie estavam garantidas.

Homo symbolicus

Somente no universo dos símbolos suas ansiedades e incertezas poderiam ser respondidas. O hominídeo primitivo, agora, era portanto Homo symbolicus, um ser que não percebia passivamente os fenómenos que o cercavam e o afligiam (ver Ríes 1993, p. 26). Um estar ciente da simetria entre a vida e a morte, expressa no uso ritual do fogo (Buttitta I. E. 1999). Como Tobias (1982, p. 119) observou: talvez seja possível avançar a hipótese de que a caça de cabeças, a mutilação do crânio e o canibalismo ritual estão entre os sinais mais antigos de psiquismo na vida do Homo erectus. O Homo erectus poderia, portanto, ter sido o hominídeo capaz de conduzir a cultura a novas alturas a partir das mais antigas e vagas manifestações rituais. O facto é que sabemos pouco ou nada sobre o horizonte ideológico do homem primitivo. Podem desaparecer noções e acções, mas os artefactos permaneceram: hoje também as práticas religiosas ou mágicas são expressas por meio de palavras que desaparecem irremediavelmente com aqueles que os proferiram, e por meio de gestos que ainda em parte mantêm-se, nas campas encontram-se objectos abandonados no chão ou gravuras desenhadas nas paredes. Mesmo hoje se repetem cuidadosamente formas de funerais que a tradição fixou apesar de novos estilos que tornam o enterro um teatro de danças e movimentos provavelmente domina uma ideia religiosa refuncionalizada a novos movimentos sociais (Leroi-Gourhan 1970-76, p. 6). É difícil que os actuais sistemas religiosos das populações angolanas sirvam como uma chave legítima de leitura para as investigações arqueológicas basta ver o entusiasmo passageiro que suscitaram as escavações arqueológicas de Mbanza Kongo. Nunca, como neste caso, o uso do método comparativo pareceu arbitrário e um prenúncio de erros.

O simbólico ao longo da história humana

Comparar com formas de culto elementares, torna-se limitado pois as formas religiosas não correspondem univocamente no que tange ao domínio de técnicas e ferramentas, de sistemas de vida e exploração do ambiente, certas ideias  (cf. Grottanelli, 1965). Já não é o momento em que podemos falar de "tipos culturais", "religião dos caçadores", "religião dos pastores", "religião dos agricultores", bem como "arte da" ou "sistema familiar de".

No entanto, as populações actuais que pertencem às culturas simples têm uma história muito diferente da das populações pré-históricas. Um fenómeno cultural não pode ser compreendido sem ser enquadrado no seu contexto histórico-geográfico, também será verdade que nada nos permite estabelecer relações de correspondência direta entre cultos e modos de vida diferentes, entre sistemas de pensamento e formas de vida socioeconômica que pertencem a realidades socioculturais diferentes e pertencentes a momentos historicos diferentes (cf. Fedeli 1994, p. 29).

A componente simbólica da linguagem

Mas a linguagem é sempre simbólica? A simbolização humana é sempre linguística? O comportamento linguístico dos Bakongo do norte de Angola manifesta diferenças significativas entre mulheres e homens. A fala das mulheres é alta, especialmente na praça. Os homens falam de maneira mais moderada. A conversa das mulheres envolve necessidades e problemáticas, enquanto a conversa dos homens frequentemente envolve realizações concretas. E entre os Bakongo existem outras formas de comunicação: cantos e danças rítmicas, mas também conversas e provérbios. Tudo isso pode ser usado para "falar" com os espíritos e simbi das florestas, bem como na comunicação entre homens. Normalmente, a conversa é social, especialmente para mulheres, mas às vezes os homens falam entre eles. Sobretudo sentados com um garrafão de maluvu ou lungwila um ao lado do outro por horas, sorrindo e contando. Encontrei práticas linguísticas muito semelhantes entre os Vanganguelas. No entanto, existem diferenças. Na sociedade Kwangari (como na sociedade kwanhama), é comum que as pessoas falem alternadamente sobretudo durante o muzimbo. Embora isso também seja comum na sociedade Umbundu, no ondjango normalmente também se envolve em mais de uma conversa ao mesmo tempo. Pode haver três ou quatro que falam ao mesmo tempo em um serão nocturno. Ao mesmo tempo, as conversas são entretidas dentro grupos reunidos ao redor de uma determinada fogueira. Pode haver ao lado um grupo de mulheres também ao redor de fogueiras Mesmo que alguém entre elas possa ouvir os homens falar, não participa das conversas. Em geral, uma linhagem no Kunene também é definida por um ehumbo, ou seja, uma cerca de paus que encerra casas e curral. Para os Kwangari colectores de mangongo e pastores de gado, o seroar é definido por grupos sentados ao redor de uma fogueira, e eles fazem fogueiras fora, não dentro, de suas cabanas nelas participam velhos e jovens. A conversa não é feita apenas de discursos, mas sim de contos e histórias e adivinhas que suscitam o maior interesse entre os ouvintes. Há ensinamentos praticados pelos velhos para persuadir os jovens. A persuasão, é central no discurso dos velhos em geral, e na narração de histórias ha sempre um fundo ético-moral que sugere um comportamento adequado para uma determinada acção. A língua kikongo presta-se a analisar o panorama simbólico que emerge no uso dos termos: um exemplo é o verbo comer expresso som a palavra “dya” que tem dezesseis significados diferentes: (dya mbongo), ‘gastar d’inheiro, (dya mfuka), ‘contrair dívidas’; (dya kimpala), ‘ser ciumento, invejoso’ (dya ndofi), literalmente ‘jurar’, (dya muntu) ‘enfeitiçar’; (dya nsalu) ‘baptizar-se’; (dya bonana) ‘receber boas festas’; (balansa ididi) ‘o prato da balança desceu’; (dya kandu), ‘lançar o interdito’; (dya nkasa), ‘juramento ordálico’; (dya fia), ‘herdar’; (dya nzimbu), ‘pagar’; (dya una), ‘comer sem lavar as mãos’; (dya nsiku) ‘proibir’; (dya nkalu), ‘recusar’; (dya nkinzi), ‘festejar’ (Petterlini 1977: 150-151).

Durante o muzimbu no ondjango o ritual prevê uma serie de formulas e de troca de expressões entre o hospede e o chefe da aldeia mais tarde o hospede descreve a viagem feita e manifesta a sua alegria de ser acolhido. O clima e a compartecipação contribui para várias conversas ao mesmo tempo; os participantes no Ondjango podem repetir o que outra pessoa está dizendo, enquanto ainda estão falando. Definimos todo este processo como linguagem, ou seja, como algo intimamente ligado ao desenvolvimento da sociabilidade por meio da partilha, da troca e, principalmente, do parentesco cujo desenvolvimento completo deriva da narração. No primeiro caso, a linguagem provavelmente está enraizada em formas mais rituais e gestuais e, definitivamente, na comunicação. E neste último momento que está enraizado no pensamento profundamente simbólico e a fala, manifesta a necessidade de ir além do protocolo de uma conversa comum.

Mito e linguagem

Há correspondência entre estrutura social e estrutura linguística devido ao poder do mito e à complexidade da linguagem que se enriquece de requisitos semióticos e sociais necessários para narrar mitos. A comunicação exige que uma acção social culturalmente significativa, seja narrada com metáfora e com sintaxe complexa, porque possui uma lógica que vai muito além das exigências da comunicação normal. O mito requere uma complexidade linguística que ultrapassa a simples comunicação. Os mitos nunca são apenas histórias. Eles sempre ocorrem no contexto de um sistema mitológico, que é específico para uma dada 'sociedade' ou 'cultura'. Os mitos não são compartilhados apenas dentro de uma comunidade linguística. Eles estão relacionados entre si. As mesmas divindades, as mesmas bestas mitológicas, os mesmos temas de trapaça, morte, caça, sexo, parentesco e assim por diante, ocorrerão em muitos mitos dentro da mesma comunidade linguística, e além dela. Os mitos ocorrem em sequência e são referências cruzadas. Eles transmitem conhecimento cultural e também se baseiam em conhecimentos culturais anteriores, bem como no significado derivado mais directamente das palavras com as quais são transmitidos.

Isto devido à revolução simbólica que investiu a linguagem na evolução hum                                                                                                                        Mas a linguagem se espalhou pelo contacto cultural e não pela evolução biológica. Numerosos estudos sugerem razões biológicas para a evolução da linguagem, a linguagem completa evoluiu não para a mera comunicação de informações sobre caça, colecta, recursos hídricos e assim por diante. Nem por mera conversa. Ela evoluiu com o propósito de narrativa. Histórias de caça, de amor, eram os mitos que de um lugar para outro eram transmitidos de um lugar para outro e através de gerações.

A narração exige habilidades sociais e complexidade linguística, como a capacidade de enganar linguisticamente ou de esconder (outra forma de engano), e com a transmissão e com o uso da comunicação desenvolvem-se laços sociais duradoiros entre os humanos. A linguagem completa é algo totalmente diferente. s para comportamento simbólico.

Cultura material simbólica

Ao longo da última década, descobriu-se uma quantidade incrível de material arqueológico sobre comportamento simbólico. O Homem possui uma grande capacidade de expressão simbólica, que comunica plasmando artefactos materiais. A arte, e também o ritual, podem anticipar a expressão verbal como uma manifestação de comunicação simbólica ou "sobrenatural». Basta observar a simbologia dos pavimentos a mosáico das basílicas paleocristás de Ravenna. A dimensão simbólica confere uma qualidade especial ao ritual e a expressividade torna-se maior através de danças e música que antecipam as palavras. Tudo isto demonstra que houve uma evolução gradual nas capacidades tecnológicas, cognitivas e simbólicas. Havia o uso de pigmento de ocra vermelha em toda Angola. Isso implica uma grande capacidade de usar o simbólico, na ação simbólica pré-linguística e talvez na arte. No Kwando Kubango  participei a um ritual de iniciação feminina, a rapariga era apresentada pelas tias e se exibia em diferentes danças interamente coberta de ocra vermelha que lhe conferia uma performance mágico-religiosa. Nas descrições etnográficas, e na arte rupestre também, se manifesta a combinação dos elementos que Gregory Bateson em 1936 definiu como ethos e  eidos (Bateson 2006, p. 90). Ethos representa a enfase emocional da cultura: temperamento, padrão afetivo, o sentimento de um lugar, as emoções colectivas que dele brotam, seu espírito distintivo. Eidos representa a o processo cognitivo da cultura: a sua forma ou estrutura. Um dos factos mais marcantes que emerge de um estudo objectivo e quantitativo das pinturas rupestres é que elas não são um reflexo realista das actividades diárias ou do ambiente onde o nganga praticava seus rituais pois indicam relações místicas entre o ritual e o meio ambiente. Isto é evidente no mahamba é aí que se manifesta o poder do nganga. Os humanos (não apenas os nganga) e os animais são representados nas gravuras rupestres da pedra do feitiço do Noqui que representam simbolicamente momentos de caça, de guerra, de viagem. Outro grande exemplo de literatura simbólica é a obra “Deus de água” de Griaule: há uma construção simbólica dentro do pensamento que o velho cego Ogotemmeli manifesta quando dialogando com Griaule revela a cosmologia Dogon. E apresenta o ser humano como ser simbólico.

Negage

A arte rupestre de Kitadi (Negage), tem uma coerência geométrica interna de estilos e temas. As gravuras rupestres se encom em lugares abandonados a 15 Km do município de Negage, numa aldeia chamada Kitadi,  e são são quase desconhecidas. As datas são controversas, mas pode-se até considerar a arte rupestre como uma pista para migrações e para o estudo da antropização do território progressiva do Sul para o Norte (Erverdosa). O princípio é sempre o mesmo: a história etnológica não precisa ser confinada aos Akwakimbundo, Vanganguela, Bakongo, Ovimbundo, Ambundo, Tutchokwe que existem hoje ou cuja história recente pode ser decifrada, ainda podemos conhecer pessoas há muito desaparecidas pelos registros arqueológicos. O mesmo vale para o campo mais amplo de decifrar a cultura simbólica praticada desde então pelos nossos antepassados por meio da análise comparativa da arte mais antiga entre os continentes e a constante reinterpretação dos universais simbólicos entre os povos caçadores-colectores do mundo. Claro, muitas vezes o simbolismo dos caçadores-coletores difere daquele dos não-caçadores-coletores. Temos exemplos etnográficos de comportamento simbólico. Um exemplo são os "escrito na areia" praticados na escola de iniciação pelos Tuchokwe. E ser capaz de ‘ler na areia’ envolve imaginação e também observação.

Um exemplo é representado pelos caçadores que têm empatia com os animais que matam - um facto atestado em muitas partes do mundo. Para rastrear um animal com sucesso, o caçador se coloca no lugar do animal e pergunta o que ele faria se ele fosse aquele animal. É importante lembrar que o rastreamento é uma parte essencial da caça. Os caçadores-coletores modernos, com arcos e flechas ou lançadores de lanças, ferem inicialmente o animal, após devem persegui-lo e geralmente rastreá-lo para capturar-lo. É claro que algumas condições ambientais favorecem o inseguimento mais do que outras, e áreas com pouca vegetação, mas com solo macio ou úmido ou areia, ou com uma superfície lisa, são melhores do que outras áreas. Os caçadores também conhecem o terreno em que caçam e podem tirar proveito do conhecimento local, bem como do comportamento animal, para prever seus movimentos. Caçar é uma empresa cooperativa. Em Kwando Kubango, os caçadores caçam normalmente em grupos de dois ou três, e geralmente ou mais. Os caçadores também sabem não apenas que existe um animal à frente deles, mas também a espécie, geralmente a idade e o sexo, a velocidade com que o animal se move e assim por diante. Eles conhecerão o andar do animal: andar, trotar, galopar, pular e assim por diante. E eles colocam esse conhecimento em uso para fazer previsões e julgamentos que são necessários para uma caça bem-sucedida entre os Kwanhamas praticava-se a caça a cavalo e a preda era perseguida e a sua fuga dirigida até os limiares do ehumbo e morta pelos habitantes do ehumbo nas proximidades das habitações.

Ciência e religião

A ciência pode ser mais antiga que a religião? A evolução da ciência e da religião Outra perspectiva teórica, com alguma afinidade com as visões de Liebenberg, é a abordagem relativística da religião. Embora se possa encontrar relativismo no pensamento durkheimiano e certamente na corrente principal da antropologia americana desde Boas, Margareth Mead e Benedict Rut. O pensamento tradicional africano e o pensamento ocidental são semelhantes, embora frequentemente representados em idiomas diferentes. O pensamento africano é representado como mágico e místico, enquanto o pensamento ocidental é erroneamente visto como mais objetivo e científico. Comparar essas duas formas de pensamento ocupou o interesse dos antropólogos por muito tempo. Nas páginas finais do “Ramo de Ouro”, de Sir James George Frazer usou a metáfora de três fios para explicar a evolução do pensamento humano: o fio negro da magia, o fio vermelho da religião e o fio branco da ciência. Nos primeiros tempos, ele nos diz, os fios preto e branco estavam entrelaçados, com o fio vermelho da religião que apareceu mais tarde e que passa a dominar o tecido da história. Em suma, houve inicialmente um pensamento mágico-científico, não um pensamento mágico-religioso. Pensadores anteriores, no auge do evolucionismo unilinear, estabeleceram estadiações que dividiam a evolução da religião em diferentes degraus. Sir John Lubbock (1874 [1870]: 119), por exemplo, afirmou que a ordem da evolução foi do ateísmo ao fetichismo, à adoração da natureza ou totemismo, ao xamanismo, à idolatria, ao teísmo. Esta trajetória particular era comum entre os contemporâneos de Lubbock . No entanto, uma tendência interessante surgiu mais tarde, quando pensadores difusionistas, padres católicos entre eles, argumentaram que o teísmo veio primeiro, e especificamente o monoteísmo. Esta foi a opinião do padre Wilhelm Schmidt (por exemplo, 1939) , em particular, que rejeitou a tendência entre seus contemporâneos de que a cultura aborígene da Tasmânia ou amplamente australiana era a forma mais antiga. Ele via a cultura pigmea africana como a mais profundamente primitiva. Ele acreditava que o monoteísmo havia sido divinamente revelado aos povos primitivos, e que até hoje vestígios dele permanecem entre pigmeus, bosquímanos e outros caçadores-coletores africanos. Deixando a questão teológica de lado, isso não é tão rebuscado quanto pode parecer. Os caçadores-coletores, junto com os pastores, tendem a ser monoteístas. Ter uma pluralidade de deuses e deusas pareceria de fato um desenvolvimento posterior, característico de sociedades agrícolas como as do antigo Mediterrâneo e do subcontinente indiano. Quaisquer que sejam as especificidades, a investigação social antropológica pode certamente ter como objetivo desvendar esses fios entrelaçados do pensamento humano. E é provável que a principal contribuição da antropologia comparada para o estudo dos primeiros humanos e da revolução simbólica que operaram.

Bibliografia

Vico, G. (2013). La scienza nuova ed altri scritti. Novara: De Agostini.

Buttitta, I. (2008). Verità e menzogna dei símbolo. Roma: Meltemi.

Huntington, R., & Metcalf, P. (1979). Celebrations of Death. Cambridge: University Press.

Leroi-Gourhan, A. (1977). Il gesto e la parola. Torino: Einaudi.

Buttitta, I. (1999). Le fiamme dei santi. Roma: Meltemi.

Barnard, A. (2011). Social Anthropology and Human Origin. Cambridge: University Press.

Levi-Strauss, C. (1987). Mito e Significado. Lisboa: Edições 70.

Bateson, G. (2006). Naven. São Paulo: Edusp.

Griaule, M. (2002). Dio d’acqua. Incontri con Ogotemmeli. Torino: Bollati Boringhieri.

Everdosa, C. (1980). Arqueologia Angolana. Luanda: Ministério da Educação.

Frazer, J. G. (1973). Il ramo d’oro. Studio sulla magia e la religione. Milano: Boringhieri.

Lubbock, J. (1897). L’homme préhistorique. Paris: Félix Alcan.

Schmidt. P. W. (1931). Órigine et évolution de la religion. Paris: Bernard Grasset.

 

 

 

Termos e conceitos

Os termos na antropologia simbólica

Cultura, como sistemas de símbolos e significados, é objecto da antropologia simbólica onde se estuda a maneira com a qual os símbolos são usados pelas pessoas para construir para si um modo de vida. A antropologia  simbólica coloca e tenta responder a perguntas como: «Qual é o significado do alembamento?» Ou «Como interpretar a circuncisão?» Ou «Qual o significado dos mukissi e tchingandji?» E, ao fazê-lo, a antropologia analisa a existência de modos de agir e de estar no mundo que são alternativas aos hábitos e instituições que historicamente consideramos os mais nossos ou seja angolanos.

Em todo lugar, as pessoas agem com base no conhecimento e na crença - sobre o mundo, sobre si mesmas, sobre a própria ação. As crenças formam, entre todas as pessoas, um sistema: esse sistema pode ser visto como um grupo de conjuntos de valores espirituais que, após um exame mais aprofundado, revelam-se sistematizados em seus relacionamentos entre si. Existem, por exemplo, proposições de natureza muito específica, sobre um ou outro aspecto do mundo, ou de ação ou de pessoas; Esses conjuntos de formulários são denominados 'domínios simbólicos’.

Sistemas simbólicos

Algumas crenças são compartilhadas por todos os membros de um grupo; outras são específicos para um ou outro subgrupo ou categoria de pessoas dentro de um grupo maior; E outras ainda são mantidas apenas por indivíduos. Cada um constitui um sistemas de símbolos  em diferentes níveis: o sistema de crenças compartilhadas (mais ou menos) por todos os membros de um grupo é chamado de “cultura” ou “religião”; O sistema de crenças de um indivíduo - a totalidade do que uma pessoa compartilha com outras pessoas e o que é único para ela - é um aspecto da personalidade; as crenças de um subgrupo são frequentemente chamadas de ‘práticas religiosas’.

Dizer que a cultura é um sistema de símbolos pode ser um pouco enganador, mesmo que implícito. Da mesma forma, a sistematização doutrinal dos sistemas de crenças como conjuntos de significado e símbolos sobre factos sócio-culturais pode enganar. Porque sabemos que a cultura não está disponível para nós na forma sistemática, assim como a personalidade isto é, não podemos expressar nossa própria cultura, nosso próprio modo de vida, nossas próprias crenças, como conjuntos teóricos-sistemáticos  sem lhes tirar grande parte de sua riqueza etnográfica, e capacidade de, poder de vida para dirigir nossas vidas e dar-lhes sentido; e não podemos entender a plenitude da cultura de outras pessoas, reduzindo suas crenças a um silogismo lógico-sistemático.

Sistemas teóricos

Certamente, toda cultura - inclusive a angolana - tem uma maneira de se expressar em um formato lógico-sistemático simplificado, usado principalmente para explicar a cultura, principalmente às crianças, mas também em termos antropológicos. E, de fato, a coleta de dados antropológicos deve ser introduzida por um conjunto de conhecimentos que devem constituir o corredor necessário para abordar a alteridade e diversidade cultural. Os antropólogos constroem um padrão cultural cognoscível a partir das informações que colectam usando suas próprias observações e seus relacionamentos com os outros que os introduzem e lhes ensinam como a crianças. O antropólogo: o precisa entender crença e significado, e a teoria que guia esse esforço. Os antropólogos abstraem um padrão geral do que aprendem; eles abstraem um sistema que compreende mais ou menos o mundo simbólico de outras pessoas traduzindo texto seu mundo simbólico.

Nesta introdução, estamos preocupados em situar a “antropologia simbólica” dentro da disciplina mais ampla da antropologia social e cultural, para delinear diferenças de perspectiva em relação ao estudo de símbolos e sistemas culturais e sugerir implicações na praxes e na teoria antropológica (Dolgin 1977:5).

Realidade simbólica e percepção

Os antropólogos preocupados com símbolos e forma simbólica começam com a premissa de que a ação social tende a ser ordenada, a ser, em algum grau, previsível ou compreensível tanto pelos participantes quanto pelos observadores. A vida social composta de pessoas, de deuses e espíritos, de crenças sobre o possível e sobre o real e sobre o que é certo e o que é errado, bem como ações, coisas, relacionamentos e instituições - são constituídos logicamente, alcançando uma coerência para aqueles que  vivem. Um angolano pode, por exemplo, argumentar que existem feitiços, enquanto um europeu pode argumentar que não, mas entre aqueles que acreditam em feitiços, os tais são tratados como reais. Aqui não se trata de cientificidade; na ação social, aquilo que se pensa ser real é tratado como real; e esse tratamento, por si e pelos outros, contribui para a confirmação da “realidade” e constitui um aspecto decisivo do significado do símbolo e do seu significado.

 

Suportes bibliográficos da antropologia simbólica

Os antropólogos, ao examinarem símbolos e significados e sua função na ação social, foram influenciados por investigações históricas, psicológicas  e linguísticas. Na Interpretação dos Sonhos, Freud descreveu os processos pelos quais os símbolos podem assumir múltiplos significados, o processo no qual a mente desloca o conteúdo da experiência para uma cadeia de raciocínios e o processos comportamentais que se tornam um código não somente interpretativo mas também comportamental. Ao desvendar esse código, a estrutura de necessidades e o entendimento que motivam uma pessoa, o padrão implícito de significância que dá sentido à experiência e à ação da pessoa, podem ser antropológicamente analisados. porBronislaw Malinowski e Margaret Mead.

Na sua Introdução Geral à Psicanálise de Freud pode ser útil para aqueles que acham o trabalho mais difícil mais tentam aplicar suas idéias aos fenômenos sociais: destes, o mais abrangente e interessante são os Eros e a Civilização de Herbert Marcuse, mas também ver a Infância e a Sociedade de Erik Erikson, a Infância e a Sociedade de Erik Erikson, a Fuga da Liberdade de Erich Fromm e a Psicanálise e Antropologiade Géza Róheim. . Na visão dominante das origens da antropologia expressa, por exemplo, por Marvin Harris em A Evolução do Pensamento Antropológico (1968), é que a antropologia é um refinamento do impulso e a necessidade de entender os muitos povos 'estranhos' e 'estrangeiros' e de encontrar uma base racional para a diversidade humana. Outro suporte é a Antropologia Simbólica de Valverde útil sobretudo para a análise do fenómeno religioso

Atribuição de Significado como fenômeno pessoal e social

Quais são na antropologia simbólica os significados os modos atuais de análise simbólica? A afirmação geral de que o significado compartilhado ou culturalmente constituído implica símbolos que representam algo em algum sentido.

A primeira inferência a ser extraída da observação de que o significado social é o ato de apontar ou nomear. Utilizada, a noção implica a possibilidade da independência da experiência do actor e a natureza real e objetiva do mundo, e a possibilidade, além disso, de independência entre a experiência do ator e outra experiência interna do mesmo. ator. A implicação, em resumo, é que o significado e a nomeação, por um lado, e a experiência, por outro, existem independentemente, mas podem ser relacionados entre si por um ator que atribui significado e atribui um sinal à experiência. Qual a relação entre significado, experiência e realidade: a noção de significado se desenvolve pela simples associação de experiências com sinais. Desse ponto de vista, ou uma experiência é dotada de um sinal e, portanto, emerge em significado, ou um conjunto de experiências é associado entre si e tornado significativo, através da atribuição de um sinal.

Definição de significado

Assim, o significado é o produto, não apenas da associação da experiência ‘material’ com um 'código' já simbólico de nomes, mas da integração de sucessivas experiências do passado e do presente (e futuro: também experimentamos nossas expectativas) em um todo coerente, um mundo de vida que cada indivíduo cria, mas também internaliza interagindo com os outros.

Os significados construídos de maneira tão individual - como os construídos no contexto das relações sociais (familiares) - não precisam necessariamente estar de acordo com os de outros membros da sociedade.

 Isso faz parte da sabedoria e tradição, faz parte da cultura dessa sociedade. As crianças não criam significados por si mesmas, nem reagem ao mundo de novo; a socialização constitui, entre outras coisas, o aprendizado dos símbolos e significados da sociedade e das regras que permitem a geração de novos, mas inteligíveis, significados, incorporados ao conjunto perceptivo e experiencial.

Cultura simbólica

Assim, a cultura é tanto o aspecto (ou momento) repetitivo compartilhado, compartilhado coletivamente, quanto o futuro do aspecto compartilhado e repetitivo da experiência. Eventos, objetos, experiências de vida, estão embutidos em um conjunto de significados enredados em um sistema de símbolos culturais. A 'realidade' existe 'lá fora', mas não como 'experiência pura' ou 'evento puro'. Nesse sentido, a cultura é o aspecto significativo da realidade concreta ou objetiva, e o futuro a ser, a apropriação à consciência, da realidade objetiva.

Def de Significação

A produção de significação, isto é, a atribuição de significados tanto no momento da codificação como da descodificação, ainda que culturalmente condicionada, talvez precisamente por essa razão, é inseparável da realidade natural e social. Para ser ainda mais claro: os fatores culturais existem como produtos dos processos cerebrais de atribuição de significados, mas estes não poderiam existir sem aqueles. Além disso, conforme o significado da comunicação, a cultura é impensável fora da dimensão social, então, integrando Aristóteles, é fácil entender que a sociedade é a condição inescapável da língua, sabendo bem que é a comunicatividade que permite a existência da sociedade.

 

Dolgin, L. J., Kemnitzer, S. D., & Schneider, M. D. (1977). Symbolic Anthropology. A Reader in the Study of Symbols and Meanings. New York: Columbia University Press.

Freud, S. (1900). Die Traumdeutung. Vol IV. A interpretação dos sonhos. Leipzig: Franz Deuticke.

Freud, S. (1920). Conferências introdutórias sobrea a Psicanálise. Leipzig: Imago.

Marcuse, H. (1975). Eros e civilização. Rio de Janeiro: Zahar.

Erikson, E. (1993). Childhood and Society. London: Paladin Grafton.

Fromm, E. (1975). Fuga dalla libertà. Milano: Mondadori.

Róheim, G. (1967). Psychanalyse et anthropologie. Paris: Gallimard.

Harris, M. (1971). L’evoluzione del pensiero antropologico. Una storia della teoria della cultura. Bologna: Il Mulino.

Vallverdú Vallverdú, J. (2014). Antropologia SImbólica. Teoría y etnografía sobre religión, simbolismo y ritual. Barcelona: UOC.

 

 

4 aula dia 30 de Outubro: Termos e Concéitos Simbólicos

 

 

Símbolo material

Com o termo "símbolo", seguindo Cassirer (cf. 1923-29, III, p. 124), entende-se todo elemento concreto ou conceito abstracto "materializado" que se torna expressão de um sentido. Deve-se notar que, enquanto no signo a relação entre significado e significante é substancialmente arbitrária e unívoca, no símbolo essa relação é analógica e variável, ou seja, polissémica

 

Símbolo polivalente

A este respeito, uma característica essencial do símbolo, a saber, sobretudo do símbolo religioso, é a, "sua polivalência, sua capacidade de expressar simultaneamente um grande número de significados cuja conexão lógica não é evidente no nível da experiência imediata" (Eliade 1962 , p. 116).

Símbolo imanente e transcendente

 

O símbolo possui tanto o carácter de imanência como de transcendência (ver Cassirer 1923-29, III, pp. 140 e 143). Revela transcendência e manifesta imanência, não podendo se esgotar em suas funções indicativas. Estas são do signo enquanto a especificidade do símbolo, especialmente o símbolo mágico-religioso, implode num sentido que vai “além”, que contém uma carga de mistério e que nunca é completamente interpretável. Sua força e eficácia residem neste recurso. Como Sperber apontou: “parte do interesse pelas crenças religiosas para quem as possui deriva justamente desse elemento de mistério, do fato de que nunca podem ser interpretadas plenamente” (1990, p. 26).

 

Símbolo e alegoria

 

 

O símbolo não deve ser confundido com alegoria. Coloca o seu sentido, fora de si e tem por tarefa ilustrar. Na alegoria partimos de uma ideia abstracta para chegar a uma figura concreta "fonte de ideias". A representação alegórica é dedutiva e parte da ideia. Na representação simbólica  é a própria ideia tornada sensível e corporificada. Portanto a simbólica é indutiva. Na alegoria temos uma imagem que, quando a vemos, nos mostra um conceito que devemos procurar. Na representação simbólica, o próprio conceito desceu ao mundo material, e monstra-se encarnado na sua imagem o vemos directa e imediatamente. No símbolo em um instante, uma ideia se abre, e agarra todas as nossas forças espirituais. Enquanto no campo das alegorias, significado e significante partem de algo imaterial e conceptual. No símbolo os dois termos permanecem "infinitamente abertos". No símbolo o significante, é o único termo concretamente conhecível, se refere em extensão a diferentes qualidades figuráveis. No símbolo, o elemento objecto-sujeito e o elemento significado se confundem, pois se apoiam envolvendo-se em algo de sólido e concreto.

Símbolo sagrado

 

Em particular, o símbolo “sagrado” alude a “profundezas inesgotáveis” cujos significados através dele se revelam e se ocultam ao mesmo tempo. O sagrado veicula propriedades possíveis" (Eco 1984 , p. 225). Este conteúdo, embora vago e indefinível, está presente; se não fosse assim, o símbolo se dissolveria, teria a consistência da imagem reflectida do nada. O processo simbólico chama-se semiose e apela à uma experiência simbólica, uma experiência de contacto com uma verdade (transcendente ou imanente), imperfeita e inútil é o signo não-simbólico, que sempre se refere a outra coisa no voo ilimitado da semiose. A experiência do símbolo, que parece diferente para quem o vive: é a sensação do que é veiculado pela expressão, e vive naquele momento na expressão.

Símbolo epifania

 

Poderíamos dizer que o símbolo é “uma figura que vale não por si mesma, mas através de si mesma” (cf. Godet 1946, p. 120). O símbolo “sagrado” aparece como uma epifania de um significado inacessível, uma manifestação do não ditável e do não representável por meio e no significante (p. 13). No símbolo, o significado e o significante vêm juntos em um produto polissémico que é indefinível. Na representação simbólica existe, entre a figura significante e a coisa significada, uma relação conceitual imediata e directa, que implica sua correspondência automática, reversível e, quase sua identificação (.. .). O símbolo consiste na apresentação de um signo ou de uma imagem (significante) que remete a uma realidade ou seja a um sentido diferente da própria imagem, mas, também concebido como intrínseco a ela, a ponto de acabar por se identificar com ela : sim, essa referência, ainda que nem sempre evidente, é, no entanto, directa, imediata e também constante e obrigatória. O símbolo, portanto, se apresenta como uma conexão natural e não deliberada entre significante e significado e tem um carácter quase mágico, de valor absoluto e exclusivo, de unicidade sumária.

 

Símbolo hierofânico

 

Os símbolos, revelam verdades que afundam na experiência sensível e assim vivem e se manifestam e proliferam no universo histórico da cultura. O símbolo é, no entanto, um signo cujo conteúdo, complexo, articulado, nunca é completamente apreensível. É um signo em que o sentido abunda e, portanto, irredutível aos modelos formais. Alude a experiências complexas e significativas para o homem. Ele amplia os limites da consciência e, assim, torna possível uma experiência total da realidade. Suscetível de revelar uma modalidade do real que não se evidencia ao nível da experiência, é através dela que se atribui à existência um novo e profundo sentido, portanto o acesso ao sagrado: O símbolo só importa porque prolonga uma hierofania ou ela os substitui, mas sobretudo porque o processo de hierofanização pode continuar, e principalmente porque, se necessário, é ela própria uma hierofania, isto é, porque revela uma realidade sagrada ou cosmológica que nenhuma outra "manifestação" é capaz de revelar (Eliade 1948, p. 463).

Simbolização

O simbolismo é como um curto-circuito espiritual. O pensamento encontra subitamente com um salto o significado. Em outras palavras: qualquer associação baseada em alguma semelhança pode ser transformada imediatamente na consciência de uma relação essencial e mística. Do ponto de vista psicológico, incorpora na representação de uma dada coisa tudo o que tem alguma relação de semelhança ou de pertencimento a ela. A função de simbolização está intimamente relacionada a isso.

Génese dos Símbolos

 

Em toda relação simbólica deve haver um termo inferior e um superior: duas coisas de igual valor não podem ser um símbolo mas uma diferente da outra, pois  referem-se sempre a uma terceira, que é superior. No pensamento simbólico, há espaço para uma multiplicidade incomensurável de relações entre as coisas. Porque cada coisa pode, com suas diferentes qualidades, pode ser o símbolo de muitas outras, e também pode significar coisas diferentes com a mesma qualidade. A constituição do significado de cada unidade simbólica e a formação de sistemas simbólicos é certamente um dos fenómenos mais complexos e um dos mais interessantes processos de ideação humana que caracterizam o homem como tal que se expressa por meio de símbolos-metáforas que são tudo menos artificiais, mas que na verdade surgem espontaneamente por meio de concatenação criativa imediata; toda qualidade abstracta é difícil de "imaginar", ao passo que, em vez disso, evoca na mente um objecto concreto, que mais do que qualquer outra qualidade torna o abstracto acessível para a consciência, há uma linha divisória entre a identidade e o símbolo ou a metáfora não é claramente rastreável; sentimos a linguagem poética figurativa mais emocionalmente intensa do que a prosaica e sobretudo a científica, que postula uma correspondência absoluta e unívoca entre objeto e terminologia relativa; enquanto a reconhecermos como "metáfora", ela permanecerá no domínio do "poético", mas pode, no entanto, vir a se intensificar e sobrepor-se a ponto de substituir o próprio objecto. real. Se essa identificação ocorrer, nos encontraremos no âmbito da mitopoiese, ou de uma pseudo-realidade, ou super realidade, carregada de conteúdos emocionais que a ela aderem inexpugnáveis.

Bibliografia

Buttitta, I. (2008). Verità e menzogna dei símbolo. Roma: Meltemi.

Buttitta, I. (1999). Le fiamme dei santi. Roma: Meltemi.

 

 

5 aula dia 6 de Novembro: Significados Simbólicos

 

Definição de símbolo

Def. O símbolo é um signo cujo conteúdo complexo, nem sempre perceptível domina a comunicação, um signo em que o significado é continuamente representado, fora dos esquemas formais. Nesta senda evoca realidades indescritíveis e incompreensíveis que levam o homem a experiências complexas e significativas e totais da realidade (ver Filoramo, editado, 1993). Revela uma modalidade do real metafísica, que apela à existência de um novo e profundo sentido e permite o acesso ao sagrado.

Relação entre signo e significado no símbolo sagrado

«O símbolo é importante porque evoca a manifestação do sagrado e, sobretudo, porque, é ele próprio uma hierofania, que outra “manifestação” não é capaz de revelar (Eliade 1948, p. 463)».

Huizinga (1919, p. 234) parece referir-se a essa área problemática quando observa: O simbolismo, é como um curto-circuito espiritual. O pensamento não busca o elo racional entre signo e significado mas o encontra subitamente com um salto o significado e propósito.

Para estabelecer a relação entre signo e significado é possível quando os dois tem uma propriedade essencial em comum, referida a algo de valor universal. Basta que haja alguma semelhança para evocar imediatamente na consciência a relação essencial e mística.

Pensamento ingénuo 

 

O pensamento primitivo não respeita os limites da identidade entre as coisas; mas incorpora imediatamente e representa de uma dada coisa tudo o que tem alguma relação de semelhança ou de pertencimento a ela. A função de simbolização está intimamente relacionada a isso.

Génese dos símbolos.

Para atribuir significado a um signo constituindo uma relação simbólica deve haver algo de sensível, concreto e material e algo de espiritual: duas coisas de igual valor não podem ser um símbolo uma da outra, mas referem-se apenas a uma terceira, que é superior. O pensamento simbólico, elabora uma multiplicidade incomensurável de relações entre as coisas. Cada coisa pode, ser o símbolo de muitas outras, e pode significar coisas diferentes.

A constituição do significado de cada unidade simbólica e a formação de sistemas simbólicos é certamente um dos fenómenos mais complexos que caracterizam o homem como tal respeito ao animal. É o processo de ideação humana que se expressa por meio de símbolos-metáforas que surgem espontaneamente por meio de concatenação criativa imediata. A mente "imagina", e evoca um objecto concreto, acessível à consciência, ele tem uma linha divisória entre identidade e símbolo ou metáfora que não é claramente lógica; se exprime na linguagem poética figurativa mais emocionalmente intensa do que a prosaica e científica, e postula uma correspondência metafórica absoluta e unívoca entre um objecto e seu significado; que se sobrepõe a ponto de substituir o próprio objecto real.

Símbolos míticos

Quando o significado atribuído a um signo constitui um símbolo, carrega-se a realidade de conteúdos emocionais que se transformam em mitos. O homem "moderno", hiper-tecnológico, continua a se colocar diante do mundo, ideando espontaneamente mitos que derivam da justaposição imaginária de signos e significados, numa fase distinta da realidade. Isto representa uma conquista alcançada pelo Homo sapiens. Há uma grande difusão de filosofias e religiões ou pseudo-religiões de carácter esotérico onde da proliferam de pastores, nganga e "terapeutas" diversamente qualificados (que pretendem o reconhecimento de parte da cultura "científica" oficial), o homem ainda se sente ansioso à mercê de forças externas obscuras e indefinidas, e "Só por conhecê-las, repete acções mágico simbólicas que trazem oespiritual à esfera do conhecido e dominável ”(1977, p. 48). Os sistemas de símbolos constituem um "escudo contra o terror" (Berger, 1967, p. 22). Os mitos exercem uma função estabilizadora no que diz respeito ao risco desintegrador da perca de identidade tarefa que investe e responsabiliza o indivíduo e a sociedade.

Símbolos universais

A compreensão dos aparatos simbólicos das diferentes culturas é dificultada pelas tradições culturais que nelas estão estratificadas de várias maneiras. Na cultura tradicional angolana, por exemplo, elementos de matrizes espaciais e temporais diferente se fundem e se confundem em um sincretismo cujas conexões às vezes são impossíveis de desvendar. A chamada "cultura clássica" oficial na qual o cristianismo se enraíza não é um todo homogêneo. No interior há tradições e cultos de várias origens e naturezas, nomeadamente mágico religiosos, que interagem em diferentes substratos populacionais. Para complicar as coisas, as contribuições das várias populações pertencentes ao compound étnico angolano se cruzam e se estabelecem nos territórios urbanos, com variantes e mixigenações únicas. A adesão progressiva ao cristianismo, praticada seja no âmbito rural com a evangelização missionaria como também no âmbito urbano interessando as camadas superiores da sociedade angolana, não cancelou por completo as formas tradicionais anteriores de religiosidade. Isto em particular nas áreas onde a palavra do Evangelho atingiu os mais débeis; em particular nas áreas rurais onde a pregação não penetrou de forma incisiva e "costumes e tradições rituais permaneceram muito vivos e presentes, certamente mais próximos de alguma forma de paganismo do que do Cristianismo" (Montesano 1997, p. 71; cf. Mansel - li 1985; Lane Fox 1986; Schmitt 1988a; 1988b; Lauwers 1988-89; Belmont 1988, pp. 53-80; Brown 1982; Kieckhefer 1989; Luck 1985).

Kimpassi

Por exemplo, em meados do século XVII, nos rituais dos kimpassi, os Bakongo baptizados ainda seguiam o rito definido como pagão pelos missionários que surpreendiam de noite os adeptos a prostrar-se diante de simulacros e não se abstinham, apesar da insistência dos missionários, a praticar o culto perto duma árvore sagrada (nsanda) ou nas margens dos rios, aumentando as suas capacidades de combate. O simbolismo angolano tradicional traduz e manifesta essa mistura de culturas em imagens e palavras. Textos literários, artes plásticos e pinturas, decorações de missangas, batuques, tronos, etc., são todos testemunhas dessa história. Para complementar e esclarecer o que foi observado até agora, deve-se destacar que os símbolos não são uma classe de indicadores ou variedades semânticos. São signos que, em relação aos sistemas ideológicos e práticas culturais das diversas sociedades historicamente dadas, assumem uma função simbólica. É por isso que, mantem-se e recriam-se “significados simbólico duma época e uma área cultural refuncionalizados no sistema de representações de outra área histórico-cultural”. Imagens aparentemente semelhantes podem ter significados diferentes, até divergentes, em contextos diferentes (Kuku).

Yalankuwu

No entanto, é inquestionável que alguns símbolos aparecem com significados semelhantes mesmo em culturas muito distantes no tempo e no espaço, como se fossem realmente "produtos naturais e espontâneos" (Jung 1964, p. 55). A cultura tradicional angolana, atribui carácter universal ao simbolismo da árvore do Yalankuwu: árvore que representa a união do reino do Kongo "e suas províncias – Árvore da vida, Árvore dos antepassados, Árvore dos julgamentos e dos juramentos ordálios  etc. - são a imagem de uma concepção universal que por muito tempo a cosmologia das comunidades bakongo do Velho e do Novo Mundo. Há várias razões para considerar a imagem da árvore universal e outras imagens semelhantes como complexos universais. Entre os Vanganguelas  estas realidades correspondem à árvore do Kapilangau a "árvore universal" que atrai raios mas que serve como símbolo apotropaico de protecção da aldeia.

Estas manifestações simbólicas são inevitavelmente ligadas a um certo estágio de desenvolvimento da sociedade bastante antigo. O problema da identidade angolana e do reconhecimento, no espaço e no tempo, de certos símbolos, tem sido motivo de extensas discussões que se fossem levadas a cabo segundo o aporte das diferentes escolas de pensamento (comparativista, difusionista, psicanalítica, estruturalista) teriam proposto soluções diferentes e antitéticas. O comparativismo, muitas vezes exasperado, característico do pensamento positivista (entre o final do século XIX e o início do século XX), encontra analogias aproximadas entre mitos, ritos e símbolos, de culturas muito distantes, acabou fazendo com que os factos observados perdessem toda sua especificidade histórica. As ideias dos positivistas são contrastadas pelo difusionismo que considerava irrelevante qualquer afinidade ou analogia entre símbolos na ausência de contactos comprovados entre as culturas onde eles apareceram. A contribuição de Freud e Jung, se por um lado abriu um campo novo e estimulante, foi degradada, no primeiro, na redução a uma matriz libidinal omnipresente e encontrou um limite, no segundo, na suposição de um inconsciente colectivo universal e compartilhado. Por sua vez, os antropólogos estruturalistas têm se interessado em identificar e analisar as estruturas comuns que articulam os aparatos simbólicos, recusando-se a tratar os símbolos como entidades independentes (cf. Lévi-Strauss 1964, pp. 45 ss. E 231 e seguintes).

Símbolos "arquétipo"

Ao notar, apesar de sua articulação multiforme, a difusão e permanência de um símbolo como a árvore, não apenas como imagem - que já é um problema em si -, mas também como portadora de significados compartilhados específicos, não podemos fazer a menos que colidamos, de fato, com a noção de arquétipo, como foi definido de Jung em diante. Seus seguidores, forçando o pensamento do Mestre - que em sua fase mais madura definia os arquétipos como uma disposição inconsciente para produzir representações típicas ganhando-os em torno de um núcleo específico de sentido, correspondendo às experiências que o homem viveu no decorrer do desenvolvimento da consciência -, eles vêem neles uma categoria especial de símbolos, de “modelos dotados não apenas de uma estrutura e dinâmica interna, mas também de conteúdos simbólicos hereditários que operam na história, orientando comportamentos individuais e colectivos ”, e se reificando em imagens rituais, iconográficas e textuais (Buttitta 1996, p. 113). É dado como certo que os arquétipos, se pensados como formas e substâncias de expressão e conteúdo, não podem ter o carácter de fixidez e universalidade. Os estudos genéticos provaram de fato que os traços culturais são independentes dos reservatórios genéticos e, portanto, não podem ser transmitidos biologicamente de uma geração para outra. A sua transmissão é confiada à própria cultura, aos impulsos estáticos e dinâmicos, ou seja, ao jogo da permanência e da mudança, que constituem a sua única vida aparentemente misteriosa. No que se refere à presença dos mesmos símbolos em culturas distantes no tempo e no espaço, mesmo que nunca tenham entrado em contacto, entretanto, deve-se considerar que a relação entre a dimensão simbólica e a dimensão económica é mais próxima do que parece. Apesar da aparente diversidade de situações, uma parte substancial da humanidade por milénios viveu principalmente graças à exploração da terra tanto para cultivo como para pastagem. Por necessidade, os ciclos biológicos dos agricultores estão inextricavelmente ligados aos das estações. É em relação a esta dimensão agro-pastoril comum, a este "macro contexto" homogéneo, que se deve examinar o isomorfismo de certos produtos simbólicos. Alguns símbolos, portanto, parecem possuir o carácter de "universalidade", mesmo independentemente de contextos históricos individuais. Este fato provavelmente se refere à sua matriz experiencial, que o Iluminismo chamou de "identidade da natureza humana". O uniformismo evolucionista afirma que a estrutura da mente é idêntica em todos os homens e todos são iguais em seus procedimentos de processamento perceptivo e conceitual, então, diante de experiências emocionais, é possível a formação de imagens análogas universais, devido à condensação em torno do mesmo signo de fragmentos análogos de sentido. O fogo sagrado (ondalu), a árvore (nti), o batuque (ngoma), a água do rio (nkoko), são exemplos evidentes de como alguns momentos vivenciais na sua conceituação cultural angolana, embora sempre sujeitos à deriva da tradição, mantem o seu valor constante e inalterado. simbólico. Graficamente podemos representar o processo de simbolização da seguinte maneira:

1) EXPERIÊNCIA SENSÍVEL

2) CONCEPTUALIZAÇÃO

3) REPRESENTAÇÃO (FIGURATIVA,)

 

Unidade entre conceito e representação

O símbolo é definido na união íntima entre o "conceito" e a "figura" e, que traduz culturalmente uma "experiência". As possíveis analogias de um símbolo com outros símbolos devem, pois, referir-se às experiências às quais estão ligados e aos seus contextos de percepção, ou seja, aos tecidos sociais e culturais, através dos quais ele se formou baseado numa determinada experiência sensível, tornando-se um signo e assumindo conotações simbólicas. Deve-se notar também que um símbolo também pode ser objecto de experiência sensível, dando origem a símbolos derivados (dinâmica do signo). Contribuem, portanto, para a difusão universal de certos símbolos e sua permanência no tempo:

1) a identidade das estruturas perceptuais (fisiológicas e cerebrais) que dão origem a respostas semelhantes diante de certas solicitações;

2) a proximidade espacial e / ou estrutural das culturas e, em particular, dos contextos socioeconômicos aos quais pertencem os sujeitos percebedores;

3) modelos culturais tradicionais possuidores de forças que agem estabilmente colocando nosso vocabulário e nossos comportamentos "em um patamar difícil de perceber". Basta reflectir sobre as formas e os tempos da transformação ocorrida no plano ideológico / simbólico na transição dos regimes de vida baseados na caça e colecta para aqueles estruturados na agricultura e na pecuária. Um processo muito lento e diversificado que, no entanto, conduziu a uma profunda reorganização e recodificação do imaginário mágico-religioso das culturas neolíticas, dando origem a um sistema de crenças e práticas ainda hoje detectáveis no campo folclórico. Concluindo, podemos afirmar, portanto, que o símbolo é multidimensional e repleto de valores que podem se articular de diferentes maneiras, ou substituir, ou estabelecer relações subterrâneas, arraigadas no fundo do psiquismo, mas com atitudes diferentes nos vários momentos históricos, bem como na vida do único ser humano. (...) É a amplitude de suas manifestações, é a persistência essencial ao longo do tempo que sozinha pode revelar sua real entidade psíquica. Nesse sentido, mesmo o folclore - entendido como a sobrevivência de um símbolo ao longo dos milênios - pode se tornar um documento humano de intensa significação.

tempo sem cancelar a substância humana e

 

6 aula dia 20 de Novembro: Significados Simbólicos da árvore

SIGNIFICADO SIMBÓLICO DA ARVORE NA CULTURA KONGO

Embora não seja possível especificar até que ponto e em que formas peculiares, é certo que as árvores tinham que ter um lugar importante no nível culto e ritual mítico dos povos angolanos. Há muitas indicações disso.

A cultura kongo possui uma identidade específica ligada aos caracteres mais íntimos do seu povo, à natureza do seu pensamento e do seu património, à sua percepção das coisas e à forma de as representar socialmente. Vale aqui ressaltar a colocação do Oltra (2004: 319) quando diz:

«A cultura é a árvore humana do tempo cujo fruto é a consciência, suas chaves são compreensão dos cosmos e suas misteriosas e fascinantes formas de expressão e representação, indissoluvelmente ligadas. A cultura é a intriga ideacional das acções das relações humanas, do seu sentido (aspecto temporal) e do seu significado (aspecto semiótica). A cultura estilo de vida e arte de viver, recria a vida como uma obra da arte pessoal e colectiva. A cultura é identidade pessoal (a identidade é património da pessoa) e pluriidentidade colectiva (toda identidade colectiva unitária é uma ficção ideológica; a identidade colectiva é a diversidade»

Não existe documentos escritos sobre a origem e a procedência do povo Kongo, ou seja do Reino do Kongo, prévios à chegada dos portugueses. Tudo o que se sabe provém da tradição oral, a memória histórica e os mitos.

Antes de se falar do Reino do Kongo propriamente dito, gostaria-se de falar primeiramente sobre o significado do nome kongo. «Entre as numerosas explicações que se dão à palavra kongo, a mais aceite é que signifique caçador; provavelmente Lukeni, ou algum antepassado seu, seria o chefe dos caçadores dos que falam as lendas locais como fundadores de pequenos reinos naquelas zonas» (López, 2006: 189).

O grupo étnico kongo pertenceu ao antigo Reino do Kongo, na África Central. Esse Reino, foi fundado por um herói, conquistador e portador da civilização kongo, chamado Nimi a Lukeni, “filho do chefe de uma pequena tribo banto”, “um guerreiro jovem, corpulento, ambicioso e temerário” (Forbath, 1977: 107), que tomou o título de Mani Kongo, significando senhor do Kongo (Balandier, 1965: 18 e Combarros, 2000: 22). A fundação do Reino do Kongo se situaria entre os séculos XIV e XV (López, 2006: 189).

Nimi a Lukeni estabeleceu a cidade capital do seu Reino em Mbanza Kongo, que mais tarde passou a ser chamada de São Salvador pelos colonizadores portugueses. Na verdade Mbanza Kongo é o lugar da fundação do Reino, considerado como coração “do edifício político congolês” (Balandier, 1965: 16, M´bemba-Ndoumba, 2006: 13 e Stenström, 1999: 32). Balandier (1965) comenta que Mbanza Kongo oferece duas vantagens de uma posição central e de excelentes defesas naturais contra os ataques de inimigos. A respeito da cidade de Mbanza Kongo, Cuvelier, citado por Balandier (1965: 16-17), fez o seguinte comentário:

«Fica a uma altitude de 559 metros, a montanha forma uma planície de sete quilómetros de cumprimento em direcção Norte-Sul. Ela se inclina de Oeste a Leste frente a vale. A um quilómetro de distância corre o rio Luezi, fluente de Lunda, que vai dar uma terra muito agradável e muito fértil. Os habitantes podem estabelecer boas plantações. Mesmo na planície, há duas fontes que dão uma água cristalina.Considera-se o lugar como muito saudável».

Mfwa (2002: 149) é o outro autor que faz comentários sobre a importância da cidade de Mbanza Kongo para o povo Kongo, sua localização e as condições que oferece para a agricultura ao declarar:

«A sua capital de Mbanza Kongo ‘referindo-se ao Reino Kongo’, é ainda hoje o alto lugar simbólico de todos os bakongo (151) […] O país Kongo corresponde grosso modo ao território do antigo Reino do Kongo e constitui uma região de planícies e colinas, onde a agricultura, adaptada à uma alternância de estação de chuva (Setembro-Abril) e uma estação seca (Maio-Agosto), é dominada pela cultura de mandioca e de jinguba».

Segundo Combarros (2000: 22), o Reino do Kongo “foi sem dúvida o mais organizado” de todos Impérios e Reinos Banto, visto que «quando os exploradores portugueses chegaram a estas terras em 1482, encontraram um Reino constituído e cujo nascimento se pode fixar dois séculos antes pelo menos». De acordo com as informações recebidas de Balandier (1965: 16), aquando da chegada dos portugueses, a expedição marítima chefiada por Diogo Cão, o Reino Kongo tinha cerca “de dois a três milhões de pessoas”. López (2006: 189) expressou isso de seguinte maneira: “quando Diogo Cão chegou em 1482 à foz do rio, que os autóctones chamavam Nzadi e que por erro, os portugueses transformaram em Zaire, encontrou uma nação bem ordenada e civilizada e assim o expressou em seu informe à Lisboa”. Falando da chegada dos colonizadores, Muaca (2001: 34) afirma que os portugueses comandados por Diogo Cão, entraram em contacto com o Reino do Kongo, concretamente, aos 23 de Abril de 1482.

Universo mágico-religioso dos Bakongo

No que diz respeito ao universo mágico-religioso dos Bakongo, não é possível se referir a um corpo de crenças organizadas. Sem um sistema coerente e estável, eles se basearam em um panteão composto de divindades locais, que interferiam com a vida do homem, às quais eram prestados cultos privilegiados, Entre os Bakongo, a noção de divindade foi elaborada de acordo com as formas autônomas que caracterizam toda realidade sociocultural. Os Bakongo usam o termo Nzambi atribuindo-lhe o significado de ser supremo, ou criador da realidade (Mvangi a zulu ye nza). Seus atributos são os de quem possui todas as forças (Nkwa ngolo zawonso) e todas as coisas (lekwa ya Nzambi), especialmente as mais admiráveis; é apenas essa divindade que controla tudo. Na verdade, uma expressão que sempre se repete entre os Bakongo é a de 'Deus sabe' (Nzambi izeye) e às vezes é pronunciada com resignação diante de situações impossíveis. Por exemplo, diante da morte, nos resignamos dizendo: 'Deus comeu' (Nzambi odidi). Existem atributos típicos que os Bakongo atribuem a Nzambi, como 'O poderoso' (Akwa lulendo), é entendido como um poder esmagador. Mas o mais singular está contido em uma expressão intraduzível: 'Nzambi a Mpungu', isto é, 'Deus Altíssimo'. Em particular, é considerada a imagem de Deus que pune (tumbu dya Nzambi), mas não a de Deus que recompensa os homens. Nzambi é invocado nas bênçãos que o pai dá ao filho que vai embora. O ritual é tão articulado que um pedaço de terra é levado e jogado no ar ao pronunciar a fórmula da bênção. No entanto, como é encontrado em outras culturas africanas, os Bakongos não dedicam um espaço litúrgico particular a Nzambi, nem existe um corpo sacerdotal específico para seu culto. Verificou-se que os missionários usaram a figura e a noção de Nzambi para transferir aquela do Deus cristão em que existem conceitos e tradições religiosas muito diferentes das dos Bakongo. Este tipo de transposições, entre outras coisas, são muito perigosas porque podem induzir fenômenos de sincretismo com o desenvolvimento de concepções religiosas heterodoxas tanto para o próprio Cristianismo quanto para as religiões tradicionais. No plano estritamente antropológico, certamente é mais correto deixar as ordens culturais e, portanto, religiosas distintas e, em vez disso, tentar racionalizar e esclarecer as diferentes instâncias considerando as prováveis ​​semelhanças que. O lugar onde administravam a adoração era a floresta: 'O coração da floresta era o local de moradia da divindade: lá ostentava seu império, exigia sacrifícios e humilde submissão' (Piggot 1984, p. 43). Esses deuses são protectores e assistem os humanos nas suas necessidades, por isso são implorados “atenção, atenção e cuidado nas necessidades da sobrevivência de ultra tumba e também nas distintas necessidades fisiológicas que depara a vida”.

O mito

O mito é uma narração de ordem fabulosa. Ele é expressão de virtualidades humanas, que não conduzem a uma realização prática, senão só fantástica, visto que essa narração supõe que vem passando de geração a geração e muitas vezes a realidade já ficou no grupo social. Como disse Callois, em seu livro “le myte et l’homme”, citado por Morin (1994: 100) “o mito representa na consciência a imagem de uma conduta à que aquele se sente chamada e que já não pode, ou jamais pude ou não pode agora, realizar”.

Os mitos, como fábulas, implicam um antropomorfismo; são fábulas nas quais deuses, animais, plantas e coisas têm sentimentos humanos, se comportam como humanos e expressam desejos humanos. Interpretam o mundo como produto de uma criação dramas e de aventuras quase humanas (Op. cit.: 100).

Segundo Leenhaardt, citado pelo Morin (Ibiden: 100), o mito e a pessoa estão tão relacionados entre si que se lhes vê apoiar-se um no outro, proceder um do outro. O mito ajuda ao homem a apreender a realidade do mundo e a ordenar suas relações com ele. Veja como Caillois (2015) descreve essa relação entre o mito e o homem:

«É no mito que se compreende o melhor, intenso, a colisão de postulações mais secretas, as mais virulentas do psiquismo individual e das pressões as mais imperativas e dos mais inquietantes da existência social. Não se pode mais lhe conceder uma situação eminente e para incitar a ordenar para em relação a ele alguns de seus problemas essenciais que tocam ao mesmo tempo o mundo do conhecimento e àquele de acção».

Em toda a área kongo encontramos cultos dedicados a árvores.

Cosmologia dos Bakongo

A cosmologia Bakongo revela um profundo imaginário coletivo que emerge e é celebrado cada vez que o Muxicongo vive as experiências fundamentais da vida (nascimento, iniciação, casamento, morte). Os nkisi nsi são entidades sobre-humanas que governam o cosmos. Como conceito básico, eles representam as forças da 'natureza' e um grande espaço é reservado para eles na economia do sagrado.

 Se a divindade suprema Nzambi é considerada distante dos homens, ao contrário, os nkisi nsi estão muito próximos deles para intervir na vida cotidiana. Um culto com ofertas de sacrifícios é praticado para eles. Eles são seres transcendentes, semideuses que personificam forças cósmicas e tornam a natureza fecunda. Eles são divididos em Bakisi ba nsi bannene, que é grande porque eles entram na vida privada do indivíduo, mas também governam instituições públicas; você sempre pode receber proteção e ajuda deles; os Bakongo devem temê-los e observar seus tabus. Os campos de ação em que atuam são diferentes: afetam a soberania do líder da linhagem e a área territorial pertencente à linhagem. Na verdade, para quem está viajando por determinado território, basta saber o que é o nkisi nsi da linhagem que ali vive para saber se comportar. Outra área onde se reflete a ação do nkisi nsi é a prosperidade material, a fertilidade dos campos, a abundância de chuvas, a saúde do corpo e o sucesso nos negócios. Eles condicionam a vida social da linhagem, a preparação para o casamento de seus membros, as leis que regulam as relações sexuais dentro e fora da esfera do casamento; também regulamentam os procedimentos de funeral e sepultamento, de acordo com a classe de pertença.

Há todo um complexo cerimonial que se aplica quando alguém descobre a existência de um nkisi nsi a quem são feitas honras e votos, e para conduzir a vida social, política e familiar da linhagem. O nkisi nsi não tem aparência humana e, portanto, não é representado por estátuas ou simulacros; no entanto, está relacionado com a terra, água, pedras e floresta. Durante a construção de uma aldeia, existem sinais particulares que mostram o que é o nkisi nsi daquela região; eles manifestariam os sonhos. Aquele que sonhou revela ao senhor da terra o nome do nkisi nsi daquele lugar e, assim, torna-se o sacerdote (ntoma nsi) desse nkisi nsi. O rito de propiciação do novo povoado é realizado pelo ntoma nsi que cava um buraco em forma de cruz onde despeja vinho de palma (nsamba) e grappa (capuca) para fazer com que os Nkisi nsi bebam tornando-se amigo dos novos habitantes. Mais tarde, ele abençoará enxadas, facões, machados, espingardas, munições, redes de pesca, marcando-os com a lama obtida despejando vinho de palma no buraco.

 De volta à aldeia, o Mfumu a ntoto ordena que comida, bebida e roupas sejam oferecidas ao ntoma nsi; então o Ntoma Nsi abençoa as pessoas colocando a mão direita na axila esquerda e a esquerda na axila direita, e então virando as palmas para o céu e faz o sinal para rejeitar e segurar algo.

 As entidades vinculadas ao nkisi nsi e dedicadas à sua atividade são: o nkita, o kimpasi e o mbumba luwango. Os Nkitas eram bem conhecidos e temidos pelas diferentes linhagens Bakongo porque, quando chegavam a uma aldeia, puniam com doenças aqueles que haviam ofendido os Nkisi nsi; quando partiram, recuperaram a saúde. Os Mbumba Luwango são os arco-íris considerados entidades misteriosas e sobre-humanas ligadas à atividade dos grandes nkisi nsi; junto com os Nkita, eles pertencem a uma classe superior de Nkisi e estão ligados a práticas mágicas e fetichistas. O significado de Mbumba é 'segredo, mistério', uma divindade que é invocada durante perigos e infortúnios. Luwango na variante kikongo chamada Vili é um cinto com amuletos feitos de sementes e chifres de animais, que as crianças usam para parar de sangrar. Aos Mbumba Luwango é adicionado o nzazi, o raio que inspira medo pela sua força e é interpretado como um castigo. O lugar onde cai é objeto de ritos especiais para apaziguar os nkisi nsi. O lemba, por outro lado, tem o significado de proteção tanto do casamento quanto dos filhos nascidos de espíritos, ou seja, os bana ba nkisi que são os albinos (ndundu), os gêmeos (nsimba e nzusi) e os nsunda, que são sempre objeto de medo e respeito entre os Bakongo.

Os Kimpasi

Uma atenção especial deve ser dada ao kimpasi. Antonio Cavazzi da Montecuccolo (1690: 69s.) É o primeiro a relatar, depois é confirmado por Cherubino da Savona (Toso 1976: 81). Não é apenas um lugar ou um rito conforme descrito, mas também um nkisi nsi que é mediado por um sacerdote (ngang'a kimpasi). Acreditava-se que o kimpasi punia a linhagem com mortalidade infantil e esterilidade. meninos e meninas de 12 a 18 anos pertencentes às várias kanda da aldeia e aldeias vizinhas para cerimônias especiais. Os doentes (mbevo), ladrões (mwivi) e os possuídos pelo fetiço (ndoki) foram excluídos desses ritos. O local das cerimônias foi escolhido nas margens arborizadas do rio onde os Nkita viviam. Nestes ritos, que duravam semanas sem que o alimento fosse consumido, a morte (lufwa) e o renascimento (lufutumuku) eram simulados. A morte ritual (lufwa nkita) dobrou a personalidade do iniciado; foi celebrado em um antigo vilarejo abandonado após a morte dos Mfumu em Kanda e transformado em cemitério para membros pertencentes à linhagem. Entre a morte ritual e o renascimento, o grupo passou vários dias, em regime de fome forçada, onde, entre outras coisas, foi ensinada a fórmula do juramento que mais tarde serviria de sinal de reconhecimento para todos os iniciados. Durante o renascimento ritual, celebrado em uma noite de lua crescente, um novo nome foi dado a todos os iniciados. Esse nome pertencia a um antigo iniciado que atuava como padrinho e que, a partir daquele momento, passou a ser o guia do iniciado. O neófito chamaria o padrinho de ndo yame, que significa 'meu nome'. Após o renascimento, seguiu-se uma refeição ritual farta, com bastante vinho de palma; as danças e canções transformaram esta refeição em uma orgia alimentar que terminou com relacionamentos heterossexuais e homossexuais. Por meio desses ritos, os iniciados aprendiam uma linguagem secreta, canções e danças particulares; aprenderam uma disciplina que lhes impunha o máximo sigilo sobre tudo o que se relacionava com os Kimpasi. Seu corpo foi pintado com uma argila branca que os uniu aos espíritos dos mortos (nkuya). O sacerdote ngang'a kimpasi realizava ritos com eles que celebravam a fertilidade. O dia de seu retorno à aldeia foi uma festa solene. O corpo foi borrifado com tácula e óleo de palma, assumindo a característica cor vermelho ocre. Pó de tacula foi obtido de Pterocarpus cabrae De Wild

'Cortando o pau mucula em pedaços que esfregam, depois de secos, numa pedra, até redurem a po a que misturam óleo de palma' (Milheiros 1956: 66).

Os tambores rituais que acompanhavam as danças características eram tocados, enquanto os iniciados desfilavam em direção ao mercado lotado; falavam a língua secreta em voz baixa, fingindo não conhecer nem os pais que vinham vê-los nem seus amigos. No dia seguinte o ritual incluiu uma cerimônia onde foi atribuída a divindade pessoal que consistia basicamente em um saco de fibras de palmeira que envolvia as cinzas da fogueira onde ardiam as árvores dedicadas aos Nkita, junto com um fruto símbolo da fertilidade viril, o barro branco e vermelho, tudo misturado com sangue de galinha. Nas semanas seguintes, os neófitos agora considerados ressuscitados, tinham o direito de comer na casa de seus parentes e amigos sem pedir licença, pois com a morte seu parentesco havia morrido e seus costumes eram os dos nkisi nsi (fu kya nkisi nsi). Não podiam ser chamados pelo nome antigo, estavam intimamente ligados ao seu grupo, com o qual formaram uma espécie de irmandade desprezando outros que não haviam sido iniciados. Tornaram-se os repositórios do poder procriativo da linhagem, a eles transmitido pelos mortos, através do esperma (Mbongo) que contribuiria para a continuidade da mesma linhagem (Martins 1959: 70-72).  4.3 Os espíritos da terra e a proteção da linhagem

Os bakisi

Para cada linhagem, ou para cada kanda, existe um nkisi; a mesma linhagem, a mesma família não pode ter mais de um nkisi. Eles são passados ​​de pai para filho ao longo das gerações e não podem ser destruídos, caso contrário, a aldeia cairia em desgraça. Além do bakisi ba nsi bannene, há nkisi feitos pelos moradores para propiciar caça e boa sorte. Eles são praticamente divindades de um tipo individual que cercam as grandes divindades, com a tarefa de proteger a linhagem e os indivíduos. Para cada nkisi nsi, cultos e ritos especiais são celebrados, nos quais nunca falta atenção em limpar o lugar sagrado do joio. Essas operações rituais são realizadas pelos mais velhos, quando se trata de um nkisi nsi individual pertencente à família, ou pelo senhor da linhagem, se for uma questão de deuses que o protegem. Outra distinção deve ser feita ao considerar os efeitos do nkisi nsi que podem ser bons, protegendo a vida, protegendo a aldeia e curando doenças. A proteção pode ter efeitos negativos, como punir o homem punindo-o com doenças. As distinções dos diferentes nkisi nsi são propostas abaixo.

Os nkisi nsi e sua localização nas árvores

1) Vwa 'lusanga

Na aldeia de Kakata o vwa lusanga vivia na árvore Nunga-Nsende de um pequeno bosque.

kyungu mpati vivia em duas palmeiras de matebeira (Hiphaene luandensis Gossweiler 1953: 509)

As duas matebeires eram tão unidas que pareciam uma mulher com um homem.

2) Kivuma

 Aldeia de Lusyesye. Ele morava em uma pedra que estava em um bosque perto da aldeia, corria o boato de que era um pedaço de estrela caída com um trovão.

3) tula kitunzi

 Um baobá pintado de vermelho, branco e amarelo (Adansonia digitata). Perto de um lago cheio de peixes.

4) nkulu

 No pequeno riacho chamado Nkulu mwana Ntela «Nkulu filho de Ntela». Toda vez que uma canoa era colocada no lago próximo, no dia seguinte ela se dividia em duas.

5) mbuku

Na aldeia de Kingingili. Vive na árvore Mafuma (Ceiba Pentandra Gaertn. Gossweiler 1953: 154) que ficava no meio da floresta e era pintada de vermelho e branco, as mulheres não podiam se aproximar, os homens limpavam ao redor do árvore. Era uma árvore muito utilizada para a construção de canoas que, dependendo do comprimento, também eram utilizadas no mar.

6) noko ndombe

 Na Aldeia Banda-Sanvi. Viviam na árvore Mbulu (Phyllantus discoideus Muell. Arg. Gossweiler 1953: 423) quando limparam e abençoaram o local onde cantaram assim: Ku nyema bantu, ku nyema nsi - nsi a bantu «Não destrua homens, não destruam a terra, a terra dos homens ».

7) kikala ngungo

 Era uma divindade que vivia na floresta ou na árvore de Nsanha (Corynanthe panicolata Welw. Gossweiler 1953: 285). Conta-se que Uma mulher foi colher ervilhas ngungo (Cajanus flavus) em seu campo, ela colheu muitas. Ao passar pela floresta onde morava a nkisi nsi alguém perguntou se ela tinha uma boa colheita, ela disse que não. Então ele perguntou o que ela estava vestindo na cabeça. Já que ela estava mentindo, ela estava presa ao chão com o saco de ervilhas em sua cabeça. Daí o nome de Kikala Ngungo 'Não tenho Ngungo'.

8) ngulungu mbusi

Vive na Aldeia Uangulo (Lukula Nzenze). Era um Nkisi situado no meio da aldeia sob um altar. Consistia em dois ngoyo ngoyo 'cestos de Ngoyo' contendo ossos de antílope, búfalo, javali, giz, limão e ramos retorcidos e bifurcados de MpalaBanda e Kindombe; quando a caça ou a pesca eram escassas, o senhor da terra (Mfumu a ntoto) limpava o local sagrado de ervas daninhas para propiciar a caça, enquanto as mulheres cantavam: E '.. i..à, Ngulungu Mbusi Aié ... zibulé ... Ngulungu Mbusi aié ... zibulé ... Abra Ngulungu Mbusi para nos dar o que precisamos.

A arvore Nsanda

O principal ponto de referência para uma aldeia bakongo é a árvore nsanda (Ficus Psilopoga Welw.) Normalmente chamada de mulemba. É uma árvore que atinge os 16 metros de altura, com folhas perenes verde-escuras que, quando caem ao solo, são avidamente devoradas pelos animais domésticos e procuradas pelos elefantes. Do tronco, ao ser gravada, emerge uma seiva branca leitosa que, ao ser aquecida no fogo, servia de visco para capturar pássaros (Cavazzi 1690: 24). Também do tronco partem as raízes aéreas que descem ao solo, formando cipós verticais. Freqüentemente, velhos nsandas são encontrados nos antigos assentamentos florestais abandonados, dos quais os mais velhos tiram rebentos que são plantados em novas aldeias (Gossweiler 1953: 459). É plantado próximo à casa do 'senhor da nsanda' (Mfumu a nsanda) com um rito onde a terra é misturada ao vinho de palma e é invocada a proteção dos ancestrais da linhagem encarregada de proteger o novo povoado. O nsanda é o símbolo por excelência da coesão e vitalidade de uma linhagem, sob sua sombra reuniões periódicas dos membros da aldeia são convocadas. Ao pé do tronco, está enterrada uma pedra sagrada chamada 'lusunzi', fonte de bênção, pontas de machado e espadas. Essa árvore é também um sinal de mediação entre os ancestrais das linhagens e a aldeia (Parreira 1990: 79). Um provérbio expressa sinteticamente todas essas realidades: “Do Nsanda do reino do Congo, só podem cair as folhas, mas nenhum infortúnio”.

'Nsand’a Kongo, musotoka lukaya, ke musotoka dyambu ko' (Batsikama 1971: 179).

No passado, as meninas se escondiam nos galhos dessa árvore durante a primeira menstruação; troféus de caça foram pendurados nos galhos do nsanda para propiciar a captura de animais. No século XVI, com a casca se faziam fibras para tecer tecidos

«Primeiro eu descasco uma certa quase tela, que eu bato e expurgo, eu a estico por toda parte, e com ela os homens e mulheres da pior condição se vestem» (Pigafetta 1591: 10).

Os kazi za makanda agora também expressam sua autoridade e poder quando são reunidos à sombra da árvore sagrada nsanda para lidar com os problemas da aldeia, ou sob os galhos do yala nkuwu para assuntos mais importantes que requerem a decisão do conselho real

«A plantação de uma n’sanda (planta) na sepultura simboliza que neste lugar foi enterrado uma pessoa. E os objectos que são colocados em cima da sepultura servem para identifar a pessoa que está sepultado naquele lugar segundo a idade, gênero, profissão e estatuto social»

Uso ritual da bananeira

A bananeira aparece na circuncisão, um ritual que era igualmente secreto para não ser revelado a ninguém. Milheiros relata a cerimônia que foi realizada após o corte dos prepúcios entre os Bayaka «O Quixirica vai separando e olhando cada um dos prepúcios cortados. Finda a cerimónia, ele leva os prepúcios para trás de uma das palhotas do Icalacala e, alí, faz três buracos em linha. Nenhum buraco de um dos lados, enterra ou prepúcio do Bala, e, a seguir, do Majita, do Camata, do Lutumba e do Tanda e, tapado ou buraco com terra, planta uma bananeira» (1956: 94)

Bibliografia

Balandier, G. (1965). La vie quotidienne au royaume de Kongo du XVIe au XVIIIe siècle. Paris: Hachette.

Muaca, E. A. (2001). Breve história de evangelização de Angola. Luanda: CEAST.

Gossweiler, J. (1953). Nomes indígenas de plantas de Angola,. Agronomia Angolana, III–687.

Cavazzi, G. A. da M. (1690). Istorica Descrittjone dé tre regni Congo, Matamba et Angola situati nell’Etiopia inferiore occidentale e delle missioni apostoliche esercitatevi da religiosi cappuccini. Milano: Nelle Stampe dell’Agnelli.

Parreira, A. (1990). Dicionário glossográfico e toponímico da documentação sobre Angola. Séculos XV-XVII. Lisboa: Estampa.

Batsikama ma Mpuya ma Ndwala, R. (1971). Voici les Jagas ou l’Histoire d’un peuple parricide bien malgré lui. Kinshasa: Office National de la Recherche.

Pigafetta, F. (1591). Relatione del Reame di Congo et delle circonvicine contrade. Tratta dalli Scritti & ragionamenti di Odoardo Lopez Portoghese (…) Con disegni Vari di Geografia, di piante, d’habiti, d’animali, & altro. Roma: Appresso Bartolomeo Grassi.

Milheiros, M. (1956). Anatomia social dos Maiacas. Luanda: O Apostolado.

 

7 aula dia 5 de Janeiro: Sinal, Simbólo, Ícone, índice

Sinal, ícone, índice e símbolo são os quatro termos centrais que são emprestados de Peirce.

Signo

“Um signo é tudo o que está relacionado com uma segunda coisa, seu objeto, com respeito a uma qualidade, de modo a trazer uma terceira coisa, seu interpretante, em relação ao mesmo objeto, e isso de forma para trazer um quarto em relação a esse Objeto na mesma forma, ad infinitum ”

Signo e significante

 

Nesse modelo triádico, o signo está relacionado a seu objeto como algo que se refere a outra coisa. No modelo diádico de Saussure, ao qual Spiro também se refere, a relação é entre um significante que representa um significado. Na verdade, signo e significante são considerados sinônimos por nossos autores; Assim são o objeto e o significado.

Interpretante e interpretado

 

 O Interpretante, o terceiro termo da tríade peirciana, é menos fácil de definir. De acordo com Greenlee, Peirce 'interpretado‘ interpretante ’pelo menos tão amplamente quanto‘ interpretação ’é interpretada na linguagem comum’.

 Os interpretantes são muitos e Peirce os classificou em categorias como energético, eficaz, emocional e definitivo. O interpretante é todo o contexto semiótico necessário para que uma relação particular de um signo com seu objeto faça sentido.

Ícone

 

Uma ícone é um sinal que “representa algo meramente porque se parece com ele” . A relação de semelhança entre um ícone e seu objeto pode ser uma semelhança na aparência visual; Neste caso, o ícone é uma imagem. Também pode ser uma semelhança de organização interna entre os elementos do signo icônico e seu objeto, como em mapas e diagramas.

Índice

 

Um índice é “um sinal que se refere ao objeto que denota por Virtude de ser realmente afetado por esse objeto ”.

 

Símbolo

 

Um símbolo é “um sinal que se refere ao objeto que denota em virtude de uma lei, geralmente uma associação de ideias gerais, que opera para fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo a esse objeto” 'em virtude de uma lei' significa 'por um código convencional’: A bandeira com preta e Vermelha representa Angola por acordo entre os cidadãos angolanos representados pela Assembleia Nacional. As palavras no vocabulário de uma língua são símbolos que se referem ao que significam por acordo entre os falantes dessa língua. Um código convencional deve ser aprendido, já que a conexão entre a bandeira e o país é arbitrária; Na antropologia existe, uma relação natural entre o significante simbólico e o que ele significa, “o símbolo se opõe ao signo artificial porque possui um poder interno de representação; Por exemplo, a serpente mordendo a cauda como símbolo da eternidade ”os ícones, embora possam ser polissêmicos, não têm significados arbitrários.

Os símbolos são frequentemente discutidos como se fossem apenas figuras de linguagem que permitem a compreensão indiretamente. Os símbolos são isso, mas o mais importante, são os suportes de um modo de pensar que procede de acordo com uma lógica diferente da usada no discurso racional. Fernandez gosta de contrastar esses dois modos como visual e verbal. Outros termos frequentemente usados, além do analógico e do discursivo, são metafóricos e racionais, ou por imagens e por conceitos.

Os símbolos são coisas materiais que representam objetos não materiais.  A escuridão simboliza profundidade e caos, morte e maldade, austeridade e formalidade e algumas outras idéias. Não existe uma relação direta entre significantes simbólicos e seus objetos.

O mundo mítico-religioso de sua tradição - é uma abordagem excelente para esse problema central do simbolismo.

“a característica diferenciadora da religião é a crença em seres sobre-humanos” Os espiritos, como não pertencem à experiência sensorial cotidiana dos crentes, são denotados por signos verbais e visuais. Os nkisi, tem formas humanas.

Esses sinais são sensíveis (audíveis ou visíveis) e representam objetos não materiais. No simbolismo, os objetos significados são conteúdos mentais ou representações coletivas. Outro aspecto essencial do simbolismo - é a relação entre um símbolo e seu objeto afeta aqueles que o afirmam e aqueles que o percebem. Ele está particularmente interessado em descobrir como sinais emblemáticos, como “nganga” e “nkisi”, “ngombo” e “ndoki”, são usados ​​para delimitar grupos sociais nos Bakongo.

Em muitos estudos sobre simbolismo, pouca atenção é dada aos sujeitos humanos associados a um sistema simbólico: aqueles que estabelecem a relação de significação simbólica entre um signo e seu objeto, e aqueles que vêem os símbolos e entendem o que eles representam.

Na relação diádica de Saussure entre significante e significado, os sujeitos que estabelecem a relação e aqueles 'lendo' não recebem muita atenção. O modelo triádico de Peirce de signo, objeto e interpretante também não inclui sujeitos humanos. “Tudo o que está presente em nossas mentes deve aparecer como um sinal de nós mesmos, bem como um sinal de algo fora de nós '

 

O corpo

O corpo como grande mediador: entre as disciplinas clássicas e contemporâneas; Entre o individual e o coletivo; Entre o aparelho psíquico e o aparelho cultural, entre o 'dentro' e o 'fora'. Obstáculos  representados, primeiro pelo cartesianismo, naturalismo e por último pelo sociologismo, que mantinha uma correspondência mecânica entre corpo físico e corpo social, entre micro e macrocosmo. Atualmente, o corpo humano é conceitualizado para além do seu envoltório físico e, conforme pretendo mostrar, ele se constitui como um verdadeiro 'mediador ou' dispositivo conector entre as instâncias.

De forma explícita ou não, toda disciplina humana é um olhar sobre o corpo na medida em que evoca um antropos, no sentido maussiano do termo [Mauss, 1979 (1909, 1936)]. No corpo coincidem a antropologia do rito, da comida, da dança, dos gestos e do sacrifício. Não existe magia que não tenha um corpo como origem ou destino, assim como não existe exercício de poder sem um sujeito encarnado. A socioantropologia contemporânea, especialmente aquela realizada em contextos urbanos, está saturada de estudos que se referem de uma forma ou de outra ao corpo humano: tatuagens, piercings, moda, rituais de iniciação, circumcisão, novos costumes, etc. Porém, o interesse das ciências humanas pelo corpo humano não tem gerado um esforço suficiente de teorização.

As primeiras perspectivas neste sentido conferiam ao corpo um valor simbólico - a chave da localização do homem no mundo - que o tornava suscetível à geometrização e a uma possível replicação cósmica. Aos poucos, o caminho foi se abrindo - através da questão do sacrifício, da tortura, da dor, dos sentimentos - para uma visão mais ampla do corpo e sua participação na representação do mundo. Atualmente, a antropologia dos afetos, dores e emoções é um dos campos mais férteis, visto que são entendidos tanto como conceitos, quanto como estados corporais profundos [Le Breton, 1995].

A concepção representacionalista baseada em um mecanismo sistêmico foi substituída por uma concepção mais ampla e procedimental; O cognitivismo, em particular, introduziu novos parâmetros, como a ideia sugestiva de que a fronteira entre o externo e o interno, o interno e o externo é mais permeável do que se supunha anteriormente [Strathern, 1996].

Paradoxalmente, esse retorno epistêmico ao corpo tem gerado grande confusão terminológica com noções relacionadas como a pessoa, o sujeito, o ser, cujas relações será necessário redefinir desde

As ideias de si e da pessoa são socialmente construídas e variam historicamente. Qual é a diferença entre pessoa, sujeito, indivíduo ou ator quando se fala de um sujeito etnográfico? E como falar de correspondências, se não existe uma noção universal sobre o que é um corpo físico, social ou metafórico?

Se se parte apenas da noção de pessoa, a infinidade de suas variantes em culturas alternativas necessariamente leva à crença de que não é possível encontrar correspondências termo a termo de uma cultura para outra, uma vez que certos elementos constituintes da pessoa têm um status Extraterritorialidade, ou seja, não estão devidamente localizados no corpo físico. Portanto, não se trata de gerar um novo conceito, mas de conciliar a questão do sujeito empírico, de sua ontogênese como sujeito social, por meio do inventário de seus múltiplos componentes somáticos, psíquicos, sociológicos.

Sob esse olhar, a abordagem proposta abandona a ideia dominante de corpo temático ou corpo objeto, ou seja, a ideia simplificadora de um corpo neutro localizado em sua relação com domínios específicos da atividade cultural como saúde, religião, política, para dar lugar ao corpo analítico. Sob essas perspectivas, a compreensão de uma concepção alternativa do corpo, na qual intervêm elementos de diferentes tradições culturais - amgolanas, judaico-cristã, mágicas - articulada em uma síntese original, como a do Muxicongo, exige o compromisso de renunciar a qualquer tentativa de extrapolação. De categorias e modelos que podem até se apresentar como relacionados. Porém, a transcrição literal da exegese não poderia dar conta do universo etnográfico em sua plenitude, por isso é necessário um exercício intermediário de escrita que vise reconhecer os traços singulares da teoria africana do corpo.

Este é apresentado como um conjunto de noções, articuladas  em torno da imagem e dos atributos da pessoa, vindos de Deus, dos ancestrais e da família, bem como o mfutu a longo no alembamento que o indivíduo deve oferecer e que se expressam na forma de proibições e prescrições corporais, ou seja, de ritos.

Esse reconhecimento poderia partir do momento em que se cria uma linha de demarcação entre baptizados e não baptizados, casados e amigados que é muito significativa pelas características que cada grupo adquire. Os Kwanhamas, Ovimbundu, Akwakimbundu, Ngoya, Bakongo e até os mestiços enquadram-se na categoria de batizados, enquanto os húngaros (ciganos) são excluídos do universo cultural sagrado por terem se escondido e recusado o batismo. Interessante é a associação que se estabelece entre o baptismo e o sedentarismo - característica marcante da missão evangelizadora jesuíta - versus o nomadismo dos ciganos, este último sinal de exclusão da comunidade humana.

 

8 aula dia 12 de Janeiro: Sinal, Simbólo, Ícone, índice

A DIMENSÃO SIMBÓLICA DO RITUAL

O símbolo

O termo símbolo deriva do grego, sun-ballein, que significa «lançar conjuntamente, reunir, amontoar. Originalmente, denota a ideia de uma metade de um objecto que era dado a um hóspede que visitasse a casa de alguém. O dono da casa dava a metade desse objecto ao hóspede que, futuramente, este último, trazia novamente ao dono para completar ou reunir com a outra parte; ou seja, era um sinal de reconhecimento que, na sua globalidade, era entendido por pessoas que participavam disto.

Guy Rocher definiu o símbolo como sendo «qualquer coisa que substitui e evoca uma outra coisa» (1971:156). Por exemplo, a bandeira nacional, o anel de casamento, o “Angola Avante”, depositar flores no túmulo de alguém, as marcha…, etc., podem ser considerados símbolos, ou actos simbólicos, porque, algumas, evocam e, outras, representam diversas realidades.

Os símbolos são representações sociais, ou ideias subjacentes de objectos, comportamentos, crenças, etc., que funcionam como “senha” da cultura. O antropólogo Francisco Martinez conceituou o símbolo como um fenómeno físico que tem o significado conferido por aqueles que utilizam e que só eles conhecem (2014:50).

Cada grupo vale-se de elementos naturais e atribui-lhes significados, conhecidos pelos membros, e que são passados de geração à geração pelo processo de endoculturação ou inculturação. Deste modo, tal como diz Lévi-Strauss, precisamos aprender a “ler” (descodificar) e “escutar” (entender) a cultura local para desmistificar o que está por detrás de diversas manifestações.

Através dos símbolos, podem ser passadas ideias, valores, ideais e comportamentos do grupo; por outro lado, os símbolos têm a função de promover a participação dos indivíduos no grupo.

Os rituais, na realidade, estão assentes em toda uma cadeia de significados atribuídos aos mesmos pelos membros de uma sociedade. Eles só criam uma percepção mental (significantes), quando se tem todo um conjunto de conceitos (significados) em relação aos mesmos, concebidos através do processo de endoculturação. Um ritual só tem valor para as pessoas que realizam e/ou conhecem o valor simbólico de cada manifestação.

Cada sociedade estabelece os seus conceitos de acordo com o seu mundo, conceitos estes que podem ser “estranhos” e/ou irracionais para outros povos. Por exemplo, quando um angolano olha para a catana na Bandeira Nacional, isto criará nele uma percepção mental (significante), que despertará a ideia da Luta de Libertação Nacional (significado). Um chinês ou maliano não poderá ver qualquer significado na catana, porque os seus apreciamentos não abrangem o contexto sociocultural angolano.

Entretanto, não existe ritual que não esteja acompanhada de símbolo, pois, o ritual é configurado com símbolos que expressam os valores culturais e a vida social de um grupo, num contexto determinado.

A estrutura dos símbolos

O símbolo é o elemento que nos ajuda a desvendar a cultura humana. É umas das ferramentas que utilizamos para decifrar os mistérios escondidos na cultura. Sendo assim, ao estudar a cultura de um determinado grupo devemos procurar compreender primeiro os aspectos simbólicos que constituem a tal cultura. Pois, determinados objectos, acções comportamentais dos indivíduos, vestuários, gestos, etc., têm funções simbólicas específicas.

Para compreender a função dos elementos culturais é importante saber o que cada um deles representa para o grupo. Por este motivo, consideramos o símbolo como um elemento funcional da cultura como resposta a necessidade humana existencial.

Muitos estudiosos reiteram a ideia de que o homem é um animal simbólico, e partindo deste diapasão, torna-se imprescindível nos valer do símbolo se quisermos compreender essa pessoa humana como animal simbólico. É impossível compreender o ambiente sociocultural do homem, divorciando-se dos símbolos. Qualquer cultura humana configura símbolos, transmite códigos que são compreendidos exclusivamente por aqueles que passaram numa iniciação, e foram treinados pela convivência a descortinar os símbolos.

Claude Levi-Strauss , afirma que o homem vive entre dois espaços, ou seja, dois mundos que se completam: a) O mundo referente, isto é, o espaço exterior; b) o mundo simbólico ou o espaço como categoria mental.

Portanto, importa referenciar que em qualquer espaço ou tempo o homem sempre viveu e/ouvive ligado aos símbolos, quer na prática de diferentes rituais, na linguagem verbalizada, manifestações comportamentais, vestuários, nas relações estabelecidas entre os indivíduos, nas acções de preferir consumir determinados produtos, etc., e outras situações em que, explicita ou implicitamente, nota-se a presença dos símbolos nas actividades humanas.

Se partirmos insistentemente no pressuposto de que o homem é um “animal simbólico”, estaríamos a reconhecer, explícita ou implicitamente, de que a linguagem cultural é carregada de símbolos. Também estaríamos a reiterar a ideia de que os rituais, os nossos comportamentos, hábitos e costumes, linguagens, etc., não são nada menos do que formas simbólicas. Porém, toda qualquer cultura humana configura símbolos que são lidos e interpretados pelos grupos ou indivíduos no seu contexto sociocultural.

«Se reflectirmos sobre o estudo da cultura, chegaremos à conclusão de que, ao tentar formular a cultura, faz-se por intermédio de uma linguagem que é eminentemente simbólica. De facto, a nossa linguagem falada situa-se no sistema linguístico, sistema cultural em que o símbolo e o simbólico são donos da casa e hóspedes ao mesmo tempo. Qualquer interpretação antropológica vai sempre carregada de aspectos simbólicos, e o que significa que são predominantemente do domínio da mente» (Martinez, 2014:166)

Os símbolos que estruturam os rituais, escondem e evidenciam valores culturais de um determinado grupo manifestados em várias formas. Entretanto, tal como infere Francisco Martinez, «o processo ritual implica uma análise simbólica e uma análise processual». Pois, sabe-se que os rituais são manifestações simbólicas, e processual porque a compreensão holística do ritual exige um estudo de todas as fases do mesmo.

Os rituais, na realidade, estão assentes em toda uma cadeia de significados atribuídos aos membros de uma sociedade. Ela só tem valor para as pessoas que realizam e/ou conhecem o valor simbólico de cada manifestação apresentada durante execução de um ritual. A compreensão desta cadeia de significados ostentados pelos grupos em torno dos rituais, contribui, de certa maneira, para o conhecimento de todos os sistemas simbólicos presentes nos rituais. Com respeito aos sistemas simbólicos, Pierre Bourdieu afirmou que «os sistemas simbólicos, como instrumento de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados» (1989: 9).

A compreensão de qualquer manifestação cultural, ou ritual, implica a compreensão do seu simbolismo, porque ritual é um sistema simbólico aceite culturalmente. É necessária uma compreensão exequível a respeito do que seja símbolo por ser indissolúvel dos rituais, principalmente quando o assunto em causa é fazer hermenêutica dos mesmos.

Se compreendermos a autoridade do símbolo nos rituais, reconheceremos que ele esta presente no início, no desenrolar e no fim de qualquer ritual. Até mesmo as coisas usadas durante o ritual têm um valor simbólico forte para o grupo. Por exemplo, durante a celebração de uma missa especial na Igreja Católica usa-se velas mesmo sendo durante o período de manhã ou tarde. Percebe-se aqui que a inserção da vela na referida missa é propositada, não por carência de luz no momento, mas pelo facto dela carregar um valor simbólico na referida cerimónia ritual.

Algumas expressões que são usadas durante a celebração de um ritual, os textos orais e escritos que são lidos, as orações feitas, os hinos entoados, marchas, os bens oferecidos etc., ocupam algumas vezes posições instrumentais, e outras posições simbólicas. Mesmo o comportamento dos envolvidos durante a celebração de um ritual, isto é, as acções dos indivíduos, gestos, formas de se posicionarem e, enfim, as cerimónias em geral têm um valor simbólico. Na maior parte das vezes, não são comportamentos expressados por acaso, mas podem constituir representações ou formas simbólicas.

Símbolos como representação arbitrária e convencional

A visão interpretativista do renomado antropólogo Clifford Geertz , remete-nos a compreender a cultura como um campo interpretativista à mercê de significados. Esse olhar hermenêutico da cultura, direcciona-omais na perspectiva semiótica. Explicando o aspecto simbólico da cultura, Max Weber escreveu: «o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu; assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis , mas como uma ciência interpretativa, a procura de significado» (Geertz, 2008: 4).

Um aspecto que, também, é importante referenciarmos é que o símbolo não é algo natural, mas sim convencional. Cada grupo vale-se de elementos naturais e atribui-lhes significados, conhecidos pelos membros e que são passados de geração à geração pelo processo de endoculturação ou enculturação. Não se trata de uma representação arbitrária que surge do desejo momentâneo e acidental do indivíduo em querer atribuir significado em determinadas coisas, comportamentos, e varias situações, valendo-se da sua imaginação. Pelo contrário, símbolo é resultado de um contrato social, uma convenção estabelecida unanimemente pelos membros do grupo de forma a conhecer e reconhecer os significados socioculturais das coisas que estão ao seu redor. A ideia da convencionalidade dos símbolos é gualmente expressa por Saussure, ao escrever: «com efeito, todo meio de expressão aceite numa sociedade repousa, em princípio, num hábito colectivo ou, o que vem a dar na mesma, na convenção» (Saussure , 2005 :82).

A partir do momento que é convencionado um símbolo, o mesmo passa a fazer parte na vida quotidiana das pessoas, enquadrando-se no comportamento da colectividade. Por exemplo, a Palanca Negra Gigante é uma espécie animal que, pela sua raridade, lhe foi atribuído um valor simbólico, e passou a ser um símbolo da cultura angolana.

Para uma compreensão alargada sobre análise do símbolo é imprescindível estudarmos sobre os sinais por seremelementos indissolúveis. O sinal constitui o primeiro requisito para compreensão dos símbolos e suas representações.

Ao estudarmos os sinais, segundo Martinez, devemos ter em conta três aspectos para a sua compreensão: primeiro tem que ver com os sinais naturais, isto é, produzidos pela natureza, como, por exemplo, céu nublado que é um sinal de chuva etc. O segundo, seria os sinais convencionados atribuídos pelos grupos dado ao seu contexto sociocultural, independentemente da sua relação natural. Por exemplo, a linguagem. Por último, temos os sinais simbólicos, conjuntos de sinais usados nos rituais, em diversas cerimónias e no dia-a-dia das pessoas que têm determinado significados. Por exemplo, gestos, lugares, eventos, objectos, etc.

Portanto, entendemos que o símbolo é comunicável e social, pois também serve como ferramenta de comunicação dentro duma determinada sociedade. O símbolo envia mensagem aos seus observadores e um código que é compreendido especificamente pelas pessoas de uma determinada cultura.

AS ETAPAS DO CICLO VITAL E OS RITUAIS DE PASSAGEM

O crescimento biológico humano é confirmado por várias etapas que as consideramos de ciclos vitais. Porém, se partirmos do pressuposto que o homem é uma criatura que nasce, cresce, reproduz-se e morre, reconheceremos que essas etapas são configuradas pelos ciclos vitais e estes carregam significados e creditam papel e status social ao indivíduo.

A vida social é marcada por rituais e, ao compreendermos a vida social do homem, verificamos, de forma implícita e/ou explicita, a presença dos rituais. Eles permitem a passagem de uma posição à outra, mudança de status e papel social e diversas mudanças que ocorrem com o ser humano, quer em termos biológico como em termos económico, politico,etc.

Para o Van Gennep, essas etapas de passagem que o homem vive têm uma máxima importância na vida dos indivíduos

«vida individual consiste em uma sucessão de etapas, tendo por término e começo conjuntos da mesma natureza, a saber, o nascimento, a puberdade social, casamento, paternidade, progressão de classe, especialização de ocupação, morte, etc. Em algumas sociedades, essas etapas ou passagens são acompanhadas com cerimónias únicas e especiais cujo objectivo é fazer passar um indivíduo de uma situação determinada» (Gennep , 2011:166).

Embora a forma da divisão dos ciclos vitais varia bastante, no presente trabalho, dividimos da seguinte maneira: gravidez, nascimento, infância, adolescência, fase adulta, velhice e morte.

Os ciclos vitais são caracterizados por um longo processo de maturação e transformação do homem. Como fases de diferentes transições, podemos as considerar biologicamente como etapas de crescimento de passagem humana e, socialmente, como passagem que credita mudanças de status e papel social, que espelha de forma implícita e explícita o ritual de passagem.

Segundo os antropólogos Hoebel e Frost , as etapas que configuram os ciclos vitais são vividas pelo homem universalmente, embora podemo-las diferenciar quanto a sua actuação social e cerimonial, bem como as formas de rituais impostas em torno dessas etapas, que vai variando de um grupo para outro.

«O nascimento, a maturidade, a reprodução e a morte são quatros crises básicas e universais no ciclo completo da vida. No período terrestre do organismo humano, todos os indivíduos que realizam seu destino biológico devem passar por cada um deste clímax no ciclo de vida. Por isso é que em nenhuma cultura estes períodos críticos são completamente ignorados» (Hoebel e Frost, 2006:160).

Portanto, no presente capítulo, procuramos desenvolver cada etapa do ciclo de vida. Achamos que desenvolvendo essas etapas vitais, compreenderemos as passagens que o ser humano enfrenta até atingir o período em que o indivíduo adquire uma identidade própria ealcança a maturidade, atingindo a capacidade de viver intimamente com um membro do sexo oposto, propondo-se a formar família própria.

O nascimento

O ciclo vital inicia com o processo de concepção e, é neste período em que se afectiva o aparecimento do novo ser esperado durante o período de gestação. O nascimento antecede o período de gestação ou gravidez, que é uma etapa de margem. Segundo os antropólogos Hoebel e Frost explicam a relação entre a gravidez e o parto da seguinte maneira: «a gravidez é uma prefiguração do nascimento. É, portanto, em si mesma uma condição crítica ou uma fase preliminar do acontecimento de dar à luz. Muitos povos consideram o período de gestação como algo que exige uma libertação cultural de suas ansiedades e angústias» (Hoebel e Fros 2006:161).

Tal como a gravidez constitui uma condição crítica e uma fase preliminar do acontecimento de dar à luz, este último, o nascimento, constituium período únicoe peculiar para a mulher, esposo, família e o grupo em geral. Para muitos grupos, esses períodos são marcados e acompanhados por rituais, cerimónias, tabus, diversas manifestações culturais, cuja finalidade é garantir o bem-estar da mulher e do bebé, antes e pós parto.

Os ritos de gravidez e parto foram estudados como rituais de passagem pelo Van Gennep, na sua obra intitulada “Os ritos de passagem”. Para o Van Gennep( 2011:53), a gravidez passa pelas três fases que constituem os rituais de passagem, separação (período em que a mulher separa-se do grupo ou é privada de algumas práticas ou funções normais durante certo período de tempo); margem (período em que a mulher está no parto para dar a luz); agregação (período pós-parto onde a mulher reintegra à sociedade e assume agora um novo status, isto é, mãe).

Na maior parte das sociedades humanas, o período de gravidez e parto são vistos com certa delicadeza e solenidade pelo facto de exigir cuidados e apoio à mãe e a criança recém-nascida por parte do esposo, família, instituições e a sociedade em geral, de modo a evitar crises durante este período.

A infância

Os antropólogos falam sobre a questão de endoculturação para compreender todo processo de aprendizagem e educação em uma cultura, começando desde a infância. Porém, cada sociedade estabelece suas normais, hábitos e costumes, valores culturais e símbolos que também são transmitidas desde a infância e passadas de geração em geração.

A infância é tida como uma etapa da vida que antecede a adolescência e direcciona o indivíduo para a puberdade fisiológica ou social, influenciado pelas transformações sociais, culturais, económicas, históricas, etc. Entretanto, cada grupo estabelece os seus sistemas de classes e idades e configuram os seus próprios sistemas de status e/ou papel social, o que torna, deste modo, a infância num assunto bastante complexo.

Ela também constitui um período privilegiado pelo facto de a criança oferecer condições psicológicas e disponibilidade total, isto é, atendendo as restrições que lhes são submetidas em algumas actividades praticadas por adultos. Tal como dizem Hoebel e Frost, as crianças são apreciadas sobretudo pelas funções potenciais. Como membros de uma linhagem ou clã, passam a sua infância aprendendo essas funções futuras. Enquanto não são ainda participantes da maioria das actividades dos adultos são livres para observar muito do que acontece (Hoebel e Frost , 2006:166).

A adolescência

Embora seja uma etapa de vida humana reconhecida universalmente, devemos reconhecer que a adolescência assume peculiaridades diferentes em função do contexto social em estudo. É comummente visto como um período intermédio de desenvolvimento humano que encontra-se entre a infância e a idade adulta. Embora para a Organização Mundial de Saúde (1986), a adolescência compreende o período entre os 11 e 19 anos de idade, desencadeado por mudanças corporais e fisiológicas provenientes da maturação fisiológica, reconhecemos a complexidade deste fenómeno que compreende uma etapa de vida de crescimento e desenvolvimento humano (aspecto biológico) e atribuição de um novo status e papel social, cerimónias e rituais(aspecto social).

A adolescência varia de acordo a concepção que temos delas, ou ao contexto social em estudo. Por exemplo, Margareth Mead (1961), na sua Adolescência, sexo e cultura em Samoa, realizou um estudo entre os “adolescentes” de Samoa onde observa que o desenvolvimento humano, naquela sociedade, segue um padrão de continuidade, sem mudanças repentinas entre uma fase e outra da vida. Para a referida autora, nesse grupo a adolescência é um período tranquilo, lento e gradual. Etimologicamente, a adolescência deriva do latim adolescere que significa crescer. Porém, aponta para um período de crescimento  e abrange complexos eventos psíquicos que direccionam a criança para a transformações em um adulto jovem» fortemente influenciado pelas manifestações da puberdade. As mudanças corporais que acorrem com o indivíduo durante este período, tem implicações psicológicas e sociais, e o impacto das mudanças físicas e expansão das habilidades cognitivas desencadeiam as alterações psicológicas e sociais que são por sua vez influenciados pelo contexto social, histórico e família a qual o adolescente está inserido.

No que tange as mudanças físicas, apraz-nos referenciar, neste ponto, a questão da puberdade, que o antropólogo Van Gennep diferenciou da seguinte maneiras: a puberdade fisiológica e puberdade social com duas coisas essencialmente diferentes, que só raramente convergem.

Devemos lembrar que a puberdade deriva do latim puber que significa adulto. Como aspecto fisiológico é uma etapa do ciclo vital vivida pelo ser humano, que permite o conjunto de mudanças corporais causados por harmónios que gera crescimento físico e maduro etc., que acontece com o adolescente. Os antropólogos Hoebel e Frost consideram este período como sendo o período que marca o crepúsculo da adolescência e a aurora da idade adulta.

«A transição da adolescência para idade adulta é fundamentalmente um fenómeno biológico. Contudo para os seres humanos ela representa uma transição sociológica. Porque o status social é culturalmente definido a adolescência e para maioria dos povos um problema mais cultural do que biológico» (Hoebel - Frost, 2006:166).

A convenção social imposta na puberdade social, segundo os autores acima referenciados, não depende exclusivamente do aspecto biológico. E, como acrescenta o Van Gennep, na realidade, as coisas passam-se de modo inteiramente diferente na vida social, o que explica em primeiro lugar para facto de ordem fisiológica. O autor toma como exemplo, o prazer sexual que é sentido ora antes e depois, e o espasmo pode mesmo produzir vários anos antes, de maneira que a puberdade só tem importância no que diz respeito a concepção. Esses exemplos, demonstram que para alguns grupos, o indivíduo vive primeiro a puberdade fisiológica depois a social e para os outros é o inverso.

Mas, a verdade é que a puberdade marca fortemente a vida do adolescente, é o período de margem entre a infância e fase adulta, que prepara o indivíduo para alcançar um novo status e papel, isso dependendo do contexto social em estudo. Por exemplo, quando termina este período, surge o período da Juventude, onde o indivíduo, atendendo as transformações corporais e psicológicas ocorridas durante o período da puberdade fisiológica e até mesmo social, assume diversas responsabilidades e papeis no seu do grupo.

A juventude

O que significa realmente ser jovem? Ou seja, para uma melhor compreensão, reformularemos a pergunta da seguinte maneira: O que é a juventude?

As perguntas levantadas são bastante provocadoras e complexas, na medida em que, encontram-se associados por muitos factores ao nosso ver, como por exemplo: aspecto cultural, biológico, histórico, género, categoria etária etc., isso atendendo e dependendo do contexto social do grupo em estudo. Se não vejamos, Para Bourdieu (2002) «A Juventude é apenas uma palavra» afirmou o grande estudioso, num artigo sobre a noção da Juventude, onde procurou demonstrar como as divisões entre as idades seriam arbitrárias.

Na óptica de Bourdieu a Juventude encontra-se associada sempre dentro de um critério etário e que, segundo ele, não faz sentido isoladamente, pois seria sempre na contraposição que esta se definiria. Conforme ele acrescenta «somos sempre o jovem ou o velho de alguém« (Bourdieu,1983:113). Porém, a organização em classes de idade ou em gerações, teriam uma variação interna e seriam objectos de manipulação. Portanto, juventude e velhice não seriam dados, mas construções sociais oriundas da luta entre os jovens e os velhos. Admitido neste caso, a complexidade existente nas relações entre a idade biológica e social.

«ser jovem, não depende somente de idade como características biológica, como condição do corpo. Tampouco depende do sector social com a consequente possibilidade aceitar de maneira diferencial a uma moratória, a uma condição de privilégio. Há que se considerar também o factor geracional: a circunstância cultural que emana de ser socializado com códigos diferentes de incorporar novos modos de perceber e apreciar, de ser competentes em novos hábitos e destrezas, elementos que distanciam aos recém chegados do mundo das gerações antigas».

Entretanto, o conceito de Juventude é um assunto que embora bastante complexo, mas, está configurado nas etapas de desenvolvimento humano, onde o indivíduo encontra-se revestido de uma identidade própria e maturidade psicológica e social, que lhe permite conviver mutuamente com indivíduo de sexo oposto, propondo-se em formar família, assumir novos status e papéis sociais, isso atendendo o contexto social do grupo. Pelo que, torna arriscado, atribuir categorias etárias, em torno de começo e fim deste período, pois, para além do aspecto biológico, ela envolve outras condicionantes, como, por exemplo: aspecto cultural, social, histórico etc.

Então, acreditamos que o contexto sociocultural do grupo, é uma questão a se ter em conta, no estudo sobre a Juventude, pois, cada grupo estabelece regras, rituais, status e papeis etc., em torno das etapas vitais. Porém, a passagem e o cumprimento desses aspectos sociais, definira a posição do indivíduo, conforme adiantam Hoebel e Frost : «Torna-se homem ou mulher significa encontrar o próprio lugar no sistema social, conquistar status que podem ser devidamente conseguidos» (2006:169).

A maturidade e o Noivado

Podemos dizer que a maturidade é uma etapa de desenvolvimento vital do homem, que lhe da abertura para o conhecimento dos elementos de sua cultura, e lhe permite exercer e obter novos status e papeis sociais, por exemplo, novas actividades profissionais, contrair o casamento, exercer influência na sua família e no grupo que na qual encontra-se inserido etc. Neste caso, ela envolveria, aspecto biológico, social, cultural, psicológico etc., que segundo os antropólogos Hoebel e Frost seria compreendido da seguinte forma

«Em toda a sociedade a maturidade significa participação plena nas responsabilidades e privilégio da sociedade, significa casamento, politica, religiosa, associativa. A medida que novas funções são adquiridas em cada uma destas áreas, são observadas novamente vários ritos de transição, para notar a passagem para novas fases da vida e novos comportamentos» (HOEBEL - FROST, 2006: 172).

Já o noivado, constitui a última etapa antes do casamento e se caracteriza por sua peculiaridade ligada ao contexto sociocultural. Por exemplo, Van Gennep considerou o noivado como um ritual de passagem, nomeadamente período de margem entre o namoro e o casamento, que se caracteriza por certa ambiguidade, onde os sujeitos não são mais namorados, mas também não são casados. Conforme infere Van Gennep «Por outro lado, dados o número e a importância dos grupos afectados por esta união socializada de dois de seus membros, é natural que o período de margem tenha tomado aqui considerável importância. E este período que se chama comummente noivado» (2011:107)

Portanto, a maturidade propícia ao indivíduo tomada de decisões diversas (por exemplo a ideia de noivado e casamento) alcance de outros novos status e papéis sociais, que são impostos pelo grupo. Por isso, conforme acrescentam os antropólogos Hoebel e Frost «tornar-se homem ou mulher significa encontrar o próprio lugar no sistema social. Significa aceitar o status atribuído e conquistar status que podem ser devidamente conseguidos» (2006: 169).

Noivado como ritual preparatória a celebração do casamento

Quer seja o namoro, quer o noivado propriamente dito, constituem ao nosso ver, prenúncios do casamento. Porém, o noivado como um ritual de passagem (configurado pela etapa de margem) é um fenómeno bastante complexo em antropologia, porque as cerimónias de noivado, e as representações culturais que acompanham tais rituais, variam de acordo as concepções e contextos socioculturais de cada grupo. Por este motivo, o antropólogo Van Gennep acrescenta que a complexidade dos ritos e os seres e objectos a eles submetidos podem variar conforme o tipo de família a constituir. Mas de toda maneira, excepto do «casamento», colectividade mais ou menos vastas estão interessados no acto de união de dois indivíduos (2011:109).

Queiramos ou não, mas, devemos admitir que para alguns grupos, os rituais de noivado, fora do seu alcance económico, mobiliza a colectividade, envolvendo deste modo a participação e intervenção do grupo aquando a sua realização. Pois, é um período de margem e de preparação para o casamento, conforme nos evidencia o Van Gennep :

 

«todas estas descrições depreende-se como evidencia que as etapas do casamento e sobretudo a principal, o noivado têm entre outros um alcance económico. Além do mais, todo casamento, justamente porque não são apenas dois indivíduos que se acham em jogo, mas realmente vários círculos mais ou menos vastos, é uma perturbação social» (Gennep, 1996: 26).

Conforme os rituais de casamento, os de noivados, para alguns grupos, também têm alcance económico, envolvendo deste modo, a participação da família dos noivos / as e noutros casos, nota-se mesmo o envolvimento do grupo. Por exemplo, o ritual «chá de cozinha» que realiza-se antes do casamento, é marcado pela participação da Igreja e da família na oferenda de bens diversos para noiva.

«Lembro, além disso, que o casamento tem sempre alcance económico, que pode ser mais ou menos amplo, e que os de ordem económica (fixação, pagamento, devolução de dote, seja da moça seja do moço, preço de compra da moça, locação dos serviços do noivo etc.) misturam-se com os ritos propriamente ditos. Ora, os grupos acima enumerados estão todos mais ou menos interessados nas negociações e nos arranjos de ordem económica. Se a família a aldeia, o clã têm de perder uma força viva de produção, moça ou rapaz, que ao menos haja alguma compensação! Daí as distribuições de víveres de vestidos, de jóias, e sobretudo os numerosos ritos nos quais se “compra” alguma coisa sobretudo a livre passagem para a nova residência.» (Gennep, 2011:109).

Portanto, embora a performance de noivado varia de uma cultura a outra, mas, sabe-se que tão logo que se cumpre na íntegra todo sistema de noivado, os noivos procuram efectivar a relação através de casamento. Este período de margem (noivado) é mercado pela celebração de cerimónia, ritual, oferenda, tabu etc., que faz do noivado uma etapa peculiar e solene culturalmente

Casamento como ritual de passagem

O casamento é um assunto bastante convidativo e complexo; pelo que, para além de merecer uma análise antropológica, podemos analisá-la à luz de outro saber. Por exemplo, em antropologia reconhece-se que o casamento tem uma dimensão cultural, cuja finalidade é creditar o reconhecimento social e antropológico a relação efectiva ou união entre dois indivíduos que decidem juntar-se e criar família. Conforme defende o antropólogo Francisco Martinez

«o casamento é uma instituição social que visa estabelecer vínculos de união estáveis entre o homem e a mulher baseados no reconhecimento do direito de prestações recíprocas de comunhão de vida e de interesses segundo as normas das respectivas sociedades. Não se trata de um tipo de partilha qualquer, deixando ao livre arbítrio e inclinações dos intervenientes, mas de uma comunhão de interesses mútuos» (Martinez, 2014: 125).

O casamento é configurado pelo ritual de passagem, que credita novo status e papel social, quer seja para o homem, quer seja para a mulher. Também diga-se de passagem que o «casamento faz dos contraentes marido e mulher e transforma os “status” de gerador em pai e mãe» (2014: 125). Por este motivo o casamento permite o indivíduo conhecer uma outra etapa de sua vida, pois, após o casamento, ambos (homem e mulher) conhecem novos deveres e obrigações. Para além de «estabelecer um vinculo sexual institucionalizado que supere o biológico e a actividade sexual privada dentro da sociedade, para situar-se cada um com posicionamento próprio reconhecido: ele, ela e os respectivos parentes (2014:126).

Entretanto, um aspecto importantíssimo que deve ser sublinhado, é que esse ritual de passagem (casamento) é normalmente marcado por cerimónias, rituais, cultos e diversas manifestações culturais etc., isso dependendo do contexto sociocultural do grupo em estudo. Devemos também admitir, que na maioria dos casos, o casamento tem um alcance participativo e comunitário, envolvendo deste modo, não apenas o homem e a mulher que pretendem casar, mas, acabam por envolver a família de ambos, instituições sociais e a sociedade em geral.

« O casamento tem também uma dimensão comunitária, que requer, além da presença das respectivas famílias dos cônjuges, a participação dos membros da comunidade, ou ao menos, os seus representantes mais significativos. Nunca se trata de um assunto privado. Também de carácter festivo forma parte da celebração do casamento em todas as culturais. Este carácter se manifesta através dos participantes, do tempo de dedicação à celebração, do banquete com comida e bebida de qualidade e abundante, na ornamentação do ambiente e solenidade do rito» (MARTINEZ, 2014: 126).

Bibliografia

 

Banga, B. (2018). O ritual “chá de cozinha”. Luanda: FCSUAN.

Rocher, G. (1971). Sociologia Geral. I. Lisboa: Presença.

Martinez, F. (2014). Antropologia Cultural. Maputo: Paolinas.

Levi-Strauss, C. (1987). Mito e significado. Lisboa: Edições70.

Bourdieu, P. (2002). Esboço duma teoria da pratica. Oeiras: Celta.

Geertz, C. (2008). A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC.

Saussure, F. de. (2005). Corso di linguistica generale. Bari: Laterza.

Van Gennep, A. (1977). Os ritos de passagem. Petrópolis: Vozes.

Hoebel, A. E., & Frost, E. L. (2006). Antropologia cultural e social. São Paulo: Cultrix.

Mead, M. (2007). L’adolescenza in Samoa. Milano: Giunti.

 

Terceira Lição Covid 16

Parte primeira

 

A ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA: DEFINIÇÃO E OBJECTIVOS

 

1. O que é antropologia filosófica?

 

O termo antropologia

(da gr. Antropo + logos) indica o estudo do modo humano de viver através da observação positiva e da análise histórica de suas múltiplas caracterizações. O termo antropologia no sentido de 'doutrina humana' teve um uso filosófico específico na primeira metade do século XIX, com L. Feuerbach, seguindo a crítica da religião (Feuerbach 1997:17). Daí o uso do termo por K. Marx em seus Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 (Marx 2004:112). A expressão 'antropologia filosófica' é, no entanto, típica do século XX e a sua origem pode ser indicada em M. Scheler, que resumiu sua concepção a esse respeito em O lugar do homem no cosmo (1927) (Scheler 2002 :23). Nasce do reconhecimento das disciplinas que surgiram na segunda metade do século XIX, como a antropologia física como ciência no campo da zoologia, psicologia, etnologia e sociologia e junto com o desejo de não renunciar a uma síntese e reinterpretação do conhecimento fornecido das novas ciências. Contudo, tal desenvolvimento filosófico da antropologia não é universalmente aceite; o problema da antropologia como uma forma de 'conhecimento' não é fácil de formular.

Pergunta de partida

Devido à peculiaridade de sua pergunta: Quem é o homem? , a antropologia filosófica não é uma ciência nem uma espécie de metascienza. Sua tarefa não é integrar os resultados da investigação científica do homem, de modo a ter uma imagem 'sintética' dele (Gevaert 1992:12). Uma síntese desse tipo é, em princípio, impossível. Existem muitas antropologias regionais e inseri-las todas em uma estrutura global, uma acabaria colocando-as todas juntas, sem vinculá-las umas às outras ou abordando-as logicamente, deixando de fora um grande número. Onde o princípio da própria unidade e ordem seria encontrado em uma síntese de elementos heterogêneos? Não seria reduzido a uma antropologia particular no exacto momento em que esse princípio é encontrado? A antropologia filosófica nem quer ser um conhecimento 'sistemático', um sistema construído com base em um único princípio - seja a alma, o espírito, o corpo ou outro - capaz de unir os inúmeros aspectos da existência humana .

«A reflexão crítica sobre o homem, como tema específico ou mesmo abrangente do conhecimento, é um fato da cultura 'moderna' e, de outra forma, da cultura 'contemporânea'. A antropologia cultural e filosófica moderna é a emergência crítica do interesse que pertence a toda experiência humana. O próprio termo antropologia começa a aparecer na modernidade como uma referência ao fenômeno empírico do homem. Nascem as chamadas “ciências humanas” que estudam o fenômeno do homem definindo-o segundo um perfil de investigação (biológico, etnológico, psicológico, sociológico, linguístico, estrutural, etc.)» (Brambilla 2009:18) 

 

Contudo, a 'reflexão' do homem sobre o homem, operada, por exemplo, por um Protágoras (1955:261) ou Sócrates, para não mencionar os grandes pensadores gregos, testemunha, por um lado, que as raízes do problema antropológico, além das discussões sobre a antropologia filosófica, entendida como 'ciência', afundam-se nos primórdios de nossa cultura ocidental; por outro lado, que a antropologia, como um discurso sobre o homem, é uma área específica já claramente delineada nas próprias origens da nossa tradição cultural e acompanha, ainda que em formas mais ou menos reflexas e muito diferentes uma da outra, a história do pensamento que a caracteriza.

1.2 Definição

Podemos, portanto, chamar de 'antropologia filosófica' (ou filosofia do homem) toda tentativa de assumir a problemática específica do homem. De acordo com uma reflexão filosófica metódica, pretende esclarecer a grande questão que o homem coloca para si mesmo: Quem sou eu? O que significa 'ser homem'? A antropologia filosófica, em outras palavras, é a disciplina que toma o homem como objeto de sua pesquisa, a fim de esclarecer e de alguma forma estabelecer seu ser, ou seja aqueles que são os aspectos fundamentais de sua essência ou natureza. Poderíamos dizer também que a antropologia filosófica estuda o homem do ponto de vista do homem, para tentar elucidar e enunciar em  consiste o mistério daquele ser que Pascal denomina 'monstro incompreensível'  (Pascal, 1962: 181), partindo do fato de que todo homem, mesmo antes de qualquer reflexão, já compreende de alguma forma, pelo menos implicitamente, o que é 'ser homem': o homem é quem desde sempre conheceu a si mesmo de maneira original e imediata, mas não conhece tudo isso de maneira reflexa. O homem é, portanto, colocado em uma ambiguidade fundamental - entre a auto compreensão e a compreensão - que determina sua natureza. Essa ambiguidade é a própria condição da possibilidade de sua investigação e faz do interrogativo antropológico uma questão diferente das demais: mais do que ser colocada pelo homem, a questão antropológica se impõe ao homem e, como tal, é inescapável. Devido à peculiaridade de sua pergunta, a antropologia filosófica difere fundamentalmente das diferentes ciências humanas. As ciências de fato examinam o homem em primeiro lugar como um 'objeto' (embora não confundindo-o com coisas). Além disso o estudam a partir de pontos de vista relativos e sectoriais: psicológicos, biológicos, fisiológicos, políticos, econômicos, culturais etc. A antropologia filosófica, contrariamente as outras disciplinas que levam o nome de 'antropologia', estuda o homem como sujeito pessoal e na sua totalidade. Não se trata de descobrir ou fabricar uma definição precisa e definitiva do homem. 'Definir' o homem seria basicamente situá-lo na totalidade dos seres e esclarecer seu mistério a partir das diferentes esferas ou totalidade a que pertence (matéria, vida biológica, cultura, etc.). Nesse sentido, é absolutamente problemático se o homem é 'definível': seu mistério não pode ser totalmente compreendido através da análise da totalidade a que ele pertence.

 

1.3 Tipologias

A intenção geral que caracteriza a antropologia filosófica é suscetível de muitas abordagens, como mostra a história da reflexão humana nesse campo. Esquematicamente falando, as antropologias podem ser reduzidas a duas abordagens diferentes. O primeiro tipo de antropologia tem como fulcro o tema da lógica animal. Considera o homem acima de tudo como um ser pertencente ao mundo da matéria e da natureza e emergindo dele através de sua racionalidade. Antropologias desse tipo buscam entender o homem da vida biológica. Eles pegam as categorias do mundo natural e tentam usá-las para explicar não apenas as diferentes 'camadas' do ser humano, mas também seu mistério supremo. Tal abordagem, embora baseada em realidades empíricas e concretas, também acessíveis ao estudo científico, tem a desvantagem de não ser capaz de compreender suficientemente o mistério da pessoa; arrisca dividir o homem em uma pirâmide de camadas sobrepostas sem a real união entre elas.

Complementariedade

O segundo tipo de antropologia filosófica poderia ser chamado: antropologia do espírito encarnado. O homem é considerado, acima de tudo, como um sujeito pessoal que se torna consciente de si mesmo no encontro com os outros e com o mundo da natureza. A reflexão sobre a condição fundamental do homem revela as raízes corporais que tomaram carne na existência:

«Uma antropologia filosófica legítima deve saber não apenas que existe uma raça humana, mas também povos, não apenas uma alma humana, mas também tipos e personagens, não apenas uma vida humana, mas também idades de vida; Só englobando sistematicamente estas e outras diferenças, só conhecendo a dinâmica que rege cada particularidade e entre elas, e só mostrando constantemente a presença do um nas várias, poderá ter diante dos olhos a totalidade do homem» (Buber 1967:18).

 

As formas típicas em que essa antropologia é realizada são a fenomenologia existencial, nascida em reação contra a unilateralidade do racionalismo e do empirismo e polarizada pela idéia de 'existência' ou ser-no-mundo através de um corpo, e acima de tudo o personalismo e a filosofia intersubjetiva ou filosofia dialógica. A encarnação não é vista em lugar como estando perto das coisas, mas como estando com outros homens no mundo, com uma abertura para o mistério transcendente do homem.

Limites

Os dois tipos de antropologia têm suas próprias possibilidades e seus próprios limites. Não são duas antropologias mutuamente exclusivas, elas se mostram bastante complementares. Nossa escolha, como veremos, é a favor da segunda abordagem, com uma ênfase particular pela dimensão de 'significado' ou 'significado' da existência humana. A mesma problemática antropológica mostra como a questão: quem é o homem? é inseparável da pergunta: qual é o significado da existência? O que deve ser feito na existência? A própria natureza da existência humana é decisiva para o método a ser seguido na antropologia filosófica. Este último pretende fazer uma reflexão sobre o homem e sua existência para, através dele, não tanto responder à questão antropológica, mas, antes, colocá-la sob sua luz correta

 

 

 

 

 

 

 

«A esta reflexão sobre si mesmo, de que temos falado, o homem que se sente só e também o mais qualificado para a exercer, o homem, portanto, que, pelo seu carácter ou pelo seu destino, ou por ambos coisas ao mesmo tempo, ele está sozinho e com seus problemas, e que nessa solidão que fica ele consegue se lançar em si mesmo e descobrir em si mesmo o homem e em seus próprios problemas os do homem» (Buber 1967:24).

É uma reflexão que não pretende estabelecer de uma vez por todas o que é o homem, mas fazendo luz, tanto quanto possível, nessa realidade ambígua, complexa e contraditória que é a existência do homem. É uma reflexão principalmente de uma ordem transcendental, no sentido kantiano do termo (Buber 1967:15-16), que faz uso da fenomenologia, no sentido husserliano, visando captar as condições de possibilidade. Agora está claro que uma reflexão que não tem a pretensão de trazer à luz a constituição ontológica da essência do homem não é, por essa razão, operada sem uma ordem ou ponto de partida. Este ponto de partida poderia ser o fenômeno da auto-realização humana, na qual ele experimenta e se compreende. Mas o fenômeno, como o que é mostrado, já é compreendido, porque se manifesta em uma totalidade de significados. Os 'fenômenos', nos quais se produz a auto-realização do homem, já são em si fenômenos humanos em que 'transcendem' a si mesmos em seu próprio acontecimento e para isso supõem uma condição de possibilidade, são fenômenos ' marcado 'pelo fato que neles são reveladas modalidades constitutivas fundamentais da existência humana: o «ser-para-morte» (Heidegger, 2005:12), as «situações limites» (Jaspers, 1978: 458), a «comunicação interpessoal» ou ainda, o amor, o conhecimento, a liberdade, a consciência ética ecc ((Marcel) , 1951: 49).

 

1.4 O fenómeno humano

Acontece, no entanto, que não há, de facto, nenhum fenômeno humano privilegiado, porque há uma multiplicidade de fenômenos, e se esse fenômeno acontece, não pode ser um ponto de partida, mas deve ser encontrado através da reflexão, dado que o fenômeno se apresenta como aquilo que se manifesta, mas também como aquilo que é mostrado «como um fenômeno» (Buber 1967:39): a morte, por exemplo, eu certamente não a experimento como tal devido ao fato de eu refletir sobre ela, mas é verdade o contrário, mas é igualmente verdade que experimento a morte como um «problema» por ser capaz de reflectir sobre ela.

    • «Tudo aqui é perspectiva, o que importa é a maneira como o homem olha para o seu fim, se tiver a coragem de antecipar todo o ser da Existência, que não se revela até a morte. Mas somente se alguém falar do comportamento do homem com seu ser, de sua atitude para consigo mesmo, a morte pode ser limitada ao ponto final; mas se nos referimos ao ser objetivo, então a morte está presente no momento presente como uma força que luta com a força da vida; A situação do momento nessa luta determina toda a natureza do homem como Existência, isto é, como uma compreensão do ser com vistas à morte, do homem como ser que começa a morrer quando começa a viver e que não pode ter vida sem ele. morrer nem a força que o mantém sem a força que o destrói e o dissolve»  (Buber 1967:87-88).

 

Uma pré-compreensão do homem, é sempre pressuposta como condição de toda explicação que inclui ser homem. Mas a pré-compreensão do homem não pode ser compreendida conceitualmente, porque sempre precede a compreensão conceitual. É apenas o fenómeno que pode ser apreendido conceitualmente, mas isso só é possível na medida em que o fenômeno está subjacente a um pré-conhecimento não-tematizado e, em última análise, não tematizável. Antes de começar a fazer uma reflexão filosófica, o homem vive há muito tempo e reflecte sobre sua própria existência. A filosofia não pode eliminar esse conhecimento: para entender a própria existência, não se pode deixar de viver, amar, trabalhar, etc.

Historicidade

Um ponto de partida menos exposto a este tipo de risco é talvez uma investigação histórica, que não se reduz a ser uma 'História da filosofia', mas quer criar um 'fundo', um 'horizonte' em que é abordado seja o problema do homem como também os conceitos ou ferramentas conceituais com os quais este problema foi definido ao longo dos milênios e através do qual ainda é possível colocar o problema do homem. Os mesmos «fenômenos humanos» estão sempre presentes em um dado horizonte histórico, razão pela qual o mesmo fenômeno histórico aparece diferente de tempos em tempos.

«Podemos distinguir na história do espírito humano os tempos em que o homem tem um quarto e os tempos em que está ao ar livre, sem casa. Na primeira, o homem vive no mundo como em casa, nas outras o mundo é o clima, e às vezes falta até quatro estacas para erguer uma tenda. No primeiro, o pensamento antropológico é apresentado como parte do cosmológico, no segundo esse pensamento ganha profundidade e, com ele, independência» (Buber 1967:24-25).

 

É, portanto, uma questão de operar um processo de aplicação ou apropriação, isto é, de fazer uma reflexão sobre o presente, mediando-o com o passado. É por isso que o nosso método, que definimos como reflexivo, também pode ser chamado de «interpretativo» ou «hermenêutico», porque, com base nele, pretendemos ler a existência humana, compreender seu significado fundamental. A quantidade e variedade de temas não permitem em nenhum caso o uso de um único método. O procedimento terá, de tempos em tempos, dependendo do tópico ou dos tópicos abordados, ao lado de uma investigação devidamente histórica, um caráter hermenêutico, fenomenológico, transcendental, etc. Muitas vezes, mais aspectos estarão presentes, quase confusos, em uma única discussão.

 

1.5 Estrutura dos argumentos

A compreensão do homem sobre si mesmo ao longo de sua história e do pensamento filosófico ocidental como ponto de partida para nossa reflexão é o tema do segundo capítulo. O terceiro capítulo expõe o nascimento e desenvolvimento da antropologia filosófica no século XX, que vê na ruptura com o instinto a característica essencial do homem (M. Scheler, 2002: 43, H. Plessner, 2006: 312, A. Gehlen, 1990: 159). O quarto capítulo destaca as vantagens, mas também os limites, de tal antropologia, buscando sua superação e fornecendo algumas indicações básicas úteis para um reexame temático do discurso antropológico. O quinto capítulo retoma o desenvolvimento da antropologia ocidental, identificando o fio condutor da questão relativa à relação entre espírito e corpo ou, dito em termos menos essenciais, entre razão e impulso. Isso levará a uma reflexão sobre o 'corpo' ou, melhor, sobre a corporeidade capaz de captar sua originalidade, trazendo à luz a ambivalência do fenômeno corporal e do nexo corpo-pessoa. A sexta parte trata, finalmente, das dimensões fundamentais do ser humano - liberdade, temporalidade, sexualidade e morte - a partir da originalidade e do significado do corpo humano em seu 'estar em relação'. O tema da morte, em particular, nos permitirá ver na ética a saída natural da antropologia.

 

2. A pergunta: quem é o homem? Não é uma pergunta como qualquer outra

 

2.1 Vimos como a antropologia filosófica assume a problemática que diz respeito especificamente ao homem e é resumida na pergunta que o homem coloca para si mesmo: «Quem é o homem? O que significa 'ser homem»? 'Agora uma pergunta faz sentido, caso contrário não é uma questão (Gevaert 1992:12). Uma questão expressa um não-conhecimento: alguém se pergunta por que alguém não sabe, mas desde que a pergunta é feita, seu objecto já é colocado em uma direção, caso contrário a questão não faria sentido. Portanto, uma questão em si contém uma antecipação da resposta e, ao mesmo tempo, implica a abertura para novas possibilidades. Assim, a questão não é saber, a direção do objeto, antecipação e abertura. Isso manifesta um não-conhecimento e pressupõe conhecimento. O não-conhecimento expresso pela questão é o aspecto negativo do mesmo. Uma questão se impõe onde algo negativo é experienciado e, em sua imposição, diz respeito à sua inevitabilidade. A negatividade da experiência dá origem ao repensar de uma maneira habitual de ver as coisas e tal repensar só é possível dentro de um conhecimento prévio do objeto da aplicação.

 

2.2 Formulação do problema

Uma pergunta geralmente contém quatro elementos: 1) um sujeito (a pessoa que o coloca: Quem?); 2) um objeto (o que está em questão: O que? 3; um horizonte (dentro do qual o objeto é definido: Em que contexto?); 4) um destinatário (aquele a quem a pergunta é feita: para quem?). A pergunta: quem é o homem? é uma questão diferente das outras, porque realmente diz respeito à pessoa que as coloca. O que está em questão aqui não é outra coisa senão o sujeito que pergunta (mundo físico, realidade histórica, Deus, etc.), mas é o próprio homem: o homem é e se torna um problema para si mesmo. Os quatro elementos que constituem cada questão naturalmente também constituem essa questão. No entanto, na questão (e apenas nesta questão): Quem é o homem? os quatro elementos - questionamento, pesquisa, horizonte, questionados - convergem em um único elemento: o homem. De fato, em qualquer outra questão, que não é essa, o sujeito (questionador) é sempre um sujeito humano, mas não é o homem. Quando, por exemplo, o biólogo pergunta, o sujeito de sua pergunta é o biólogo e, portanto, o objeto em questão é 'outro' do sujeito em questão e o horizonte da questão é, consequentemente, o horizonte da questão. objeto, não o assunto. O biólogo não questiona 'ele mesmo'; ele faz perguntas como biólogo. Pelo contrário, o homem que coloca a questão antropológica faz perguntas como homem.

O sujeito da questão

Mesmo as disciplinas ou ciências humanas (por exemplo, história ou moral) estão sujeitas ao que foi dito sobre qualquer outra questão que não seja a questão colocada pela antropologia filosófica. É de fato claro que o objeto da questão do historiador são os eventos humanos e os moralistas são atos humanos, mas eventos humanos e atos humanos ainda não são humanos. Portanto, o homem é: sujeito da pergunta: quem é o homem? como é ele quem coloca; sujeito do requerimento, como se questiona (não seus atos ou eventos biológicos ou psíquicos); o horizonte do objeto em virtude do qual a demanda (sua existência) é possibilitada; finalmente, o questionado. Se é ele mesmo quem questiona, o homem só pode fazer a pergunta a si mesmo. Como você pode ver, a pergunta: quem é o homem? é uma questão 'radical', porque vai à raiz de seu objeto: o homem não apenas se questiona, mas questiona a si mesmo (o biólogo faz perguntas a si mesmo, mas não se questiona): Nisto reside a peculiaridade da questão antropológica, que para isso é uma questão filosófica, na medida em que é inerente ao próprio fundamento do 'ser humano', em sua essência ou natureza, e não em um de seus aspectos, por mais importante que seja.

 

2.3 Primeira resposta

Em sua posição, a pergunta: quem é o homem? já oferece uma primeira resposta: o homem é quem pergunta. Somente o homem, de fato, entre todos os seres vivos, tem a prerrogativa de perguntar. Ele é colocado na possibilidade (na medida em que ele se entende de alguma forma antes mesmo de se fazer perguntas) e na necessidade (como eles são sempre 'externos a ele' de questioná-lo) de perguntar. Mas o que faz com que o homem reflita sobre si mesmo? As raízes mais profundas da questão antropológica parecem ser procuradas não tanto na contemplação desapaixonada que o homem faz de si mesmo, em um conhecimento para o conhecimento (embora este aspecto também esteja presente), mas sim no fato de que o homem se sente nas palavras de Heidegger, jogado-no-mundo: ele se vê vivendo contra sua vontade e, apesar de tudo, quer viver (Heidegger, 2005, p. 34). Não é tanto através da introspecção ou de um exame meticuloso e sistemático que as intuições mais válidas sobre a situação do homem foram alcançadas, mas sim através da surpresa e do impacto de fracassos dramáticos. A reflexão radical geralmente ocorre na onda de frustração, em momentos de crise e decepção, e raramente seguindo os sucessos e triunfos do homem. Perguntamo-nos quem somos para saber como devemos viver e qual é o significado da vida, apesar de seu absurdo. Como já foi dito, o problema do homem deve ser enfrentado não apenas nas salas de aula de ensino, mas também no meio dos prisioneiros nos campos de extermínio e diante de um cogumelo de explosão nuclear.

Aspectos da questão fundamental

A pergunta: quem é o homem? é uma questão especificamente humana, pois seus problemas vitais são especificamente humanos: liberdade, relacionamento interpessoal, dor, morte, imortalidade etc. Por outro lado, é necessário acrescentar que os eventos 'externos' ao homem, que o levam a se questionar, não são por essa razão acontecimentos estranhos a ele. Eles já são parte de seu ser, eles já são factos humanos (Fabietti 2010:26). A natureza da nossa investigação contrasta com outras investigações, porque, ao contrário dos outros problemas, no problema do homem estamos pessoalmente envolvidos. Em outras análises, o sujeito e o objeto permanecem separados; pelo contrário, no que diz respeito ao conhecimento de mim mesmo, sou o que procuro conhecer, sujeito e objeto são um. Não podemos refletir sobre a humanidade do homem e, ao mesmo tempo, nos manter em posição de completo desapego, já que ninguém pode ficar longe de seu próprio ego.

«Antropologia é uma disciplina que exige Constância de observação, atenção, capacidade de estabelecer conexões entre coisas aparentemente não relacionadas e, acima de tudo, uma boa dose de desapego interessado» (Fabietti 2010:19)

 

 A razão para a dificuldade de conhecer e definir a natureza ou a essência do homem é que as modalidades do conhecimento humano se referem a coisas dotadas de qualidades 'naturais', incluindo nós mesmos à extensão limitada em que representamos as espécies mais desenvolvidas da vida orgânica. provar inadequada quando nos perguntamos: 'E quem somos nós?' A razão para isto é que o ser humano nunca é ser puro: implica sempre um significado, que é inerente à natureza humana, quanto espaço é para as coisas. O interesse pelo significado não é auto-imposto pelo ego, é antes uma necessidade do seu ser.

Ser e significado

Para a mente que enfrenta a realidade, o problema mais importante é o ser, mas para a mente que enfrenta a questão antropológica, o problema crucial é o significado. Significado e ser não tem a mesma largura. A busca do significado do ser pelo homem é a busca daquilo que o transcende e expressa a insuficiência do mero ser. O significado é uma categoria primária, não redutível a ser como tal: a existência não deriva seu significado do reino do ser, porque ser em si é menos do que ser humano. O humano não deriva de ser. A pergunta sobre o homem que pede uma resposta diz respeito ao seu significado, por isso não nos perguntamos: 'O que é o homem?', Mas: 'Quem é o homem?'. Como o homem é explicável; como pessoa ele é um mistério. Como o que ele está acabado; como pessoa é inesgotável. A pergunta: 'Quem é o homem?' Não diz respeito ao homem em termos de sua realidade atual, como um objeto no espaço; é antes a busca de um valor, uma posição e uma condição na ordem dos seres (Heschel 2001:53). Não é apenas uma questão de saber qual é a natureza da espécie humana, o que é um ser humano, porque o homem não é apenas um ser de uma espécie particular; é também, e acima de tudo, uma questão de saber o que é humano no ser humano, o que é ser humano, e esta questão baseia-se na premissa de que a categoria do humano não deriva simplesmente da categoria do ser. O atributo 'humano' no termo 'ser humano' não é uma qualidade acidental, somada à essência de seu ser, é antes essa mesma essência. O homem não é um ser, que também é humano: o homem é humano ou não é.

 

2.4 Quem é que formula o problema?

Se é verdade que o sujeito e objeto da questão antropológica é o homem, então devemos nos perguntar: quem é o homem que pergunta e com qual homem ele está falando? Aqui não é uma questão de saber 'o que' o homem é, mas 'quem' é o sujeito da questão e 'quem' é o objeto da questão. Na verdade, é sempre o homem entendido como esse homem que coloca a questão antropológica: é sempre Pedro (ou Paulo ou João ...) que se questiona e faz perguntas sobre si mesmo ('Quem sou eu?'). Mas, desta forma, a questão antropológica não é uma questão sem resposta, uma vez que toda resposta é sempre a resposta desse homem, que não será necessariamente a mesma resposta de outro? A questão colocada por este homem (Pietro, Paolo, Giovanni ...) nunca verifica na verdade sobre este homem, mas sempre sobre o homem, sobre o homem como tal, mesmo quando este homem reflete sobre si mesmo. Em sua própria pergunta, a questão vai além de seu próprio eu (o ego empírico) da pessoa que a coloca, porque só assim a questão desse homem sobre si mesmo é uma questão real e tem uma resposta. A pergunta: quem sou eu? em última análise, significa: qual é a minha essência (ou natureza)? isto é: quem sou eu, além da minha situação concreta? Qual é o significado da dor, além da minha dor? Agora, a essência não é um dado empírico, mas diz respeito ao universal. Pedro, que reflete sobre si mesmo, 'transcende' a si mesmo pela mesma razão que faz a pergunta. O objeto da questão (sujeito) desse homem é, portanto, sempre o homem. Mas um homem que reflete sobre o homem não é, comparado a este último, um homem 'diferente' (ele não é Pedro que reflete sobre Paulo), mas ele mesmo é o homem (sujeito) que se entende por reflexão deste homem. Sujeito e objeto da questão antropológica, como dissemos, são a mesma coisa. Mas isso também significa que a essência do homem não é de modo algum algo abstrato, sobre o qual esse homem reflete de maneira impessoal, porque ainda é esse homem que se questiona. Pelo contrário, significa que a essência do homem é também a essência desse homem: «Todo homem carrega dentro de si toda a forma da condição humana » (Montaigne 2012:1487). A essência, na verdade, implica existência, mas a existência é sempre e somente a existência desse homem: Pedro existe, Paulo existe ... Não é possível conceituar a existência. A 'irredutibilidade' da existência e a 'universalidade' da essência, em sua relação dialética, constituem a realidade pessoal do ser humano (Marcel 2011:109).

Bibliografia:

Brambilla, F. G. (2009). Antropologia teologica. Brescia: Queriniana.

Buber, M. (1967). Que es el hombre? Ciudad del México: Fondo de Cultura Economica.

Buber, M. (1967). Que es el hombre? Ciudad del México: Fondo de Cultura Economica.

Fabietti, U. (2010). Elementi di antropologia culturale. Milano: Mondadori.

Feuerbach, L. (1997). L’Essenza del Cristianismo. Laterza: Bari.

Gehlen, A. (1990). Antropologia filosofica e teoria dell’azione. Napoli: Guida.

Gevaert, J. (1992). Il problema dell’uomo. Antropologia filosofica. Torino: Elle di ci.

Heidegger, M. (2005). Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes.

Heschel, A. J. (2001). L’uomo non è solo. Milano: Mondadori.

Jaspers, K. (1978). Filosofia. Torino: Unione Tipografico-Editrice Torinese.

Marcel, G. (1951). Homo Viator. Introduction to a Metaphisic of Hope. Chicago: Henry Regnery

 Company.

Marcel, G. (2011). Presenza e immortalità. Milano: Bompiani.

Marx, K. (2004). Manuscritos Econômico-Filosóficos. São Paulo: Boitempo.

Montaigne de, M. (2012). Saggi. Milano: Bompiani.

Pascal, B. (1962). Pensieri. Torino: Einaudi.

Plessner, H. (2006). I gradi dell’organico e l’uomo. Torino: Bollati Boringhieri.

Protagora. (1955). Le testimonianze e i frammenti. (A. Capizzi, Ed.). Firenze: Sansoni.

Scheler, M. (1997). La posizione dell’uomo nel cosmo. Roma: Armando.

 

 

 

 

 

 

 

 

Sexta Lição Covid 17

Parte segunda

HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA

 

Desde a antiguidade até Hegel, a crença que impulsiona a pesquisa é que a razão é o princípio orientador. O homem é um participante dessa razão e sua tarefa é perceber isso em si mesmo contra todos os impedimentos. Nessa abordagem são tratadas as mais diversas questões antropológicas: a relação entre razão e impulso, entre pensamento e vontade, pensamento e sentimento, consciente e inconsciente, espírito e corpo, etc. Nela há uma ideia que durante séculos será considerada natural e óbvia: a razão no cosmos como no homem é o que é mais alto e, portanto, também o que é decisivo.

3. Antropologia filosófica grega:

 

3.1 Platão

Para Platão, a possibilidade de o homem viver feliz depende da condição da alma, isto é, de sua virtude ou falta de virtude. Devemos, portanto, garantir que a alma atinja sua melhor disposição.

 

 

 

 

 

 

 

«Portanto, se darmos seguimento ao que eu disse, nos convencendo de que a alma é imortal e potencialmente capaz de assumir sobre si todos os tipos de bem e mal, sempre manteremos o caminho que sobe, comportando-nos em todas as circunstâncias de acordo com a justiça. combinada com sabedoria. Para que possamos estar em paz connosco mesmos e com os deuses, tanto em nossa estadia nesta terra, quanto depois, quando tivermos coletado as recompensas da justiça, como fazem os vencedores quando coletam troféus em triunfo. Em suma, tocaremos a felicidade aqui na terra e na viagem milenar que ilustramos» (Platone 2009:84)

 

 Como é necessário cuidar do corpo do ponto de vista da saúde, a alma deve cuidar de sua mais alta possibilidade, que se manifesta em certas virtudes e, em particular, na justiça. De acordo com Platão, cuidar da alma acontece em um processo de elevação no qual o homem abandona o dado sensível e se volta para o mundo das Ideias. Em Platão, o homem não é tão tematizado no aspecto naturalista, mas partindo de uma abordagem ético-ontológica.

Uniformidade, estabilidade, imutabilidade, e imortalidade

Na medida em que a alma se torna boa e apenas através da contemplação das Ideias, isto é, reconhecendo a ordem geral representada por todas as determinações essenciais próprias de cada entidade e conectadas umas às outras através da ideia do Bem, os predicados atribuídos a ela competem com ela às próprias Ideias: uniformidade (Platone 2007:107), estabilidade (Platone 2007:96), imutabilidade, imortalidade (Platone 2017:105). Por pertencer originalmente à dimensão das Ideias, a alma é superior ao corpo e ao mundo corpóreo, que se caracteriza pelos predicados opostos aos do âmbito ideal. O elemento do corpo é multiforme, mutável, instável e transitório (Platone 2015:553). Durante a vida, a alma e o corpo estão unidos, mas é uma união puramente externa, não essencial em um nível essencial. A alma, que constitui o verdadeiro ser do homem, tem sua própria existência: antes do nascimento, como uma entidade incorpórea, ela puramente contemplou as Ideias (Platone 2007:81).

Separação entre a alma imortal e o corpo mortal

No momento do nascimento, ela está ligado ao corpo e, portanto, durante a vida, ele deve tender a se dissolver no corpo e ir embora puro e sem danos. A essência e o valor do homem são assim colocados apenas no que é espiritual. Mesmo para Platão, no entanto, quanto ao pensamento grego em geral, é possível e necessário considerar a alma sob seus aspectos biológicos. Uma clara separação entre a alma imortal e o corpo mortal não pode ser colocada como a verdadeira doutrina de Platão. Todos os impulsos, que são as forças originais que invadem corpo e alma e que são as forças verdadeiramente determinantes da vida, vêm do corpo e, portanto, o corpo anseia, deseja, anseia (Platone 2007:105) mas é apenas a alma que é ativa, não o corpo, porque é a alma que age no homem, e não apenas quando o homem se opõe aos impulsos, mas também quando os segue. A alma não se torna ruim pelo simples fato de estar unida ao corpo, mas somente se voluntariamente se abandona ao elemento corpóreo.

As partes da alma

De acordo com a perspectiva platônica, os impulsos devem ser considerados como forças da alma e, precisamente, de uma alma que está ligada ao corpo, quando não são considerados em termos mecânicos, mas éticos. Entendida dessa maneira, a alma inclui todas as ações possíveis do homem, tanto racional quanto impulsiva-irracional (Platone 2017:107).

A racionalidade

A parte suprema da alma é a parte racional e reflexiva; para isso é a sabedoria, que é a visão das Ideias: a alma deve se aperfeiçoar através do conhecimento das Ideias. Esta parte suprema é oposta à faculdade do desejo, isto é, paixões. O homem, de fato, pode se opor às paixões e, portanto, a razão não pode se identificar com as paixões. Deve, portanto, ser reconhecido que no homem há duas forças fundamentais que devem ser atribuídas a duas partes opostas da alma. Para essas duas partes, Platão acrescenta um terceiro: o irascível, que se distingue tanto da concupiscência quanto da parte racional (Platone 2009:1185). Com esta subdivisão das partes da alma, concebida de modo a compreender todas as ações possíveis do homem, Platão essencialmente apresenta um problema real: nas suas ações, os homens muitas vezes não seguem os ditames da razão, isso não implica que a razão em si e de acordo com a sua essência é mais fraca que as outras camadas da alma, mas indica que no homem o elemento racional não pode ser considerado como o elemento poderoso de maneira tão única que garanta que esse homem age sempre e racionalmente. A doutrina das partes da alma não é um sistema psicológico construído com uma intenção teórica, mas tem um significado prático e ético: a alma deve fornecer para criar uma relação harmoniosa entre suas partes, mas isso não significa que a própria alma pode ser distinguida das suas partes e tomada em si mesma (Platone 2007:90).

A alma como força que age

A alma agente está bastante presente em cada uma de suas partes, sem estar unicamente ligada a uma delas. No entanto, em si mesma, isto é, de acordo com a classificação ontológica, a alma está presente acima de tudo na parte mais alta e, com base nisso, pode ser definida como uma força directiva. Platão concebe a hierarquia ontológica da alma - racionalidade, irascibilidade (ou animosidade), concupiscência - em correspondência com a ordem natural do cosmos que mantém o ser em existência. É de acordo com essa ordem natural que a verdadeira realidade é o elemento racional em quanto é o bem; com respeito a isso, o que é contrário à razão e é mal é deficiente e participa em ser em menor grau. Essa ordem natural, de acordo com a qual a razão é o que é mais importante, não exerce nenhuma restrição mecânica ao conhecimento e à ação humanos; a alma pode, de fato, derrubar essa hierarquia e, desse modo, se perder no puro não-ser. Em quanto essência, Platão significa a alma como uma essência intermediária: em si mesma pertence às Ideias, na verdade, oscila entre a esfera superior e inferior. É por isso que é uma realidade indeterminada: pode percorrer o caminho, que é o caminho que é naturalmente feito por ela, mas também pode escolher o caminho para baixo.

Separação alma-corpo

Em Platão, a alma e o corpo são separados para que o corpo apareça como o verdadeiro depositário das paixões (Platone 2007:56). O homem, portanto, segue as paixões não en quanto ele próprio, isto é, como um ser racional, mas apenas enquanto ser corpóreo. Ao mesmo tempo, no entanto, é precisamente o próprio homem, isto é, a alma, que concede ao corpo de satisfazer os desejos relacionados aos impulsos: faz parte da razão a tarefa de conceder exitos adequados às paixões e instintos, para que assim se acalmem. Platão reconhece, assim, que a primazia ontológica da razão não significa, de modo algum, que a natureza do homem seja boa. Pelo contrário, ele deve sempre lutar contra as paixões e tender à racionalidade (Platone 2007:103). Este processo de conversão ou transformação, no final do qual a visão das Ideias é conseguida, é de facto o fruto da educação, mas é finalmente realizado pelo indivíduo em sua própria alma.

Antropologia filosófica grega: Aristóteles

3.2 Para Aristóteles, a filosofia é uma ciência que, de acordo com as diferenças da realidade e seus possíveis modos de lidar com ela, é dividida em disciplinas distintas. Existem entes que são objeto de várias disciplinas. O homem é um desses entes; ele deve ser estudado em biologia, psicologia, ética e teologia (Aristotele 1996:438). Ele é o objeto da biologia porque ele é uma entidade natural, isto é, animada. Como tal, é uma coisa única constituída pela união de matéria e forma, que compete pela possibilidade de movimento. Matéria e forma constituem uma unidade íntima no ser vivo.

 

 

 

 

 

 

 

«Noutro sentido entende-se derivar do composto de matéria e forma, assim como as partes derivam do todo, (…) Ademais, entende-se no sentido de que a forma provém de suas partes: por exemplo, o homem (…). De fato, a substância composta provém da matéria sensível, enquanto a forma provém da matéria da forma (…). Demonstramos e esclarecemos em outro livro que ninguém produz ou gera a forma; o que é produzido é o indivíduo e o que é gerado é o conjunto de matéria e forma (…). De facto, poder-se-ia considerar só a natureza como substância nas coisas corruptíveis» (Aristotele 2002:253.379).

 

A alma é concebida como uma forma dessa unidade; não é algo material presente no corpo, é antes o começo da vida de um corpo «de facto, a alma, na qual reside originariamente a vida, é uma parte do homem» (Aristotele 2002:245). Em correspondência com as várias configurações de vitalidade, diferentes faculdades da alma são dadas, tais como a faculdade nutritiva (Aristotele 1991:140), a faculdade apetitiva e a faculdade sensitiva (Aristotele 1991:190). No entanto, essas faculdades destacadas pela biologia não dizem respeito ao homem como homem, porque elas também são animais (Aristotele 1991:145). Ao contrário dos animais, o homem participa da razão, que, no entanto, não é algo especificamente humano. Ela compete principalmente com a divindade. Neste ponto, o homem se torna o objecto da teologia, uma vez que devemos nos voltar para ele para compreender a essência da razão.

O homem ao nível de deus?

O homem é, portanto, um ser intermediário (Aristotele 1973:290): ele não é uma entidade única como o deus e o animal. Como criatura viva, isto é, como um ser animado, o homem não é essencialmente distinguido do animal, não apenas por sua forma corporal, mas também por suas atividades elementares, como a busca por comida, reprodução e movimento. A razão, por outro lado, como determinação do divino, não tem nada em comum com as características da vida natural. Deus é colocado além da natureza, isto é, não é caracterizado pelo movimento (Aristotele 2002:565). A razão humana, ou mais precisamente a razão do homem, nunca é razão pura como a razão divina. Na totalidade de seu ser, o homem é e continua sendo um ser vivo e, como tal, ele está subjacente às leis do que é orgânico. O homem não pode, portanto, continuamente pensar como um deus pensa, estando ligado ao ritmo biológico da vigília e do sono (Aristotele 2002b:329).

A alma e a razão

Também no homem, no entanto, a razão, em quanto tal, diz Aristóteles, não pode entrar adequadamente nas conexões biológicas. Para não afetar a liberdade essencial da razão como tal, Aristóteles, portanto, coloca uma clara diferença entre alma e razão no homem: a razão aproxima o homem do exterior e permanece transcendente à conexão vital; é imortal, ao contrário da alma individual que, no momento da morte, perece junto com o único ser vivo do qual é apena a forma determinante.

Teoria do conhecimento

Com a separação clara da alma (άπόλυσις), ou mais precisamente do ser vivo, da razão, Aristóteles também enfatiza o outro aspecto fundamental, o da interdependência das duas determinações, e isso tanto na sua teoria do conhecimento quanto na sua ética. O conhecimento apresenta diferentes graus: a razão pressupõe o nível inferior de conhecimento, o nível no qual as imagens sensíveis estão ligadas à entidade. A actividade da razão consiste em elevar essas imagens sensíveis, colocando-as para si e conectando-as umas com as outras, para que possam ser expressas como tais em sua pureza. Mas, como nessa atividade a razão pressupõe a atividade da percepção e da imaginação, não é a razão divina. Aristóteles fala neste contexto de 'razão da alma' e a contrasta com a razão como 'separada'. Essa razão, da qual o homem participa, é justamente por direito próprio e impassível (Aristotele 1991: 125, 408b). Quanto à ética, Aristóteles distingue três partes da alma: uma parte que é completamente desprovida de logos (vida vegetativa), uma parte que possui o λόγος  (razão) e uma parte mista, que não é racional, mas ele pode ouvir a razão. A ética tem apenas a ver com essa terceira parte; seu propósito é de fato adaptar o apetite à razão através do hábito, e levar a agir eticamente (Aristotele, 2008:483).

 

3.3 Antropologia Grega

O pensamento grego é um pensamento objetivo, isto é, dirigido ao mundo, κόσμος, 'universo'. Busca a fundação e as leis da realidade, entendidas predominantemente como uma realidade natural, em que o homem, no entanto, ocupa um lugar central, pois percebe-se que há uma ordem gradual de ser, que das coisas desprovidas de vida atinge os caminhos. ser e trabalhar com o espírito.

O homem na filosofia grega

O homem é concebido como uma parte da natureza, pertencente à esfera da 'física', isto é, das coisas sujeitas ao devir e à mudança. Mas deste mundo ele é distinguido por sua 'alma' (ψυχή), em que nele todos os graus de existência e vida estão conectados em uma unidade superior: o homem é o centro unificador, o 'microcosmo' (Democrito 2007:109), porque todo o universo é refletido nele. O homem é, portanto, a sua alma: essa convicção está presente até mesmo nos primeiros pensadores gregos, embora chegue a uma formulação explícita apenas com Sócrates (Senofonte 2013:23-24) e depois, como vimos, ainda mais com Platão e Aristóteles.

O pensamento

Mesmo se os filósofos pré-socráticos estão preocupados em sua busca para capturar o άρχή  de tudo (Lami 1995:126), eles estão conscientes de que ainda é o homem que coloca a questão: Thales, Anaximandro, que dá uma explicação antropomórfica para cada transformação e perecimento das coisas, Heráclito, segundo o qual o que distingue o homem é a percepção do λόγος, ou do significado e da lei do mundo, e finalmente Parmênides (Capizzi 1975:35-36), que considera o homem caracterizado pela faculdade do pensamento (noein) com o qual domina todo o ser e o acontecimento mundano. O λόγος  ou νους gradualmente se tornam os conceitos fundamentais da autocompreensão humana: o homem é entendido em primeiro lugar (não exclusivamente!) como ser racional (zoøn logikon). Com o advento do sofista, o homem, situado numa ordem objetiva e certa do mundo, é colocado pela primeira vez em questão, como o ceticismo sobre o conhecimento da verdade, com o consequente subjetivismo e relativismo: πάντων χρημάτων μέτρον άνθρωπον είναι  (o homem é a medida de todas as coisas ): (Protágoras 1955:177). Ele muda a ênfase para o próprio homem e não mais para o mundo no qual se encontra. Sócrates fará essa mudança de interesse, mas superando a posição cético-relativista do sofista, através do conceito de racionalidade do homem, considerado no aspecto relativo às normas e aos valores morais: o homem, com seu comportamento prático-moral, está intimamente ligado à verdade eterna, imutável e universalmente vinculativa.

 

 

 

 

 

 

 

«Que opinião fazes do conhecimento? Ajuízas a esse respeito como os demais homens, ou por modo diferente? A grande maioria dos homens pensa do conhecimento mais ou menos o seguinte: que não é forte, nem capaz de guiar, nem de comandar; não cogitam dele nessas conexões, sendo, pelo contrário, de parecer que muitas vezes, embora seja o homem dotado de conhecimento, não é governado por ele, mas por qualquer outra coisa, ora pela cólera, ora pelos prazeres, ora pela dor, algumas vezes pelo amor, e muito frequentemente pelo medo, e consideram o conhecimento mais ou menos como um escravo que se deixa arrastar por tudo» (Platone 1980:95)

 

Esta intuição socrática será retomada por Platão, que lhe dará um 'arranjo teórico' através da descoberta do mundo inteligível como fundamento ontológico do sensível.

 

 

 

 

 

 

 

«O conceito de ψυχή é sem dúvida um dos mais fortes e influentes criados pelo pensamento dos gregos. Platão certamente deve muito a Sócrates neste ponto, mas ele expandiu consideravelmente a concepção socrática e fundou-a no plano metafísico com a descoberta da realidade meta-sensível que ele fez, e consagrou-a definitivamente para o Grécia e ocidente» (Reale 2009:71).

Pode-se dizer, em conclusão, que o pensamento grego fez uma contribuição muito valiosa para a compreensão do homem, captando seu aspecto espiritual e, assim, distinguindo-o do resto do mundo natural, mas reduzindo a essência ou natureza de seu próprio mundo natural. do homem para a sua 'alma', para a faculdade cognitiva ou intelectual, questionando assim a alma e não o homem como um todo, de modo que mais do que uma 'atropoeologia' é apropriado falar de um 'psicopata'. Língua grega. Além disso, foi corretamente observado que o texto mais importante da antiguidade clássica sobre o homem, que devemos a Aristóteles, é intitulado Περί ψυχή: A alma, e não o homem:

 

«Parece também que o conhecimento da alma contribui muito para a verdade em todos os campos, e principalmente para as pesquisas sobre a natureza, visto que a alma é como o princípio dos animais. Pretendemos considerar e conhecer a sua natureza e essência e, posteriormente, todas as características que lhe pertencem» (Aristotele 1991:109).

 

4. Antropologia filosófica medieval

 

4.1 Renasce o pensamento antigo

O pensamento cristão-medieval sobre o homem não é um mero renascimento do pensamento antigo, nem uma simples adaptação disso para aquilo. A contribuição decisiva dada pela revelação cristã à concepção do homem é uma autêntica descoberta do homem, ao contrário de um humanismo como o clássico, impregnado do naturalismo. É somente com o cristianismo que o homem emerge como um valor original, que não consiste principalmente em sua participação em uma essência humana universal, mas na realização dessa essência em sua própria singularidade existencial, uma compreensão que envolve o indivíduo com sua própria responsabilidade pessoal, e faz dele uma pessoa, embora neste compromisso a ação de Deus entre imediatamente, no pensamento grego o espírito foi ordenado ao que é universal e necessário, com a consequente desvalorização de todo o ser intramundano. O que está sujeito às mudanças não é um verdadeiro objeto de conhecimento.

Dimensão histórica

A importância da dimensão histórica do homem é, portanto, em grande parte desconhecida. Essa dimensão irá adquirir o lugar que compete por ela, refletindo sobre o homem apenas com a Revelação. Mais do que alma, espírito, ser conhecedor, o homem é concebido como um ser histórico, isto é, apanhado em sua história, onde por história nos referimos ao lugar do diálogo e do encontro de Deus com o homem: a história é a história da salvação. O apelo de Deus determina a natureza daquele que é chamado e aquele que é chamado é sempre esse homem. Do ponto de vista teológico, esse é o problema da relação entre a graça divina e a liberdade humana. O problema da graça e da liberdade ou da posição concreta da criatura diante de Deus torna-se o problema antropológico da reflexão cristã. Com o cristianismo, o homem não é mais concebido apenas como um animal dotado de razão (cf. Aristóteles 1955:61), mas também como pessoa, uma noção desenvolvida afinal em um contexto teológico, mesmo antes de um pensamento filosófico e histórico, e nem mesmo Então, como ser simplesmente natural.

 

4.2 Aurélio Agostinho

A antropologia de Santo Agostinho é decisiva nesse sentido. Na teologia latina eram recorrentes estas expressões: susceptus homo, acceptus homo, assumptus homo com o significado de homem tomado, revestido ou assumido por Deus (Santo Agostinho 1994:574). A natureza humana, num ser concreto e singular era tomada, revestida e assumida por Deus. A palavra “assumiu” e outras equivalentes são empregadas apenas como metáforas, duma união pessoal e intima. Agostinho distingue o homo interior do homo exterior (Santo Agostinho 1994:151) e o homo novus do homo vetus (Santo Agostinho 1994:377). O velho é o único separado de Deus e o novo homem é aquele convertido por Deus para com Deus, o homem velho é o homem externo que possui um corpo e que em razão deste ser corpóreo está ligado à temporalia e à carnalia . Pelo contrário, o novo homem é o homem interior caracterizado pela temperança e sabedoria. Ele está em relação com Deus, que converteu o homem mostrando-se como o ser autêntico e atraindo o homem para si mesmo. Ambas as subdivisões são determinadas pelo contraste entre 'naturalidade' e 'liberdade'. O homem que existe como homo vetus e homo exterior está ligado ao mundo; o relacionamento constante com o mundo é de certa forma pré-atribuído e parece 'natural' para ele. Mas, em termos cristãos, essa naturalidade é a da natureza caída, um estado de corrupção resultante da liberdade (Santo Agostinho 1994:379). Por outro lado, homo interior e homo novus não são algo dado. É a partir de sua interioridade que o homem deve realizar-se e isso significa que ele é realizado apenas em seu relacionamento com Deus, ou seja, em ouvir o chamado de Deus. O caminho para Deus é uma ascensão de baixo para cima, do transitório e terrestre para o que é imperecível e celestial, do corpóreo para o espiritual. Até mesmo a entidade mundana está relacionada a Deus e, como é uma entidade criada por Deus, apresenta sua própria ordem. O homem entende essa ordem em sua totalidade e em seus detalhes, mas somente se relaciona o mundo a Deus e entende Deus como Deus, embora Santo Agostinho admite que a compreensão do mundo exterior só é adequada se o espírito se tornar essencial em relação a Deus, que como criador e conservador abraça tanto o mundo quanto o Ego, o que se tornará dominante para a tradição subseqüente é a convicção de que o homem deve separar-se do mundo para ser verdadeiramente humano, como seu caminho. para Deus é o reditus in se ipsum que, como tal, é guiado por Deus (cf. Sant’Agostino 1994:72). Em sua reflexão sobre si mesmo, o espírito é entendido como finito; isto é, inclui que o cumprimento do homem consiste em ir além de si mesmo em direção à origem divina, já que tudo que é finito necessariamente se refere ao infinito como o positivo no qual sua existência é baseada (Agostino 2001:628). Nesse movimento de transcendência, o espírito realiza a ordem hierárquica por si mesmo. Mas este facto significa que no espírito existe agora a possibilidade de uma separação do mundo externo. O mundo é assim idealmente entendido no espírito, isto é, na dimensão da essência. Assim, o homem adquire a consciência da responsabilidade na construção do mundo, impedido apenas pela convicção de que é o próprio Deus quem faz o sujeito conhecedor pensar dentro de si, ou em sua memória, o mundo externo em sua forma pura e essencializada (Agostino 2018:841). Nesta consciência do homem de responsabilidade na construção do mundo, surge a ideia de historicidade. A perspectiva de uma historicidade dotada de sentido e uma dimensão pessoal da liberdade com que o indivíduo se apropria desse sentido são, no contexto filosófico próprio, a novidade real e decisiva que o pensamento cristão trouxe ao homem. Historicidade e liberdade são aspectos que se opõem substancialmente às categorias de necessidade (ανάγκη ) e destino (moira), típicas da cultura grega, mesmo que sejam desenvolvidas sistematicamente e refletidas apenas com a virada moderna em direção à subjetividade

 

 

 

 

 

 

 

«Com efeito, a inflexível Necessidade o prende nas amarras do limite, que o circunda em tudo, pois está estabelecido que o ser não é sem plenitude: de facto, nada lhe falta; se, por outro lado, fosse, faltaria tudo. O mesmo é pensar e aquilo por que é pensamento, porque sem o ser em que se expressa não encontrarás o pensamento. Na verdade, nada mais é ou será diferente do ser, uma vez que o destino o obrigou a ser um todo e imóvel» (Parmenide 2001:53).

 

4.3 Antropologia Medieval

É preciso reconhecer que na especulação cristã primitiva e na Idade Média o que caracteriza a historicidade do homem ainda não é a consciência de sua responsabilidade para com o mundo, mas sim a dialética de sua condição: de um lado, o homem medieval conhece a si mesmo ferido em sua natureza por causa do pecado   original, (Maritain 2001:35) mas não substancialmente corrompido:

«homo viator, do homem em marcha, em viagem permanente nesta terra e na sua vida, que são o espaço/tempo efémeros do seu destino e onde ele caminha, segundo as suas opções, para a vida ou para a morte — para a eternidade (…) Aceitar ou recusar a graça que o salvaria, ceder ou resistir ao pecado que o condenaria, compete ao homem, que age segundo o seu livre arbítrio. Sem a participação das ajudas espirituais de que voltarei a falar (a Virgem, os santos), o homem é o local da batalha em que se empenham, para a sua salvação ou para a sua condenação, os dois exércitos sobrenaturais, prontos, a cada’ momento, para o agredir ou socorrer: os demónios e os anjos» (Le Goff 1989:11-12).

 

Por outro lado, ele está ciente de ter sido criado para um propósito sobrenatural, que é alcançar a própria vida de Deus, que ele já pode experimentar aqui através da graça santificante. Na Idade Média, todas as coisas, incluindo o homem, eram consideradas do ponto de vista de Deus, o homem e todos os problemas ligados a ele, como a liberdade, a historicidade, o objetivo final, etc., que também eram sentidos. muito fortemente na Idade Média, eles não foram considerados por si mesmos, através do conhecimento científico. A Idade Média tinha um profundo e trágico senso da natureza do homem, de sua liberdade, de sua condição pecaminosa, de sua grandeza e miséria, mas tudo isso era vivido, mais do que consciente, que é mais que um objeto de conhecimento refletido, mesmo se não se deve acreditar que a Idade Média conhecia o homem apenas em termos de problemas soteriológicos e em seu relacionamento com Deus, e não em si mesmo, mesmo que não no sentido moderno que é atribuído ao termo 'reflexão '.

 

 

 

 

 

 

«As dinâmicas da sociedade e da civilização medievais são o resultado de várias tensões: entre Deus e o homem, entre o homem e a mulher, entre a cidade e o campo, o alto e o baixo, a riqueza e a pobreza, a razão e a fé, a violência e a paz. Mas uma das principais tensões é aquela que se estabelece entre o corpo e a alma, e ainda mais dentro do próprio corpo» (Le Goff 2005:5).

Também no pensamento cristão medieval, como no pensamento grego, em virtude de sua razão (ratio), o homem tem no mundo uma posição única, privilegiada e singular. Ele é o centro do cosmo, no qual todos os graus de ser unificam-se; em todo o ser ele goza de uma posição metafísica inconfundível, ele está inserido em uma ordem objetiva e universal de ser, que no entanto não é algo eterno e imutável, como para os gregos, mas é fundada em Deus, que é o Ser absoluto e infinito.

5. Antropologia filosófica moderna: de Descartes a Hegel

 

5.1 O homem na Reforma Protestante

Com a dissolução da Idade Média e suas formas 'sacras', procedemos a uma 'reabilitação' antropocêntrica, que, passando pelo Renascimento humanista, culminará dramaticamente na Reforma Protestante. Essa reabilitação começou quando o pensamento metafísico e sistemático da escolástica entra em crise e se torna problemático e se transforma, com o nominalismo da baixa Idade Média, em um pensamento empírico-crítico. O homem deixa de ser considerado como parte de um todo orgânico de ser e, ao contrário, é considerado em si mesmo .

«Com o Renascimento surge um conceito dinâmico do homem O indivíduo passa a ter a sua própria história de desenvolvimento pessoal, tal como a sociedade adquire também a sua história de desenvolvimento. (...) A relação entre o indivíduo e a situação torna-se fluida o passado, o presente e o futuro transformam-se em criações humanas É neste momento que a liberdade' e a 'fraternidade* nascem como categorias ontológicas imanentes O tempo e o espaço humanizam-se e o infinito transforma-se numa realidade social» (Heller 1982:9).

 

O humanismo renascentista se volta para o homem deste mundo e, portanto, tem um ponto de virada do sobrenatural para o natural, da transcendência para a imanência. A era renascentista é uma época de otimismo fundamental, em que surge um novo sentimento de vida, em que o homem 'progressivamente' se descobre, emancipando-se de uma ordem pré-estabelecida e iniciando a maravilhosa jornada da ciência, preservando ao mesmo tempo sua fé em Deus.

«O tempo e o espaço humanizam-se e o infinito transforma-se numa realidade social. Mas por muito dinâmico que o homem possa ser na sua interacção com a história, antropologicamente ainda é eterno, genérico e homogéneo. O homem cria o mundo, mas não recria a humanidade; a história, a «situação», mantém-se externa a ele» (idem).

 

 Com a Reforma Protestante, a reabilitação antropocêntrica é invertida, com o resultado que, paradoxalmente, coincidirá com a Renascença: a iniciativa ainda é para o homem. O otimismo do homem da Renascença contrasta com o pessimismo do homem da Reforma, mas os resultados para os quais ambos são recebidos são os mesmos.

 

 

 

 

 

 

«Tal é a dialética e a tragédia da consciência protestante, com seu admiravelmente ardente e doloroso, mas puramente humano, obscuramente humano senso de miséria e pecado humanos. A criatura declara seu nada. Mas é ela mesma quem o declara, e para si mesma. O homem é uma corrupção em andamento; mas esta natureza irremediavelmente corrompida clama a Deus; e o mesmo acontece com o homem, seja o que for, a iniciativa do choro» (Maritain 2001:42).

Aquele homem contrasta sua liberdade com Deus, até a extrema consequência de uma liberdade sem graça (humanismo) ou aniquila-se diante de Deus, até a extrema consequência da graça sem liberdade (protestantismo), para os propósitos de uma total «reabilitação» do homem não há uma grande discriminação entre uma pessoa e outra. Neste mundo cabe ao homem, e somente a ele, construir seu próprio destino, fazer o que no passado foi atribuído somente a Deus, através do conhecimento de que engloba a si mesmo, seja no próprio agir como também no desvendar e perceber o funcionamento das leis do cosmos.

 

 

 

 

 

 

«o homem curvado, aniquilado por decretos despóticos. Mas o predestinado tem certeza de sua salvação. É por isso que ele está disposto a enfrentar tudo aqui e se comportar como o escolhido de Deus nesta terra; suas exigências imperialistas (para ele, um homem substancialmente manchado, mas salvo; sempre enegrecido pelo pecado de Adão, mas escolhido por Deus) não terão limites; e a prosperidade material aparecerá para ele como um dever de seu estado» (Maritain 2001:43).

Graça e Liberdade

O que está presente aqui é o problema da Idade Média e do pensamento cristão em geral: a relação entre graça e liberdade, cuja solução dual leva o homem a uma descoberta antropológica radical que caracterizará toda a era moderna. O que caracteriza a era moderna é, na verdade, o ponto de virada para o 'sujeito'. O problema da era moderna não é mais de natureza ontológica, como na antiguidade grega e na Idade Média, mas de natureza epistemológica: estabelecer um certo conhecimento a partir da imanência da subjetividade.

O Espírito

Com isso, temos uma profunda mutação do homem-imagem. No início da era moderna, a concepção fundamental que permeia toda a especulação ocidental de Platão em diante é radicalmente radicalizada: agora não dizemos mais que o homem é espírito e que isso lhe pertence como sua própria determinação essencial, mas aquilo que é espírito só pode ser conhecido através de uma auto-reflexão com a qual o homem se torna consciente de seu próprio ego. O homem se torna o ponto seguro procurado pelos filósofos para estabelecer um certo conhecimento, após a dissolução da Idade Média e o colapso de dois 'mitos', o primeiro pela Reforma, o segundo pela revolução copernicana: com a Reforma a mito da unidade da única fé, da única Igreja; com a revolução copernicana, o homem não está mais no centro de um mundo claramente ordenado que pode ser abraçado em sua totalidade. Tendo assim regressado dentro de si mesmo, o homem busca em si próprio a sua própria essência e o significado de sua existência.

 

 

 

 

 

 

«Acontecerá sempre, no entanto, na ordem ética e prática, que a liberdade - qualquer que seja o substituto ao qual seja especulativamente reduzida - é para o homem uma reivindicação e um privilégio que ele realiza e triunfa por si mesmo. De agora em diante, é sua única responsabilidade cumprir seu destino, intervir como um deus (por um saber dominante que se absorve e supera todas as necessidades) na condução de sua própria vida e no funcionamento da grande máquina do universo, entregue ao determinismo geométrico» (Maritain 2001:47).

 

Mas o ponto central do pensamento moderno é o sujeito e não o homem, ou melhor, o homem entendido apenas como sujeito: o interesse epistemológico prevalece sobre o interesse antropológico. O homem não é o centro de uma ordem objetiva do ser, mas de um mundo subjetivo de conhecimento. Nisto reside a diferença entre a posição antiga e a moderna em relação ao homem: a alma (ψυχή) dos gregos e o pensamento (Cogito) dos modernos não são a mesma coisa. O primeiro é explicado a partir do cosmos (κόσμος), o segundo explica o cosmo a partir de si mesmo.

 

5.2 René Descartes

Segundo Descartes, é mais fácil conhecer o espírito humano do que o corpo e esse fato está fundado na essência e na natureza desse mesmo espírito. O espírito, na verdade, não deve ser descrito de fora, como o corpo, porque se torna consciente disso em seu próprio ato de pensamento .

«Então você finalmente descobre o que pensa. O que, para dizer a verdade, não deve ser negado; Resta, porém, provar que a capacidade de pensar está tão acima da corporeidade que não há espírito, nenhum outro corpo ágil, puro e tênue capaz de adquirir alguma disposição pela qual se torne capaz de pensar.» (Descartes 2012:1033).

 

Descartes determina a alma e o corpo como substâncias, isto é, como entidades que podem existir por si mesmas. Mas a alma e o corpo são apenas substantiae finitae e, como tal, dependem de Deus, a substantia infinita, que mantém ambas as substâncias finitas. No entanto, a substância pensante e a substância corpórea não têm nada a ver uma com a outra, são opostos puros e suas características são mutuamente exclusivas. A antropologia cartesiana é, portanto, caracterizada por uma abordagem dualista.

 

 

 

 

 

 

«Mas percebemos claramente a mente, isto é, a substância pensante, sem corpo, isto é, sem qualquer substância extensa; e, inversamente, o corpo sem mente (como todos facilmente admitem). Portanto, pelo menos em virtude do poder divino, a mente pode estar sem corpo e o corpo sem mente. Agora, porém, as substâncias que podem ser uma sem a outra realmente se destacam. Mas a mente e o corpo são substâncias que podem ser uma sem a outra. Assim, a mente e o corpo realmente diferem» (Descartes 2012:903).

 Mas, ao lado da determinação espiritual do pensamento, Descartes coloca outra possibilidade pela qual eu 'sei' sobre mim mesmo: é a experiência de mim mesmo pela qual entendo que sou um espírito ligado ao corpo. Como espírito, eu formo com meu corpo um unum quid, algo unitário. Essa experiência do eu é, para Descartes, um fenômeno essencial. Isso significa que a afirmação de que espírito e corpo não teriam nada a ver um com o outro deve ser limitada pela reivindicação do espírito de dominar o corpo, isto é, pela necessidade de o espírito pensante ser o princípio no homem. inconfundivelmente dominante.

«Mas percebemos claramente a mente, isto é, a substância pensante, sem corpo, isto é, sem qualquer substância extensa; e, inversamente, o corpo sem mente (como todos facilmente admitem). Portanto, pelo menos em virtude do poder divino, a mente pode estar sem corpo e o corpo sem mente. Agora, porém, as substâncias que podem ser uma sem a outra realmente se destacam. Mas a mente e o corpo são substâncias que podem ser uma sem a outra. Assim, a mente e o corpo realmente diferem» (Descartes 2012:1135).

 

 O espírito deve ser o eu que é determinado por si mesmo e, desse modo, é capaz não apenas de não se submeter às afeições concretas que vêm do corpo e pressioná-lo, mas, por sua vez, dar ordens ao corpo. Por esta razão, Descartes distingue as 'paixões da alma ' das 'ações da alma': paixões (admiração, ódio, amor, desejo, alegria e tristeza) afetam a alma na medida do ao qual, na totalidade do homem, é influenciado pelo corpo e, através dele, pelo resto do mundo; as ações, ao contrário, são o oposto das paixões, porque são processos voluntários. No entanto, a vontade tem seu ponto de partida em mim mesmo.

«Também considero que não percebemos que existe algum sujeito que atua mais imediatamente sobre nossa alma do que o corpo ao qual está unida, e que conseqüentemente devemos pensar que o que é uma paixão nela é geralmente uma ação no corpo, de modo que não há melhor maneira de conhecer nossas paixões do que examinar a diferença que se passa entre a alma e o corpo, para saber qual dos dois devemos atribuir a cada uma das funções que estão em nós (...) testamentos são de dois tipos. Na verdade, algumas são ações da alma que terminam na mesma alma, como quando queremos amar a Deus ou geralmente aplicar nossos pensamentos a algum objeto que não é material. As outras são ações que terminam no corpo, pois quando o simples fato de querermos caminhar, segue-se que nossas pernas se movem e caminhamos» (Descartes 2012:2335.2351)

 

A vontade em si consiste, como tal, na liberdade de fazer ou não fazer alguma coisa. Descartes considera a vontade como um bem supremo, porque não é condicionada pelas paixões e pelo corpo. A autodeterminação deve ocorrer como domínio sobre o corpo. No nível antropológico, a influência de Descartes é dupla. Em primeiro lugar, o dualismo da alma e do corpo torna-se o dogma fundamental da filosofia seguinte. Em segundo lugar, a primazia da subjetividade é cada vez mais enfatizada: como um ser racional, o homem pode determinar a si mesmo e na autodeterminação, em que pensamento e vontade estão intimamente unidos, a possibilidade é fundada que o homem dissolva os laços que o ligam ao mundo e que derivam essencialmente de impulsos. Essa mudança em direção à subjetividade autodeterminante encontrará sua realização na filosofia transcendental e na metafísica especulativa que é sua consequência. A tese fundamental é esta: o homem é superior ao mundo, em que ele é capaz de constituir o mundo como uma ordem racional e precisamente nisso ele demonstra que sua razão e a razão do mundo são idênticas. Spinoza preparará o caminho para essa abordagem filosófica.

 

5.3 Baruck Spinoza

Também em Spinoza está em vigor o pressuposto óbvio que subjaz à filosofia de Descartes: o homem pode superar suas afeições, como o detentor da razão, e pode se determinar a partir da razão divina que governa tudo. Em Spinoza, a tendência que caracteriza o desenvolvimento da antropologia metafísica surge claramente: a superação da finitude humana: bisogna cercare quello che ci apre all’infinito, solo così saremo liberi dala schiavitù di ciò che ci condiziona. Si tratta di rompere con i confini e i limiti invalicabili della nostra esistenza per essere finalmente liberi .

 

 

 

 

 

 

 

«Portanto, concluo, de acordo com seus argumentos, que extensão infinita, pensamento infinito e outros atributos infinitos (ou, como você diz, substâncias) não são outros senão os modos deste ser único e eterno, infinito, existindo por si mesmo; e de todas essas formas, como eu disse, estabelecemos um Único e uma Unidade, fora da qual nada pode ser concebido» (Spinoza 2014:215)

Immanuel Kant

Mesmo por Kant, a razão humana tem uma primazia incondicional, mas ele tenta teoricamente basear essa primazia não em uma metafísica do supersensível, mas conectando-a com a moralidade. O homem deve comandar a si mesmo em um sentido prático, agindo de acordo com a razão: a razão é de fato a capacidade de reconhecer em uma dada situação, com objetividade distanciada dos impulsos , as melhores possibilidades para o homem e realizá-las de maneira consistente com esse conhecimento.

 

 

 

 

 

 

 

«Portanto, só a razão, enquanto determina o valor para si (e não enquanto a serviço de inclinações), é uma verdadeira faculdade superior do desejo, à qual está subordinada a faculdade patologicamente determinável; e é realmente, especificamente diferente deste último, de modo que mesmo a mais leve mistura de impulsos desse tipo mina sua força e privilégio, bem como o elemento menos empírico, que é uma condição de uma prova matemática, degrada e aniquila o sua dignidade e sua eficácia» (Kant 2017:47).

Hegel

Mas será somente no sistema de Hegel que o desenvolvimento do pensamento ocidental, que tende a conceber o homem como depositário da razão, terminará. Por um lado, Hegel radicaliza o pressuposto da tradição segundo o qual o homem é um ser que é determinado pela razão, negando assim qualquer diferença entre finitude e infinito. Por outro lado, no entanto, Hegel considera bastante óbvio que o homem não pode existir sem o corpo, assim como ele considera bastante óbvio que ele possui tudo no sentimento antes no pensamento. Mas esses estágios anteriores devem necessariamente tornar-se irrelevantes em vista da determinação do homem como espírito. A consideração genética de Hegel, isto é, a convicção de que o mais alto grau é de tempos em tempos o que o desenvolvimento anterior visa, é guiado por uma concepção teleológica. Razão , entendida como mediação, não é uma determinação externa que é submetida a este processo.

 

 

 

 

 

 

«Na verdade, a realidade espiritual do homem reside em saber em que consiste a sua essência, ou seja, na razão, para que a razão tenha uma existência objetiva e imediata para ele; só assim o homem tem consciência, só assim ele se insere nos costumes, na vida jurídica e moral» (Hegel 2003:35)

 A racionalidade é imanente na própria realidade. O homem está neste processo e só a partir de si mesmo ele aprende o que ele é, isto é, o ser que é capaz de perceber a sua essência, da naturalidade ao espírito.

 

 

6. A questão do Homem: de Feuerbach a Nietzsche

 

6.1 Espírito Absoluto

O desenvolvimento da antropologia metafísica dos gregos para Hegel é caracterizado pela suposição de que o homem é o depositário da razão ou, mais precisamente, que o homem é um ser que deve colocar o espírito como princípio normativo. A espiritualização é a verdadeira tarefa do homem. A possibilidade de cumprir essa tarefa baseia-se no fato de que espírito e razão são as forças determinantes tanto na totalidade do ser, como no sistema hierarquicamente organizado, como no homem individual.

«Só do exame da própria história do mundo terá de emergir que esta procedeu de forma racional, isto é, que a história foi o caminho racional e necessário do espírito do mundo, daquele espírito que, por natureza, é sempre idêntico a si mesmo, mas que revela sua natureza idêntica na existência mundana» (Hegel 2003:11)

 

 Esta abordagem tradicional é invertida após a morte de Hegel: razão e espírito são privados de sua primazia, eles não aparecem mais como as forças mais poderosas. A força mais efetiva agora reside no elemento do corpo e no nível dos impulsos. Este destronamento do espírito é o elemento que caracteriza a evolução filosófica do século XIX.

 

 

 

 

 

 

«É verdade que, reunindo na matéria, o corpo não tem mais um mundo, mas também o mundo que ele habitou não era seu, mas do espírito. A ideologia da alma, como a vimos em várias ocasiões, sempre serviu para roubar sua terra ao corpo, para um além do qual, segundo Nietzsche, 'foi inventado para melhor caluniar Tal di qui'. Para que o corpo recupere seu mundo, ele deve antes de tudo não responder aos apelos do outro mundo e a toda a metafísica que o oprime. Isso, na verdade, só sobrevive da credibilidade que os órgãos, ao se submeterem, lhe conferem. Seu significado se espalha por todo o espaço deixado livre pela ironia do corpo» (Galimberti 2002:473).

É, no entanto, um processo de transformação dentro do qual existem diferenças consideráveis na formulação e que terão sua culminação e realização no pensamento de Nietzsche, no qual já não é o espírito, mas o corpo, o veículo, explicitamente definido como o princípio normativo da vontade. Em contraste com a tradição, a vontade é dissolvida pela razão. É um impulso sombrio, a força original; em termos metafísicos: a coisa em si.

«Na verdade, não nos mundos atrás do mundo e nas gotas de sangue redentoras: mas no Corpo eles também acreditam mais do que tudo, e seu corpo é para eles a coisa em si» (Nietzsche 2010:267).

 

6.2 Feuerbach

Esse processo de transformação começa com Feuerbach, cuja importância para o desenvolvimento da antropologia moderna deve-se, antes de tudo, à sua oposição à teologia e à metafísica especulativa, com a consequente anulação da teologia na antropologia , e, em segundo lugar. lugar, à tese de que o homem é essencialmente determinado não pelo espírito, mas pela sensibilidade.

«que o segredo da teologia é a antropologia, há muito foi provado e confirmado a posteriori pela história da teologia. “A história do dogma” ou, mais geralmente, a história da teologia como tal é a “crítica do dogma”, da própria teologia. A teologia há muito se tornou antropologia» (Feuerbach 1997:7).

 

 Para Feuerbach, a antropologia é a ciência fundamental: por um lado, deve contrastar com a metafísica teológica que existiu até agora; por outro lado, da mesma forma que a metafísica anterior, a antropologia deve mostrar ao homem qual é o significado de sua vida.

«Na primeira parte, portanto, mostro que o verdadeiro sentido da teologia é antropologia, que não há diferença entre os predicados da essência divina e os da essência humana e, consequentemente - desde predicados em toda parte, como acontece sobretudo para os da essência humana propriedades teológicas, não são propriedades aleatórias, acidentes, mas expressam a essência do sujeito, não há diferença entre predicado e sujeito e o predicado pode ser colocado no lugar do sujeito, procedimento para o qual me refiro à analítica de Aristóteles ou mesmo apenas à Introdução de Porfírio -, não há diferença entre o sujeito ou essência humana e o divino que são precisamente identificados» (Feuerbach 1997:16).

 

 Mas isso só é possível se o homem souber qual é o verdadeiro real. Se o homem acaba por ser este verdadeiro real, então ocupa o lugar que antes era de Deus ou do espírito absoluto. Assim, o homem se torna o ens metaphysicum. Assim, Feuerbach expressa o que é o pensamento caracterizador da era pós-idealista como um todo: na filosofia, não devemos partir de Deus, mas do homem, porque somos o que está mais próximo de nós, e não porque pensamos, como Descartes ensinou, mas de uma maneira muito mais imediata.

«O homem racional vive e pensa; integra com a vida a falta de pensamento e com o pensamento a falta de vida, tanto se convencendo teoricamente pela própria razão da realidade da sensibilidade, quanto na prática em que une a atividade vital à espiritual. O que tenho na vida não precisa ser colocado no espírito, na essência metafísica, em Deus - amor, amizade, intuição, o mundo em geral me dá o que o pensamento não me dá, não pode me dar, mas não me dá. não deve nem dar» (Feuerbach 1997:304).

 

Esse imediatismo é encontrado na sensibilidade, o que Feuerbach não pretende como uma mera determinação teórico-cognitiva, já que no conhecimento de objetos externos através dos sentidos estão em jogo todas as forças humanas. Sensação é uma forma de conhecimento que é em si um totum; isto é, o sujeito é entendido como uma unidade indivisa de conhecer, sentir e querer, e é assim entendido que a realidade é imediatamente suprida em todo o seu significado concreto. Em tal contexto, o problema corpo-alma não é mais um problema. Meu corpo me é dado imediatamente, eu constituo uma unidade com ele.

«Mas o espírito divino é infinito apenas porque não está unido a nenhum corpo, e o espírito humano é finito porque está unido a um corpo, à matéria. O espírito com o corpo é e se chama homem, o espírito sem corpo é e se chama Deus. Se não entendemos ou não queremos entender que entre o espírito ou alma do homem e aquela alma que tem o nome de Deus não há outra diferença que a que acabamos de mencionar, a explicação disso - pelo menos na medida em que se trata apenas de ser e não de querer, de metafísica ou psicologia e não de moralidade - deve ser buscada no fato de que, sem que tenhamos consciência disso, a sensibilidade é \u0027sempre se insinua entre a alma e a divindade; que o homem não sai e nunca pode perder realmente a sensibilidade, isto é, do vínculo da alma com o corpo, que ele como espiritualista abole, na imaginação e no pensamento, com o conceito de alma; em suma, ele substitui sua alma pelo homem sensível - em suma, ele conecta o sensualismo ao espiritualismo por meio de sua imaginação» (Feuerbach 1993:137)

 

Segundo Feuerbach, a distinção do animal não se baseia no mero pensamento, mas em toda a essência do homem. A sensibilidade no animal é de fato particular, no homem é universal e, como tal, inclui em si mesma tanto a espiritualidade quanto a liberdade que permite ao homem não se comportar como um animal. Que a sensibilidade do homem deve certamente incluir espiritualidade e liberdade é obviamente questionável; Feuerbach , por sua vez, não se preocupa em provar isso e ingenuamente fala disso como um simples fato.

«Quanto mais o homem está presente para si mesmo com o seu coração e mente, tanto mais ele não permitirá voluntariamente que seu cérebro seja explantado da teologia para abrir espaço pela força para a interferência e influências da revelação, mas, pelo contrário, protestará vigorosamente contra esta mutilação bárbara do homem» (Feuerbach 2010:203)

 

Pode-se dizer, portanto, que mais do que em sua interpretação do homem a partir do princípio da sensibilidade, a importância e a influência de Feuerbach consistem na tese de que o homem não é mais pensado teologicamente a partir de Deus, mas antropologicamente a partir de si mesmo. Esta tese se tornará uma premissa óbvia e reconhecida no final do século XIX.

 

6.3 Karl Marx

Marx proporá o conceito de praxis produtiva como a superação da abordagem de Feuerbach, tanto para a relação entre homem e natureza quanto para as relações sociais, como fundamento da realidade histórico-social do homem .

 

 

 

 

 

 

«São os homens que produzem suas representações, suas idéias, e assim por diante, para homens concretos, agentes, assim como são condicionados por um dado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelas relações que lhes correspondem até suas formações mais amplas. (...) Portanto, essa concepção de história se baseia nestes pontos: (...) não dá conta da práxis a partir da ideia, mas dá conta da composição de ideias a partir da práxis material» (Marx 2011:348. 371).

A contribuição de Marx, em outras palavras, consiste na ideia de que o homem não se realiza em si mesmo, mas apenas no conflito com o mundo real. Mas então ele baseia-se na dialética de Hegel, e não em Feuerbach, que suprime toda a dialética. Isso significa que em Marx, ao contrário de Feuerbach, o homem é determinado por uma dupla essência: não é algo dado, mas é essencialmente subjetividade que se realiza por si mesma e está, portanto, sujeita à dialética que Hegel desenvolveu, mesmo se então o próprio Hegel interpreta a mediação do espírito como desenvolvimento sem fraturas, como um movimento progressista para a transparência que é produzido sem impedimentos, já que os graus inferiores são os não essenciais.

 

 

 

 

 

 

«o 'choque' do homem com a natureza continua enquanto suas forças produtivas se desenvolverem em bases adequadas. Por sua vez, a indústria e o comércio, a produção e a troca de meios de subsistência influenciam (e são por sua vez influenciados no que diz respeito à forma como são usados) a distribuição, a estruturação das diferentes classes sociais: desta forma o fato de que, por exemplo, Feuerbach vê apenas fábricas e máquinas em Manchester, onde um século antes havia apenas máquinas de fiar e teares manuais» (Marx 2011:385).

6.4 Schopenhauer

Quem, mais do que Marx, que no final permanece essencialmente ligado a Hegel, tira as devidas consequências do desaparecimento da tradicional metafísica da razão é Schopenhauer, que delineia a imagem de um mundo que não é determinado pela razão, mas pela vontade de cuja raiz é o egoísmo .

 

 

 

 

 

 

«Mas se os objetos, conhecidos pelo indivíduo apenas como representações, são, no entanto, como seu próprio corpo, fenômenos de uma vontade: este é, como já foi dito no livro anterior, o real significado da pergunta sobre a realidade de mundo exterior. Negá-lo é o sentido do egoísmo teórico, que precisamente portanto considera todos os fenômenos fora do indivíduo como fantasmas, exatamente como, no aspecto prático, o egoísmo prático o faz, que considera e realmente trata como pessoa apenas a sua própria pessoa, e todos os outros como meros fantasmas. O egoísmo teórico nunca pode ser refutado com evidências; no entanto, pode-se ter certeza de que tem sido usado na filosofia apenas como um sofisma cético, ou seja, para exibição» (Schopenhauer 2011:231).

Meu corpo é o lugar onde eu imediatamente experimento essa vontade contínua. Por um lado, o corpo, o dos outros, mas também o nosso, é o objeto da representação, um material que existe no espaço e no tempo e que pode ser explicado mecanicamente e causalmente; por outro lado, é aquilo que é diretamente conhecido por cada pessoa, que é expresso pela palavra vontade.

 

 

 

 

 

 

«O sujeito que conhece é justamente um indivíduo por essa relação especial com um corpo, que, considerado fora dessa relação, nada mais é do que uma representação igual a todas as outras. Mas a relação, em virtude da qual o sujeito que conhece é um indivíduo, existe, portanto, apenas entre ele e apenas uma de todas as suas representações. Só disso ele está, portanto, consciente não apenas como de uma representação, mas ao mesmo tempo também de uma maneira totalmente diferente, isto é, como de uma vontade» (Schopenhauer 2011:229).

 Schopenhauer tenta provar a tese de que o corpo é a condição objetiva do intelecto, e para isso ele tenta destacar uma experiência pura do corpo, com o recurso à etiologia fisiológica, entendida como conhecimento do exterior, e abordagem materialista. Schopenhauer reduz radicalmente a experiência pessoal do corpo. Essa redução não se manifesta apenas no argumento materialista, mas também na concepção teleológica que se opõe a ela: entre as excitações do corpo e os órgãos objetivos, existe uma unidade final íntima. Ambos os modos de explicação, no entanto, o mecânico e o teleológico, são introduzidos para validar o desenvolvimento objetivo das manifestações da vontade. Ou seja: a vontade não é uma vontade racional, mas é determinada pelo corpo.

 

 

 

 

 

 

 

«o corpo se torna uma representação como todas as outras; o indivíduo conhecedor deve, para se orientar a esse respeito, ou admitir que o que distingue aquela representação única consiste simplesmente no fato de que somente com esta representação única o seu conhecimento reside nesta dupla relação, que apenas deste único objeto intuitivo o conhecimento está aberto de duas maneiras ao mesmo tempo, mas isso não deve ser explicado por uma diferença deste objeto de todos os outros, mas apenas por uma diferença entre a relação de seu conhecimento com este objeto e aquele que ele tem com Todos os outros; ou ele também deve admitir que este objeto é essencialmente diferente de todos os outros, que sozinho está entre todas as vontades e representações juntas, enquanto os outros são mera representação, isto é, meros fantasmas, que portanto seu corpo é o único indivíduo real no mundo, isto é, o único fenômeno da vontade e o único objeto imediato do sujeito» (Schopenhauer 2011:229).

Ao contrário de Descartes, que rompe a unidade humana em favor do intelecto, Schopenhauer a quebra em favor do corpo, trazendo assim os seres humanos de maneira decisiva em relação ao animal em relação à vontade. Mas é a totalidade da realidade em todos os seus graus, segundo Schopenhauer, que é demonstravelmente caracterizado pela vontade. Em uma palavra: todo ser, qualquer que seja seu grau, quer a mesma coisa: autopreservação. Apenas os meios para conseguir isso são diferentes; em si, a vontade que substancia o fenômeno é sempre a mesma. Esta vontade é insaciável porque, uma vez que uma coisa é alcançada, a vontade de possuir não termina, mas já tende a uma coisa nova. Isto significa que a vontade em si, isto é, a vontade como é pura, não tende a qualquer fim, uma vez que os fins são coisas transitórias e mutáveis. A própria vontade simplesmente quer, isto é, quer sem razão. A vontade é a característica essencial da vida e não pode ser rastreada além da vida.

 

 

 

 

 

 

«Ora, se toda ação do meu corpo é um fenômeno de ato volitivo, no qual, segundo certas razões, minha vontade se reflete genericamente e como um todo, isto é, meu caráter; um fenômeno da vontade deve ser também a condição e premissa inevitável de toda ação. Pois o fenômeno da vontade não pode depender de algo que não existe diretamente e somente por meio dela, isto é devido a ela apenas por acaso, de modo que o próprio fenômeno se tornaria simplesmente aleatório: mas essa condição é o corpo todo. O corpo deve, portanto, já ser um fenômeno da vontade, e se comportar diante de minha vontade genérica, - isto é, meu caráter inteligível, do qual meu caráter empírico é um fenômeno ao longo do tempo - como a ação única do corpo se comporta diante de um ato único da vontade. Portanto, todo o corpo não deve ser diferente da minha vontade, que se tornou visível; deve ser minha própria vontade, pois este é um objeto intuitivo, uma representação da primeira classe» (Schopenhauer 2011:235-237).

Eu posso ver porque eu quero isso e não isso, mas eu não posso perguntar por que, em geral, eu quero. Isso nos leva a reconhecer que a determinação essencial da vontade é o egoísmo, isto é, o impulso de existir e sentir-se bem. O egoísmo é a lei primária à qual tudo obedece. Mostra-se já na natureza, porque a natureza é determinada pelo conflito e pela luta. Ao contrário dos animais, o homem é inteligente, mas seu intelecto serve apenas seu impulso egoísta fundamental. Como o homem é capaz de desenvolver reflexões intencionais, seu egoísmo não é regulado apenas pela necessidade, mas cresce em si mesmo: ao lado do egoísmo, que quer seu próprio bem, existe o mal no homem, que ele quer o mal dos outros e atinge a mais extrema crueldade.

«não importa quão infinitamente pequeno no mundo sem limites e quase evanescente no nada, ele se torna o centro do universo, a existência e o bem-estar de uma pessoa devem ser considerados antes de tudo, na verdade, do ponto de vista natural, tudo o mais está pronto para o sacrifício para esta existência; pronto para destruir o mundo, apenas para se manter um pouco mais, o que é apenas uma gota no balde. Essa disposição é o egoísmo, próprio de tudo na natureza. Mas é também o caminho pelo qual o contraste interno da vontade consigo mesma atinge a mais terrível manifestação. Porque esse egoísmo se baseia essencialmente no antagonismo entre microcosmo e macrocosmo: isto é, no fato de que a objetificação da vontade tem como forma o principium individuationis, de modo que a vontade se reflete igualmente em um número infinito de indivíduos; todo e completo sob os dois aspectos (vontade e representação) em cada um deles» (Schopenhauer 2011:649).

 

Mas ambos os impulsos, diz Schopenhauer, brotam da mesma base: a vontade em conflito consigo mesma. Portanto, toda a realidade é fundamentalmente destinada à dor, pois está subjacente à vontade. Ao contrário dos outros seres, o homem conhece a dor e, da consciência dessa dor, surge nele a reflexão filosófica que, segundo Schopenhauer, não se limita a contemplar teoricamente o mundo, mas deve procurar um remédio para a dor, através das possibilidades. como arte, piedade e resignação.

 

6.5 Soren Kierkegaard

A importância de Kierkegaard na história da filosofia, sob o aspecto antropológico, consiste em sua análise da angustia . O que é antropologicamente relevante nessas análises de Kierkegaard é o fato de ele reconhecer o espírito como um espírito concretamente limitado, e isso significa que o espírito é o espírito de um homem que é essencialmente determinado. Mas isso também significa que Kierkegaard reconhece a primazia do espírito, como uma determinação do homem. No entanto, o espírito não é um espírito 'absoluto', não é dissolvido do corpo, é constantemente assediado.

 

 

 

 

 

 

«A realidade do espírito se mostra continuamente como uma figura que tenta a possibilidade, mas assim que ele tenta apreendê-la, ela desaparece; é um nada que só pode afligir » (Kirkegaard 2013:409)

 

E esse assédio gera angústia: a ansiedade surge do contraste entre corpo e espírito. A crença dominante aqui é que a angústia é verdadeira angústia apenas se não for «pura angústia espiritual». O espírito deve, de fato, ser determinado por algo que é verdadeiramente oposto a ele e que é capaz de colocá-lo radicalmente em questão como um espírito, e essa eventualidade é dada apenas em angústia em relação a mim mesmo, na qual a oposição entre espírito e corpo.

«Mostrar como a angústia se manifesta é o ponto em torno do qual tudo se move. O homem é uma síntese entre alma e corpo. Mas a síntese é impensável se os dois elementos não se juntam ao terceiro. Este terceiro é o espírito. Na inocência, o homem não é puramente animal; na verdade, se em qualquer momento de sua vida ele não fosse nada além de um animal, ele nunca se tornaria um homem» (Kirkegaard 2013:413).

 

 A angústia já está ativa na vergonha que o espírito sente por pertencer a um corpo e precisamente a um corpo sexualmente diferenciado, e neste Kierkegaard vê uma prova da pecaminosidade universal: a sexualidade e o pecado, segundo Kierkegaard, são semelhantes.

«Deve-se acrescentar que desta forma não é possível saber nada sobre o significado da sexualidade. Aqui eu volto ao meu antigo ponto de vista, sexualidade não é pecaminosidade; mas se, para falar de uma forma complacente e sem sentido, Adão não tivesse pecado, a sexualidade nunca teria existido como um impulso» (Kirkegaard 2013:467).

 

 É claro que a corporeidade e o fato puro da existência de dois sexos não são a causa do pecado; o agente do pecado é o espírito e precisamente o espírito que se colocou como o oposto do corpo. Nesse sentido, a antropologia de Kierkegaard contrasta com a tradição, na medida em que, para ele, a corporalidade do homem não é nada natural: o corpo é determinado espiritualmente e, como o ser oposto de si mesmo invadido pelo espírito, o espírito também é responsável por essa oposição.

«O espírito, portanto, está presente, mas tão imediato, como um sonhador: na medida em que está presente é, em certo sentido, uma força hostil, porque perturba continuamente a relação entre a alma e o corpo; relação que existe, mas não existe, porque só existe por meio do espírito, mas, por outro lado, é uma força amiga, precisamente porque quer constituir a relação. Qual é, então, a relação do homem com esse poder ambíguo, a relação do espírito consigo mesmo e com sua condição? Relaciona-se como angústia» (Kirkegaard 2013:413).

 

O que Kierkegaard quer mostrar é que, para o homem, não pode haver equilíbrio entre espírito e corpo, porque no homem não há nada neutro que possa criar esse equilíbrio e garantir sua estabilidade. O espírito é forçado a escolher entre si e o corpo, e essa escolha sempre acontece em uma situação em que o espírito está preso ao corpo. Kierkegaard tematiza a angústia em relação a mim como angústia diante da oposição entre espírito e corpo e por isso pensa dialeticamente o conceito de angústia. Mas a dialética para ele, ao contrário de Hegel, tem a forma de pura negatividade. Essa corporalidade é a fonte de ansiedade, em última análise, significa que o homem não pode chegar a um acordo não só com o mundo, mas também consigo mesmo. A estrutura humana é fundamentalmente paradoxal. Como corpo, faço parte do mundo, mais precisamente do mundo da natureza; como espírito, estou ao mesmo tempo transcendendo o mundo. Não posso eliminar essa contradição e isso significa que devo sofrer .

«O espírito, portanto, está presente, mas tão imediato, como um sonhador: na medida em que está presente é, em certo sentido, uma força hostil, porque perturba continuamente a relação entre a alma e o corpo; relação que existe, mas não existe, porque só existe por meio do espírito, mas, por outro lado, é uma força amiga, precisamente porque quer constituir a relação. Qual é, então, a relação do homem com esse poder ambíguo, a relação do espírito consigo mesmo e com sua condição? Relaciona-se como angústia» (Kirkegaard 2013:1379).

 

O homem está condenado a experimentar a angústia, porque somente na angústia ele experimenta e confirma a sua estrutura ontológica paradoxal. A premissa que sustenta a argumentação de Kierkegaard é, como pode-se observar, o anseio que o homen manifesta de ser puro espirito . Trata-se de um desejo condicionado pela tradição, segundo a qual o espirito e a razão possuem uma primazia absoluta. Até que este preconceito domine e vincule o pensamento, a condição corporea serà experimentada como um fardo.

«Sensualidade e impulsos sensuais dominam este homem completamente; deriva do fato de que ele é sensual demais para ter a coragem de se aventurar e suportar o ser espírito. Por mais vaidosos e presunçosos que os homens possam ser, eles têm uma idéia mesquinha de si mesmos, isto é, não têm idéia de ser espírito, nenhuma idéia do absoluto que o homem pode ser. (...) Todo homem é uma síntese de corpo e alma destinada a ser espírito, esta é a casa; mas o homem prefere ficar na adega, ou seja, na determinação da sensualidade»  (Kirkegaard 2013:1710-1711).

 

Schopenhauer e Nietzsche tentaram se livrar desse 'preconceito', mas o fizeram elevando o corpo ao que em si e, conseqüentemente, desvalorizando o espírito. Em vez da tese (espírito e razão), eles colocam a antítese (o corpo e a vontade), sem perceber que a antítese é tão enganadora quanto a tese. É uma questão de romper o círculo vicioso da questão de saber se é o espírito ou o corpo que tem uma primazia absoluta. Nesse sentido, a abordagem antropológica de Kierkegaard é indicativa, pois ele pensa no homem como uma unidade dialética de corpo e espírito, o que concretamente significa que espírito e corpo não devem ser entendidos como 'coisas em si', no sentido em que em última análise, eles são pensados ​​em todo o pensamento ocidental.

 

6.6 Conclusão

Para concluir: há duas tendências fundamentais que caracterizam a antropologia do Ocidente, de Santo Agostinho até hoje, se considerarmos o seu desenvolvimento como um todo: espiritualidade e corporeidade. Estas são duas tendências que, consideradas historicamente, se sobrepõem. A tendência da espiritualização é a marca da antropologia metafísica que caracteriza o pensamento filosófico dos gregos até Hegel (Galimberti 2002:202). No pensamento do final do século XIX, a tendência da espiritualização é invertida em seu exato oposto. O que é decisivo agora é o nível de impulsos, não de razão: é o princípio da corporeidade que caracteriza a antropologia metafísica de Feuerbach a Nietzsche. Também neste caso, quanto ao princípio da espiritualização, é uma antropologia metafísica, porque a derrubada, por mais radical que seja, permanece ligada à tradição anterior. Feuerbach, Marx, Schopenhauer, Nietzsche, mas também Kierkegaard e o último Schelling são todos 'pensadores metafísicos' porque, além das diferentes maneiras pelas quais procedem uns dos outros e apesar de estarem convencidos da impotência da razão, eles baseiam sua antropologia em um absoluto, seja Deus ou a totalidade do ser. A época da metafísica do espírito e da era da metafísica do corpo integra-se assim num todo, pois o homem é tematizado segundo aspectos metafísicos: a problemática antropológica não é tratada por si mesma, mas dentro de um contexto global. interpretação metafísica do ser como um todo. Toda a tradição que vai de Platão a Nietzsche incluída é tão caracterizada por uma unidade contraditória e básica: por um lado, observamos a avaliação diferente do espírito, do corpo, da razão e do impulso; por outro lado, o homem é interpretado a partir da totalidade do ser ou de um absoluto que represente essa totalidade. O fato de que, nessa tradição, a metafísica é essencial significa que a interpretação antropológica do homem é fundada ontologicamente e, portanto, implica uma orientação ética: direta ou indiretamente, o homem é instado a se submeter ao poder verdadeiramente decisivo - seja espírito ou o corpo - isto é, reconhecê-lo e fazê-lo funcionar em sua atuação como elemento decisivo. 

Bibliografia

Aristotele, (1955). Politica e Costituzione di Atene. Torino: UTET.

Agostinho, S. (1994). A Trindade. São Paulo: Paulus.

Agostino, A. (2018). Commenti alla Genesi. (G. Catapano & E. Moro, Eds.). Milano: Bompiani.

Agostino, A. (1994). Le Confessioni. Milano: Rizzoli.

Agostino, A. (2001). La città di Dio. (L. Alici, Ed.). Milano: Bompiani.

Aristotele. (1996). Organon. (M. Zanatta, Ed.). Torino: UTET.

Aristotele. (2002). Metafísica. (G. Reale, Ed.). São Paulo: Loyola.

Aristotele. (1973). Metafisica. In Opere VI. Bari: Laterza.

Aristotele. (2002). L’anima e il corpo. Parva Naturalia. (L. A. Carbone, Ed.). Milano: Rusconi.

Aristotele. (2008). Etica Nicomachea. In A. Fermani (Ed.), Le tre etiche (pp. 431–940). Milano: Bompiani.

Democrito. (2007). Raccolta dei Frammenti. (S. Luria, Ed.). Milano: Bompiani.

Capizzi, A., (1975). Introduzione a Parmenide. Milano: Laterza.

Descartes, R. (2012). Meditazioni di filosofia prima. In G. Reale (Ed.), Opere 1637-1649 (pp. 678–1395). Milano: Bompiani.

Descartes, R. (2012). Le passioni dell’anima. In G. Reale (Ed.), Opere 1637-1649 (pp. 2288–2527). Milano: Bompiani.

Feuerbach, L. (1997). L’essenza della religione. Bari: Laterza.

Feuerbach, L. (1993). Spiritualismo e materialismo. Bari: Laterza.

Feuerbach, L. (2010). Teogonia. (A. Cardillo, Ed.). Bari: Laterza.

Galimberti, U. (2002). Il corpo. Milano: Feltrinelli.

Hegel, W.F.H. (2004). A Razão na História. São Paulo: Centauro.

Hegel, G. W. F. (2003). Lezioni sulla filosofia della storia. Bari: Laterza.

Heller, A. (1982). O Homem do Renascimento. Lisboa: Presença.

Kant, I. (2017). Critica della ragion pratica. (V. Mathieu, Ed.). Milano: Bompiani.

Kirkegaard, S. (2013). Il concetto dell’angoscia. In C. Fabro (Ed.), Kierkegaard. Le grandi opere filosofiche e teologiche (pp. 357–589). Milano: Bompiani.

Kierkegaard, S. (2013). Postilla conclusiva non scientifica. In C. Fabro (Ed.), Kierkegaard. Le grandi opere filosofiche e teologiche (pp. 744–1647). Milano: Bompiani.

Kierkegaard, S. (2013). La malattia mortale. In C. Fabro (Ed.), Kierkegaard. Le grandi opere filosofiche e teologiche (pp. 1654–1839). Milano: Bompiani.

Lami, A. (Ed.). (1995). I Presocratici. Testimonianze e frammenti da Talete a Empedocle. Milano: Biblioteca Universale Rizzoli.

Le Goff, J. (2005). Il corpo nel Medioevo. Bari: Laterza.

Le Goff, J. (ed). (1989). O Homem Medieval. (J. Le Goff, Ed.). Lisboa: Presença.

Maritain, J. (2001). Humanismo integral. Madrid: Palabra.

Marx, K. (2011). Ideologia Tedesca. (G. Reale, Ed.). Milano: Bompiani.

Nietzsche, F. (2010). Così parlo Zarathustra. (S. Giametta, Ed.). Milano: Bompiani.

Senofonte, (2013). Tutti gli scritti socratici. Milano: Bompiani.

Parmenide. (2001). Sulla natura. (G. Reale, Ed.). Milano: Bompiani.

Platone. (1980). Protagora. In Diálogos, Vol.3-4 (pp. 42–108). Pará: Universidade Federal do Pará.

Platone. (2009). Repubblica. (G. Reale, Ed.). Milano: Bompiani.

Platone. (2017). Fedro. (G. Reale, Ed.). Milano: Bompiani.

Platone. (2015). Dialoghi Socratici. Ippia Maggiore. Sul bello. (G. Reale, Ed.). Milano: Bompiani.

Platone, (2007). Fedone. Roma: Armando.

Platão, (1965). A República. São Paulo: Difusão Europeia do Kivro.

Protagora. (1955). Le testimonianze e i frammenti. (A. Capizzi, Ed.). Firenze: Sansoni.

Reale, G. (2009). La Repubblica come manifesto programmatico di un nuovo tipo di educazione spirituale che Platone proponeva ai greci. In Platone, Repubblica. Milano: Bompiani.

Spinoza, B. (2014). Breve Trattato su Dio, l’uomo e la sua felicità. In A. Sangiacomo (Ed.), Tutte le opere (pp. 185–362). Milano: Bompiani.

Schopenhauer, A. (2010). Il mondo come volontà e rappresentazione. (G. Reale, Ed.). Milano: Bompiani.

 

 

 

 

 

Sétima Lição Covid 18

 

Parte teceira

A ANTROPOLOGIA  FILOSÓFICA  MODERNA

 

 

A antropologia moderna não quer mais interpretar o homem a partir de antecipações e preconceitos especulativos, isto é, ele não pretende levantar nem o espírito nem o corpo para então interpretar o homem com base nesse princípio, mas para estabelecer se o homem é ou não determinado pela razão ou impulsos apenas através de investigações científicas. Os conceitos de espírito e corpo não podem ser colocados como entidades problemáticas, mas devem primeiro ser analisados ​​por procedimentos empíricos. Com base nisso, a comparação entre homem e animal é relevante nesse sentido. Assim, a antropologia refere-se à biologia, que se concentra em toda a esfera da vida e não prossegue especulativamente, mas não se detém nas investigações dos fenômenos individuais, mas procura entendê-los em seu aspecto essencial e, assim, colocar na luz a natureza do homem. Essa antropologia é, portanto, ainda influenciada pela tradição, pois levanta a questão da essência, ou seja, baseia-se na premissa de que é possível falar de uma unidade estrutural e de uma totalidade estrutural que domina os fenômenos singulares e garante sua conexão como hierarquia.

7. A contraposição entre espírito e princípio da vida em Max Scheler

 

7.1 Max Scheler

O desenvolvimento da antropologia moderna começa com a escrita programática  (1928), na qual o autor, M. Scheler, procurou estudar a necessidade e a legitimidade da antropologia como ciência filosófica fundamental. Em primeiro lugar, Scheler se pergunta se é justificado atribuir o espírito ao homem (Scheler 1997:178). Aquele homem também é condicionado em termos biopsíquicos é claro; De acordo com Scheler, no entanto, é uma questão de saber se ele é determinado por esse condicionamento na totalidade de seu ser ou se o espírito excede o elemento biopsíquico (Scheler 1997:30). A vida, que é o elemento biopsíquico, é organizada de acordo com os graus.

              «O homem, como veremos, reúne em si todos os graus essenciais da existência em geral e da vida em particular e, pelo menos no que diz respeito às regiões essenciais, toda a natureza atinge nele a unidade mais sintética do seu próprio ser). Não há sensações, nem percepções, nem representações atrás das quais não se esconda o impulso escuro, que os alimenta daquela chama que ilumina constantemente os estados de sono e vigília» (Scheler 1997:123-124).

De acordo com Scheler, cinco graus devem ser distinguidos, todos os quais também estão presentes no homem, mas essencialmente modificados. O primeiro grau é determinado como um impulso afetivo (Scheler 1997:123). O homem também é essencialmente determinado pela afetividade, mas esse impulso não é considerado por Scheler em termos biológicos, isto é, do ponto de vista da preservação da vida, mas em termos metafísicos, isto é, como o potencial energético da subjetividade.

              «Este primeiro grau do aspecto interior da vida, isto é, do impulso afetivo (...) é sempre a ânsia afetiva de experimentar aquela resistência inicial que é fonte de todo sentido de 'realidade' e 'presença efetiva', e em Particular também daquela unidade e daquela impressão de realidade concreta, que precede toda função representativa. A representação e o pensamento mediado (Schliesens) só podem nos mostrar 'este' ou 'aquele' modo de ser da realidade real. Mas este último nos é dado como 'real', apenas graças a uma resistência genérica ligada à angústia, isto é, graças aos Erlebnis de uma resistência.» (Scheler 1997:124).

 O segundo grau é determinado pelo fenômeno dos instintos, que, como traço estrutural inato e hereditário, caracteriza o animal em sua diferente adaptabilidade ao ambiente (Scheler 1997:125). O homem, no entanto, diferentemente do animal, não pode confiar em seus instintos, porque ele não está estruturado de maneira consistente com a vida, isto é, ele não é biologicamente estruturado de maneira funcional para um propósito específico.

              «Com o processo de autoconsciência, e com essa dobra e centralização adicional da existência, tornada possível pelo espírito, a segunda característica essencial do homem também é dada. Em virtude de seu espírito, o ser que chamamos de 'homem' não é apenas capaz de estender o ambiente às dimensões ontológicas de um mundo e de transformar 'resistências' em objetos; Mas, o que é mais notável, ele também é capaz de objetivar sua própria constituição fisiológica e psíquica, cada experiência psíquica, cada uma de suas funções vitais» (Scheler 1997:147).

 O terceiro grau é caracterizado pela memória associativa, que no animal é submetido à satisfação de impulsos, é determinada e funciona de uma maneira puramente mecânica, mas no homem constitui tradição, que é algo mais que mera herança biológica e algo menos que a memória vivida livremente e conscientemente

              «Como temos observado, entre os dois modos de comportamento, ambos originalmente derivados do comportamento instintivo, o 'habitual' e o 'inteligente', o primeiro - que é a terceira forma psíquica que distinguimos - resume em si mesmo os fatos relativos a Associação, repetição, reflexo condicionado e constitui aquela faculdade que se denomina 'memória associativa' (Mnéme). Essa faculdade não deve ser atribuída a todos os seres vivos, e falta às plantas, como dizia Aristóteles. Devemos, de fato, atribuí-lo a todos os seres vivos, cujo comportamento sofre, com base em comportamentos anteriores do mesmo tipo, uma mudança lenta e constante, de forma significativa e, portanto, biologicamente útil; De tal forma, isto é, que de vez em quando a intensidade do próprio significado depende estritamente do número de tentativas ou dos chamados movimentos de teste» (Scheler 1997:131).

O que caracteriza o quarto grau é, em vez disso, a inteligência prática ligada ao propósito do organismo, que, de acordo com Scheler, pertence tanto aos animais quanto aos humanos e, portanto, não pode ser qualificada como espiritual ou não espiritual. Comportamento inteligente em um sentido prático é um conhecimento adequado para alcançar um propósito, que é confirmado apenas e somente em seus resultados observáveis

              «Podemos falar de uma inteligência “ligada às finalidades do organismo” enquanto o processo interno ou externo seguido pelo vivente estiver a serviço de um impulso tendencial ou da satisfação de uma necessidade; Além disso, também chamamos essa forma de inteligência de 'prática', uma vez que seu significado último é o de uma ação pela qual o organismo atinge (ou falha) o objeto de sua tendência. No homem, essa mesma inteligência também pode ser colocada a serviço de fins inteiramente espirituais; E só então se eleva acima da astúcia e da astúcia» (Scheler 1997:138).

 

7.2 A inteligência

Scheler, no entanto, não se limita à caracterização do homem como sendo dotado de inteligência prática, isto é, capaz de lidar com a vida, mas determina-a segundo sua essência mais íntima, isto é, como ser espiritual, se opondo drasticamente ao animal. O espírito é, portanto, o oposto da realidade da vida e é, portanto, um princípio além do tempo e do espaço: como um ser espiritual, o homem pode ir além do grau de comportamento inteligente e se opor ao princípio da vida (Scheler 1997:143). O princípio da vida determina todos os quatro graus mais baixos: o impulso emocional, o instinto, a memória associativa e a inteligência prática são todos voltados para a satisfação de impulsos. A esfera vital e suas funções psicológicas são determinadas de maneira puramente biológica e, portanto, obedecem à lei da conservação da vida. Ao contrário do animal, o homem pode negar essa lei, pode 'protestar' contra os impulsos e realizar atos volitivos e emocionais, como bondade, amor, arrependimento e desespero. O homem é de fato uma pessoa

              “Os gregos já afirmavam a existência desse princípio, chamando-o de 'razão'. Preferimos usar, em relação a este X, um termo mais amplo, termo que, embora abarque o conceito de 'razão', contém também, ao lado do 'pensamento ideacional', um certo tipo de 'intuição', a do proto. - fenômenos ou conteúdos essenciais, e também uma certa classe de atos emocionais e volitivos, tais como bondade, amor, arrependimento, respeito, admiração, êxtase, desespero e livre decisão: ou seja, preferimos usar O termo 'espírito'. Além disso, queremos designar como 'pessoa' aquele centro de atos dentro do qual o espírito aparece nas esferas finitas do ser, distinguindo-o claramente de todos os centros funcionais da 'vida', que, considerados do ponto de vista interno, também levam o nome de 'Centros psíquicos» (Scheler 1997:143).

 

7.3 A pessoa

Scheler define a pessoa como o agente dos actos espirituais, que, como tais, devem ser estrictamente diferenciados do comportamento vital relacionado aos impulsos (Scheler 1997:178). Essa possibilidade de se opor à esfera vital é, por sua vez, condicionada pela capacidade de ideação, que nada mais é do que o conhecimento da essência, graças ao qual o homem se distancia das coisas e pode apreender algo como algo em seu verdadeiro ser. O homem é capaz de libertar-se livremente das exigências dos impulsos e isso define a relação entre a pessoa espiritual e a esfera dos impulsos: por um lado, o homem pertence ao reino animal, e o outro, ao divino.

              «Um ser “espiritual” não mais ligado às tendências e ao meio, está “livre” deles e, portanto, “aberto ao mundo”; Tal ser possui um 'mundo' próprio, e também é capaz de transformar aqueles centros de 'resistência' e reação de seu ambiente, que ele também possui originalmente (os únicos para o animal que está extaticamente imerso nele) em ' Objetos '; E sobretudo compreender a sua quididade sem aquela limitação que o sistema de impulsos vitais, bem como as funções e órgãos sensoriais, que são sua extensão, impõem ao mundo objetivo e seus dados» (Scheler 1997:144).

Ao dividir o homem em duas partes opostas, Scheler trai sua ligação com toda a tradição metafísica do Ocidente, que define o homem como uma razão animal. Scheler, no entanto, retoma a tese, apresentada após a morte de Hegel, da impotência do espírito, na medida em que é irreal em relação à realidade da vida que determina os primeiros quatro graus e carece de força afirmativa, mas ao mesmo tempo tende a manter o espírito como o objetivo do desenvolvimento. A razão pela qual Scheler adere à primazia do espírito é dupla: a necessidade inerente ao homem de uma indicação que mostre o que sua ação deve visar, porque a mera preservação da vida não pode ser o objetivo final que dirige tudo suas ações, e o fato de que a negação da esfera de impulsos é, no homem, um fato inegável e não pode ser explicado pelos próprios impulsos, mas apenas por outro princípio, a saber, o espírito.

              «O espírito é, portanto, objetividade, a capacidade de ser determinado pela quididade das próprias coisas. O espírito 'é' uma entidade viva capaz da mais completa objetificação. Em suma, o 'suporte do espírito é apenas aquele ser, cuja relação essencial com a realidade externa, como de fato consigo mesmo, é, de um ponto de vista dinâmico, exatamente o inverso daquele do animal até inteligente ( ...) Como já dissemos, o espírito é, em última instância, um atributo do próprio ser, manifestando-se no centro unificado da pessoa humana, que se 'reúne' em si mesmo» (Scheler 1997:144.160).

Essa primazia do espírito, apoiada por Scheler, é explicada pela preocupação metafísica de compreender a unidade do homem (Scheler 1997:190). A montante desta preocupação está a concepção de filosofia cuja tarefa real é trazer esta unidade à luz, uma vez que todas as questões filosóficas remontam à única questão fundamental concernente à essência do homem, embora o próprio Scheler reconheça como hoje o homem não é mais uma unidade e, portanto, nem é possível entendê-lo essencialmente.

 

8. A oposição entre o 'potencial excêntrico' do homem e a 'centralidade' do animal em Helmuth Plessner

 

8.1 Cultura e Natureza

Segundo Helmuth Plessner, o antropólogo deve negligenciar a oposição entre a ciência da natureza e a ciência do espírito, e se esforçar para chegar a um ponto de vista unitário, a partir do qual se torna possível a organização em graus do mundo orgânico e em detalhes é na sua totalidade

              «Na doutrina do homem, o homem não conhece um ser estranho, mas a si mesmo. O objeto desta ciência coincide com seu portador. Seja a medicina ou a sociologia, a psicologia ou a ciência da história que trata do corpo e da alma, das relações sociais ou das fatalidades passadas, sempre tratamos de algo que nos pertence. Todas essas disciplinas são formas e formas de encontro do homem consigo mesmo» (Plessner 2007:66).

 Em sua obra Os graus do orgânico e do homem (1928), Plessner coloca antes de tudo um conceito geral que engloba toda forma viva e depois a diferencia de acordo com as diferentes determinações que caracterizam o ser da planta, do animal e do homem. O elemento orgânico aparece como um sistema ordenado de acordo com os graus, em que cada grau é autônomo em relação ao outro.

              «Fala-se de organização em vários graus, e não apenas em um sentido superficialmente morfológico. Mesmo em organismos unicelulares, é possível distinguir as partes cujas formas não são formas do todo no mesmo sentido em que são formas das partes. Já nas células multicelulares, a diferenciação do corpo se manifesta em órgãos ou agregações de células do mesmo tipo, independentes do corpo embora necessárias para ele, por meio de uma organização em graus, onde cada grau superior contém o inferior» (Plessner 2006:194).

Portanto, a hierarquia não deve ser entendida como um processo evolutivo. O conceito fundamental que guia todas as descrições de Plessner é o conceito de 'posicionalidade'. Posicionalidade significa o nexo estrutural em que um ser vivo está ligado às suas 'esferas', isto é, aos seus próprios territórios, ambientes ou mundos (Plessner 2006:154). A posicionalidade é o que distingue o elemento orgânico do inorgânico. Uma forma orgânica está relacionada ao seu espaço; tem um lugar natural que defende. Isso significa que ela já está sempre além do limite externo de seu corpo e se colocou em relação com o meio ambiente, com seu ambiente, do qual pode ser influenciado e sobre o qual atua.

              «Na conexão entre o organismo e o campo ambiental, frente a frente, está o sinal característico da posicionalidade, que distingue o corpo vivo do inanimado. Uma coisa que preenche o espaço é encontrada em um lugar, em um ambiente. Uma vez que o ser vivo está em si, também está em relação ao lugar do seu ser, está 'dentro do espaço' e, portanto, colocado à frente do ambiente» (Plessner 2006:184).

 Mas, segundo Plessner, apenas o homem, entre todos os seres vivos, é capaz de compreender a si mesmo e seu ambiente e colocar um em relação ao outro (Plessner 2006:46). Mas isso significa que o homem não vive mais do seu centro, mas que ele se conhece como um centro. Ele pode, portanto, objetivar-se em sua relação com as esferas, isto é, distinguir essas esferas de si mesmo e, ao mesmo tempo, referi-las a si mesmo. O homem deve ter uma distância porque somente o ser que é 'diferenciado' pode alcançar a reflexão total do sistema vital

              «Ora, esse 'centro' que pertence à essência de todo corpo vivo, essa unidade nuclear em si mesma em oposição à unidade do múltiplo, que embora tenha uma magnitude puramente intensiva, obviamente não é ocupado por uma formação espacial. Permanece um centro espacializante, como momento estrutural da posicionalidade do corpo vivo. Mas o caráter desse corpo, que circunda o centro de forma espacial, mudou, pois agora o corpo em si é realmente mediado, representado. É diferenciado de si mesmo e dependente como corpo» (Plessner 2006:255).

O homem é um ser excêntrico, ao contrário de um animal, que vive de seu centro e enfrenta seu centro, mas não vive como um centro, e por isso é cêntrico. Esse homem é excêntrico significa que ele é um ser que pode dizer eu para si mesmo, possui a si mesmo, conhece a si mesmo, está consciente de si mesmo e nisso é um eu, e como tal é diferenciado em si mesmo e é, portanto, uma unidade (Plessner 2006:322).

 

8.2 Factos biológicos

Para suas análises, Plessner refere-se a factos biológicos , a tal ponto que sua reflexão parece basear-se na biologia, tornando-se assim a base mais segura, se não a única adequada.

              «O princípio biológico da relatividade dos sentidos à ação deve ser adequadamente calibrado aqui, uma vez que a percepção sensorial permanece a base da orientação do vivente, guiando suas ações no espaço, atuando como filtro, ponto de referência, sinal de calma ou alarme, cumprindo funções tróficas. , relaxamento ou excitação, etc., assim como em todos os outros organismos animais» (Plessner 2008:81).

Mas é claro que, se procedermos de uma maneira puramente naturalista, o espiritual como espiritual permanece geralmente fora da investigação. Plessner pretende proceder como um biólogo e o objeto do biólogo é o viver em sua caracterização imediata, cuja marca registrada é a inclusão na natureza. Esse elemento natural é o fenômeno sem uma essência oculta, o ser-em-si imediato sem divisões. Em contraste com este ser puramente natural, o homem, sendo excêntrico, não é nem natural nem imediato.

              «Comparado a tal privilégio de Auto posicionamento, este ainda teria sua correção se o homem fosse um ser exclusivamente centrado e não, como é, excêntrico. Para o animal, é correto dizer que ele está absolutamente em seu próprio posicionamento. O animal é colocado no centro posicional e absorvido por ele. Para o homem, por outro lado, se aplica a lei da excentricidade, segundo a qual seu ser aqui e agora, ou seja, sua absorção na experiência, não dá mais o ponto central de sua existência. Mesmo na realização de pensar, sentir, querer, o homem está fora de si mesmo» (Plessner 2006:322).

Como tal, no entanto, ele não é o objeto da biologia, porque a biologia tem a ver apenas com formas de vida que são claramente acessíveis à observação externa quando são resolvidas nela. Assim, por um lado, como biólogo, Plessner não tira a conclusão lógica de que, de acordo com sua verdadeira essência, o homem não é o objeto da biologia (Plessner 2006:20). Por outro lado, ele considera necessário superar a problemática biológica por meio de uma interpretação do homem conduzida a partir de sua autocompreensão, voltando assim ao problema do idealismo

              «A história do espírito, a história da cultura e da política tornam-se os meios de autoconhecimento e, portanto, uma experiência, e não mais um sistema planejado, conclui a autocompreensão e a interpretação da vida eternamente mutáveis ​​pelo homem . A tarefa da filosofia consiste precisamente em reaprender este processo de compreensão e, assim, tornar objetiva a autoconsciência da vida.» (Plessner 2006:46).

O homem de facto só existe se ele se conscientizar, isto é, se ele vive 'liderando' sua vida. O homem não tem um ambiente natural, como o animal, mas deve primeiro construir um mundo que o cumpra e este mundo relacionado ao homem é o mundo cultural e histórico: o homem cria seu próprio mundo para se sentir em casa (Plessner 2006:72). A expressão cultural é necessária para a autoconsciência humana; o autoconhecimento só é possível através da história, isto é, a partir da própria criatividade.

 

8.3 Espírito e corpo

A criação do homem não é, contudo, analisada por Plessner apenas de acordo com uma crítica do conhecimento e uma filosofia da história, mas também está ligada ao acontecimento do corpo. Para Plessner, o espírito e o corpo estão tão intimamente unidos que o comportamento humano não pode ser explicado apenas do corpo ou do espírito sozinho

              «No homem, natureza e espírito se encontram, por isso é bom procurar os pontos específicos de contato - e cesura - em que ocorre a interpenetração das tramas naturais e espirituais. A textura natural é construída com dados sensíveis, com os materiais da percepção sensorial. Que papel esses materiais desempenham na construção de tramas espirituais? O título deste capítulo alude a essa questão. A hermenêutica, a arte de interpretar as produções espirituais, deve ser estendida ao seu substrato sensível» (Plessner 2008:73).

Mas é verdade que é apenas na cultura e graças a ela é oferecido ao homem a possibilidade de conhecer a si mesmo e alcançar uma posse plena de si mesmo. A antropologia de Plessner é assim caracterizada por um duplo aspecto. Em primeiro lugar, a distinção fundamental entre homem e animal é interpretada a partir do eu como o que pertence ao homem, sem que essa mudança em direção à reflexão faça com que Plessner caia em uma metafísica idealista. Em segundo lugar, Plessner mostra que a realidade humana não é unívoca e não pode ser concluída, pois o homem deve sempre 'estender-se' além do que colocou, porque isso nunca é suficiente para ele (Plessner 2006:134–135).

 

9. “Especialização” de animais e pobreza instintiva em humanos em Arnold Gehlen

 

9.1 Tarefa da antropologia

Para A. Gehlen , a tarefa da antropologia é interpretar o comportamento intramundano do homem real através do conceito de ação.

              «Em primeiro lugar, a necessidade de 'erguer uma ciência (com afirmações verificáveis ​​e não poéticas) sobre essas outras ciências setoriais, ou, em minha opinião, de construir por meio delas uma ciência sobre cujos métodos, técnica de investigação e seleção de Objeto não há nada estabelecido, uma vez que a tradição da antropologia filosófica consiste mais em uma tendência do que em resultados. E em segundo lugar: a necessidade de abarcar ambos os 'aspectos' do homem, o espiritual e o corporal, com uma ciência» (Gehlen 1990:84).

A ação humana como tal pode ser entendida, contra a posição do Idealismo, somente se partir do homem real, que já age no mundo (Gehlen 1990:44). O modo de proceder de Gehlen tem uma marca pragmática e se refere à prática. Isso significa que o conceito de ação não é mais um conceito essencial fechado em si mesmo, mas funciona como um conceito orientador para investigações científicas (Gehlen 1990:97).

              «Tendo assim aproximado o mundo de si, relaciona-o sobretudo com a sua capacidade de agir: a técnica sobrenatural da magia atrai para o circuito da acção todo o mundo exterior, de forma a poder manobrar os ventos, ajudar as estações, descarregar o Doenças animais. O requisito fundamental da prática mágica - para estabilizar e proteger o curso do mundo de perturbações - é o requisito de um ser que age. Com a mesma originalidade, porém, o homem também objetiviza sua própria ação material, confia-a ao mundo externo, vê-a no nível deste, deixa que o mundo externo o conduza para frente e o capacita: ele objetiviza seu trabalho. Então aqui está o instrumento, a ferramenta» (Gehlen 1990:28).

 A tarefa do antropólogo é prosseguir empiricamente, isto é, entrar em investigações científicas específicas, mas de modo a tentar unificar seus resultados. Isso explica por que, para Gehlen, o ponto de vista global está por trás do “aspecto antropobiológico”. Ele pergunta: Quais são as condições da existência humana? Ou seja: o que permite ao homem se manter vivo?

 

9.2 Comportamento humano

Em seu principal trabalho antropológico, O homem. Sua natureza e seu lugar no mundo (1944) Gehlen pretende demonstrar que todo comportamento humano depende do ponto de vista biológico da preservação da vida: ao contrário do animal, o homem deve manter-se vivo. Isso significa que o homem pode e deve alcançar a autoconsciência: entre as características mais importantes do homem, há aquilo que ele deve assumir em relação a si mesmo (Gehlen 1983:83).

              «O homem não vive, mas leva sua vida. Portanto, encontramos este fato aqui, no grau mais inferior, na ligação entre o desempenho motor e perceptivo, que o homem deve reconciliar em si mesmo e com o qual ele se orienta no mundo. No entanto, continuará a acompanhar-nos: mesmo quando chegarmos à linguagem, na qual a interpretação do mundo e a autoconsciência são sempre e apenas desenvolvidas uma pela outra» (Gehlen 1983:200).

Essa possibilidade de realizar autonomamente a própria vida baseia-se no fato de que o homem é o ser atuante. Determinar o homem dessa maneira significa tematizá-lo como uma unidade a partir de sua actividade vital. Isso significa que não é possível, segundo Gehlen, tratar o homem como um 'animal com o espírito' (Scheler 1997:25). O homem deve ser interpretado desde o início como um projeto particular da natureza. O homem é essencialmente diferente do animal. Os animais são altamente especializados, adaptados de acordo com estímulos a ambientes que, como tais, só podem ser compreendidos com base nesses estímulos. O homem, por outro lado, não tem nenhum ambiente específico, mas precisamente porque ele não está adaptado a um ambiente, o homem pode construir seu próprio mundo (Gehlen 1983:62).

              «O homem 'cresce aprendendo': a descoberta do que é visível só é possível ativamente e, inversamente, o desenvolvimento das habilidades motoras é acompanhado e seguido por uma série de impressões sensoriais que mudam constantemente. No final, entretanto, existe um organismo no qual uma enorme riqueza de movimentos possíveis e 'potenciais' está apenas esperando para ser capaz de saltar para uma sugestão alusiva de que a circunspecção e a atenção humanas se separam de um mundo feito de estímulos distantes facilmente calculados. , ainda íntimo. O exato oposto dessas habilidades desenvolvidas apenas com dificuldade é representado pela especialização não menos extraordinária com que muitos animais reagem a uma impressão muito particular, nunca vista antes, que o ambiente pode lhes dar» (Gehlen 1990:445).

No entanto, essa possibilidade de trabalho autônomo não coincide com a falta de adaptação. As deficiências são, ao mesmo tempo, vantagens: para o homem, há uma área surpreendente de estruturas imprevisíveis que ele deve primeiro desenvolver. Gehlen fala sobre 'a lei da libertação' como a lei antropológica fundamental (Gehlen 1983:49–50). Concretiza o conceito geral de ação, evidenciando em um confronto direto ou indireto com os animais as formas possíveis de auto-reprodução humana: o homem deve se libertar, ou seja, deve transformar com sua própria atividade as condições desfavoráveis ​​de sua existência em possibilidades de sobrevivência (Gehlen 1990:209–210). A libertação prossegue com base na evolução dos níveis mais baixos para os mais altos.

              «'No animal e na planta,' (...), 'a natureza não se limita a dar a determinação, mas é ela mesma a criadora. Em vez disso, dá ao homem apenas a determinação e deixa a si mesmo a tarefa de adaptá-la ... só o homem como pessoa entre todos os seres conhecidos tem o privilégio de quebrar, por meio da vontade, o domínio da necessidade que Os seres puramente naturais não têm o objetivo de se separar e iniciar em si uma série de novos fenômenos [esta é uma definição no sentido kantiano de liberdade]» (Gehlen 1983:458).

Os graus anteriores são os pré-requisitos necessários para as subsequentes. O grau superior, no entanto, não deve ser inferido dos inferiores, é absolutamente um novum e esta novidade se mostra no fato de que os graus anteriores são 'desacreditados' na medida em que os graus mais elevados respondem melhor às tarefas da atividade vital (Gehlen 1983:92). Mas isso só é possível porque os processos superiores já estão presentes no estado latente dos anteriores. O homem pode, portanto, nunca estar preso a um certo grau. Como é essa estrutura em graus?

              «E é precisamente esse mesmo tipo de operação que ocorre aqui deve ocorrer continuamente em todos os graus mais profundos, no comportamento mútuo de todos esses seres superiores e inferiores: essa mesma seleção e apresentação de experiências vividas, esse abstrair e pensar juntos, esse querer e retraduzir A vontade indeterminada em determinada atividade. Existem energias em nós que são mais fortes do que qualquer coisa que possa ser formulada sobre o homem. Seguindo o fio condutor da vida, aprendemos que nossa vida é possível graças a um jogo de muitas inteligências de valores muito desiguais» (Gehlen 1983:365).

Acima de tudo, os processos circulatórios sensórios-motores da experiência comunicativa (por exemplo, o toque), através dos quais a criança se familiariza com o ambiente, desenvolve uma enorme sensibilidade para o exterior e para si mesmo, pois essas possibilidades os pontos de contato são finalmente 'internalizados'. A experiência tátil é a mais original, mas ao mesmo tempo é imediatamente combinada com a experiência visual. A visão é superior ao toque, porque oferece um campo mais amplo e permite conhecer o objeto sem entrar em contato físico com ele.

              «E observou-se como uma criança olhava maravilhada para os dedos quando não se realizava a experiência tátil que esperava, estando muito longe o objeto que tentava agarrar (...) Mas o que é decisivo é que este 'teste' ou exercício De aprendizagem figura entre as necessidades naturais de desempenho da criança, em que ela explora tanto a extrema mobilidade da espécie quanto a 'inteligência' do movimento, sua conversibilidade e Auto estranhamento, que é a possibilidade que o movimento tem de conduzir Em um 'dado teórico' do sentido da visão ou tato» (Gehlen 1983:169-170).

No homem, portanto, a percepção é fundamentalmente diferente da percepção do animal, ligada ao meio ambiente, porque a percepção está inserida na totalidade da vida humana. Mas a imediaticidade que ainda está presente na experiência visual, a actualidade do que é visto pode ser superada através de uma atividade combinatória da imaginação em que o homem 'prevê' uma situação (Gehlen 1983:184–185). Todos esses processos de libertação - toque, percepção e imaginação combinatória - estão ligados ao desenvolvimento da linguagem.

 

9.3 Linguagem

Para Gehlen, a linguagem é a melhor ferramenta para dominar a vida. A linguagem deriva do pensamento, que cria um simbolismo de segunda ordem, isto é, o 'mundo dos pensamentos'. Gehlen coloca a linguagem e o pensamento como uma qualidade que não pode ser deduzida geneticamente, sem trazê-los de volta ao espírito como base

              «A mesma coisa que Heinrich von Kleist viu quando comparou a palavra a um 'volante no eixo dos pensamentos'. Se a linguagem evita a realização plena e plástica de seus signos, devolvendo esses sinais sonoros claros uns aos outros, não são as coisas que mantêm o processo da linguagem em movimento, mas os sons que os representam. Em outras palavras, a palavra tem apenas um sentido transitório, e por isso mesmo é capaz de se integrar em outras palavras e direcionar a intenção sobre elas. Só desta forma uma massa amorfa de pensamentos pode ser processada em voo rápido» (Gehlen 1983:315).

Isso significa que nenhuma distinção substancial pode ser feita entre linguagem e pensamento, de um lado, e as 'faculdades primitivas', do outro. Todas as possibilidades do comportamento humano são de Auto preservação. O pensamento também deve servir ao propósito do domínio da vida e, nesse sentido, o pensamento é ou deve ser prático. Não se pode suspender o pensamento em sua relação com o exterior, ele não pode se distanciar da vida e de suas necessidades (Gehlen 1983:235). Assim, Gehlen não admite nenhum escopo de significados puramente ideais, ele interpreta a linguagem e o pensamento do ponto de vista biológico. A linguagem já tem em si uma tendência peculiar à objetividade e essa intencionalidade, própria da linguagem e do pensamento, condiciona todas as possibilidades superiores do homem: representação, imaginação criativa e conhecimento científico.

              «Uma propriedade específica da linguagem humana é a de colocar em um único plano - seu plano sonoro - sem distinção, eventos externos e internos, sonhos e fatos reais, sentimentos e instrumentos materiais. Ainda não se pensou o suficiente sobre esse fenômeno surpreendente: à medida que articulamos palavras que podem significar dados dentro e fora do homem, temos uma ferramenta universal. Sua funcionalidade é ótima; Na verdade, pensamos que certamente poderíamos ter uma linguagem composta de fonemas apenas para comunicar eventos externos e, em vez disso, sermos forçados a expressar o que acontece em nós por meio do mimetismo. Este processo de abstração constitui» (Gehlen 1984:153).

Desta forma, Gehlen afirma ação: através da ação, o homem não simplesmente espera pelo futuro, mas o antecipa na imaginação ativa. Mas também Gehlen contrasta a ação com o impulso (Gehlen 1983:388). As possibilidades superiores do comportamento humano, como a ciência e a cultura, só podem ser adequadamente interpretadas se a superação imediata de uma restrição mundana imediata, governada pelos impulsos em favor de uma possível liberdade, for levada em conta. Em relação ao homem, Gehlen não fala, portanto, de impulsos, mas de moções: a vida istintual do homem tem sua própria estrutura que não se opõe à ação.

              «Do ponto de vista que estou defendendo, uma filosofia ou cosmovisão ou mitologia aparece como uma interpretação do significado próprio de entidades imutáveis ​​do mundo, onde essas interpretações se tornam motivos para uma ação que é a princípio cultural ou ritual, que Relaciona-se com aquela parte do mundo à qual se deve renunciar, como a morte. Este aspecto da cultura também pode estar relacionado ao homem como agente» (Gehlen 1983:33).

Gehlen contesta a ideia de que as ações são projetadas conscientemente e conduzidas de acordo com a vontade, em oposição aos impulsos: se o homem está totalmente aberto ao mundo, certos impulsos entendidos como o que o liga ao mundo não podem ser atribuídos como fundamento. portanto, colocar ações livres acima deles como algo oposto a esta ligação com o mundo. Os impulsos são sempre sempre referenciados à ação e precisamente no sentido de que a ação pode influenciá-los: o homem é capaz de refrear seus motivos, desejos e interesses (Gehlen 1983:213). Mas, desse modo, a força dos motivos é acumulada e essa força constitui uma reserva que a satisfação biológica das necessidades mínimas não pode esgotar.

 

9.4 Natureza versus cultura

Com esse argumento, Gehlen tenta vincular o aspecto biológico ao cultural, já que a cultura só é possível se o homem transforma seus motivos em comportamentos estáveis, graças aos quais, em geral, se realiza uma ordem de coexistência humana e isso compreende a diferença entre homem e animal (Gehlen 1983:381). Na cultura, a verdadeira natureza do homem é revelada: o homem é o ser que molda a energia de seus impulsos

              «Se considerarmos que a atividade humana reconfigurou de cima a baixo a face natural da Terra, que conquistou a atmosfera, perfurou as montanhas, penetrou nas entranhas do globo - e basta pensar por um momento em que trabalho tenso e árduo Vivemos todos os dias - será claro para nós que os desempenhos da cultura humana, se pertencerem à natureza do homem, não são de modo algum atribuíveis ao aspecto que se resume na expressão 'conservação da espécie ”» (Gehlen 1983:402).

Essa formação é uma necessidade humana e assim se torna um impulso. Em outras palavras: o homem não é determinado pela natureza, mas deve dar-se uma orientação para a vida. Ele é essencialmente um ser cultural, mas isso significa que não pode haver uma definição definitiva do homem: o homem é “o animal ainda não definido” (Nietzsche 1972:68), mas precisamente com base nessa indeterminação eles podem às vezes manifesta nele tendências hostis à vida. Por isso, a necessidade humana de apoio e apoio externos são as instituições, que são sistemas totais únicos através dos quais toda a vida dirigida é contida e governada, de modo a ser utilizável para certos propósitos.

              «São as formas inibitórias rígidas e sempre restritivas, experimentadas muito lentamente, ao longo de milênios e milênios - isto é, formas como a lei, a propriedade, a família monogâmica, a divisão do trabalho - que elevaram nossos impulsos e nossos estados emocionais, Tê-los disciplinados voltados para as necessidades superiores, exclusivas e seletivas, que deveriam ser chamadas de cultura. Essas instituições, como a lei, a família monogâmica, a propriedade, não são, de forma alguma, naturais da parte deles e não são destruídas rapidamente. Igualmente antinatural é a cultura de nossos instintos e humores, que devem ser fixados de fora por essas instituições, devem ser mantidos e elevados por elas» (Gehlen 1990:174).

Como o homem não tem uma vida na qual os impulsos são naturalmente determinados, Gehlen baseia a moral não no entendimento que o indivíduo tem de si mesmo como uma personalidade autônoma, mas a partir da comunidade (Gehlen 1990:204). O ponto de vista que orienta a análise de Gehlen desses sistemas de controle é, também neste caso, a autopreservação e, nesse contexto, a autopreservação do grupo. O homem é um homem somente dentro de uma comunidade. O facto de que, através da educação, o homem está acostumado aos costumes e à moral é uma vantagem para ele, como indivíduo (Gehlen 1983:425).

              «Enfim, cada um pode e deve se posicionar sobre si mesmo, controlar seus impulsos e interesses, decidir por um ou outro, inibi-los e assim por diante, para que possa e deva - dentro de certos limites - transformar o Seu estado interior, isto é, de acordo com uma ideia de força que corresponde às necessidades da comunidade. A 'moral' que pode ser observada em comunidades individuais são essas orientações de impulsos, com as mais diversas estruturas e, portanto, nossa hipótese - que a organização global do homem deve ser investigada a partir da ação» (Gehlen 1990:107).

De fato, a comunidade, que obtém a mesma vantagem da ação usual do indivíduo através de sistemas de controle superiores, satisfaz as necessidades antropológicas fundamentais, que Gehlen identifica na necessidade teórica de uma interpretação do significado do mundo, a necessidade de normas e a necessidade de proteção (Gehlen 1983:87). Em todas as três áreas, o homem apresenta problemas e encontra soluções para levar sua vida. Mesmo ao explicar essas necessidades e satisfazê-las através da Weltanschauungen, da religião e da moral, Gehlen baseia-se unicamente em interesses vitais biológicos, não muito diferente de sua análise da percepção, da linguagem ou da ciência pragmática. Ele está convencido da necessidade de apoio institucional externo, já que os considera ainda melhores do que a subjetividade indeterminada, aderindo assim à ideia de mediação humana indirecta através de instituições.

 

 

 

 

Bibliografia:

 

Scheler, M. (1997). La posizione dell’uomo nel cosmo. Roma: Armando.

Plessner, H. (2007). L’uomo: una questione aperta. Roma: Armando.

Plessner, H. (2006). I gradi dell’organico e l’uomo. Torino: Bollati Boringhieri.

Plessner, H. (2008). Antropologia dei sensi. Milano: Raffaello Cortina.

Gehlen, A. (1990). Antropologia filosofica e teoria dell’azione. Napoli: Guida.

Gehlen, A. (1984). L’uomo nell’era della tecnica. Milano.

Gehlen, A. (1983). L’uomo. La sua natura e il suo posto nel mondo. Milano: Feltrinelli.

Nietzsche, F. (1972). Al di là del bene e del male. In G. Colli & M. Montinari (Eds.), Opere di Friedrich Nietzsche. VI,2 (pp. 3–206). Milano: Adelphi.

 

 

 

 

Sétima Lição Covid 19

Parte quarta

ANIMAL E HOMEM: POSSIBILIDADE E AMBIGUIDADE DE UMA COMPARAÇÃO

 

10. Determinismo e plasticità cerebral

 

10.1 Os sistemas nervosos

Estudiosos do comportamento e do sistema nervoso concordam que, a partir de sistemas nervosos e comportamentos rigidamente estruturados, a evolução levou a mais estruturas e atividades plásticas, como no caso dos mamíferos, especialmente os primatas, que são dotado de um córtex cerebral desenvolvido, eles mostram uma notável plasticidade, que é uma habilidade de modificar o comportamento (Larsen 2013:137). Existem, portanto, espécies animais especializadas, que são baseadas em padrões de ação instintivos e outros comportamentos mais determinados estruturalmente, e espécies não especializadas, que se revelam mais flexíveis, adquirem novos comportamentos através de experiências individuais e são capazes de resolver novos problemas (Mainardi 1979:11) . A distinção entre espécies especializadas e espécies não especializadas é baseada na existência de diferentes estruturas cerebrais (respectivamente, paleoencefálicas e neoencefálicas), bem como em outros mecanismos, como a dieta e o contexto social da vida (Vincent & Lledo 2012:27). Numerosos estudos sobre o comportamento dos animais em relação aos diferentes tipos de plasticidade nervosa, isto é, as diferentes maneiras de resolver os problemas do ambiente em que vivem, nos induz a reduzir uma concepção rigidamente determinista das funções cerebrais e enfatizar como o cérebro deveria ser considerado em termos plásticos e holísticos, especialmente no que diz respeito às bases neurobiológicas das atividades cognitivas, como memória e aprendizagem (LeDoux 2011:602). Nesta perspectiva de pesquisa, o cérebro não é mais concebido como um órgão que se limita a codificar informações de uma maneira específica, mas como um órgão que tem a capacidade de produzir movimentos semelhantes em diferentes circunstâncias, um processo que não é específico, mas faz parte de uma estratégia de generalização (LeDoux 2011:169). Se, portanto, definirmos 'aquela coisa indefinível' que é a inteligência como uma atitude unitária e global de um dado indivíduo pensar racionalmente e encontrar a solução adequada para resolver os problemas do meio em que ele vive, então deve ser dito que até os animais, e não apenas humanos, eles se comportam de maneiras que resolvem situações problemáticas impostas pelo ambiente (Cornoldi 2007:15s). No sistema nervoso dos animais, coletam-se informações que controlam como o seu comportamento interage, mas esta informação não só é depositada no patrimônio genético da espécie e transmitida de geração em geração, como também é adquirida através de um processo de aprendizado à custa de único indivíduo (Cornoldi 2007:96). Isso significa que ambas as categorias, inatismo e aprendizado, são responsáveis ​​por controlar um módulo comportamental, com a prevalência de um sobre o outro dependendo da espécie. A maioria dos invertebrados é caracterizada por uma série de comportamentos inatos particularmente desenvolvidos, enquanto que, nos vertebrados, há mudanças comportamentais atribuíveis ao processo de aprendizagem (Mainardi 1979:157.170). Gene e ambiente, estrutura genética e aprendizagem caracterizam-se por uma interação dinâmica no âmbito do desenvolvimento comportamental.

 

10.2 Determinismo

Um certo fatalismo determinista, uma abordagem filosófica particular e deficiências técnicas reais contribuíram, no passado, para pensar o cérebro como uma estrutura 'rígida'. Hoje, a neurociência sustenta uma estrutura cerebral plástica e modificável, em vez de determinada e invariante, isto é, reconhece que o ambiente é capaz de modificar a estrutura dos neurônios, produzir uma rede nervosa mais complexa e estimular funções comportamentais (Larsen 2013:110). Assim, o mito de um determinismo cerebral estrito e sua imutabilidade estrutural entrou em colapso. O cérebro está realmente predisposto para que alguns de seus núcleos realizem funções específicas (mesmo no córtex cerebral é possível localizar algumas funções, como os centros que controlam a linguagem e decodificá-la), mas ao mesmo tempo a maioria das estruturas e funções cerebrais são integradas entre si, como demonstram os comportamentos complexos, como os processos de memória e generalização (Damasio 2012:83). Em outras palavras, o cérebro tem enormes capacidades plásticas que podem ser perfeitamente explicadas em termos neurobiológicos (Vincent & Lledo 2012:17). A plasticidade é uma característica saliente de todas as células nervosas, que podem reagir a estímulos ou deixar de reagir (ou seja, se acostumar) ou modificar sua função (memorizar e reconhecer estímulos), mas não afeta apenas os neurônios, afeta também os diferentes núcleos e as diferentes áreas do cérebro (Damasio 2012:384). No entanto, existem também estruturas 'rígidas' e estas são as estruturas mais primitivas do sistema nervoso em termos de história evolutiva. Essas estruturas também existem em humanos, mas no cérebro humano o córtex, a estrutura mais recente em termos filogenéticos e mais expandida em relação a outras espécies, permite um alto nível de plasticidade, no sentido de que não há determinismo absoluto quanto ao que deveria ser os papéis das várias áreas (Oliverio 2008:10). No entanto, variações na plasticidade ocorrem em relação ao desenvolvimento do indivíduo. Os genes, de fato, traçam algumas regras que estabelecem qual será o papel de uma área específica (por exemplo, os centros de controle e decodificação da linguagem), mas o ambiente pode modificá-los ou até mesmo subvertê-los: experiências muito precoces, mesmo pré-natal, eles podem mudar o comportamento, como mostrado por estudos feitos em seres humanos, mas também em animais (Oliverio 2008:33).

 

10.3 A capacidade do nosso cérebro

O córtex frontal é a parte do cérebro que se transformou mais profundamente na evolução dos mamíferos e atinge a expansão máxima na espécie humana (Oliverio 2008:48). Nosso cérebro é capaz de usar diferentes núcleos e estruturas nervosas para analisar simultaneamente os diferentes aspectos e características de um problema, de uma memória, de uma nova realidade que deve ser comparada com esquemas de referência já existentes (LeDoux 2011:599). A capacidade do nosso cérebro é tão dupla: ele quebra ou analisa as diferentes características de uma realidade particular e as reconstrói fazendo uma síntese (a memória talvez seja, nesse aspecto, o exemplo mais simples e mais indicativo)(Searle 2005:253) Essa altíssima plasticidade e poder analítico do homem depende da autonomia funcional das diferentes áreas ou conjunto de neurônios (mas também de grupos maiores, como os dois hemisférios cerebrais), que caracterizam o córtex cerebral: quanto mais o cérebro é capaz de se dividir as tarefas, mais ela é capaz de processar informações simultaneamente, especialmente se estiverem em conflito (Oliverio 2008:51). Uma das características mais evidentes do córtex cerebral humano é aquela ligada à diferença entre as fibras corticais que caracterizam os dois hemisférios (Oliverio 2008:11). No entanto, a capacidade combinatória do pensamento não está presente no nascimento, mas é o resultado de um longo processo evolutivo, regulado tanto por estímulos culturais quanto pelo desenvolvimento do sistema nervoso (Cornoldi 2007:86). Isso significa que o desenvolvimento de habilidades intelectuais não é um processo linear e que as diferenças comportamentais entre indivíduo e indivíduo são afetadas por uma interação complexa entre fatores genéticos, congênitos e ambientais (Oliverio 2008:40). Essas diferenças levaram os estudiosos a substituir a noção atual de inteligência como um único personagem ou conjunto de caracteres com o modelo de inteligências múltiplas (para o momento em que sete formas são conhecidas: competência lógico-matemática, competência espacial, inteligência linguística, inteligência corpórea) talento teatral, musical, habilidade intrapessoal e habilidades interpessoais ou sociais) (Cornoldi 2007:52s). Cada 'inteligência' ou competência seria semi-autônoma, teria sua esfera de influência e sua representação neurológica: diferentes tarefas requerem diferentes 'inteligências' (Cornoldi 2007:48). Essas diferenças são em parte inatas, como mostram as pessoas com diferentes tipos de inteligência dentro da mesma cultura, e em parte devido ao papel desempenhado pelo ambiente que, desde a infância, desenvolve algum potencial em maior extensão do que outros, como demonstra a existência de diferenças entre os povos (Cornoldi 2007:116).

 

10.4 A criatividade do nosso cérebro

Tudo isso levanta o problema da criatividade do nosso cérebro, que usa diferentes estratégias e caminhos na resolução de problemas (Damasio 2012:55-56). A esse respeito, devemos distinguir dois tipos de pensamento: de um lado, o pensamento lógico ou convergente, isto é, o pensamento voltado para a única resposta correta possível; por outro lado, há um pensamento divergente ou criativo, que visa não apenas fornecer a resposta 'correcta', mas também descobrir soluções incomuns, diferentes das óbvias e convencionais. O pensamento convergente está, em parte, em relação direta com o desenvolvimento do córtex cerebral. Mesmo as outras espécies animais são de fato capazes de resolver certos problemas, algumas espécies até mesmo fazem uso de ferramentas (é o caso dos primatas, abutres, tentilhões, lontras marinhas) (Harris 2002:26), para também usarem 'mapas mentais', que lhes permitem otimizar a busca de alimentos e ferramentas para obtê-lo (por exemplo, chimpanzés), aprender estratégias até mesmo complicadas para rastrear os alimentos, encontrar uma saída para um labirinto e assim por diante (por exemplo, cães e gatos) (LeDoux 2011:599), mesmo que essas capacidades sejam obviamente mais elementares que as habilidades do homem (Griffin 1981:10). Mas a mesma coisa não pode ser dita sobre pensamento divergente ou criatividade. No homem, dotado de um córtex cerebral extremamente expandido, há um pensamento divergente que o caracteriza em relação aos animais, nos quais ele também está presente, mas de uma forma muito menos desenvolvida. Em humanos, os dois hemisférios cerebrais não possuem características especulares, pois o hemisfério esquerdo preside os processos da linguagem, enquanto o direito está mais envolvido em comportamentos emocionais e em atividades artísticas e divergentes: pensamento convergente e racional, estruturado pela linguagem, está principalmente ligado à atividade do hemisfério esquerdo, ao invés do criativo, que é baseado em códigos visuais, na representação através de imagens, em assonâncias e associações livres, parece depender acima de tudo da atividade do hemisfério direito (Damasio 2012:258). O indivíduo criativo frequentemente confiaria nesse pensamento divergente e um tanto fantástico que geralmente é suplantado pela lógica do hemisfério esquerdo (Cornoldi 2007:91).

 

11. Linguagem: o atributo exclusivo do homem?

 

11.1 O continuum

É muito difícil definir a linguagem de forma inequívoca e, consequentemente, é difícil estabelecer a diferença entre a linguagem humana e animal (Griffin 1981:163). Para muitos estudiosos, a linguagem é uma característica humana e é a habilidade peculiar de se comunicar por meio de sinais vocais, em um código altamente complexo (Gevaert 1992:35). Para outros autores, esta definição é demasiado restritiva, porque, por linguagem, entendemos um sistema de sinais ou símbolos destinados a transmitir informações da fonte (emissor) para o destinatário do sinal (receptor); a linguagem não seria, portanto, um atributo exclusivo do homem (Duranti 1997:299). Até mesmo a comunicação animal (por exemplo, a comunicação sonora das aves) apresenta uma certa complexidade e, em muitos casos, é transmitida culturalmente ao mesmo nível do humano. De facto, existem muitas formas de comunicação. O código fonético humano simbólico não é o único adotado por nossa espécie que, como outras espécies animais, também utiliza formas de comunicação não-verbal, como gestos, expressões faciais, diversas atitudes, cheiros, etc (Lorenz 2012:319). A dificuldade de discriminar entre linguagem fonética humana e comunicação animal não impede, no entanto, a identificação de alguns critérios capazes de definir um sistema de comunicação como a linguagem. O último deve ser simbólico e abstrato, ou seja, deve ser capaz de conotar ideias, coisas ou eventos distantes no tempo e no espaço e dotado de plasticidade suficiente para descrever novas combinações possíveis de coisas, ações, etc. Com base nesses critérios, a diferença entre linguagem humana e linguagem animal é uma diferença de grau e complexidade: nos códigos de comunicação do reino animal, portanto, há um continuum, do simples ao mais complexo (Griffin 1981:165). Essa diferença é confirmada tanto pela pesquisa sobre as bases biológicas da linguagem quanto pelos numerosos estudos sobre a linguagem simbólica dos animais, em particular a linguagem dos macacos (gorilas, chimpanzés, macacos), que se mostraram capazes de aprender um vocabulário e usá-lo. Por iniciativa própria, em relação a um ser humano ou a um macaco específico, a linguagem das abelhas (a chamada 'dança das abelhas'), considerada uma verdadeira 'linguagem', é caracterizada pela sua complexidade e pelo fato de ser parcialmente com base no uso de um código de sinais simbólicos (Chomsky 2010:256) e, finalmente, a linguagem dos gritos de alarme, que sugere a existência de 'dialetos' presentes em diferentes populações de animais da mesma espécie e, portanto, a herança cultural da linguagem, mesmo no reino animal.

 

11.2 A linguagem humana

O caráter simbólico e abstrato da linguagem (humana e, ainda que de forma muito menor, animal) nos leva a revisitar o conceito de “instinto”, entendido como uma resposta pré-fabricada que, fora de qualquer experiência individual, elimina o conceito de “instinto” animal em muitas situações (Chomsky 2010:128). Naturalmente, o comportamento dos animais baseia-se na chamada 'experiência ou memória da espécie', mas eles também lucram com a experiência individual através da aprendizagem, devido ao facto de que muitos deles vivem em ambientes altamente variáveis, nos quais existem ou existem eles podem ser inesperados (Gehlen 1983:372). Todos os organismos do reino animal (dos humanos aos protozoários) sabem modificar adaptativamente seu comportamento com base em experiências pessoais: quanto mais uma espécie é adaptada para viver em um ambiente estável e bem definido, mais ela pode pagar a sabedoria biológica. preconcebida dos instintos (Damasio 1995:191). Espécies que vivem em ambientes variáveis ​​devem confiar mais no aprendizado. É um princípio que, devido à sua generalidade, é um pouco redutor. Não é fácil separar o que é geneticamente determinado daquilo que é adquirido por experiências pessoais, especialmente no caso de animais mais evoluídos, como aves e mamíferos. O reino animal é amplo e articulado e existem, portanto, diferentes formas de aprendizado (habituação, aprendizagem por associação, aprendizagem latente, intuição, habilidades cognitivas), que não permitem traçar as fronteiras entre inato e aprendido de maneira clara e precisa (Edelman 1991:49). As coisas tornam-se ainda mais complicadas se for o homem que é naturalmente parte do reino animal e no decurso da sua evolução passou da aprendizagem individual para a aprendizagem social, uma habilidade que ele desenvolveu mais do que qualquer outra. espécie e distingue-a essencialmente dos animais. Mas se o homem é especialista em cultura, ele não tem exclusividade para isso, porque mesmo na natureza existem muitas culturas de animais que, embora pequenas e simples, são particularmente úteis para entender as bases biológicas e os significados primitivos de nossa cultura (Harris 2002:53). Sem dúvida, no momento do nascimento, os animais têm respostas inatas (instintivas), geneticamente determinadas e parte de sua estrutura hereditária, mas também têm a capacidade de modificar seu comportamento com base em uma série de experiências adquiridas durante seu crescimento. O desenvolvimento de módulos comportamentais é sempre devido a uma complexa combinação de componentes inatos e aprendidos (Harris 2002:69). Portanto, é apropriado evitar uma análise do desenvolvimento comportamental com base na dicotomia instinto-aprendizagem, na qual o instinto dependeria da genesis e aprendizado do ambiente.

 

11.3 A linguagem humana e a linguagem dos animais

O fator decisivamente discriminativo na separação da linguagem humana da linguagem dos animais é, à primeira vista, o fato de que a primeira, ao contrário da segunda, parece ser um fenômeno puramente cultural: as bases biológicas seriam irrelevantes para a aquisição da linguagem por uma criança (Guest 2014:115). O balbucio de uma criança, que é a repetição monótona de uma série de sons (lallation) com os quais ele gradualmente vem para construir sons elaborados e complexos, as palavras, formadas pelos fonemas, os 'blocos de construção' da linguagem, constituem um um passo fundamental no aprendizado da linguagem e levou a repensar um certo modo de pensar. Os fonemas de fato apresentam semelhanças notáveis nas mais diversas línguas, tanto que alguns linguistas os consideram estruturas invariantes, programadas pela memória genética (Cornoldi 2007:95). Em nossa estrutura cerebral, haveria capacidades inatas para a formação de palavras: a linguagem já está 'escrita' no cérebro do recém-nascido. A produção vocal do recém-nascido, durante as primeiras semanas de vida, depende dos núcleos mais antigos do sistema nervoso, do mesencéfalo, enquanto estruturas mais recentes assumem, as do chamado sistema límbico, responsável pelo balbucio emocional, emitido pelo sistema nervoso central para comunicar-se com seletividade crescente seus estados de bem-estar, mal estar ou irritação (LeDoux 2011:118). Somente no final do primeiro ano de vida, quando a criança aprende a imitar os sons de adultos e a compor os fonemas de forma articulada, as estruturas nervosas do córtex cerebral assumem: os fonemas ou sons básicos (ma-ma-ma, pa -pa-pa etc.) são repetidos (como na mãe), recombinados (como no da-do) e finalmente reorganizados em uma linguagem baseada em regras muito precisas: as regras semânticas estruturais que se aplicam à linguagem (Guest 2014:118). A fala mais avançada também se aplica aos fonemas e sílabas produzidos nos gagos, que não são, portanto, uma produção causal, mas respondem a uma estrutura temporal, hierárquica e rítmica. As 'regras' da linguagem, a partir do balbucio até uma produção linguística madura, não são aprendidas, mas parecem ser inatas e universais, independentemente da linguagem que os homens falam (Searle 1981:81). A linguagem falada está intimamente ligada aos centros nervosos 'motores' do córtex cerebral, nos quais dependem os movimentos dos órgãos fonatórios (músculos faciais, língua e laringe, que contribuem para a articulação dos sons). Sem as áreas do córtex, presentes no hemisfério esquerdo do cérebro, definiram áreas da linguagem - a área de Wernicke, dedicada à identificação e seleção de sons verbais, e a área de Broca, altamente especializada em humanos, que controla a emissão da voz pelo órgão fonatório - áreas imaturas ao nascimento e que amadurecem a partir do nono mês, não seríamos capazes de articular e entender as palavras, faladas ou escritas (Damasio 1995:53). Em macacos antropomórficos, a comunicação vocal é regulada sobretudo pelo sistema límbico, uma rede neural mais primitiva que o telencéfalo dos mamíferos. Em humanos, o sistema límbico retém algumas de suas capacidades primitivas de controle sobre a expressão oral e faz sua influência ser sentida em situações muito envolventes, no entanto, o sistema neocortical tem um amplo controle sobre o sistema límbico e relega-o em certa medida a um papel subordinado em manifestações sonoras (Damasio 1995:144). Entretanto, a maturação das habilidades linguísticas humanas não depende essencialmente dos mecanismos de produção sonora, pois existem linguagens que não são baseadas em palavras, mas em signos, como a linguagem gestual dos surdos-mudos, e essas linguagens apresentam fundamentalmente regras morfológicas, sintáticas e semânticas. semelhantes aos da linguagem falada. Isso significa que em nosso cérebro há uma capacidade linguística comum à linguagem falada, à linguagem gestual e a qualquer outra produção linguística.

12. Evolução biológica e evolução cultural

 

12.1 Imprinting

Estudos recentes sobre grupos de animais vivos na natureza e pesquisas realizadas em laboratório sobre várias espécies mostraram que a interação intraespecífica resulta na transmissão de novos padrões comportamentais adquiridos através da experiência de um indivíduo para outro (o que é comumente indicado com o termo 'tradição' e tradicionalmente também devemos entender aqueles comportamentos transmitidos de uma geração para outra sem a necessidade de interação social direta entre indivíduos) não é apenas um fenômeno da espécie humana por si só, mas é relativamente comum para vertebrados e invertebrados como uma maneira importante de se adaptar (Harris 2002:63-65). É claro o valor que ele tem para a sobrevivência de um organismo, que muitas vezes tem que enfrentar desafios ambientais particularmente desafiadores, a possibilidade de explorar a aquisição de alguns padrões comportamentais já experimentados por co-específicos, que lhe permitem evitar a repetição de mesmas experiências (Gehlen 1987:87). A formação de tradições locais características de cada população pressupõe naturalmente o envolvimento de alguma forma de aprendizagem social que favoreça a disseminação da informação. Como na esfera humana, mesmo entre os animais, os jovens são particularmente adequados tanto para fazer descobertas quanto para assimilá-los, enquanto os adultos tendem a estabilizar as tradições adquiridas, como demonstrado, por exemplo, pela sociedade macaca (Harris 2002:67). Várias formas de aprendizagem social podem ser distinguidas, algumas mais conservadoras, que permitem a transmissão de informações vitais para a espécie, outras mais inovadoras, o que pode levar a uma rápida evolução cultural do comportamento (Anati 1992:55). Formas de aprendizagem social são:

- o imprinting, isto é, o comportamento particular de certos animais (pintos, rolas, cordeiros) durante os primeiros dias de vida, no qual eles seguem todo objeto em movimento, desenvolvendo em um curto espaço de tempo um forte apego a ele (Lorenz 2012:173-183);

- ensino, que pode ser baseado em encorajamento ou desânimo para se comportar de uma certa maneira (Lorenz 2012:193-199);

- imitação, através da qual novos comportamentos são aprendidos, não característicos da espécie e para os quais não existe nenhuma tendência inata (Lorenz 2012:77);

- a estimulação localizada da atenção, com a qual há um aumento na tendência de responder a um estímulo-objeto particular como consequência da resposta de outro indivíduo a esse objeto (em outras palavras, é um tipo de aprendizagem por tentativa e erro) (Lorenz 2012:90–94).

Deve-se reconhecer, portanto, que há espécies (certos insetos, alguns peixes, algumas espécies de répteis, numerosas aves e mamíferos) nos quais, ao lado da herança (genética) de módulos comportamentais fixos e específicos e também da capacidade de aprender, um legado 'cultural' pode se desenvolver. Culturas normalmente inovadoras são encontradas em espécies que vivem em ambientes variáveis ​​ou em espécies que tendem a colonizar novas áreas. Sendo um fenômeno de socialidade, a transmissão cultural tem um papel de regra entre os membros da mesma espécie, mas não faltam casos em que a informação passa de uma espécie para outra, assim como há casos em que ocorre transmissão cultural sem aprendizagem social (por exemplo, salmão) (Harris 2002:361-363).

12.2 Mesmo que a tradição cultural seja, por definição, não-genética, a capacidade de aprendizagem social sempre tem uma base genética: a cultura é também uma experiência da biologia, dependente, mesmo que indiretamente, dos controles genéticos (Cornoldi 2007:95). Como qualquer fenômeno de herança, um patrimônio cultural pode, com o tempo, produzir um processo evolutivo. A capacidade de evolução cultural, embora presente em várias espécies, permanece, no entanto, a qualidade mais característica da espécie humana, que certamente pode ser considerada a única verdadeiramente especializada como produtora de cultura. Em particular, a evolução cultural como fenômeno especificamente humano permite uma comparação com a evolução biológica e captura interações, analogias e diferenças. Os mecanismos que determinam os dois tipos de evolução podem ter a mesma função ou o mesmo efeito (isto é verdade, por exemplo, no que diz respeito a seleção, acaso, tendências de migração). No entanto, também existem diferenças entre os dois tipos de evolução, sendo o mais significativo o modo de transmissão hereditário: rígido e lento na evolução biológica, maleável e rápido na evolução cultural. Além das semelhanças e diferenças, há também inter-relações entre os dois tipos de evolução: a cultura surge da biologia, mas pode influenciar a evolução biológica de suas estruturas básicas, tanto das espécies que a produzem quanto de outras que coexistem com a biologia. Do que foi dito até agora, emerge que 1) a cultura deve ser considerada como a qualidade caracterizadora da espécie humana (White 1940:452); 2) a cultura não é apenas humana, no entanto, como há muitos casos de evolução cultural em aves e mamíferos, nos quais é possível identificar a transmissão de memes (= as menores unidades de informação transmitidas culturalmente do que geneticamente por um indivíduo para outro: uma ideia, uma crença, um costume etc.) (Distin 2005); 3) mesmo o comportamento humano - e não apenas o dos animais - é, pelo menos em parte, programado através de adaptações filogenéticas (Hodos 1981:16); 4) finalmente, o comportamento humano é, portanto, uma realidade moldada tanto pela evolução biológica (ou filogenética) quanto cultural (Scupin 2016:60).

 

12.3 O homem por natureza um ser cultural

Com tudo isso, podemos dizer que o homem é por natureza um ser cultural. Daí a distinção, que apareceu na filosofia contemporânea, entre 'ambiente' e 'mundo'. 'Ambiente-próprio’ (Umwelt) indica um espaço de vida bem definido com o qual o ser vivente mantem relações receptivas e activas (Scupin 2016:17); pelo contrário, o 'mundo' (Welt) expressa uma certa ligação com o meio ambiente, mas ao mesmo tempo transcende o último, por ser percorrido em movimentos e acções comunicativas onde o homem adquire  a sua experiencia e é sempre além de seu próprio ambiente. O comportamento geral do homem é caracterizado pelo conceito de 'abertura ao mundo', em oposição ao 'estar-restrito ao ambiente' dos animais (Gehlen 1983:66). Já do ponto de vista biológico, o comportamento humano é caracterizado por uma surpreendente «não-especialização», que não é uma deficiência (ou não é apenas isso), mas a condição pela qual o homem pode levar uma existência propriamente humana. A ligação entre gene e comportamento deve, em qualquer caso, ser reconhecida não apenas para interpretar as sociedades animais, mas também a sociedade humana. No entanto, esta conexão, no que diz respeito ao homem, nem sempre é direta: factores como experiência, plasticidade comportamental, evolução cultural e a possibilidade de escolhas conscientes contribuem significativamente para o perfil comportamental da espécie humana. A distinção entre evolução biológica e evolução cultural deve, portanto, ser mantida muito firme: os mecanismos de seleção biológica, que explicam a diversidade de espécies, não esclarecem as diferenças entre as várias culturas e civilizações. Isso significa que o homem procura o sentido de sua vida fora dos mecanismos da evolução biológica: ele o procura na arte, moralidade, fé, em suas relações interpessoais (Gehelen 1983:33). Todos esses campos dizem respeito à evolução cultural, não à evolução biológica. O homem é, em última instância, o único capaz, ao menos em parte, de libertar-se da natureza e de seu determinismo fundamental (Gehelen 1983:164). É por isso que a espécie humana, apesar das semelhanças e semelhanças com outras espécies animais, não pode ser rastreada até qualquer outra.

 

12.4 A relação entre mente e cérebro

Neste ponto, a questão delicada surge sobre a relação entre mente e cérebro, entre estados 'mentais' e estados 'cerebrais'. Existe alguma identidade limitada entre os dois, no sentido de que um evento mental é um evento físico, embora, como um processo, tenha propriedades que não podem ser idênticas àquelas dos componentes estruturais do cérebro que lhe dão origem. As propriedades mentais, no entanto, não podem variar na ausência de variação nos estados cerebrais e, portanto, são propriedades derivadas (Searle 2005:51). Partes evolutivas do cérebro determinaram o aumento em algumas espécies de vertebrados (aves e mamíferos) de uma 'consciência primária' (o estado de estar ciente de algo). Com o advento da linguagem, através da evolução de áreas cerebrais capazes de usar a referência simbólica, capaz de uma verdadeira linguagem, uma consciência direta desenvolvida na espécie humana, uma 'consciência da consciência' ou consciência de ordem superior, isto é, o reconhecimento pelo sujeito pensante de seus atos e suas afeições, uma capacidade que permite ao homem uma memória de longo prazo, de não mais estar conectado a eventos em um período de tempo imediato, como animais, e, portanto, de operar um distinção entre um passado e o presente, que está bastante ligado à consciência primária (Edelman 1991:230). A individualidade biológica não é simplesmente comparável à personalidade: antes do surgimento da linguagem, provavelmente não havia 'eu' ou 'pessoas'. Mesmo que a evolução da linguagem exigisse a existência de estados antes da consciência primária, era, no entanto, a base para fortalecer a transmissão social e a comunicação intersubjetiva. De qualquer forma, a origem e a evolução da linguagem ocorreram e de qualquer forma as relações entre pensamento e linguagem são definidas, é claro que uma consciência de ordem superior e a evolução cultural a que ela dá origem foram capazes de desenvolver-se apenas com o surgimento da verdadeira linguagem, da qual, em última análise, apenas a espécie humana é dotada (idem). É, portanto, na faculdade da linguagem, própria da espécie humana, que se localiza a linha de demarcação que separa o homem do animal. De animal para homem, o passo é curto; ao animal na verdade não falta que a palavra: o homem é zoøn logikon, o animal que fala. É a palavra, o discurso que permite ao homem recuperar e transfigurar o ambiente natural e constituir, não só facilitar, as relações humanas, já que através da palavra ele pode abstrair da situação concreta.

 

Anati, Emmanuel

1992      Le Radici della Cultura. Milano: Jaca Book.

Chomsky, Noam

2010      Il Linguaggio e la Mente. Torino: Bollati Boringhieri.

Cornoldi, Cesare

2007      L’intelligenza. Bologna: Il Mulino.

Damasio, Antonio

2012      Il Sé Viene dalla Mente. Milano: Adelphi.

Distin, Kate

2005      The Selfish Meme. Cambridge: University Press.

Duranti, Alessandro

1997      Linguistic Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press.

Edelman, Gerald M.

1991      Il Presente Ricordato. Milano: Rizzoli.

Gehlen, Arnold

1983      L’uomo. La sua natura e il suo posto nel mondo. Milano: Feltrinelli.

1987       Prospettive Antropologiche. Bologna.

Gevaert, Joseph

1992      Il Problema Dell’uomo. Antropologia Filosofica. Torino: Elle di ci.

Griffin, Donald R.

1981      The Question of Animal Awareness. New York: Rockefeller University Press.

Guest, Kenneth J.

2014      Cultural Anthropology. New York: Norton.

Harris, Marvin

2002      La Nostra Specie. Milano: Rizzoli.

Hodos, W.

1981      Some Perspectives of the Evolution of Intelligence and the Brain. Berlin.

Larsen, Clark Spencer

2013      Essentials of Physical Anthropology. New York: W. W. Norton & Company.

LeDoux, Joseph

2011      O Cérebro Emocional. Rio de Janeiro: Objectiva.

Lorenz, Konrad

2012      L’anello di Re Salomone. Milano: Adelphi.

Mainardi, Danilo

1979      Il Mestiere dell’etologo. Milano: Bompiani.

Oliverio, Alberto

2008      Geografia della Mente. Milano: Raffaello Cortina.

Scupin, Raymond

2016      Cultural Anthropology. A Global Perspective. Boston: Pearson.

Searle, John R.

1981      Os Actos da Fala. Coimbra: Almedina.

2005       La Mente. Milano: Raffaello Cortina.

Vincent, Jean-Didier, and Pierre-Marie Lledo

2012      Le Cerveau sur Mesure. Paris: Odile Jacob.

White, Leslie A.

1940      The Symbol: The Origin and Basis of Human Behavior. Philosophy of Science 7(4): 451–463.